quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo



Raízes que Cruzaram o Oceano 
do Veneto ao Novo Mundo

Na frazione de Miane, um pequeno agrupamento de casas incrustada nas colinas ondulantes do comune de Valdobbiadene, na província de Treviso, o final do século XIX marcou o fim de uma era e o início de mudanças irreversíveis. A paisagem bucólica, com suas vinhas enfileiradas e olivais centenários, escondia uma realidade dura e implacável. O Vêneto, assim como grande parte da Itália, vivia um período de profunda crise econômica e social.

As reformas implementadas pelo recém-unificado Reino da Itália haviam trazido um peso inesperado às comunidades rurais. As terras, que durante séculos haviam passado de geração em geração, tornaram-se cada vez mais fragmentadas devido às partilhas entre os herdeiros. O resultado era um mosaico de pequenos lotes insuficientes para sustentar uma família. As colheitas, outrora abundantes, já não conseguiam competir com os produtos mais baratos que chegavam de outras regiões e países, impulsionados pela crescente globalização do comércio agrícola.

Como se não bastasse, o novo governo italiano impôs uma carga tributária pesada, alegando a necessidade de financiar o desenvolvimento da jovem nação. Os agricultores, como os Casagrande, sentiam o impacto diretamente em seus bolsos, vendo a maior parte de seus magros rendimentos escoar em taxas e impostos. Ao mesmo tempo, os preços dos insumos agrícolas subiam, enquanto o valor dos produtos finais permanecia estagnado, esmagando ainda mais os pequenos produtores.

A família Casagrande era um exemplo típico dessa luta diária. Patriarca da família, Giovanni Casagrande era um homem de mãos calejadas e olhar resiliente, acostumado a enfrentar a terra dura e as intempéries para sustentar sua esposa Maria e seus três filhos. Maria, por sua vez, equilibrava o papel de mãe e trabalhadora, mantendo a casa em ordem enquanto ajudava no cultivo de trigo, sorgo e videiras. Apesar de todo o esforço, o retorno financeiro era cada vez mais insuficiente, e o futuro parecia sombrio.

Entre os moradores de Miane, crescia um sentimento de frustração e desolação. Reuniões na praça da igreja ou nas tavernas locais eram tomadas por discussões sobre a falta de perspectiva, a desigualdade e o êxodo de jovens em busca de trabalho nas cidades mais industrializadas. Mas não era apenas para as grandes cidades italianas que os olhares se voltavam. Sussurros de oportunidades além-mar começavam a ganhar força. Histórias de terras férteis e generosas no Brasil, ainda que muitas vezes exageradas ou romantizadas, plantavam sementes de esperança em corações desgastados pela miséria.

Foi nesse cenário de incertezas que os Casagrande, após muita reflexão e debate, chegaram à conclusão de que permanecer em Miane significaria um futuro de privações sem fim. Partir parecia a única alternativa, ainda que envolvesse o abandono de tudo o que conheciam – a casa onde nasceram, os campos que araram, e os parentes e amigos que ficariam para trás. A decisão, tão dura quanto inevitável, seria a que definiria os rumos da família e dos descendentes que viriam depois.

Pietro Casagrande, aos 35 anos, era um homem moldado pela terra áspera e generosa das colinas de Miane, onde nascera e passara toda a vida. Desde menino, seu aprendizado fora íntimo e constante, absorvendo os segredos da viticultura que seu pai lhe transmitira com paciência: o momento exato da poda, a escolha das mudas, o cuidado meticuloso com o solo para preservar sua fertilidade. Cada videira, cada cacho, carregava o peso de uma tradição secular que Pietro honrava com dedicação quase religiosa.

