sábado, 3 de dezembro de 2022

A Perigosa Travessia do Oceano

Navio Principessa Mafalda



Apesar do desânimo e da pobreza em que viviam na Itália, para a grande maioria das pessoas, a tomada de decisão de emigrar não deve ter sido uma tarefa fácil. Foi certamente uma escolha muito dolorosa, pois necessitavam se desfazer dos seus poucos pertences, as suas casas, de deixar para sempre a sua pequena vila que os tinha visto nascer e crescer, em se despedir dos amigos e entes queridos, para talvez nunca mais voltar a vê-los. 

A tomada de decisão foi um processo bastante delicado que envolvia ao mesmo tempo muitas esperanças, raiva, medo e insegurança pelo futuro desconhecido, a incerteza do que iriam encontrar no novo país e principalmente o temor pela travessia do oceano. 

A viagem seria uma grande aventura e, a maioria deles não tinha consciência das dificuldades e perigos que iriam encontrar. Era um fator desconhecido que incomodava quase todos. A cansativa viagem de trem até o porto já representava uma inusitada aventura para a maioria, pois ainda era um meio de transporte quase desconhecido que muitos nunca haviam experimentado. Mas, a longa travessia do oceano de navio, era o pensamento que mais amedrontava a mente daqueles que partiriam e também dos que ficavam. Sabiam que a viagem através do oceano estava repleta de perigos e armadilhas até mesmo antes da partida.

Para embarcar o emigrante precisava, antes de tudo, estar quites com as suas obrigações militares e obter os documentos necessários para deixar o país. Os que estavam prestes a servir o exército, ou completariam os 18 anos, não recebiam permissão para embarcar. O passaporte para toda a família era emitido pela prefeitura local, bem como o necessário certificado de boa conduta. Com esses procedimentos realizados o candidato a emigrante passava a fase seguinte, de conseguir o dinheiro necessário para comprar os bilhetes de viagem.

Para obter a quantia necessária para as passagens de terceira classe, muitos foram obrigados a vender os poucos bens que possuíam e ainda se cuidar para não serem vítimas de aproveitadores. No início do período da emigração ainda podiam contar com os bilhetes grátis, emitidos pelas companhias de navegação, que eram contratados pelo governo dos países interessados na mão de obra, como foi o caso do Brasil que terceirizava o recrutamento para escritórios de emigração.

A viagem de navio a vapor assustava bastante pois, quase todos tinham pavor do mar, um elemento até então desconhecido para eles, habitantes de montanhas ou de zonas localizadas distantes do litoral, no interior da região. Também a possibilidade real de um naufrágio deixava ainda mais nervosos aqueles emigrantes. No entanto, poucos deles sabiam de outros riscos que teriam que enfrentar depois de embarcados, especialmente aqueles emigrantes pioneiros, que constituíram as primeiras levas a deixar a Itália. 

A desumana lotação de passageiros nos navios, que, sistematicamente, excediam a capacidade nominal das embarcações, levavam à promiscuidade e a falta de higiene. A inspeção sanitária superficial, realizada antes do embarque, muitas vezes deixava passar indivíduos portadores de doenças transmissíveis, que, uma vez em alto mar, se transformavam em epidemias mortais, ceifando a vida dos mais fracos: os velhos e as crianças.

Se ocorresse uma epidemia durante a viagem o navio deveria ficar em quarentena e impedido de desembarcar os passageiros em qualquer porto. Em casos mais graves, com mortes a bordo por tifo ou cólera, o navio seria obrigado a regressar ao porto de partida com todos os passageiros. 

Com o passar dos anos a situação dos passageiros melhorou um pouco, principalmente, depois da aprovação pelo parlamento italiano em 1901, de leis que regulamentavam a emigração. As companhias de navegação foram então obrigadas a melhorar as condições de hospedagem a bordo, fornecendo espaços pessoais e áreas comuns adequadas, além de garantir aos passageiros alimentação de melhor qualidade e em quantidade adequada. Foram obrigadas também a manter médico e pessoal sanitário durante as travessias.

Os naufrágios, infelizmente, aconteceram e por diversos motivos, levando milhares de emigrantes à morte por afogamento. Navios como o Sirio, o Utopia, o Principessa Mafalda e o Titanic são alguns exemplos desses acidentes. A má conservação das embarcações e erros da tripulação foram as principais causas.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS