O Vêneto do século XIX e a Pesquisa Agrária Jacini
O Vêneto no século XIX vivenciou um período de intensas transformações sociais, econômicas e políticas, marcado por dificuldades estruturais herdadas do domínio austro-húngaro e pelas complexidades da unificação italiana. Incorporada ao Reino da Itália em 1866, a região enfrentava os desafios de integrar-se a um Estado recém-unificado, que carecia de coesão política e recursos suficientes para atender às necessidades das populações rurais, majoritariamente pobres.
Antes da unificação, o Vêneto já era uma região essencialmente agrária, caracterizada por um modelo de propriedade fundiária fragmentado e pouco eficiente. Grande parte das terras era controlada por latifundiários, enquanto a população camponesa dependia de pequenos lotes para subsistência, o que perpetuava a pobreza e limitava as oportunidades de ascensão social.
O sistema de mezzadria (meação), predominante na região, era uma forma de contrato agrícola em que o camponês dividia os lucros da produção com o proprietário da terra. Esse modelo, no entanto, desestimulava investimentos em melhorias produtivas, pois o lucro adicional também seria dividido, mantendo os agricultores em um ciclo de estagnação econômica. Outro sistema comum, o enfiteuse, consistia em arrendamentos de longo prazo que frequentemente levavam os camponeses ao endividamento, pois eles eram obrigados a pagar altas taxas de aluguel enquanto arcavam com os custos da produção. Essa estrutura fundiária não apenas minava a produtividade agrícola, mas também exacerbava a desigualdade social, concentrando o poder econômico nas mãos de poucos.
A economia do Vêneto era ainda mais vulnerável devido à dependência de monoculturas como o milho, base da alimentação das famílias camponesas. Essa dieta limitada resultava em desnutrição e na disseminação de doenças como a pelagra, causada pela deficiência de niacina. Desastres naturais, como enchentes e pragas agrícolas, agravavam a situação, deixando muitas famílias à beira da fome. A falta de acesso a crédito e infraestrutura, combinada com o isolamento das comunidades rurais, dificultava a modernização agrícola e aumentava a sensação de abandono.
Diante dessa realidade, a Inchiesta Agraria Jacini (1877-1884) surgiu como um esforço do governo italiano para investigar e documentar as condições agrárias em todo o país. A pesquisa revelou a gravidade da miséria rural no Vêneto, destacando as limitações dos sistemas de meação e enfiteuse, a precariedade das condições de vida e o impacto negativo da dieta monótona. Entre as recomendações propostas estavam a reforma fundiária, o estímulo à pequena propriedade, o acesso ao crédito agrícola e investimentos em infraestrutura e educação. No entanto, as reformas propostas esbarraram nas limitações políticas e orçamentárias de um governo central que priorizava a consolidação do Reino da Itália em detrimento das áreas rurais.
A falta de ações concretas para resolver os problemas estruturais do campo levou à emigração em massa como uma solução inevitável. Entre 1876 e 1900, mais de 5 milhões de italianos deixaram o país, sendo uma parte significativa originária do Vêneto. Os emigrantes buscavam melhores condições de vida em países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, atraídos por promessas de trabalho, terras e uma vida digna. Contudo, as condições reais muitas vezes se mostravam desafiadoras. As travessias oceânicas eram longas e perigosas, realizadas em navios superlotados, onde doenças e desnutrição faziam inúmeras vítimas. Ao chegarem aos seus destinos, muitos enfrentavam dificuldades para se adaptar ao clima, à língua e às condições de trabalho, geralmente em plantações ou indústrias que exploravam a mão de obra estrangeira.
No Brasil, em particular, os imigrantes italianos desempenharam um papel fundamental na colonização de áreas rurais, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Os primeiros colonos enfrentaram desafios significativos, como o isolamento em terras afastadas, a ausência de infraestrutura básica e as dificuldades para cultivar em solos desconhecidos. Apesar disso, muitos perseveraram, criando comunidades que mantinham vivas as tradições culturais do Vêneto, enquanto contribuiam para o desenvolvimento econômico e social das áreas onde se estabeleceram.
A emigração em massa teve repercussões profundas no Vêneto. Embora tenha reduzido a pressão demográfica nas áreas rurais, também provocou um êxodo de mão de obra jovem e capaz, exacerbando a estagnação econômica local. Por outro lado, as remessas enviadas pelos emigrantes ajudaram a aliviar a pobreza das famílias que permaneceram na região, promovendo melhorias graduais nas condições de vida. Além disso, a diáspora veneta deixou um legado cultural duradouro, especialmente no Brasil, onde as comunidades de descendentes italianos continuam a valorizar suas raízes e tradições, mantendo viva a memória de uma história de luta e resiliência.
O Vêneto no século XIX, portanto, representa um microcosmo das dificuldades enfrentadas pela Itália rural em um período de profundas transformações. A pobreza, a fragmentação fundiária, a falta de alternativas industriais e o impacto limitado das políticas governamentais contribuíram para a emigração em massa, que, embora dolorosa, também se tornou uma oportunidade de reconstrução e esperança para milhares de famílias. A história desses emigrantes reflete não apenas os desafios de uma época, mas também a capacidade humana de se adaptar e superar adversidades em busca de um futuro melhor.