Mas o mundo à sua volta já não era o mesmo de outrora. A agricultura familiar, que sustentara gerações, agora se via esmagada por forças que escapavam ao controle dos pequenos produtores. O mercado do vinho, antes local e simples, tornara-se um terreno disputado por grandes negociantes e industriais que podiam ditar preços e impor condições desfavoráveis aos agricultores. Pietro via, com angústia, seus esforços esmorecerem diante da impossibilidade de competir com esses gigantes. A produção familiar mal cobria os custos, e a incerteza tornava-se companheira constante.

Ao seu lado, Anna representava a força silenciosa que sustentava a família. Mulher de fibra e praticidade, ela dividia seu tempo entre as tarefas domésticas e o cuidado incessante com os filhos pequenos — Luigi, que já tinha 10 anos e ajudava no campo sempre que possível; Teresa, de 7, que começava a entender as responsabilidades que a vida lhes impunha; e o bebê Marco, que mal engatinhava e trazia ao lar uma luz tênue de esperança. Anna sabia que a sobrevivência da família dependia não apenas do trabalho árduo de Pietro, mas também da organização e do equilíbrio que mantinha dentro de casa.

Juntos, enfrentavam dias marcados pelo suor e pela incerteza, mas também pela esperança teimosa de que um futuro melhor pudesse existir — seja nas vinhas que resistiam, seja além das colinas que já não pareciam promissoras como antes.

Os dias em Miane pareciam se arrastar sob um céu cinzento, onde o sol raramente conseguia aquecer o corpo cansado dos agricultores. O trabalho no campo consumia cada gota de energia, e as noites, em vez de trazerem descanso, eram marcadas por inquietação e sonhos perturbadores. A fome pairava como uma sombra silenciosa sobre a casa dos Casagrande, apertando o peito e corroendo as forças de todos. Os invernos, antes amenos e familiares, tornavam-se cada vez mais rigorosos, castigando as colinas com ventos cortantes e geadas que destruíam as últimas esperanças de uma colheita digna.

Em meio a esse cenário de desespero, começaram a se espalhar rumores vindos de além-mar. Um nome estranho e distante ganhava vida nas conversas sussurradas: Brasil. Palavras sobre um país gigantesco, onde as terras eram vastas, férteis e, sobretudo, oferecidas gratuitamente a quem estivesse disposto a arar o solo e construir uma nova vida. Essas histórias chegavam através de cartas, viajantes e alguns poucos imigrantes retornados, carregadas de promessas que pareciam quase inacreditáveis.

As notícias falavam de oportunidades reais, mas não escondiam os perigos. A travessia do oceano Atlântico era longa e traiçoeira, marcada por condições precárias a bordo dos navios, onde doenças como tifo, colera e sarampo ceifavam vidas. O medo do desconhecido e das dificuldades não era pequeno, mas, para aqueles que sofriam com a escassez e o desespero, essa promessa de um recomeço valia qualquer risco.

Assim, mesmo diante das dificuldades incontestáveis, a luz de esperança que essas histórias carregavam começava a iluminar os corações endurecidos pela luta diária. O Brasil, com suas terras generosas e futuro incerto, surgia como um farol distante, uma possibilidade de escapar das correntes que prendiam as famílias vênetas a uma vida de privações sem fim. Foi nesse momento que muitos, como os Casagrande, começaram a sonhar com uma vida além das colinas que haviam conhecido, dispostos a arriscar tudo para garantir um amanhã melhor para seus filhos.

Pietro e Anna enfrentaram uma angústia profunda diante da decisão que lhes pesava no coração. A ideia de abandonar a terra natal, com suas colinas verdes, os vinhedos que tinham cuidado por gerações, e o vilarejo onde cada pedra parecia conter memórias de antepassados, era uma dor quase insuportável. O Vêneto não era apenas um lugar no mapa; era a essência da sua identidade, o palco das alegrias e tristezas que moldaram suas vidas. Cada aroma do solo, cada som do vento entre as folhas, carregava um pedaço da história da família.

Porém, as condições se tornavam cada vez mais insustentáveis. O trabalho árduo, os sacrifícios diários e as esperanças cada vez mais tênues haviam mostrado que permanecer significava aceitar a pobreza, a fome e a insegurança perpetuamente. A perspectiva de um futuro onde os filhos sofreriam as mesmas privações que eles já enfrentavam não lhes dava paz.

Depois de longas noites em claro e conversas silenciosas, tomaram a decisão que, embora carregada de incertezas, representava uma faísca de esperança. Venderam tudo o que podiam: a única vaca da família, que lhes dava leite e ajudava nas tarefas do campo; a velha carroça de madeira, que carregava não apenas cargas, mas também histórias de muitos anos; e os poucos utensílios de valor que possuíam, acumulados com sacrifício e cuidado ao longo do tempo.

Com o dinheiro obtido, procuraram um agente de emigração que trabalhava para uma grande companhia de navegação sediada em Veneza. Esse homem, com sua pasta cheia de papéis e promessas, ofereceu-lhes passagens para o Brasil — um destino distante, quase mítico, mas que carregava a esperança de terras férteis e vida digna. Embora temerosos diante do desconhecido, Pietro e Anna inscreveram-se para a viagem, conscientes de que dali em diante nada seria como antes. O peso da despedida se misturava à promessa de um recomeço, enquanto o horizonte do velho mundo se fechava para dar lugar ao mistério e à oportunidade do novo.

A travessia foi uma prova de resistência física e emocional para Pietro, Anna e seus filhos. O navio, um antigo cargueiro adaptado às pressas para o transporte de imigrantes, estava longe de ser adequado para a viagem transatlântica. Projetado para levar mercadorias, agora transportava centenas de pessoas empilhadas em condições sub-humanas, abarrotando os porões e os estreitos compartimentos da terceira classe.

Os alojamentos, pouco mais que cubículos improvisados, eram escuros e abafados. Não havia ventilação adequada, e o ar rapidamente tornava-se pesado e insalubre, impregnado pelo odor de corpos exaustos, comida deteriorada e dejetos humanos. Não havia privacidade nem descanso, e a constante proximidade forçada criava tensões e atritos entre os passageiros.

A comida, racionada e muitas vezes estragada, era composta de pão duro, sopas ralas e, ocasionalmente, pedaços de carne que raramente estavam frescos. A água, armazenada em tonéis sujos, não era suficiente para todos, e muitos sofriam de sede. Crianças e idosos, mais frágeis, adoeciam rapidamente. Entre as doenças mais comuns estavam o tifo e o escorbuto, que se espalhavam como fogo em um campo seco.

Pietro passava noites em claro, ouvindo os gemidos dos doentes e tentando acalmar o choro de seus filhos. Luigi, o mais velho, suportava a situação com bravura, mas os olhos cansados de Teresa e o choro constante do pequeno Marco perfuravam o coração de Pietro como facas. Ele temia pelo bem-estar da família e rezava para que o navio alcançasse o destino antes que uma tragédia maior acontecesse.

Anna, apesar de debilitada, mostrava uma resiliência admirável. Ela se esforçava para manter a dignidade e o conforto dos filhos dentro do possível. Inventava histórias para distraí-los e, com mãos trêmulas, dividia as pequenas porções de comida, garantindo que cada um recebesse pelo menos um pouco. Mesmo quando sua própria saúde começava a vacilar, seu foco permanecia nas crianças.

O balanço constante do navio, agravado por tempestades que tornavam o mar traiçoeiro, fazia muitos sucumbirem ao enjoo. As ondas gigantes lançavam o cargueiro de um lado para outro, e, em noites mais severas, os passageiros agarravam-se ao que podiam, rezando para que o navio não fosse engolido pelas águas revoltas.

Apesar de tudo, a esperança teimava em resistir. Nos momentos mais sombrios, os imigrantes se uniam, compartilhando palavras de conforto, alimentos ou mesmo preces conjuntas. Pietro encontrava força ao olhar para Anna e os filhos, determinado a fazer com que aquele sacrifício não fosse em vão. A promessa de uma nova vida, ainda que distante, era a chama que os mantinha vivos em meio à escuridão e ao sofrimento.

Após semanas intermináveis no mar, o navio finalmente atracou no movimentado porto do Rio de Janeiro. Era um espetáculo de cores e sons que contrastava fortemente com os dias sombrios e silenciosos da travessia. Para Pietro e Anna, o alívio de tocar terra firme misturava-se à apreensão pelo que ainda estava por vir. O Brasil, com seu calor sufocante e uma língua desconhecida, era um mundo novo e estranho.

No entanto, esse desembarque era apenas uma breve pausa na longa jornada. Após dois dias de espera no porto, tempo que usaram para recuperar um pouco das forças abrigados na grande Hospedaria dos Imigrantes onde recebiam alimento e camas para descansar se adaptar ao ritmo frenético do novo país, os Casagrande foram embarcados novamente, desta vez em um navio menor, destinado ao sul do país. A viagem prosseguia, agora rumo à província de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde as promessas de terra e uma nova vida ainda eram apenas ideias distantes.

Quando finalmente chegaram ao porto de Rio Grande, a família estava exausta, mas Pietro sentia que o destino final estava ao alcance. Ainda assim, o desafio não terminava ali. Embarcaram em barcos fluviais lotados, navegando lentamente pelo rio Caí que cruza as vastas planícies da província. A vegetação exuberante, os sons das aves tropicais e o calor úmido criavam uma atmosfera completamente diferente das colinas familiares do Vêneto. Anna, com os filhos nos braços, observava a paisagem com um misto de fascínio e inquietação, enquanto Pietro mantinha os olhos fixos na água, pensando no futuro incerto que os aguardava.

Ao chegar ao destino, foram encaminhados por funcionários do governo para uma colônia recém-criada, chamada Caxias do Sul. O lugar, apesar de promissor, era marcado por uma rudeza que não deixava dúvidas sobre os desafios que enfrentariam. A paisagem, dominada por matas densas e terras ainda por desbravar, parecia indomada. As autoridades entregaram à família Casagrande um pedaço de terra coberto de vegetação cerrada, que deveria ser desmatado e cultivado com suas próprias mãos.

Pietro encarou aquele pedaço de terra como um campo de batalha. Ele sabia que cada árvore derrubada, cada pedaço de solo revolvido seria uma conquista para sua família. Anna, mesmo cansada, arregaçou as mangas para ajudar no que podia. As crianças, embora ainda jovens, absorviam o ambiente com curiosidade e esperança.

A colônia era formada por outras famílias italianas, vindas de diferentes partes do norte da Itália. Isso trouxe algum alívio: podiam falar sua língua, compartilhar tradições e formar uma comunidade que os conectava às raízes deixadas no Vêneto. Apesar das condições iniciais difíceis, a promessa de uma vida melhor alimentava seus esforços. Caxias do Sul, ainda rudimentar, tornava-se um símbolo de recomeço, onde cada dia de trabalho árduo representava um passo para transformar a promessa em realidade.

O pedaço de terra que a família Casagrande recebeu por meio do contrato com o governo era vasto e imponente, abrangendo cerca de 250 mil metros quadrados. Para uma família de agricultores habituada às pequenas parcelas fragmentadas do Vêneto, aquela extensão parecia tanto uma bênção quanto um desafio colossal. No entanto, o terreno estava completamente coberto por mata fechada, uma selva densa e inexplorada, com árvores altas, raízes profundas e uma fauna desconhecida que muitas vezes os assustava à noite.

Pietro, sem experiência com desmatamento, logo percebeu que enfrentar sozinho aquela tarefa monumental seria impossível. Ele se uniu a outros colonos recém-chegados, formando uma rede de apoio que misturava trabalho árduo e aprendizado coletivo. Com ferramentas rudimentares, como machados, foices e serras de arco, os homens enfrentavam a floresta, abrindo clareiras a cada dia, muitas vezes ao custo de bolhas nas mãos e músculos exaustos.

Os dias começavam ao amanhecer ainda escuro, com Pietro liderando sua família e dividindo tarefas com outros colonos. O som das árvores sendo derrubadas ecoava pela colônia, acompanhado pelos gritos de encorajamento entre os trabalhadores e pelo estalar da madeira ao ceder. Era um trabalho árduo e perigoso, com troncos caindo em direções inesperadas e ferramentas que exigiam precisão para evitar acidentes. Pietro, sempre cauteloso, mantinha os filhos longe das áreas mais perigosas, mas sua mente não descansava enquanto trabalhava, sabendo que ainda havia muito a fazer para tornar aquele pedaço de terra um lar.

Enquanto isso, Anna mostrava uma determinação extraordinária. Apesar da precariedade inicial, ela começou a plantar as primeiras sementes de feijão, mandioca e milho em pequenos espaços que Pietro e os outros conseguiam abrir no solo. Usando um enxadão que trouxera consigo, Anna misturava o solo fértil com as sementes, rezando silenciosamente por uma colheita que alimentasse seus filhos.

As crianças, ainda pequenas, faziam o que podiam para ajudar. Luigi, o mais velho, assumia responsabilidades maiores, carregando baldes de água do riacho próximo e ajudando o pai a recolher galhos e raízes. Teresa, com sua energia juvenil, recolhia lenha para as fogueiras, enquanto Marco, apesar de ainda ser um bebê, brincava sob a sombra das árvores, sua presença lembrando a Pietro e Anna o motivo pelo qual enfrentavam tamanha adversidade.

O progresso era lento, mas visível. A cada árvore derrubada e a cada metro de solo cultivado, a floresta dava lugar a um campo que prometia se tornar fértil. Pietro e Anna viam naquelas clareiras não apenas o resultado de seu trabalho, mas também a possibilidade de um futuro, onde a terra que antes parecia indomável pudesse sustentar sua família. A solidariedade entre os colonos reforçava o senso de comunidade, e o esforço conjunto transformava o sonho de sobrevivência em um objetivo compartilhado: construir uma nova vida, um sulco de cada vez.

Os primeiros anos na nova terra foram uma verdadeira prova de resiliência para os Casagrande. Acostumados ao clima ameno das colinas do Vêneto, enfrentar o calor sufocante e a umidade constante do clima tropical era um desafio diário. As chuvas torrenciais, que muitas vezes transformavam o solo em lama e faziam os riachos transbordarem, destruíam plantações inteiras em questão de horas. O sol escaldante, por sua vez, secava as folhas das culturas recém-plantadas e tornava o trabalho no campo extenuante.

Além disso, as pragas agrícolas, desconhecidas para Pietro e Anna, tornavam-se uma batalha constante. Gafanhotos, lagartas e outros insetos atacavam as plantações de milho e mandioca, e não havia conhecimento ou recursos suficientes para combatê-los. No entanto, Pietro era persistente, aprendendo com outros colonos e experimentando métodos rudimentares para proteger as culturas. Ele usava cinzas das fogueiras como repelente natural e criava barreiras simples para evitar que os insetos se alastrassem.

A saudade do Vêneto também pesava. As memórias das colinas verdes, do cheiro das videiras e do som dos sinos das igrejas eram como fantasmas que os acompanhavam. À noite, enquanto descansavam em seu abrigo improvisado, Pietro e Anna falavam em sussurros sobre a terra natal, temendo que mencionar suas saudades em voz alta pudesse enfraquecer o ânimo das crianças.

Apesar das dificuldades, os Casagrande começaram a ver o fruto de seus esforços. O pedaço de mata densa que haviam recebido transformava-se gradualmente em campos cultivados. Pietro, com as mãos calejadas e um espírito incansável, concentrou-se primeiro em construir um abrigo rudimentar, feito de troncos e folhas, para proteger a família da chuva e dos animais selvagens. Era precário, mas servia de refúgio enquanto ele planejava algo mais duradouro.

Com o tempo, e à medida que os campos davam suas primeiras colheitas, Pietro iniciou a construção de uma casa simples de madeira. Ele cortava as tábuas com cuidado, ajustando cada peça com paciência, mesmo sem ter ferramentas adequadas. A casa era pequena, com um único cômodo que servia de cozinha, sala e dormitório, mas era o suficiente para dar à família um senso de segurança e estabilidade.

Anna, com sua dedicação inabalável, transformou a estrutura básica em um verdadeiro lar. Ela pendurava ervas secas nas vigas de madeira, costurava cortinas com retalhos de tecido que trouxera da Itália e cuidava para que o pequeno jardim ao redor da casa estivesse sempre florescendo. À noite, quando a família se reunia ao redor da mesa improvisada, Anna preparava refeições simples, mas feitas com carinho, e suas histórias sobre o Vêneto ajudavam a manter vivas as raízes culturais dos Casagrande.

Pouco a pouco, a nova vida começava a tomar forma. Embora o caminho fosse longo e os desafios constantes, os Casagrande viam na transformação da terra e no lar que estavam construindo um sinal de que a coragem de deixar sua terra natal não havia sido em vão.

Com o passar dos anos, os frutos do árduo trabalho começaram a se manifestar de maneira mais evidente. As colheitas, antes tímidas e incertas, tornaram-se progressivamente mais abundantes, fruto de um aprendizado contínuo sobre a terra e suas peculiaridades. Com isso, a família finalmente pôde negociar o excedente da produção por outros bens essenciais, como ferramentas, tecidos e até pequenos luxos que antes pareciam inalcançáveis.

Luigi, agora na adolescência, emergia como um jovem forte e dedicado, assumindo com seriedade muitas das responsabilidades no campo. Ele não apenas auxiliava no plantio e na colheita, mas também começou a se interessar por técnicas agrícolas mais eficientes, que ouviu de outros colonos ou leu em antigos manuais trazidos da Itália. Sob sua liderança discreta, a produtividade da pequena propriedade deu novos saltos.

Teresa, por sua vez, encontrou na costura não apenas uma forma de complementar a renda da família, mas também um caminho para expressar sua criatividade e talento. Seus bordados, conhecidos por detalhes delicados e motivos tradicionais italianos, começaram a ser procurados por outras famílias da colônia. Logo, ela se tornara uma figura reconhecida pela comunidade, recebendo encomendas que lhe permitiram comprar materiais de melhor qualidade e até sonhar com uma máquina de costura moderna.

O crescimento econômico trouxe não só alívio, mas também uma nova esperança para a família. Aos poucos, começaram a planejar melhorias na casa de madeira, incluindo um novo quarto para Luigi e sua irmã mais nova, Rosa, que também crescia rapidamente e já ajudava a mãe em pequenos afazeres. Com cada conquista, sentiam-se mais enraizados naquele solo, que, embora distante de sua terra natal, começava a se parecer com um verdadeiro lar.

Os Casagrande encontraram nos outros colonos italianos não apenas vizinhos, mas uma verdadeira extensão de sua família. A solidariedade mútua era o alicerce daquela pequena comunidade, onde cada gesto de apoio fazia a diferença. Em momentos de necessidade, fosse para levantar um novo galpão, colher uma safra antes da chegada da chuva ou enfrentar os desafios impostos pelo clima tropical, os colonos estavam sempre prontos a ajudar uns aos outros, criando laços que iam além do sangue.

Aos domingos, as reuniões na igreja da colônia eram um ponto alto na semana. A pequena capela, construída em mutirão, era mais do que um espaço de oração; era um local onde a alma da comunidade se fortalecia. Ali, ao som de cânticos entoados no dialeto vêneto, os Casagrande sentiam a conexão com sua herança cultural e espiritual. As missas, simples, mas carregadas de emoção, eram seguidas por longas conversas e risadas ao redor de mesas improvisadas, repletas de pratos típicos como polenta, salame e pão caseiro.

Entre histórias sobre as dificuldades da travessia do oceano e as vitórias na terra nova, a saudade da Itália era constantemente compartilhada, mas, com o tempo, também transformada. Embora a nostalgia da pátria nunca desaparecesse por completo, os Casagrande perceberam que, naquele novo lar, haviam plantado raízes profundas. O solo que antes parecia tão estranho agora produzia os frutos de seus esforços. E, na companhia de seus conterrâneos, descobriram que o sentido de pertencimento não dependia apenas do lugar, mas das pessoas que os cercavam.

Com cada colheita bem-sucedida e cada celebração comunitária, ficou claro para os Casagrande que haviam encontrado mais do que um espaço para sobreviver: haviam construído um lugar onde poderiam sonhar, crescer e, acima de tudo, prosperar.

Décadas mais tarde, os Casagrande haviam se tornado uma referência em toda a região. Reconhecidos por sua incansável dedicação ao trabalho e pela visão inovadora, a família não apenas prosperou, mas também deixou um legado que ecoava além das fronteiras de suas terras. Seus descendentes expandiram a propriedade original, transformando-a em um complexo agrícola diversificado, que ia muito além do cultivo inicial de uvas e cereais. Vinhedos cuidadosamente cultivados deram origem a premiados vinhos regionais, enquanto plantações de frutas e hortaliças abasteciam mercados locais e contribuíam para o desenvolvimento da economia da jovem cidade de Caxias do Sul.

A participação da família não se restringiu à esfera econômica. Os Casagrande desempenharam papéis importantes na vida comunitária, ajudando a fundar escolas, associações culturais e até uma cooperativa agrícola que impulsionou o progresso de muitas outras famílias imigrantes. O espírito de união, que fora vital nos primeiros anos de luta, permaneceu uma característica marcante da família, transmitido de geração em geração.

Na Itália, na pequena frazione de Miane, a história dos Casagrande que partiram em busca de uma nova vida era contada com reverência e orgulho. Cartas enviadas ao longo dos anos, cheias de relatos sobre as conquistas e os desafios enfrentados no Brasil, eram lidas e guardadas como tesouros. Fotografias em preto e branco mostrando os campos férteis de Caxias do Sul e os rostos sorridentes dos descendentes eram compartilhadas nas celebrações familiares, uma ponte simbólica entre os dois continentes.

Hoje, a trajetória dos Casagrande é lembrada como um exemplo inspirador de coragem, determinação e fé no futuro. Suas conquistas não apenas enriqueceram a história de Caxias do Sul, mas também fortaleceram os laços culturais entre Brasil e Itália. A memória dos que ousaram sonhar com uma vida melhor em terras desconhecidas permanece viva, um testemunho de que o espírito humano é capaz de superar as maiores adversidades e transformar sonhos em realidade.

Nota do Autor


A história apresentada é parte do livro Raízes que Cruzaram o Oceano: do Veneto ao Novo Mundo. Trata-se de um romance fictício, porém amplamente inspirado em fatos reais e relatos coletados pelo autor junto a descendentes daqueles pioneiros que, com coragem e determinação, desbravaram novos horizontes em terras distantes. Os nomes dos personagens e alguns eventos foram adaptados ou recriados para preservar a identidade das famílias e tornar a narrativa mais envolvente. O sobrenome "Casagrande" foi escolhido para exemplificar e dar vida à história, sendo um sobrenome bastante comum na Itália, o que facilita sua identificação com os contextos históricos e culturais retratados. Apesar das adaptações literárias, o espírito das jornadas, os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas são um tributo fiel ao legado deixado por esses imigrantes. Esta obra é uma homenagem à resiliência, ao trabalho árduo e ao amor que moldaram uma nova história, tanto para os que partiram quanto para os que ficaram.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta