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sábado, 1 de novembro de 2025

O Destino de Sofia


O Destino de Sofia 

Sofia Bellini nasceu em 3 de abril de 1867, em Montecassino, uma localidade pitoresca aninhada entre as colinas da província de Frosinone, na região do Lazio, no centro-sul da Itália. Era um lugar onde o aroma de oliveiras misturava-se ao canto distante dos pássaros, e o tempo parecia correr ao ritmo da vida camponesa. A terceira de cinco filhos de Vittorio e Lucia Bellini, Sofia cresceu em uma casa simples de pedra, onde as paredes pareciam contar histórias de gerações que haviam trabalhado arduamente para arrancar sustento da terra.

Vittorio, um homem de mãos calejadas e olhar distante, carregava o peso das expectativas de um mundo em transformação. Como muitos de sua época, ele havia depositado suas esperanças na unificação italiana, acreditando que a promessa de um país unido traria prosperidade às comunidades rurais. Mas os anos que se seguiram à unificação mostraram-se cruéis para os camponeses. O aumento dos impostos, as mudanças nas políticas agrárias e a competição com grandes latifundiários tornaram a vida em Montecassino uma luta diária.

Lucia, por outro lado, era o coração da família. Pequena em estatura, mas gigantesca em determinação, ela comandava a casa com uma mistura de autoridade e ternura. Cozinhava com maestria, transformando ingredientes escassos em refeições que aqueciam não apenas o estômago, mas também a alma. Era ela quem plantava em Sofia e seus irmãos as sementes de esperança, contando histórias de tempos melhores e sonhando em silêncio com um futuro mais promissor.

As terras que a família Bellini cultivava, porém, tornavam-se cada vez menos generosas. A combinação de práticas agrícolas arcaicas e solos exauridos forçava Vittorio a trabalhar de sol a sol, enquanto Lucia e as crianças ajudavam no que podiam. A vinha, que outrora prometera bons rendimentos, produzia menos a cada ano, e as oliveiras, resistentes como os próprios Bellini, começavam a sofrer com pragas que devastavam a região.

Apesar das dificuldades, Sofia crescia curiosa e determinada. Enquanto seus irmãos mais velhos, Pietro e Giovanni, assumiam responsabilidades no campo, e os mais novos, Caterina e Mario, ainda desfrutavam da inocência da infância, Sofia encontrava momentos para observar o mundo além das colinas. Gostava de ouvir as histórias dos viajantes que passavam pela região, a caminho de Roma ou de outros destinos mais prósperos. Cada relato despertava nela um desejo de descobrir o que havia além da monotonia de Montecassino.

Com o tempo, o descontentamento com a situação da família tornou-se palpável. Os Bellini não eram os únicos a sentir o peso da pobreza crescente; em toda a região, famílias inteiras abandonavam suas terras e embarcavam em navios rumo a destinos desconhecidos, em busca de uma vida melhor. Sofia, mesmo tão jovem, começava a perceber que sua pequena aldeia talvez não fosse grande o suficiente para conter seus sonhos.

Foi nessa atmosfera de incertezas que Sofia começou a moldar seu caráter. A cada dificuldade enfrentada pela família, sua resiliência se fortalecia. E embora seus pés estivessem firmemente plantados no solo árido de Montecassino, sua mente já vagava por lugares distantes, onde ela imaginava um futuro que sua terra natal parecia incapaz de oferecer.

Desde cedo, Sofia demonstrava uma curiosidade aguçada e um espírito inquieto que a diferenciavam das outras crianças de Montecassino. Enquanto seus irmãos pareciam resignados às rotinas do campo, Sofia ansiava por algo mais, um futuro que pudesse oferecer mais do que a labuta incessante e os ciclos repetitivos das colheitas. Essa centelha não passou despercebida pela Signora Teresa, a professora da escola rural, uma mulher de meia-idade com uma paixão quase obstinada por ensinar, mesmo em condições precárias.

A escola era pouco mais que uma sala simples com paredes de pedra bruta, algumas mesas de madeira desgastada e um quadro-negro que parecia tão velho quanto o próprio vilarejo. Os recursos eram escassos, mas isso não impedia a Signora Teresa de inspirar seus alunos. Quando Sofia entrou em sua turma, Teresa logo percebeu que havia algo especial na menina. Sofia tinha uma habilidade natural para a escrita e uma surpreendente facilidade com números, destacando-se em matemática de um modo que poucos em Montecassino poderiam imaginar.

Apesar do entusiasmo da professora, estudar era um luxo que a realidade não permitia. Aos 12 anos, quando outras crianças ainda podiam sonhar com mundos distantes, Sofia foi forçada a abandonar a escola. O campo chamava, e sua família precisava de toda ajuda possível. Foi um momento difícil para ela. Deixar os livros e as aulas não significava apenas perder o contato com o aprendizado, mas também renunciar, mesmo que temporariamente, ao sonho de um futuro diferente.

A nova rotina era extenuante. Sofia começava o dia antes do sol nascer, ajudando a mãe nas colheitas de uvas e azeitonas. O trabalho no campo exigia força, resistência e uma paciência que só a vida rural podia ensinar. Quando não estava na terra, dedicava-se a cuidar de seus irmãos mais novos, Caterina e Mario, garantindo que eles tivessem algo para comer e que não se metessem em encrencas enquanto Lucia e Vittorio trabalhavam.

Mesmo nesse cenário de privações, Sofia encontrava maneiras de alimentar sua mente inquieta. Nas raras horas de descanso, buscava refúgio em um velho livro de contos que a Signora Teresa lhe emprestara antes de sua saída da escola. Lia cada palavra com atenção, absorvendo histórias que a transportavam para terras longínquas e realidades mais promissoras. Às vezes, à luz trêmula de uma vela, ela rabiscava pensamentos e ideias em pedaços de papel que seu pai conseguia. Suas palavras revelavam uma alma que, embora jovem, já começava a compreender a dureza da vida e a sonhar com algo além do que seus olhos podiam alcançar.

Aos poucos, Sofia começou a perceber que o conhecimento, mesmo aquele adquirido em breves momentos de leitura, podia ser uma arma poderosa. Se não pudesse frequentar a escola, ela encontraria outras formas de aprender. Passou a ouvir com atenção as histórias dos vizinhos e dos viajantes que cruzavam Montecassino, absorvendo informações como uma esponja. Cada detalhe que aprendia tornava-se um tijolo na construção de um futuro que ela ainda não sabia como alcançaria, mas que acreditava ser possível.

Essa determinação chamou a atenção não apenas de sua família, mas também de outras pessoas da comunidade. "Essa menina tem fogo nos olhos", comentou certa vez um mercador que passava pela vila. O comentário não foi esquecido por Vittorio, que, embora tivesse seus próprios sonhos esmagados pela realidade, começava a enxergar em Sofia uma esperança para a família Bellini. Para Sofia, porém, esperança era apenas o começo. Ela queria mais do que sonhar.

Com o passar dos anos, a situação em Montecassino deteriorou-se de forma implacável. As terras já exauridas pelas gerações de cultivo começaram a retribuir com cada vez menos generosidade. As vinhas, orgulho da região, foram atacadas por uma praga devastadora que deixou as parreiras estéreis e os campos cobertos de folhas secas, um cenário desolador que parecia refletir o próprio espírito dos camponeses. A produção de azeite, outrora suficiente para cobrir os impostos e garantir um modesto sustento, tornou-se escassa, incapaz de competir com os grandes olivais das regiões mais ricas.

Para a família Bellini, a crise era uma tempestade perfeita de adversidades. Em 1884, um inverno rigoroso veio como o golpe final. O frio cortante entrou pelas frestas das janelas da casa e se infiltrou nos ossos, trazendo consigo a fome. As reservas de alimentos eram insuficientes, e a compra de mantimentos tornou-se um luxo inalcançável. Lucia fazia milagres na cozinha, esticando o pouco que tinham, mas até sua criatividade encontrou limites diante da escassez. As crianças adoeceram, e a preocupação gravou rugas ainda mais profundas no rosto de Vittorio.

Foi durante uma noite de fevereiro, enquanto o vento uivava lá fora e a família se aquecia ao redor de um pequeno fogo, que Vittorio tomou uma decisão que mudaria para sempre o destino dos Bellini. Ele havia ouvido histórias de um lugar distante, o Brasil, onde terras férteis aguardavam por aqueles dispostos a trabalhá-las. Era uma terra cheia de promessas, diziam os mercadores, onde o governo brasileiro oferecia oportunidades para os imigrantes reconstruírem suas vidas.

Lucia ouviu a proposta em silêncio, mas os olhos cheios de lágrimas revelavam o peso de suas emoções. Ela sabia o que isso significava: abandonar tudo o que conheciam, tudo o que amavam, e partir rumo ao desconhecido. Não era apenas uma mudança de país; era uma ruptura com suas raízes, uma despedida de Montecassino, com sua igreja centenária, os campos que haviam sustentado a família por gerações, e até mesmo os túmulos de seus antepassados.

“É o único caminho, Lucia,” disse Vittorio com um tom grave, a voz carregada de uma firmeza que ele nem sempre sentia. “Aqui, não temos futuro. No Brasil, talvez possamos começar de novo.”

Sofia, então com 17 anos, escutava a conversa à distância, mas suas mãos pararam de trabalhar no bordado. A ideia de partir era assustadora, mas, ao mesmo tempo, acendia nela uma fagulha de excitação. Embora amasse sua terra natal, ela sabia, melhor do que a maioria, que Montecassino não lhe oferecia mais do que uma vida de privações. O Brasil, com suas histórias de terras vastas e oportunidades, parecia um lugar onde sua inquietação e determinação poderiam encontrar espaço para florescer.

Os meses seguintes foram um turbilhão de preparação e despedidas. Vittorio vendeu o pouco que possuíam para arrecadar dinheiro para a travessia. A comunidade, embora acostumada a ver famílias partirem em busca de uma vida melhor, despediu-se dos Bellini com tristeza. No último dia, enquanto os sinos da igreja de Montecassino tocavam ao longe, Sofia olhou para trás uma última vez. As colinas que ela conhecia tão bem agora pareciam pequenas, distantes, quase irreais.

A bordo de um navio lotado de outros italianos que também buscavam um novo começo, Sofia sentiu o peso da incerteza, mas também uma ponta de esperança. O mar vasto e interminável era ao mesmo tempo um símbolo de separação e de possibilidades infinitas. Ela sabia que sua vida jamais seria a mesma, mas, pela primeira vez, começou a acreditar que isso poderia ser algo bom.


A Jornada ao Desconhecido

Os Bellini embarcaram no porto de Nápoles em 17 de fevereiro de 1885, em meio a uma multidão de outras famílias italianas igualmente empurradas pela necessidade e pela esperança. O vapor Comte d’Abruzzi era um dos muitos navios destinados a levar imigrantes ao Brasil, sua estrutura robusta contrastando com as frágeis esperanças de seus passageiros. Para os Bellini, o embarque foi um misto de alívio e desespero: alívio por deixarem para trás a fome e o frio de Montecassino, mas desespero por encararem o desconhecido, sabendo que não havia garantias de sucesso ou sequer de sobrevivência.

A travessia, que deveria ser uma passagem para um novo começo, rapidamente se transformou em uma provação. Os porões do navio, na terceira classe onde viajavam os passageiros mais pobres, eram escuros, abafados e infestados de ratos. O ar era pesado, saturado de umidade e do cheiro de corpos cansados e doentes. A comida, quando distribuída, era escassa e de qualidade duvidosa. Água potável era um bem raro, e os conflitos por ela não eram incomuns.

Logo nos primeiros dias no mar, doenças começaram a se manifestar entre os passageiros. O sarampo e a febre tifoide, impulsionados pelas condições insalubres, se espalhavam com rapidez assustadora. O som de tosses e choros de crianças doentes ecoava pelos corredores, enquanto os pais tentavam desesperadamente cuidar de seus filhos com os poucos recursos disponíveis. Para Sofia, agora com 18 anos, a situação trouxe à tona uma força que ela mesma não sabia possuir.

Sofia assumiu o papel de uma enfermeira improvisada, usando sua pouca experiência adquirida ao ajudar a mãe com os irmãos em Montecassino. Ela limpava o alojamento, oferecia água e confortava as crianças, incluindo seus próprios irmãos. Era um trabalho exaustivo e, muitas vezes, ingrato, mas Sofia não permitia que a exaustão a vencesse. Para ela, cuidar dos outros era mais do que uma tarefa; era uma forma de se agarrar à humanidade em meio ao caos.

Entre os doentes estava Lorenzo, de apenas 2 anos, o caçula dos Bellini. Sofia cuidava dele com especial dedicação, segurando sua pequena mão durante as longas noites enquanto ele lutava contra a febre. Mas, apesar de todos os esforços, Lorenzo não sobreviveu. Sua morte abalou profundamente a família. Vittorio, um homem que raramente demonstrava emoção, foi visto chorando silenciosamente à proa do navio, enquanto Lucia parecia ter envelhecido anos em apenas algumas horas. Para Sofia, a perda de Lorenzo foi um golpe que solidificou sua determinação de sobreviver e encontrar algo que justificasse aquele sacrifício.

Depois de 36 dias de mar e sofrimento, o Comte d’Abruzzi finalmente atracou no porto de Santos. O desembarque foi um misto de alívio e tristeza. Os Bellini estavam exaustos, desidratados e emocionalmente devastados, mas também cientes de que um novo capítulo de suas vidas começava ali. Santos era caótica e vibrante, um contraste absoluto com Montecassino. O calor úmido grudava em suas roupas, enquanto os sons da língua portuguesa, desconhecida e estranha, preenchiam o ar.

A jornada, no entanto, ainda não havia terminado. De Santos, a família embarcou em um trem que os levaria ao interior do estado de São Paulo, até a Colônia Pedrinhas, um dos primeiros assentamentos de imigrantes italianos na região. A viagem de trem foi desconfortável, mas nada comparado aos horrores do navio. A paisagem que passava pelas janelas mostrava um mundo verdejante e selvagem, tão diferente das colinas áridas da Itália.

Quando finalmente chegaram a Pedrinhas, foram recebidos por outros imigrantes italianos que os ajudaram a se instalar em uma casa simples de madeira. O local era isolado, cercado por mata virgem, e o trabalho que os esperava seria árduo. Apesar disso, Sofia sentiu algo que não sentia há meses: uma centelha de esperança. Ela sabia que o caminho à frente seria difícil, mas ali, entre aquelas pessoas, havia uma possibilidade de recomeço. Para a família Bellini, Pedrinhas representava mais do que terra; era uma chance de reconstruir suas vidas e honrar os sacrifícios feitos para chegar até ali.


A Luta por Sobrevivência

Na Fazenda Pedrinhas, os Bellini receberam um lote de terra que parecia mais uma selva do que um local para começar uma nova vida. O terreno era cercado por densas árvores com raízes que pareciam agarrar o solo como se fossem guardiãs de um mundo intocado. Para Vittorio, que mal conseguia esconder sua decepção, aquilo era uma sentença de trabalho interminável. As ferramentas que receberam eram rudimentares, e cada golpe do machado parecia pouco mais do que um arranhão na imensidão verde.

Os primeiros meses foram brutais. A umidade constante impregnava roupas, paredes e pulmões, enquanto doenças tropicais como malária e febre amarela atingiam a colônia. Os insetos eram uma praga incessante, picando durante o dia e zumbindo nas noites insones. As crianças ficavam cobertas de marcas vermelhas, e Sofia frequentemente fazia emplastros improvisados com ervas que aprendera a usar com os vizinhos. Os animais selvagens, embora raramente vistos, deixavam seus sinais: rastros ao redor da cabana e rugidos distantes durante a madrugada, fazendo com que cada estalo no mato fosse um lembrete constante do isolamento.

As noites eram especialmente difíceis. Sem luz elétrica, a escuridão parecia esmagadora, uma presença física que envolvia a pequena cabana de madeira. Durante essas longas horas, os lamentos de Vittorio enchiam o espaço. Ele se perguntava em voz alta se havia cometido um erro fatal ao trazer sua família para tão longe, para um lugar onde o solo parecia tão hostil quanto os céus da Itália haviam sido. Lucia, apesar de exausta, era o pilar silencioso, mantendo os filhos unidos e tentando acalmar o marido.

Mas Sofia, mesmo sentindo o peso das dificuldades, recusava-se a ceder ao desespero. Determinada a transformar o caos em oportunidade, começou a se aproximar dos outros imigrantes na colônia. Ela logo percebeu que a maior arma que poderia empregar contra a adversidade era o conhecimento. Com um caderno surrado que havia trazido da Itália, começou a aprender português ouvindo os vizinhos e repetindo as palavras em voz alta, praticando até que a língua começasse a soar menos estrangeira

Sua curiosidade natural e habilidade com números rapidamente chamaram a atenção. Os raros comerciantes locais, que enfrentavam dificuldades para manter as contas em ordem, começaram a procurar Sofia. Ela os ajudava a calcular preços, registrar dívidas e planejar os gastos. Em pouco tempo, tornou-se indispensável. Os pais, vendo a utilidade de sua inteligência, apoiaram sua iniciativa, mesmo quando o trabalho no campo exigia sua presença.

Além disso, Sofia notou que muitas crianças da colônia estavam crescendo sem qualquer tipo de instrução. Com a permissão dos pais e a ajuda de uma vizinha, que também era imigrante e tinha alguma educação, ela começou a organizar uma pequena escola. O espaço era improvisado, uma clareira entre as árvores com bancos feitos de troncos caídos, mas era um começo. As crianças, muitas delas órfãs de esperança, vinham curiosas e ansiosas, trazendo um brilho aos dias de Sofia. Ensinar deu-lhe propósito, e sua determinação inspirou outros colonos a contribuírem, doando tempo, ferramentas ou materiais.

Para Sofia, cada passo à frente, por menor que fosse, era uma vitória contra o destino aparentemente implacável que a família enfrentava. A floresta ainda os rodeava, sombria e imponente, mas agora ela sentia que, dentro daquele verde impenetrável, havia uma promessa de vida. E, acima de tudo, ela acreditava que, mesmo no meio da adversidade, a força de vontade e o trabalho árduo poderiam abrir caminho para um futuro mais promissor.


A Construção de um Futuro

Em 1891, Sofia Bellini encontrou em Marco Fioretti, um jovem ferreiro italiano de espírito empreendedor, um parceiro não apenas para a vida, mas também para os sonhos. Marco era conhecido por sua habilidade em moldar ferro com precisão e força, e sua fama na colônia crescia à medida que ele produzia ferramentas indispensáveis para a sobrevivência dos imigrantes. Eles se casaram em uma cerimônia simples, realizada na capela improvisada da colônia, sob um céu carregado que parecia abençoar a união com sua chuva suave.

Logo após o casamento, Sofia e Marco começaram a sonhar além da sobrevivência diária. Observando a necessidade crescente de materiais de construção à medida que a colônia se expandia, decidiram fundar uma pequena olaria, a Fioretti & Bellini. O local escolhido era próximo de um riacho, onde a argila vermelha de qualidade abundava. Marco dedicou-se à construção do forno de alvenaria, utilizando seus conhecimentos de ferreiro para projetar uma estrutura eficiente, enquanto Sofia organizava o fluxo de trabalho, as finanças e as negociações com os fazendeiros locais.

A olaria logo se tornou um pilar da comunidade. As telhas e os tijolos, moldados à mão e queimados com perfeição, eram robustos e acessíveis, permitindo que os colonos construíssem casas mais sólidas do que as cabanas de madeira em que haviam começado. Marco passava dias junto ao forno, supervisionando cada etapa do processo, enquanto Sofia cuidava das relações comerciais. Sua habilidade em português e matemática fez dela uma negociadora respeitada, garantindo acordos vantajosos e fidelidade dos clientes.

Com o tempo, o casal prosperou. A pequena olaria transformou-se em uma operação de médio porte, empregando outros imigrantes e promovendo o desenvolvimento local. Sofia e Marco tiveram três filhos, que cresceram saudáveis em meio ao progresso da colônia. Sofia fez questão de que frequentassem a escola que ela ajudara a construir anos antes. Embora a educação fosse básica, ela acreditava firmemente que o conhecimento seria a chave para um futuro mais brilhante.

Em 1902, um marco significativo foi alcançado na colônia: a inauguração da primeira igreja de alvenaria, símbolo da fé e da resiliência dos imigrantes. Os tijolos da Fioretti & Bellini estavam em cada parede, um testemunho silencioso da contribuição de Sofia e Marco para o crescimento da comunidade. Durante a cerimônia de inauguração, Sofia foi chamada ao altar pelo padre local e reconhecida publicamente por seu papel no desenvolvimento da colônia. Com lágrimas nos olhos, ela agradeceu em português, sua voz misturando-se ao calor das palmas e ao orgulho coletivo dos colonos.

Aquela igreja não era apenas um prédio; era um monumento à força de vontade, à união e aos sacrifícios de tantas famílias como os Bellini. Sofia, que um dia havia enxergado apenas incertezas na selva, agora via o futuro em cada parede erguida, em cada criança que aprendia a escrever, e no brilho dos olhos de seus filhos, que carregavam a promessa de que a jornada deles não havia sido em vão.


Legado e Memórias

Sofia Bellini Fioretti, uma mulher cuja vida se entrelaçou com a história de uma comunidade, viveu até os 78 anos, deixando um legado que transcendeu sua própria existência. Ao longo das décadas, tornou-se uma das figuras mais respeitadas de Pedrinhas, conhecida não apenas por sua liderança, mas também pela compaixão e determinação que moldaram o destino de tantos ao seu redor.

Nos últimos anos de sua vida, Sofia dedicou-se a registrar suas memórias em cadernos simples, encadernados com couro envelhecido, onde sua caligrafia firme dava vida às histórias de luta e superação de uma geração. Não eram apenas relatos pessoais; eram crônicas de um povo que cruzou oceanos em busca de um futuro melhor. Ela escrevia sobre os primeiros dias de angústia e dúvida, os momentos de perda e desespero, mas também sobre a força que encontrou no trabalho conjunto, no amor por sua família e na fé que os sustentava.

Seus cadernos narravam a jornada desde Montecassini, a vila de colinas verdes que ela jamais esqueceu, até o coração da colônia que ajudou a construir. Eles traziam os detalhes das pragas que devastaram a Itália, da longa travessia no Comte d’Abruzzi, e das noites insones nos primeiros meses em terras brasileiras. Mas, acima de tudo, suas palavras ecoavam esperança, a mesma esperança que havia inspirado seus filhos a estudar, seus vizinhos a persistir, e sua comunidade a crescer.

Quando Sofia faleceu, em 1945, sua morte foi sentida como uma perda coletiva. A pequena igreja de alvenaria, que tantos anos antes fora construída com tijolos da Fioretti & Bellini, encheu-se de amigos, familiares e conhecidos. Durante o funeral, o padre leu um trecho de suas memórias, descrevendo como a coragem de um indivíduo pode influenciar gerações. “Ela não era apenas a mãe de sua família, mas a mãe de nossa comunidade,” declarou ele, emocionado.

Hoje, o nome de Sofia adorna a escola que ela fundou, agora uma instituição de ensino reconhecida pela qualidade e tradição. A Escola Sofia Bellini Fioretti é um símbolo do espírito inquebrantável que transformou sonhos em realidade. Na entrada, uma estátua em bronze retrata Sofia com um caderno em uma das mãos e uma criança pela outra, representando sua dedicação à educação e ao futuro. No salão principal, estão expostos seus cadernos originais, preservados como um testemunho de sua visão.

A influência de Sofia se estende até os dias de hoje. Historiadores, professores e até mesmo descendentes dos primeiros colonos estudam seus escritos, inspirados por sua narrativa de resiliência. Para muitos, sua história é um lembrete de que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a determinação e o trabalho árduo podem construir legados que perduram além do tempo. E em cada sala de aula, cada livro aberto e cada tijolo erguido, a presença de Sofia Bellini Fioretti continua viva.


Nota do Autor


A história de Sofia Bellini Fioretti é uma obra de ficção inspirada nas trajetórias reais de milhares de imigrantes italianos que, no final do século XIX, deixaram suas terras natais em busca de esperança em solo brasileiro. Embora os eventos e personagens apresentados neste relato sejam fictícios, eles representam as experiências, lutas e conquistas de homens e mulheres que enfrentaram o desconhecido com coragem e resiliência. A imigração italiana para o Brasil foi marcada por desafios imensuráveis: a adaptação a um clima tropical, o desbravamento de terras cobertas pela mata atlântica, as condições precárias de trabalho e moradia, e a saudade eterna das paisagens e pessoas deixadas para trás. Contudo, foi também uma história de superação e progresso, com as comunidades italianas contribuindo significativamente para a formação cultural, econômica e social do país.

Em criar Sofia e sua jornada, busquei homenagear não apenas os pioneiros que construíram novas vidas, mas também aqueles que, como ela, valorizaram a educação, a união comunitária e o trabalho como instrumentos para transformar adversidades em oportunidades. Sofia é fictícia, mas o espírito que ela encarna é real. Ele vive nas famílias que plantaram raízes em terras desconhecidas, nos filhos e netos que prosperaram, e nas comunidades que continuam a florescer, carregando o legado de seus antepassados.

Que esta narrativa nos lembre da força que reside em nossos próprios desafios e da importância de preservar e celebrar as histórias de quem veio antes de nós.

Com gratidão e respeito,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta


quarta-feira, 22 de outubro de 2025

La Polenta Il Cibo Povero dei Nostri Noni


La Polenta 

Il Cibo Povero dei Nostri Noni


La polenta la ze pì de ´na riceta — la ze memòria, laoro e famèia. I nostri noni i gavea poco e la polenta zera quela che ghe dava forsa e calor. La stòria de la polenta la parte da lontan, quando ancora el mondo europeo no gavea el granoturco, e la passa par tante campagne e tante mani fin che la ze rivà fin qua, ´nte le nostre zente.

Le radise antiche: dal “puls” romano a le pape de              l´Europa

Prima del granoturco, i Romani i mangiava na papa ciamà puls, fata de farro, avena o altri cereai. La puls la gavea la funsion de dar energia ai legionari e ai contadin: ´na roba sèmplisse e sostansiosa. Con el passar del tempo i ingredienti i ze cambià secondo de quel che la tera gavea da ofrir; la forma de papa la ze sempre restà, fin che el granoturco el riva e el cámbia tuto. 

El arivo del granoturco e la trasformassion in Vèneto e Lombardia

El granoturco el ze rivà da le Americhe e, tra el XVI e el XVII sècolo, el se ga sparpaià par le campagne del Nord d´Itàlia. In poche desene de ani el ze stà coltivà largo e la polenta de granoturco la diventa el piato de ogni zorno: bona, che la dura e che la riempe la pansa de chi laora. I studi e i chef i dise che sto cambiamento el ga fato ´na vera rivolussion agrìcola in sti paesi del Nord. 

Varietà: polenta mole, dura e la nera (o mesclà)

´Ntei monti se fa la polenta nera o mesclà: farina de granoturco con farina de grano saraceno, butiro e formài o puina — na roba robusta, che scalda el corpo. In pianura se preferisse la polenta pì fina, che se magna sùbito bea tènera. Se po anca la far sfredar, taiar e fritar o rostir (brustolà): cusì la se gusta anca come antepasto o contorno. 

El rito de fare: el pignaton e la mèstola de legno

Far la polenta con el vècio pignaton de rame e con el gran cuciaro de legno (la mèstola) el volea tempo e forsa: se stava a mescolà (smissiar) par tanto fin che la polenta la fasea fila. El gesto de mescolar no zera solo cusina: zera ocasion par parlar, scambiar notìsie e sentirse comunità. Ancòi ghe ze i mètodi moderni, ma chi che ga provà el paiolo el sa che ze 'n’altro gusto.

La polenta che vien con i emigranti in Brasil

Quando i nostri noni i partiva par Brasil a la fin del 1800, i ga portà con lori el gusto e la abitùdine de far la polenta. ´Nte le colónie do Sud del Brasil la polenta la radica e la se adata con la farina (fubà) local, con el formàio e con i ragù de carne. La polenta frita la ze diventà un peritivo popular e anca fora de le comunità italiane la gente la ga imparà a gustarla. Studi e ricerche local i mostra come la polenta la ze diventà sìmbolo de cultura ítalo-brasilian. 

Ricete pratiche (breve)

  • Polenta mole: 1 parte de farina de grano turco par 4–5 parti de aqua (salà); butar la farina de granoturco (fubá) a poco a poco, mescolar e cusinà 30–45 minuti; finir con butiro e formài gratà. 

  • Polenta dura: farla sfredar ´nte ´na forma, taiar e dorar ´nte la pignata o al forno; bon con salume e carni.

  • Polenta Nera o Mesclà: mescolà farina de granoturco e farina de grano saraceno, cusinar lento e zontar butiro e formàio a fine cotura. Se po arostir (brustolà).

Polenta, memòria e festa

La polenta la resta drento la testa come odore de casa: el prufumo del butiro, el rumore de la mèscola e la feta de formàio che se sfonde. La ze el piato de festa e el piato de la fame; la unisse generassion e la conta stòrie. ´Nte le feste e ´nte le fradèi, la polenta la ze ancora presente, portandose drento la vita e el straco dei nostri noni. 


sábado, 18 de outubro de 2025

La Saga de l’Emigrassion Italiana

 


La Saga de l’Emigrassion Italiana: 

Parché milioni de italian i ga lassà la so tera par ’ndar in serca de ’na nova vita ’ntel Brasil?

"Dighe a lori che noialtri i ga lassà i paroni ´n Itàlia che qui semo el paron de la nostra vita, gavemo da magnar e da bever quanto che volemo e anca ària bona, e questo par mi vol dir tanto. Mi no volea pì stà in Itàlia, soto quei paroni malandrini. Qua, par catar ’na autorità, ghe vole sei ore de viaio".

(Lètara a la famèia de un emigrante véneto sistemà ’nte le tere brasilian).

L’emigrassion italiana par el Brasil ’nte el sècolo XIX la ze stà grande e la ga avù ´na parte importante ’nte el svilupo económico e cultural del nostro paese. Tra el 1880 e el 1920, pì de un milion de italiani i ze vegnù a stà in Brasil.
El gran flusso de emigranti el rivava sopratuto dal nord de l’Itàlia e el ga durà relativamente poco, manco de 50 ani. Tanti italiani i se ga naturalisà brasilian zà verso la fin del sècolo XIX. Ancòi, se conta che ghe ze sirca 25 milion de brasilian de dissendensa italiana.

La emigrassion italiana verso el Brasil la ga scominsià ´ntel 1875, quando el governo imperiale brasilian el ga scominsià a incoragiar l’entrada de laoradori europei, par ingrandir la popolassion ’nte le zone poco popolate dei pampas gaúcho e anca par rimpiassar la manodòpara dei schiavi africani che i ga avù la libartà. Par questo el ga creà colónie, discretamente ben organisà, sopratuto ’nte le campagne lontan del sud, par che italiani e altri europei podesse migrar. ´Ntei stati del sudeste del Brasil, miaia de contadin italiani i ze stà anca sistemà par laorar ’nte le grande fasende de cafè paulista e capixaba.

Le rason che spinse milioni de italiani a lassar la so tera le ze stà tante: la misèria, la soprapopolassion, la disocupassion e le guere in Itàlia, e par contro, le oportunità che ghe parea de catar in Brasil. La domanda mundial de cafè la cresseva e el Brasil, paese zòvene e in fase de svilupo, el zera vardà come un “El Dorado”.

Le condission de vita dei pìcoli contadin, dei fituali e dei mesadri el zera quasi le stesse dei brassianti, e tanti de quei picoli paron de tera i ze stà spentonà a laorar come operai in altre zone par sopravìvere. La emigrassion la ze stà vardà come ’na solussion a la gran crisi de disocupassion che zà da ani colpiva el Regno d’Itàlia.

Insieme a le famèie, partì anca la cultura: le língue, i costumi, i modi de laorar. E anca i fati polìtici, le carestie, i laori de staion le guerre i ga dà forsa a l’idea de partir. L’economia italiana del tempo la zera in gran parte baseà ´ntel campo, ma ferma e indrio rispeto ai altri paesi europei. El svilupo industrial el venia lento e el squilìbrio tra el nord e el sud de la penìnsola lo rendea ancor pì difìssil.

“La gran emigrassion europea durante el sècolo XIX la ze, sopratuto, conseguensa de le trasformassion agràrie portà dal capitalismo. El campo lu el ze diventà un espulsor de persone in tuti i paesi europei, in tempi diversi, ma con lo stesso destino: la distrussion de l’òrdine tradisional de la campagna, che tegniva in equilibrio la produssion agrìcola e artisianal durante le staion de l’ano”.

La situassion económica in Itàlia a quei tempi la segnava forte la dessision de lassar tuto e ’ndar verso el Brasil, che par tanti parea pròprio el “El Dorado” de l’Amèrica.


Nota

La létera che scomìnsia sto articolo la ze un testimónio vero de un emigrante véneto stabilì ’nte el Brasil verso la fin del sècolo XIX. La so vose, schieta e sincera, la ze el spècio de miliaia de òmeni e done che i ga lassà un’Itàlia segnada da la misèria del campo, da la sovrapopolassion e dal ritardo económico, par sercar fortune nuove al de là del Atlàntico.

Tra el 1875 e el 1920, el Brasil lu el acolse un gran nùmaro de italiani, sopratuto dal nord de la penìnsola. Le dificoltà del campo, agravà dal capitalismo agràrio e dal fermo industrial, ga spinto famèie intere a l’emigrar. In Brasil, la fin de la schiavitù e l’espansion de le piantaioni de cafè ga verzo spàssio ai laoradori foresti, che i ze stà messi sia ’nte le colónie agrìcole del Sud che ’nte le fasende del Sudeste.

Sto movimento umano no el ze stà solo un fato demogràfico: el ga cambià profondamente le comunità italiane d’origine e la società brasilian che stava nassendo. I emigranti i ga portà novi costumi, novi tecniche agrìcole e novi forme de sossiabilità, anca se i ga sofresti la duresa del laoro, la lontanansa e la dificoltà de l’adatarse. El Brasil, par contro, el guadagnò un contingente de laoradori lìbari che i ga contribuì al svilupo económico e a la creassion de ’na diversità culturale che ancòi fa parte de la so identità.

La lètara riportà la sintetisa ben sto momento stòrico: la rotura con l’opression del passà e la costrussion de ’na nova identità ’nte tere lontan. Con sto framento de memòria, situà ´ntel so contesto, se vol onorar le generassion de emigranti che, con fadiga e coraio, i ga trasformà sia l’Itàlia che i ga lassà sia el Brasil che i ga contribuì a costruir.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Sob o Céu do Utopia – A Travessia da Esperança

 


Sob o Céu do Utopia 

A Travessia da Esperança


Era o ano de 1886, muitos italianos estavam deixando a sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Entre eles, estavam os seis membros da família Rossi, o casal e quatro filhos menores de idade, que embarcaram no navio Utopia rumo ao novo mundo. A viagem prometia ser longa e desafiadora, mas eles estavam determinados a chegar ao seu destino.
Na pequena vila onde viviam, os Rossi se despediram dos amigos e parentes com lágrimas nos olhos, mas com a esperança de um futuro melhor. O Utopia partiu do porto de Gênova, na Itália, em uma manhã ensolarada, porém com muito frio, característica do começo do inverno. Durante os primeiros dias de viagem, tudo correu bem. O navio fez uma parada programada no porto de Nápoles, onde subiram à bordo mais algumas centenas de imigrantes provenientes do sul da Itália. Os passageiros à bordo eram todos imigrantes italianos, e se acostumaram com a dura rotina do navio. A bordo se ouvia a algazarra provocada pelas dezenas de dialetos dos passageiros, muitos deles incompreensíveis entre si, como se fossem falados por pessoas de um outro país.
Quando atingiram a linha do Equador, a calmaria da viagem logo seria interrompida por uma tempestade terrível. Os ventos aumentaram e as ondas ficaram mais altas, balançando violentamente o antigo navio. Os Rossi se agarraram aos corrimãos e aos móveis para não cairem no chão. O barulho dos trovões era ensurdecedor e o mar parecia querer engolir o navio com volumosas ondas que despejavam toneladas de água no convés.
A tempestade durou mais do que um dia e os passageiros tiveram que se amarrar uns aos outros para não serem jogados para fora do navio. A comida ficou escassa pela dificuldade de se cozinhar e a água também começou a ser racionada. A esperança de sobreviver a essa tempestade parecia estar cada vez mais distante.
Mas, mesmo diante de todas as dificuldades, os imigrantes italianos mantiveram a esperança de chegar ao Brasil. Eles rezaram para os seus santos de devoção e pediram forças para suportar aquela tempestade. Em meio às orações e às lágrimas, a família Rossi se uniu aos demais passageiros em um coro de esperança e fé.
Finalmente, na parte da tarde do segundo dia a tempestade começou a diminuir e o sol aos poucos voltou a brilhar. Os passageiros puderam sair dos seus pavilhões e sentir o cheiro do mar. O navio Utopia havia sobrevivido à tempestade e a esperança voltou a se renovar nos corações dos imigrantes italianos.
Após alguns dias de calmaria, o navio Utopia finalmente avistou a costa brasileira. A emoção tomou conta de todos os passageiros, que aguardavam ansiosamente para desembarcar. Os Rossi avistaram a cidade do Rio de Janeiro ao longe e não puderam conter as lágrimas de felicidade.
Ao desembarcarem no porto do Rio de Janeiro, a família Rossi e os demais imigrantes italianos foram recebidos com muita alegria. Eles se abraçaram, cantaram e dançaram em agradecimento por terem sobrevivido à tempestade. As autoridades brasileiras os receberam com carinho e os encaminharam para os alojamentos, onde ficariam hospedados nas instalações da Hospedaria dos Imigrantes até serem encaminhados ao lugar de destino e se instalarem definitivamente no país. Depois de alguns dias continuaram a viagem, agora embarcados em um pequeno vapor costeiro que os levou até o porto de Santos. Desta cidade foram de trem até uma pequena cidade do interior de São Paulo, perto de onde onde uma irmã do Sr. Rossi estava vivendo já há alguns anos.
Os Rossi começaram a vida no Brasil com muita dificuldade, mas com muita determinação. Eles trabalharam duro para conseguir emprego e garantir o sustento da família. Aos poucos aprenderam a língua portuguesa e se adaptaram aos costumes do novo país. Mas a esperança de uma vida melhor sempre esteve presente em seus corações.
Com o tempo, quando também os filhos começaram a trabalhar, a família Rossi conseguiu comprar um pequeno sítio na zona rural e começaram a produzir alimentos para vender nas cidades vizinhas. O trabalho árduo era recompensado com o sorriso dos clientes satisfeitos e com o dinheiro que ajudava a sustentar a família.
Ao longo dos anos, os filhos cresceram e se tornaram brasileiros de coração. Eles aprenderam a valorizar a cultura e as tradições do Brasil, sem esquecerem as suas raízes italianas. Os Rossi nunca esqueceram a tempestade que enfrentaram no navio Utopia, mas também nunca esqueceram a esperança que os guiou até o novo mundo.
A história da família Rossi se tornou uma das muitas histórias de imigrantes que enfrentaram desafios para construir uma nova vida no Brasil. Eles ajudaram a construir o país com o seu trabalho e a sua determinação. Hoje, muitos brasileiros descendem de italianos que enfrentaram a tempestade no navio Utopia e que nunca perderam a esperança de uma vida melhor.

Nota do Autor

Esta história nasceu do desejo de dar voz a milhares de italianos anônimos que, entre o fim do século XIX e o início do XX, abandonaram sua terra natal movidos por uma fé inabalável no futuro. A família Rossi é uma representação simbólica dessas multidões de homens, mulheres e crianças que, apertados nos porões dos navios de emigrantes, cruzaram o Atlântico sonhando com um pedaço de chão onde pudessem recomeçar.

Utopia, nome real de um navio que transportou imigrantes italianos durante aquele período, tornou-se aqui um emblema do destino coletivo — um destino marcado por sofrimento, mas também por coragem e esperança. A travessia dos Rossi é, antes de tudo, um retrato da alma humana quando confrontada com o desconhecido: o medo, a fé e o instinto de sobrevivência se entrelaçam para dar sentido à jornada.

Em cada lágrima de despedida e em cada prece sussurrada no convés durante a tempestade, ecoa o mesmo sentimento que impulsionou a construção do Brasil moderno — um país erguido por mãos estrangeiras, mas aquecido por corações que aprenderam a amar esta nova pátria.

Escrever esta narrativa é, portanto, um ato de memória e de gratidão. É lembrar que, por trás de cada sobrenome italiano hoje misturado à língua portuguesa, há uma história de coragem que o mar não conseguiu apagar.

Autor:
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

El Destin de Matteo Zanforlin


 

El Destin de Matteo Zanforlin

Da la pìcola vila de Arsego a la piantassion de cafè ´ntela "Fazenda Encruzilhada"


Inte l’inverno del 1889, Matteo Zanforlin el ga lassà drio la pìcola località de Arsego, ´ntel comune de San Giorgio delle Pertiche, provìnsia de Pàdova. Védovo ancora zòvane, el portava con sé la fiola Giuseppina, de solo diese ani, e partia insieme a qualchi conterràneo — famèie del stesso Véneto che, come lu, no riusìa pì a vardar un futuro ´ntei campi àridi e zà esaurì de casa loro. La promessa de ‘na vita nova in Brasil rissonava tra le vilete del interior, con carteli e agenti che publicisava tera fèrtile e laoro a volontà.

El peso de la resolussion de partir el zera imenso. Matteo el gavea passà note in bianco, diviso tra l’amor par le radise e la speransa de un ricominsiar. Inte la piassa de la vila, el ga vardà par l’ùltima volta el campanel de la cesa de Arsego che se risava contro el cielo sénere del inverno. Quel suon dei pìcoli campanéi, tanto fameiar, adesso rissonava come un adio solene. Salì su la carossa che lo portava fin a la stassion del treno, el ga sentì de tirar fora ´ntel solo i ricordi de la zoventù, ma sècoli de vita radicà ´nte sta tera.

El viaio par l’ossean el zera longo e tormentoso. La traversia ´nte la tersa classe el zera smorso e scuro, en un vapor pien de gente, parea no finir mai. El moto contìnuo de le onde se mescolava con el pianto dei bambini, con el ripetitivo suonar de le preghiere e con i gémiti dei malà. L’odor de mofo, de sudor dei corpi no ben lavà, de gómito e altri scrementi umani impregnava l’ària. ´Nte ogni fàssia segnà dal desespero, Matteo el riconosceva el riflesso de la pròpria duda: gavea fato ben a partir? El mar, con la so vastità scura, pareva sfotar la fràgile speransa che i spingeva verso l’altra riva del ossean. Epure, la fede in qualcosa de mèio sosteneva ogni respiro e ogni nota de vèglia.

Dopo setimane interminàbili, l’Amèrica finalmente se presentava davanti a lori, con le coste verdi e ‘na luse diversa da quela che i conossea in Véneto. El sbarco a Santos el zera segnà dal tumulto, da la freta dei impiegà e da la stranesa de la nova léngua che risuonava dapartuto. No ghe zera tempo de vardar el novo mondo; sùbito lori sono stà portà al treno che i dovea menar ´ntel interior de la provìnsia de São Paulo. A ogni chilómetro, le foreste se schiudeva, mostrando un panorama grandioso ma ostile, un mondo de colori forti e de suoni scognossù.

El destìn el zera ‘na grande fasenda de cafè ciamà Encruzilhada, visin a la Stassion Gabiroba — una zona che dopo saria parte del comune de Araras. Se credeva che lì se podesse ciapar i fruti de ‘na vita pì pròspera, con poco sforso e abondansa garantì. Ma la realtà che i ga trovà la zera ben diversa da la promessa.

El laoro duro scominciava anca prima del sorger del sol, segnà dal penetrante suonar de un campanil int la sede de la fasenda. Òmini, done e fiòi i ´ndava a la piantassion de cafè, e soto el calor brusante passava el zorno a netar la tera tra i filari de le piante de cafè, altre volte a la racolta, ciapando i grani rossi che, a sera, pareva se moltiplicava tra le man zà ferì. El rìtmo zera fatigante e el corpo presto sedea a la stranchesa. I piè se gonfiava, le gambe dolea e le cignei no regeva pì el lavoro de ogni zorno. Tanti compagni de Matteo cascava malà, vìtime de la fadiga, de le febri tropicai e de la mancansa de dotor o de remedi.

El magnar zera poco e de bassa qualità, servendo pì par tegner el corpo in pié che par darghe forsa. I emigranti, che i zera stà atrati da la promessa de abondansa, se stupiva al vardar che, in ‘sta tera de foreste lussurante e tera fèrtile, el magnar no gavea la sostansa che i conossèa in Itàlia. La carne zera rara e, quando compariva, la zera dura e mal conservà. El pan scuro, fato de freta in forni improvisà, se sbriciolava tra le man e parea pì segatura che magnar. Quase sempre i piati se resumia a fasòi bagnà e a ‘na farina grossa che no sassiava, ma pesava ´nte el stómaco come ‘na piera.

Matteo el sentia la mancansa del vin rosso che scaldava le note frede in Arsego e de la polenta dorà che se alsava fumante in tola ´ntela vila. Quei poveri sapori portava ricordi de condivisione, de feste del paese, de racolti un tempo lontan bondanti e de la sensassion de apartenensa. ´Nte la Encruzilhada, a ogni pasto insìpido, la nostalgia se transformava in dolore. No zera solo el corpo che declinava; zera anche el spìrito, privà de ciò che dava senso a la vita contadin.

La situassion se agravava par colpa del ambiente. Le famèie zera messe in lunghi baraconi de legno scuro, vècie costrussion che, poco tempo prima, le zera servì come abitassion ai schiavi neri. La loro liberassion la zera ancora da poco tempo, e l’ombra de quel passà impregnava l’ària. Le pareti rùstegue tegnia un silénsio pesà, come se portasse i lamenti de chi zera stà imprigionà. Adesso, ospitava òmini e done lìbari, ma no ghe zera dignità in quele case coletive, ndove ogni famèia ricevea solo un spàssio streto, diviso da tavole fràgili che poco protegea da la umidità o dai sguardi ei visin.

I fatori, abituà tuta la vita a tratar con i schiavi, no savea come comportarse con i laoratori lìbari. Par lori, el cámbio zera solo de nome: no potea pì usar la scùria, ma mantegnea la stessa rigidità implacàbile. El tono de vose zera autoritàrio, i gesti sechi, i oci sempre vìgili. La dissiplina la zera imposta con urli e umiliassion, e ogni segno de strachessa o ribelion zera visto come insubordinassion. No ghe zera comprenssion par la fadiga dei novi arivà, né spasio par diàlogo o negosiassion.

Sta mancansa de capassità a tratar con i òmini no pì proprietà ma coloni salarià creva tension ogni zorno. El colonato, vendù come contrato giusto, in pràtica se rivelava ‘na tràpola: laoro ecessivo, pagamento incerto, dèbiti imposti da le stesse spese in negòssio de la fazenda. Matteo el capiva che, ´ntel fondo, zera ancora prigionero de un sistema che se nutriva de la stranchesa de i coloni. Solo el linguagio el zera cambià; l’opression la zera sempre la stessa.

E quande la note calava su la fazenda, el silénsio dei baracon zera spacà solo dai mormori de preghiere e dal pianto contenù de le done e dei bambin. Matteo, steso su un leto duro e streto, vardava la fiola Giuseppina dormente e se domandava se el futuro che lu el ga sognà par lei no zera sepolto lì, soto el peso de sta nova schiavitù mascherà.

Epure, zera un filo de speransa. La racolta del cafè, anca se dura, dava la possibilitá de ciapar qualche soldo. Se soniava de comprar un pìcolo peso de tera, ndove se podesse piantar par conto pròprio e scampar da la schiavitù mascherà che pesava su i coloni. Matteo el credea che, se resistea par alcuni ani, podesse dar a la fiola un futuro mèio de quel che l’Itàlia ghe gavea negà.

Le notisie tra i emigranti zera preocupantepe. Tanti che i ga sbarcà prima de lu ´nte altre zone già parlava de delusion e misèria. Epure, la vita ´nte la fazenda Encruzilhada continuava, segnà da zornate uguali, de sudor e silénsio, de nostalgia e resistensa. Tra i conterane partì da Arsego, alcuni cascava in disperassion, altri se rampegava a la fede. Matteo, par so conto, se sostenea con el ricordo de la tera natale e con il viso fràgile de Giuseppina, che zera diventà la sola rason par soportar el peso de sto destin.

Inte l’Amèrica che prometea richessa e fortuna, Matteo el trovava solo el peso del laoro duro, l’incertessa ogni zorno e la strachessa che el tempo parea no dissipar. Le promesse de abondansa se disfasea soto el sol crudele e tra le man calose, ma drento de lu restava ‘na obstinassion silensiosa, fata de radisi invisìbili e profonde. Ogni gran de cafè racolto, ogni gossa de sudor versà su tera straniera, zera par lu ‘na semensa de futuro — un investimento silensioso in zorni che forse no vardarà, ma che credea podesse dar a la fiola e a le generassion che vegnia.

I ani i ga passà, e el paesagio de la fazenda Encruzilhada se radicava ´nte la memòria tanto quanto i campi de frumento e de viti de Arsego. Le prime ore ndove se alsava prima del canto del galo, i baracon scuri che ospitava famèie intere, el sguardo severo dei fatori che no savea parlar la léngua de libartà — tuto questo se diventava el scenàrio permanente de la so vita. Ma Matteo no el ga mai lassà che la duresa el rovinasse del tuto. ´Nte el fondo, conservava el ricordo de la vila véneta come un faro lontan, un peso de tera che continuava a guidarlo anche a un ossean de distansa.

Zera in sto scontro tra memòria e realtá, tra sònio e sacrifìssio, che Matteo Zanforlin scrivea la so vita. No pì tra le piere consumà de le strete vie de Arsego, ndove generassion dei soi antenà i zera vissù, ma tra le vaste piantassion de cafè intorno a la Stassion Gabiroba, ndove el verde intenso de le piante nascondea la stòria de sudor e de làgreme. Lì, insieme a miliaia de altri emigranti, el trasformava el pròprio sofrir in eredità.

Sta eredità no la zera fata de richesse o tera conquistà, ma de qualcosa pì duraduro: el coraio de resistir, la perseveransa davanti al impossìbile e la speransa, sempre rinata, che el sacrifìssio de ‘na generassion se trasformarà in libartà e prosperità par le sucessive.

E cussì, al’incrussiada tra do mondi, Matteo Zanforlin el lassava segnà el testimónio de la so vita: che anca sul solo pì áspro se pol butar semense che fiorirà in futuro.

Nota del Autor

I nomi che qua i compare i ze stà curadamente cambià par preservar el anonimato dei personagi. Però, la stòria che el letor ga apena conossù la ze vera. La ze nassù da i parole segnà ´nte le carte dei emigranti e dai documenti ufissiai de le vècie fazenda de cafè, conservà con rigore e rispeto dal Museo de l’Emigrassion del Stado de São Paulo. I ze framenti de vita che ga passà pì de un sècolo e anca adesso risonano come testimonianse de coraio, sacrifìssio e speransa.

Sto raconto qua fa parte de ‘na òpera pì grande, che ga el stesso tìtolo, scrita con l’intenssion de dar vose a la epopea de la grande emigrassion italiana in Brasil. No se trata solo de ricordar un passà lontan, ma de iluminar el camino de miliaia de òmini, done e bambin che i ga cambià la pàtria conossù par la promessa incerta de un mondo novo. I ga rischià la pròpria esistensa sora el dolore de la separassion, la duresa del laoro e l’ostinassion de ofrir un futuro mèio ai propri dessendenti.

Contar ste stòrie vol dir no permeter che el silénsio canssele la memòria. Vol dir riconosser che, ´nte le fasenda de cafè del interior paulista, no se racolieva solo grani, ma se forgiava ‘na identità che gavaria segnalà par sempre el Brasil.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



terça-feira, 14 de outubro de 2025

A Vida de Edoardo Bellino



Edoardo Bellino – De Lonigo a Limeira


No final do verão de 1890, Edoardo Bellino partiu de Lonigo, uma pequeno município agrícola na província de Vicenza, ao lado de sua jovem esposa Rosetta Ferri, do irmão Giuseppe com sua família e do pai viúvo e já idoso. Lonigo, outrora próspera em vinhas e campos de trigo, vivia sob a sombra da crise que assolava o Vêneto: terras cada vez mais fragmentadas, salários insuficientes e perspectivas reduzidas para os mais jovens. Para Edoardo, permanecer significava condenar-se à repetição da pobreza, deixando aos filhos apenas a herança das dificuldades.

O apelo de um futuro melhor no Brasil tornara-se irresistível. Relatos de terras férteis, lavouras promissoras e oportunidades de trabalho corriam de boca em boca, inflamando sonhos que cruzavam o Adriático e o Atlântico. A decisão de partir não foi tomada de um dia para o outro; nasceram dela muitas noites em claro, nas quais o dilema se impunha: abandonar a pátria, com seus vínculos e memórias, ou arriscar tudo na promessa de sobrevivência e dignidade.

Depois de venderem o pouco que possuíam, os Bellini concentraram-se apenas no essencial para a longa travessia. Embarcaram em Gênova, no vapor Príncipe de Asturias, abarrotado de homens, mulheres e crianças que, como eles, buscavam um futuro longe da penúria europeia. Desde os primeiros dias no mar, a viagem mostrou-se dura e implacável: cubículos apertados, ar rarefeito, higiene precária, alimentação insuficiente. Rosetta, grávida de seu primeiro filho, suportou a travessia com um silêncio corajoso, escondendo o cansaço atrás de gestos firmes e discretos.

No meio da jornada, trouxe ao mundo um menino, pequeno e frágil. O choro breve da criança misturou-se ao rumor do oceano, mas a vida recém-nascida se apagou pouco após o desembarque. A perda abriu uma ferida profunda, mas não apagou a chama da esperança que mantinha a família erguida.

Após quarenta dias de mar, a família chegou ao porto de Santos e, em seguida, iniciou nova jornada por trem até uma pequena estação isolada e quase perdida. Depois um longo trecho de carroça rumo ao interior de São Paulo. O destino era Limeira, uma região marcada pelo cultivo da cana e pela presença crescente de imigrantes italianos. A paisagem que encontraram era exuberante e, ao mesmo tempo, intimidante: terras extensas e férteis, mas que exigiam braços fortes para serem domadas, e uma infraestrutura quase inexistente.

Nos primeiros meses, Edoardo contou com a ajuda do pai e do irmão. A dureza da adaptação, porém, revelou-se insuportável para o velho Bellini e para seu filho Giuseppe, de saúde frágil. Incapazes de resistir às privações crescentes da nova terra, ambos decidiram regressar à Itália, levando consigo o peso do fracasso e a renúncia ao sonho americano. Sobre os ombros de Eduardo, ainda jovem mas já marcado pela responsabilidade, recaiu a missão de conduzir a família no desconhecido e imenso Brasil. A partida do pai e do irmão representou uma perda dolorosa, mas também uma lição de que o caminho exigia firmeza e renúncia.

Edoardo e Rosetta ergueram uma pequena casa de madeira, limparam o terreno e semearam milho, feijão e mandioca. Cada amanhecer trazia consigo uma nova batalha: insetos devastadores, o clima imprevisível, a exaustão do corpo. À noite, a saudade da Itália e a memória do filho perdido pairavam no silêncio. Mas Rosetta, com mãos calejadas e espírito inquebrantável, transformava o improviso em lar, conservando viva a cultura italiana em cada refeição, canto e reza.

O tempo trouxe novos filhos — ao todo, seriam onze, cada um representando não apenas responsabilidade, mas também esperança. A lavoura prosperava pouco a pouco, e o casal aprendia a explorar o solo brasileiro, diversificar colheitas e negociar excedentes no mercado local. A rede de vizinhança com outros imigrantes tornou-se vital: a cooperação mútua garantia não só sobrevivência, mas também identidade coletiva.

Com os anos, Edoardo revelou-se mais que agricultor. Investiu em pequenos empreendimentos ligados à cana-de-açúcar, construindo instalações para moagem e transformação. Sua visão empreendedora, aliada à disciplina herdada do Vêneto, consolidou a posição da família na região. O sobrenome Bellino tornou-se sinônimo de trabalho e perseverança em Limeira.

Em 1924, mais de três décadas após a partida, Edoardo e Rosetta puderam regressar à Itália por alguns meses. Encontraram um Vêneto transformado, ainda marcado por dificuldades, mas reconheceram que seu destino estava irrevogavelmente atado ao Brasil. Trouxeram de volta memórias e saudades, mas retornaram ao lar definitivo: a terra paulista onde haviam fincado raízes.

A história de Edoardo e Rosetta Bellino sobreviveu ao tempo como um símbolo de coragem e resiliência. Sua descendência multiplicou-se por todo o Brasil, espalhando não apenas sangue e sobrenome, mas a herança de uma luta que atravessou oceanos. Mais do que terras ou patrimônio, deixaram como legado a prova de que a fé no futuro e a determinação podem transformar gerações inteiras.

Nota do Autor

A narrativa que o leitor tem em mãos baseia-se em uma história real, transmitida de geração em geração pelos descendentes de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no final do século XIX. Os fatos relatados — a travessia do Atlântico, a chegada a São Paulo, as lutas e conquistas no novo país — correspondem fielmente às experiências vividas por uma família que enfrentou as agruras da emigração e conseguiu, com coragem e trabalho, transformar sofrimento em esperança.

Por razões de privacidade, os nomes dos personagens, bem como alguns detalhes específicos de localidades de origem, foram modificados. A família, cujos membros compartilharam essas memórias, preferiu não se identificar, mas autorizou que sua trajetória fosse contada para que não se perdesse no silêncio do tempo.

Assim, este relato não é apenas a história de Edoardo e Rosetta, mas também a de milhares de homens e mulheres que, entre lágrimas e esperanças, deixaram a Itália em busca de um futuro no Brasil. Trata-se de um testemunho de resiliência, amor e legado, preservado pela oralidade familiar e agora eternizado em palavras.

Dr. Piazzetta