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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

La Dona e la Spartission de la Tera in Zona de Colonisassion Taliana nel Rio Grande do Sul


La Dona e la Spartission de la Tera in Zona de Colonisassion Taliana nel Rio Grande do Sul


Ne le zone coloniai taliane del Rio Grande do Sul, la spartìa dei beni tra i fiòi e le fiole faceva parte de na tradission che seguiva regole pròprie. La tera, el ben più presioso, zera quasi sempre destinà ai fiòi mas’ci. Par lori, el toco de tera era un’eredità garantìa, tanto che quando un fiol se sposava, el zera sovente premià con i campi da coltivar e con na colónia, dove metèr su casa.

La dona imigrante taliana, con 'l so laoro stragrando, laorava spala a spala co 'l òmo, par mantegner la proprietà e far crèssere i tanti fiòi. Lei la ze stà responsàbile direta par el sussesso de l'imigrassion taliana in ‘ste tere gauchas e par conservar la cultura de la so tera natal, che la zera trasmessa ai fiòi, la ze rivà fin ai nostri dì.

No stante tuto sto impegno, a la dona no ghe vegniva quasi mai riconossùo el dirito a la tera, o, quando 'sta roba capitava, el so parte ne la spartission l'era quasi sempre minore de quel che rivea l'òmo. La tera rara volta faceva parte de l'eredità de la dona imigrante in zona coloniale taliana del Rio Grande do Sul. Se gavea fradèi, per eredità, lei no diventava parona de gnanca un tochetin de tera, se no quando la restava védova o, se ancora scapola e con i veci morti, la restava fiola ùnica, senza fradèi.

Quando capitava la morte de uno de i genitori, la proprietà coloniale, lassada come ùnica eredità, la zera divisa fra i fiòi mas’ci. E quando ‘sta spartission, che dava poca tera a cada uno, lori i la sistemava spesso fra de lori, ma no sempre in pase, comprando el toco de l’altro per cavar l'ostacoli. Par evitar ste desavenze, e se la famèia gavea i messi giusti, i veci cercava, ancora che lori zera vivi, de catar tera par i fiòi mas’ci, uno a uno, man man che i se maridava e formava la so famèia.

Par le tose, quando lore i se sposava, ghe dava en dota, ogni tanto na màchina de cusir e, quasi sempre, na muca da late. Le famèe più riche ghe catava già la tera par i fiòi quando ancora i zera putèi, ani prima che i pensasse al matrimónio. Qualche volta, in famèe pì riche, ghe dava anca due bò ancora picinin, o vedèi, che lori i adestrava pian pian par vardàrli pronti par el futuro, quando lori i sarà òmini paroni de famèia.

La spartission de i beni lassài per eredità se basiava su na division disegual che quasi mai favoriva la dona. Quando un fiol se sposava, el ricivea un toco de tera, quasi sempre una colónia, par laorar e farse la so casa. I genitori la comprava quasi sempre de un visino e, quando no l’aveva, i comprava anca in posti pì lontan. La fiola, poareta, se la gavea fortuna, ricevea qualcosa per la dota: coverte, tovaglie, robe par la cusina, ogni tanto una màchina de cusir o una muca da late. El interessante el ze che parte de ‘sta dota la cusìa lore stesse, con ani de fatiche de note, nei momenti lìbari, spesso tante volte pagà con i pochi schei messi da parte e risparmià con i laoreti par qualquedun o con el guadagno de qualche venda al marcà de ovi o altre robe da lore coltivà.

sábado, 28 de setembro de 2024

Os Sonhos dos Emigrantes


 

Os Sonhos dos Emigrantes

A névoa suave da manhã cobria o porto de Gênova, onde o navio Esperança estava ancorado, preparando-se para zarpar rumo ao Brasil. Entre as sombras e os raios de sol que timidamente cortavam a neblina, um grupo de famílias italianas se reunia, carregando nas mãos não apenas malas, mas também o peso de seus sonhos e expectativas. Cada um dos emigrantes trazia em seus olhos o reflexo de um futuro idealizado, uma terra onde a fome, a miséria e as incertezas seriam substituídas pela abundância e pela dignidade.

Giuseppe Rossi, um agricultor de trinta anos, apertava a mão de sua esposa, Maria, enquanto seus dois filhos, Luigi e Clara, olhavam curiosos para o gigante de madeira que logo os levaria para uma nova vida. Giuseppe nascera e crescera na pequena aldeia de Castelfranco Veneto, onde o solo agora infértil e a falta de trabalho tornaram insuportável a luta diária pela sobrevivência. Em noites de insônia, ele frequentemente ouvia histórias de brasileiros prósperos que haviam sido contadas por viajantes e padres, promessas de uma terra onde tudo crescia, onde o trabalho era recompensado e onde os filhos poderiam sonhar sem limites.

A bordo do Esperança, os dias se arrastavam. A brisa do mar, que inicialmente era um alívio para os emigrantes, tornara-se uma constante lembrança da distância que crescia entre eles e a Itália. As noites eram preenchidas por cantos tristes, lamentos que ecoavam no porão do navio, onde os passageiros de terceira classe estavam confinados. Mas mesmo em meio às dificuldades da viagem, o sonho do Brasil permanecia vivo, alimentado pelas histórias que circulavam entre as famílias.

A primeira visão do Rio Grande do Sul foi uma miragem distante. O litoral recortado, com suas montanhas verdes e florestas densas, parecia prometer tudo o que haviam esperado. Giuseppe apertou a mão de Maria com força, e ambos trocaram um olhar cheio de esperança. “Aqui, construiremos uma nova vida”, pensou ele, certo de que aquela era a terra onde seus filhos cresceriam com dignidade e fartura.

A realidade, porém, era menos indulgente do que as histórias contadas na Itália. Assim que desembarcaram em Porto Alegre, foram direcionados para uma colônia na serra gaúcha, onde a promessa de terras férteis os aguardava. Mas ao chegar, os Rossi se depararam com uma floresta impenetrável, onde o solo virgem ainda clamava por ser desbravado. As árvores gigantescas precisavam ser derrubadas, os troncos arrastados, e os campos preparados para o plantio. As primeiras semanas foram de exaustão física e mental. O isolamento era total; a família mais próxima vivia a quilômetros de distância, e o médico mais próximo estava a dias de viagem.

Mas Giuseppe não desanimou. Ao lado de Maria, que nunca deixava de sorrir, mesmo nas horas mais difíceis, ele começou a trabalhar. As mãos calejadas, acostumadas à terra seca da Itália, aprenderam a lidar com o barro e as pedras do novo mundo. Luigi e Clara, ainda crianças, também ajudavam como podiam, colhendo frutas silvestres e aprendendo com os imigrantes vizinhos a língua portuguesa.

O primeiro inverno no Brasil foi uma prova de fogo. O frio, que eles nunca imaginariam encontrar tão ao sul, adentrava pelas frestas da madeira mal encaixada da pequena casa que haviam construído. Muitos dos imigrantes sucumbiram às doenças, à solidão e ao desespero. Giuseppe temia que sua própria família fosse também tragada por essa onda de sofrimento. Mas a fé em Deus e o amor que compartilhavam os mantiveram fortes.

Então, na primavera seguinte, o milagre aconteceu. A primeira colheita, ainda que modesta, encheu seus corações de alegria. O trigo dourado, que dançava ao vento, simbolizava não apenas o sustento físico, mas a concretização de um sonho. Os Rossi, como muitos outros, haviam finalmente encontrado seu lugar na nova terra. E com o trigo e o milho, vieram as parreiras, os vinhedos, o pão e o vinho, símbolos de uma cultura que não haviam abandonado, mas adaptado e enraizado naquele solo distante.

Os anos passaram, e as colônias italianas na serra gaúcha floresceram. Cidades como Caxias do Sul e Bento Gonçalves surgiram, erguidas pelo trabalho árduo dos imigrantes. Giuseppe, já com os cabelos grisalhos, olhava para seus filhos crescidos, agora donos de suas próprias terras, e sentia o coração aquecer. A Itália estava longe, em outro continente, mas o Brasil se tornara a sua pátria, onde seus netos cresceriam, falando português e italiano, carregando no sangue a força e a resiliência dos primeiros colonos.

No final, os sonhos dos emigrantes italianos não foram apenas expectativas de uma vida melhor; tornaram-se a realidade de um novo começo, uma nova cultura, e um novo Brasil. Giuseppe, Maria e seus descendentes são testemunhas vivas de que, mesmo em meio às dificuldades e aos desafios, a fé e o trabalho podem transformar a terra estrangeira em um lar, onde os sonhos são plantados e colhidos, geração após geração.



segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Luz da Fé: Sob o Céu do Novo Mundo



A Luz da Fé: Sob o Céu do Novo Mundo


Em 1876, na recém-criada Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, as primeiras famílias italianas chegavam em grandes grupos após uma longa e árdua travessia do oceano. Vindos do norte da Itália, predominantemente das regiões do Vêneto e Lombardia, esses imigrantes chegaram em busca de um futuro melhor. No entanto, logo perceberam que a nova terra, embora cheia de promessas, apresentava desafios imensos, muito maiores do que haviam imaginado. Entre esses desafios, a saudade dos entes queridos, da pátria e a ausência de estruturas essenciais, como o conforto da presença de um sacerdote, tornavam-se questões centrais para aqueles católicos devotos.
Giuseppe, um homem de meia-idade, casado, pai de uma família de quatro filhos, oriundo do Vêneto, destacava-se entre os colonos. Com o rosto marcado pelo tempo e as mãos calejadas pelo trabalho, ele carregava consigo mais do que as poucas posses que restaram após a travessia. Giuseppe trazia a memória das tradições e a fé inabalável que aprendera com seus antepassados.
Logo nos primeiros dias, a comunidade começou a sentir a ausência de um sacerdote, do conforto espiritual que a religião lhes proporcionava, algo inédito para aqueles que sempre encontraram refúgio e esperança na fé. Esta que sempre fora o alicerce de suas vidas, parecia ameaçada pela distância e pela ausência de um líder espiritual. Em uma reunião do pequeno grupo, Giuseppe foi procurado pelos outros imigrantes para assumir essa liderança espiritual.
Numa manhã de domingo, em uma clareira aberta na mata densa, as famílias se reuniram para o primeiro grupo de oração conduzido por Giuseppe. Homens, mulheres e crianças se agruparam em silêncio, com os olhos voltados para aquele homem simples que, com um livro de orações numa mão e um terço na outra, tomou a frente e começou a cerimônia. A ausência de um altar foi sentida, mas a simplicidade do local não diminuiu a devoção. Giuseppe foi uma criança frágil, magro e frequentemente acometido por ataques de bronquite. Seu pai, percebendo sua condição debilitada, dispensou-o dos trabalhos pesados na roça e traçou um plano diferente para seu futuro: mais tarde enviá-lo para um seminário. Assim, devido ao seu estado de saúde, Giuseppe pôde frequentar os quatro anos do ensino primário, onde aprendeu a ler e escrever. Desde cedo, dedicou-se a ajudar o pároco de sua pequena cidade natal, participando ativamente das missas, celebrações e diversas outras atividades religiosas, demonstrando uma profunda devoção e interesse pelas práticas da fé. Agora, trazendo consigo essas memórias e conhecimentos, ele conduzia as orações na colônia, com uma voz serena que, embora não fosse imponente, carregava a profundidade de sua devoção e a força de um coração repleto de fé.
Com o passar dos meses, Giuseppe continuou a liderar as práticas religiosas. Os grupos de oração ao ar livre tornaram-se um ritual sagrado, uma reafirmação da fé que os mantinha unidos. As reuniões eram mais do que momentos de oração; eram o alicerce da vida comunitária, onde se discutiam problemas do dia a dia, compartilhavam-se alegrias e tristezas, e se criava um senso de comunidade em meio ao isolamento.
A fé, em sua ausência física de um sacerdote, tornou-se ainda mais essencial. Ela era a chama que iluminava o caminho daqueles que estavam longe de casa, mas nunca longe de Deus. Um dia, a morte visitou a Colônia Caxias. Uma das crianças, acometida por uma doença súbita, não resistiu. A tragédia abalou profundamente a comunidade. Mais uma vez, Giuseppe assumiu a liderança, preparando a cerimônia fúnebre e oficiando as rezas como o pároco fazia na Itália, mas agora em terras estrangeiras.
No pequeno cemitério improvisado, as famílias se reuniram em volta da sepultura. Giuseppe, com lágrimas nos olhos, proferiu palavras de consolo e esperança, recordando a todos que, apesar da dor, a fé era a única coisa que nunca deveriam perder. A fé era o elo que os mantinha conectados, não apenas uns aos outros, mas também à terra que deixaram para trás e ao Deus que nunca os abandonaria.
Com o tempo, a comunidade se fortaleceu. As primeiras colheitas trouxeram um alívio modesto, mas significativo, para as necessidades diárias. A cada domingo, o grupo de oração conduzido por Giuseppe era uma reafirmação da vida que todos estavam construindo juntos, com suor, lágrimas e fé. Quando finalmente um sacerdote chegou à colônia, a importância de Giuseppe na vida espiritual da comunidade não diminuiu. Ele continuou a ser a alma daquela gente, o homem que, com fé e coragem, manteve a chama viva quando tudo parecia sombrio.
A história de Giuseppe e da Colônia Caxias é um exemplo da força indomável da fé. É a história de um povo que, mesmo diante das adversidades, encontrou na religiosidade um porto seguro, um refúgio onde podiam renovar suas forças para enfrentar os desafios do novo mundo. Sob o céu do Rio Grande do Sul, a fé continuou a iluminar o caminho daqueles que, como Giuseppe, jamais perderam a esperança.


domingo, 8 de setembro de 2024

Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores

 


O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.

Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.

A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.

A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”

Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.

Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”

E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Raízes de Esperança



O ano era 1875, e a Itália, bela em suas paisagens, estava ferida por crises econômicas e sociais. A pequena vila de Montebello, na região de Vêneto, sentia os efeitos dessa realidade. Era uma terra de vinhedos antigos, mas a promessa de prosperidade já não mais sustentava suas gentes.
Giuseppe, um homem de trinta e cinco anos, de olhar firme e mãos calejadas pelo trabalho na terra, decidiu que era hora de partir. Ao lado de sua esposa, Maria, e seus dois filhos, Enzo, de oito anos, e Sofia, de cinco, Giuseppe tomou a difícil decisão de deixar sua terra natal. Seus pais o aconselharam a ser corajoso, a confiar no futuro, mas as palavras pesavam como chumbo em seu coração.
A travessia do Atlântico foi longa e dolorosa. A bordo de um navio abarrotado de sonhos e incertezas, a família enfrentou tempestades e o medo do desconhecido. Giuseppe passava as noites acordado, segurando a mão de Maria, enquanto ela consolava as crianças, que choravam de saudade e fome. O futuro parecia uma promessa distante, mas a fé os mantinha de pé.
Quando finalmente avistaram terra, após meses de viagem, a família estava exausta. O Brasil os recebeu com um calor que contrastava com o frio que sentiam em suas almas. Chegaram, depois de mais algumas semanas de viagem, à Colônia Conde d’Eu, um pequeno aglomerado de barracos de madeira e terra batida, cercado por uma densa mata virgem. Giuseppe olhou para aquele cenário com uma mistura de alívio e desespero. Era terra nova, mas o trabalho seria árduo.
Giuseppe logo se pôs a trabalhar. Ele e os outros colonos desbravavam a mata, abrindo caminho para as futuras plantações de parreiras cujas mudas haviam trazido da cidade natal. A terra era fértil, mas o isolamento era cruel. As distâncias entre as casas eram enormes, e o silêncio da mata parecia engolir os sons da vida. A saudade da Itália, dos pais, dos amigos, era uma dor constante no peito de Giuseppe e Maria.
As noites eram frias, e o vento assobiava nas frestas das casas mal construídas. Os filhos sentiam falta das brincadeiras no pátio da velha casa em Montebello, agora substituído por um mundo de incertezas. Mas Giuseppe e Maria continuavam a lutar, dia após dia, acreditando que estavam construindo um futuro melhor para seus filhos.
Depois de anos de trabalho duro, finalmente chegou o momento da primeira colheita. Giuseppe sentiu um orgulho imenso ao olhar para as vinhas carregadas de uvas maduras. Ele sabia que aquele era o começo de uma nova vida para sua família. Com a ajuda de outros colonos, começaram a produzir o vinho, seguindo as técnicas que haviam aprendido na Itália.
O primeiro vinho produzido na colônia foi um marco. Era um vinho simples, mas carregado de significados. Para Giuseppe, cada gota daquele líquido representava o suor de seu trabalho, as lágrimas de sua esposa, e a esperança de seus filhos. Quando o vinho ficou pronto, os colonos se reuniram para celebrar. Era uma noite estrelada, e as risadas ecoaram pela colônia, afastando a solidão e a tristeza que tantas vezes os haviam visitado.
Naquela noite, Giuseppe brindou com os outros colonos, olhando para Maria e os filhos. Ele sabia que ainda havia muito a fazer, mas pela primeira vez desde que chegara ao Brasil, sentiu que haviam encontrado seu lugar no mundo.
Os anos passaram, e a colônia começou a crescer. Novos imigrantes chegaram, trazendo consigo novas esperanças e desafios. As casas de madeira foram substituídas por construções mais sólidas, e as plantações se expandiram. Mas com o progresso, vieram também os desafios.
As doenças eram uma ameaça constante. A febre e a malária ceifaram vidas, e os médicos eram raros na região. Maria se dedicou a cuidar dos doentes, usando os conhecimentos de ervas que havia aprendido com sua avó na Itália. Ela se tornou uma referência na comunidade, uma mulher de força e compaixão que todos respeitavam.
Sofia, agora uma jovem mulher, ajudava a mãe no cuidado dos doentes, enquanto Enzo seguia os passos do pai na vinícola. O vinho produzido por Giuseppe começou a ganhar fama na região, e ele sonhava em um dia ver seu nome associado aos melhores vinhos do Brasil.
Mas os tempos de dificuldade não haviam terminado. Uma praga devastadora atingiu as vinhas, ameaçando destruir tudo o que haviam construído. Giuseppe lutou com todas as suas forças para salvar as plantações, mas o futuro parecia incerto. A família se uniu ainda mais, enfrentando as adversidades com coragem e determinação.
Após anos de luta, o progresso finalmente chegou à colônia Conde d’Eu. As estradas foram abertas, facilitando o transporte dos vinhos para outras regiões do Brasil. Giuseppe, com sua visão e determinação, decidiu investir na produção de espumantes, uma bebida que começava a ganhar popularidade no país.
A primeira produção de espumante foi um sucesso. O espumante de Giuseppe se tornou conhecido em todo o Brasil, e a colônia começou a prosperar. A família se tornou uma referência na produção de vinhos e espumantes, e Giuseppe viu seu sonho se realizar.
Enzo, agora um homem feito, assumiu a responsabilidade pela vinícola, trazendo novas ideias e técnicas que aprendeu em suas viagens pela Itália. Sofia se casou com um imigrante italiano, também envolvido na produção de vinhos, e juntos começaram uma nova família.
Maria, sempre ao lado de Giuseppe, viu seus filhos crescerem e prosperarem, e sentiu que todos os sacrifícios haviam valido a pena. Ela e Giuseppe envelheceram juntos, olhando para as colinas cobertas de vinhedos, sabendo que haviam construído algo duradouro, algo que passaria para as próximas gerações.
O ano era 1900, e a colônia Conde d’Eu, agora conhecida como Garibaldi, havia se transformado em um próspero município. As ruas eram repletas de vida, e as cantinas de vinho eram famosas em todo o Brasil. O espumante produzido pela família de Giuseppe era apreciado em festas e celebrações, um símbolo do sucesso dos imigrantes italianos que haviam desbravado aquela terra desconhecida.
Giuseppe, agora com sessenta anos, olhava para tudo o que haviam conquistado com um misto de orgulho e nostalgia. Ele sabia que, sem a coragem de partir, sem a força de sua esposa, sem a determinação de seus filhos, nada daquilo teria sido possível. O nome de sua família estava gravado na história de Garibaldi, e ele sabia que seu legado perduraria.
Em uma noite estrelada, muito parecida com aquela primeira colheita, Giuseppe reuniu sua família e os amigos mais próximos para um brinde. Eles ergueram suas taças, cheias do espumante que havia se tornado o orgulho de Garibaldi, e brindaram ao futuro. Um futuro que, apesar das dificuldades, prometia ser brilhante, como as estrelas que iluminavam o céu acima da colônia.
Garibaldi, a capital brasileira do espumante, é hoje um símbolo de perseverança e sucesso. Os descendentes dos imigrantes italianos continuam a produzir vinhos e espumantes de renome, mantendo viva a tradição que Giuseppe e sua família começaram há mais de um século.
As vinícolas de Garibaldi são um legado da coragem daqueles que, em 1875, decidiram deixar tudo para trás em busca de uma nova vida. E em cada garrafa de espumante, em cada taça erguida, vive a história de uma família que construiu, com amor e suor, um novo lar no sul do Brasil.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS

 



No final do século XIX, a Itália enfrentava tempos difíceis. A fome, a pobreza e a falta de perspectivas atormentavam as famílias, especialmente no norte do país, na região do Vêneto. Foi em meio a esse cenário que Giovanni e Maria R., um casal de agricultores da pequena vila de Villanova del Ghebbo, na província de Rovigo, decidiram buscar uma nova vida. Com seus oito filhos, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre, rumo ao Brasil.

Giovanni R. era um homem forte e determinado, de mãos calejadas pelo trabalho no campo. Maria, sua esposa, era uma mulher de espírito resiliente, conhecida por sua bondade e dedicação à família. Juntos, enfrentaram anos de dificuldades em Rovigo, mas quando a crise atingiu seu ápice, decidiram que era hora de partir, não queriam deixar como herança para os filhos a mesma miséria em que sempre viveram. Abandonar a terra natal não foi fácil; a despedida da casa onde nasceram e dos amigos de infância trouxe lágrimas e um peso no coração. Mas o desejo de oferecer um futuro melhor para os filhos foi mais forte.

Com uma mala cheia de poucas roupas e muitas esperanças, a família R. embarcou no porto de Gênova rumo ao Brasil. A viagem seria muito longa e cansativa, mas Giovanni e Maria estavam dispostos a enfrentar qualquer adversidade pela promessa de uma vida melhor.

O navio que os levaria ao Brasil era o Ester, uma embarcação repleta de outros imigrantes italianos, todos com histórias semelhantes. Durante a travessia, o casal enfrentou dias de mar agitado, noites sem dormir e o medo constante de doenças que rondavam o navio. Maria cuidava dos filhos com todo o carinho, enquanto Giovanni fazia amizade com outros homens que, como ele, sonhavam com a nova terra.

Os filhos, apesar do desconforto, mantinham o espírito jovem e aventureiro, maravilhados com a imensidão do oceano e as histórias que ouviam dos outros passageiros. A cada dia que passava, a Itália ficava para trás, mas o futuro ainda era incerto.

Após quase dois meses de viagem, finalmente avistaram o porto de Rio Grande, no sul do Brasil. A emoção tomou conta de todos, mas também o temor do desconhecido. Giovanni e Maria sabiam que a jornada estava longe de terminar. Depois de uma breve estadia em Rio Grande, onde ficaram provisoriamente abrigados em barracões de madeira esperando a chegada dos pequenos vapores fluviais, a família R. seguiu para o interior, rumo à Colônia de Silveira Martins, também conhecida como a 4ª Colônia Italiana do Rio Grande do Sul. Seguiram pela Lagoa dos Patos, passando pela capital do estado Porto Alegre e subindo as correntezas do Rio Jacuí até a cidade de Rio Pardo.

O caminho até Silveira Martins foi longo e árduo. A pé e em grandes carroças puxadas por bois, cruzaram estradas de terra, estreitas, verdadeiras picadas, chegando na localidade de Val del Buia, enfrentando o frio das serras e as dificuldades de comunicação com os brasileiros locais. No entanto, cada passo era um passo mais perto de sua nova vida. Após mais quinze dias, finalmente chegaram ao barracão que os abrigaria até a distribuição dos lotes de terra.

Ao chegarem à colônia, foram recebidos por outros italianos que já haviam se estabelecido na região. Giovanni e Maria ficaram impressionados com a beleza da paisagem, mas também perceberam que teriam que recomeçar do zero. O barracão que os abrigou era simples, feito de madeira, mas oferecia abrigo. Com o tempo, construíram uma simples choupana no lote a eles designado e, após roçarem uma pequena parte do terreno, iniciaram o primeiro plantio, como faziam em Rovigo, semeando milho, trigo e plantando algumas mudas de parreiras, que haviam trazido de casa.

Os dias eram longos e o trabalho, extenuante, mas Giovanni e Maria sempre encontravam forças um no outro e na esperança de um futuro melhor para seus filhos. Os oito jovens R. logo se adaptaram à nova vida, ajudando no campo, cuidando dos animais e aprendendo, na medida do possível, a língua portuguesa com algumas crianças locais.

Os primeiros anos foram difíceis. As doenças, a distância da família que ficou na Itália e a saudade dos entes queridos pesavam no coração de Maria. Giovanni, por sua vez, lutava contra o isolamento e a solidão das vastas terras. Mas a comunidade italiana em Silveira Martins era unida, e juntos, enfrentaram as dificuldades.

Com o tempo, a colheita começou a dar frutos, e a família R. começou a prosperar. Giovanni e Maria viram seus filhos crescerem fortes e saudáveis, adaptando-se à nova vida. A fé e a tradição italiana permaneceram vivas em seus corações, e as festas religiosas, como a Festa de San Giuseppe, eram momentos de celebração e lembrança da terra natal.

Décadas depois, a família R. se tornou uma das mais respeitadas na colônia de Silveira Martins. Giovanni e Maria envelheceram vendo seus filhos se casarem, terem filhos e prosperarem. A casa simples se transformou em uma propriedade próspera, e o nome R. passou a ser sinônimo de trabalho árduo e superação.

Giovanni, ao olhar para os campos que agora produziam fartura, lembrava-se dos dias em Rovigo, das mãos calejadas e das noites em que ele e Maria se preocupavam com o futuro. A Itália ainda estava em seu coração, mas ele sabia que o Brasil havia se tornado sua verdadeira casa.

Maria, por sua vez, mantinha viva a memória de sua terra natal através das histórias que contava aos netos, das canções italianas que cantava nas noites frias e da comida que preparava com tanto carinho. O sabor da polenta, do pão caseiro e do vinho feito em casa trazia um pouco da Itália para a nova geração.

Giovanni e Maria R., como muitos outros imigrantes italianos, foram pioneiros que ajudaram a construir o Rio Grande do Sul. Suas vidas foram marcadas pela saudade, pelo sacrifício e pela superação, mas também pelo amor, pela fé e pela esperança.

A história da família R. é a história de milhares de italianos que encontraram no Brasil uma nova pátria, sem nunca esquecer suas raízes. Hoje, seus descendentes mantêm vivas as tradições italianas, celebrando a cultura que Giovanni e Maria trouxeram consigo e que floresceu em solo brasileiro.


segunda-feira, 25 de setembro de 2023

As Bênçãos de Marietta, a Trevisana

 





No coração do Rio Grande do Sul, na progressista Colônia Dona Isabel, em 1890, a vida fluía em harmonia com a natureza e as tradições ancestrais. Era um lugar onde as histórias eram tecidas nos campos ondulantes e os segredos da Medicina sem Médicos eram passados de geração em geração.
Maria Trecchiana, uma mulher de cabelos prateados e olhos sábios, era a curandeira mais respeitada da comunidade. Sua sabedoria era conhecida em toda a região, e sua reputação se estendia além das fronteiras da colônia. Maria tinha uma aura de serenidade que inspirava confiança. Ela era o farol da colônia, uma referência de cura e compaixão.
A já idosa Giuseppina, mais conhecida por todos como nona Pina, a matriarca da família Guirosani, era uma das pessoas mais queridas da colônia. Sua casa, uma modesta construção de madeira, era um local de encontros e histórias compartilhadas desde o tempo em que seu marido ainda era vivo. Ela tinha uma memória prodigiosa e podia relembrar com detalhes os relatos de seus antepassados sobre a jornada da Itália até a colônia.
Mas um dia, uma sombra de preocupação pairou sobre a colônia quando nona Pina adoeceu gravemente. As notícias de sua condição se espalharam rapidamente, criando uma aura de apreensão entre os colonos. Ela era desde que chegou a colônia, uma figura central na comunidade, uma verdadeira matriarca, e sua presença era como um pilar que sustentava a todos.
A família Guirosani, angustiada, procurou desesperadamente ajuda para a nona. Não havia hospitais e muito menos médicos na colônia,  ou mesmo próximos a ela, mas todos sabiam que Maria Peruchin, que tinha o apelido de Marietta, a trevisana, devido a sua procedência na Itália, era a única capaz de trazer alívio às dores da matriarca. Com os olhos cheios de lágrimas, eles procuraram a curandeira, implorando por sua ajuda.
Maria aceitou a missão com gratidão, pois era seu dever honrar a tradição de seus antepassados vênetos, que a guiara por toda a vida. Prescrever ervas para curar doenças e arrumar ossos quebrados sempre fôra um dom passado de mãe para filha na sua família. Ela  saiu à procura de certas espécies curativas e começou a preparar uma poção com as ervas colhidas nas encostas da linha Zamith. Seus gestos eram precisos e cheios de devoção, misturando conhecimento ancestral com a fé nas bênçãos da natureza. Durante o processo de procura das plantas corretas, proferia palavras que ninguém compreendia e rezava pedindo ajuda à Deus e aos seus Santos protetores. No final da tarde  ao administrar a poção, ela viu um vislumbre de esperança nos olhos frágeis de nona Pina.
Noites e dias se passaram, com Marietta ao lado da paciente. Ela rezou e benzeu a paciente por diversas vezes, buscando força nas tradições que haviam sido mantidas vivas na colônia. Os Guirosani se reuniam em vigília, compartilhando histórias sobre sua matriarca e mantendo a chama da esperança acesa.
A paciência de Marietta e a determinação dos familiares de Pina foram recompensadas. Gradualmente, nona Giuseppina começou a se recuperar. Seu sorriso fraco, como o primeiro raio de sol após uma tempestade, iluminou a sala escura. A comunidade inteira celebrou a recuperação da matriarca.
Maria Trecchiana não queria recompensa ou reconhecimento, pois sabia que era apenas um elo na corrente de cuidado e tradição que ligava as pessoas da colônia. A cura de nona Giuseppina não era apenas a vitória de uma paciente, mas um testemunho do poder das bênçãos da natureza e da sabedoria transmitida pelas gerações.
Com o tempo, a história de Maria Trecchiana e nona Pina se tornou uma lenda na Colônia Dona Isabel, um lembrete constante do valor da compaixão, da fé e das tradições que uniam aquelas almas gentis em um lugar tão especial. E assim, no coração do Rio Grande do Sul, a Medicina sem Médicos continuou a florescer, fortalecendo os laços entre as pessoas e honrando os ensinamentos de seus antepassados. Era uma história de resiliência, tradição e compaixão que ecoaria eternamente nas montanhas e vales daquelas terras especiais.



sábado, 8 de abril de 2023

As Histórias de Vida dos Imigrantes Italianos no Brasil: Um Olhar Pessoal Sobre uma Jornada Coletiva

 





Introdução

A imigração italiana para o Brasil a partir do século XIX teve um impacto significativo na sociedade e economia brasileiras. Milhares de italianos deixaram suas vilas onde nasceram e cresceram em busca de uma vida melhor no Brasil, mas muitos enfrentaram dificuldades ao chegar na nova pátria, tais como saudades dos entes queridos que ficaram na Itália, a sensação de perda que dava lugar à depressões e alcoolismo, incapacidade de se acostumar com a comida brasileira, mal tratamento por parte dos patrões donos das fazendas, ou o isolamento nas colônias situadas no interior da mata, longe da civilização, barreiras culturais e linguísticas. Na verdade os imigrantes, logo nos primeiros dias no novo país, perceberam com tristeza que tinham sido enganados e que a vida no Brasil seria bastante difícil para eles, muito diferente do que a maioria estava esperando. Neste texto, vamos explorar as motivações e experiências dos imigrantes italianos e discutir como as diferenças culturais e linguísticas afetaram sua integração na sociedade brasileira. 

Motivações para a imigração italiana para o Brasil

As razões pelas quais os italianos emigraram para o Brasil foram diversas e complexas. Na grande maioria dos casos, a emigração foi motivada pela pobreza, escassez de terras e condições de vida difíceis na Itália. Além disso, o crescimento populacional no século XIX levou a um aumento da demanda por terras e empregos, o que incentivou muitos italianos a emigrarem para o exterior em busca de melhores  oportunidades. As guerras pela unificação do país e a formação do novo reino da Itália, com o consequente aumento dos impostos e criação de novas taxas levaram à uma fuga do campo, o aumento do desemprego nas cidades e o empobrecimento cada vez maior da população.

Outras razões para a imigração incluem as perseguições política e religiosa. Alguns imigrantes italianos foram atraídos para o Brasil por causa da promessa de liberdade religiosa e política, bem como da possibilidade de escapar da pobreza e do desemprego na Itália. Alguns também foram atraídos pelos programas de colonização oferecidos pelo governo brasileiro, que ofereciam terras e oportunidades de trabalho para os imigrantes. A possibilidade de emigrar gratuitamente provocou uma grande debandada da população mais pobre e sem trabalho nas pequenas vilas e aqueles marginalizados ou subempregados nas cidades maiores.

Experiências dos imigrantes italianos no Brasil

Ao chegar no Brasil, os imigrantes italianos enfrentaram muitas dificuldades. Eles frequentemente se depararam com barreiras linguísticas e culturais que dificultavam a comunicação com a população local. Muitos também não tinham experiência com as condições climáticas do Brasil e não estavam acostumados com as diferenças culturais, incluindo as tradições alimentares e de vestuário. Além disso, os imigrantes italianos frequentemente enfrentaram discriminação e até racismo nas fazendas do interior de São Paulo onde uma grande parte deles foi parar. Eles eram frequentemente vistos como estrangeiros e eram submetidos a preconceitos e estereótipos negativos por fazendeiros acostumados até então a mão de obra escrava. Essa hostilidade muitas vezes se manifestava em forma de violência verbal e até física.

No entanto, os imigrantes italianos também tiveram sucesso em encontrar oportunidades no Brasil. Com o tempo muitos conseguiram estabelecer suas próprias terras ou empresas e se tornaram bem-sucedidos como empresários e empreendedores. Outros encontraram trabalho nas indústrias têxtil, de mineração e agrícola.




Integração dos imigrantes italianos na sociedade brasileira

A integração dos imigrantes italianos na sociedade brasileira foi um processo gradual e complexo. Em muitos casos, os italianos mantiveram suas tradições culturais e linguísticas, mas também foram influenciados pela cultura brasileira, especialmente nos estados de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Passaram a morar em pequenas cidades do interior e muitos deles se casaram com brasileiros e tiveram a vida no Brasil, criando uma nova identidade cultural e linguística. No Rio Grande do Sul em especial, os imigrantes italianos estavam isolados em colônias italianas localizadas no meio da mata e se casavam quase que somente entre eles, mantendo assim até agora a língua, o modo de viver e a cultura dos seus antepassados.

No entanto, a integração dos imigrantes italianos na sociedade brasileira não foi sempre fácil. A discriminação e o racismo muitas vezes persistiram, e os italianos continuaram a ser vistos como estrangeiros. A língua italiana também não era muito difundida no Brasil, o que dificultava a comunicação entre os imigrantes italianos e a população local. Os italianos que chegaram nos primeiros vinte anos a maioria era composta por analfabetos, que quando muito sabiam assinar o nome e poucos deles tinha conhecimento da língua italiana. Só se comunicavam em seus inúmeros dialetos locais, muitas vezes incompreensíveis entre eles.

Para ajudar a superar essas barreiras, muitos imigrantes italianos criaram organizações de mútuo socorro e associações culturais para promover a cultura e a língua italiana no Brasil. Essas organizações ajudaram a manter a cultura e a língua italianas vivas no país e também ajudaram os imigrantes a se integrarem na sociedade brasileira. No Rio Grande do Sul, por necessidade, chegaram a criar uma nova língua para poder se comunicar entre eles mesmos nas colônias. A grande maioria dos imigrantes não sabia falar italiano, somente os diversos dialetos das zonas de origem na Itália, muitas vezes incompreensíveis para eles. A essa nova língua foi dado o nome de talian, que é uma mistura de dialeto veneto, que é a base dessa língua, com o dialeto lombardo e alguma coisa de trentino e friulano. A esses dialetos se somaram palavras italianas aportuguesadas e ainda hoje, se bem que com menor  difusão, permanece em uso pelos seus descendentes.

Conclusão

A imigração italiana para o Brasil a partir do século XIX foi um evento significativo na história brasileira e teve um impacto duradouro na sociedade e economia brasileiras. Os imigrantes italianos que deixaram o país em busca de uma vida melhor enfrentaram muitas dificuldades ao chegar no Brasil, incluindo barreiras culturais e linguísticas. A imigração  foi um exemplo da coragem e determinação daquele povo pobre, a maioria  analfabeto, mas jamais ignorante. Suas histórias são um testemunho da resiliência humana e do espírito de perseverança que continua a inspirar pessoas em todo o mundo. A história da imigração italiana para o Brasil é um exemplo da diversidade cultural do país. Os imigrantes italianos trouxeram consigo uma rica herança cultural, que se integrou à cultura brasileira. A música, a culinária, a arte e outras expressões culturais italianas deixaram uma marca duradoura na sociedade brasileira e continuam a ser celebradas e apreciadas até hoje. As gerações subsequentes de seus descendentes continuam a contribuir para a sociedade brasileira, mantendo viva a cultura e a tradição italiana. Isso demonstra como a imigração tem um impacto duradouro nas sociedades que a recebem e como a diversidade cultural é uma
força enriquecedora. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS