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quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Jornada dos Irmãos Nanni e Pepe: Uma Saga de Coragem e Determinação da Calábria ao Brasil




Em 1890, dois jovens, Giovanni e Giuseppe R., conhecidos na família como Nanni e Pepe, nascidos em uma pequena vila no interior do município litorâneo de Tropea, na Calábria, uma região montanhosa e ensolarada, acariciada pelos fortes e constantes ventos do Mar Tirreno. Por gerações, a família residia nessa modesta propriedade rural, abrangendo pouco mais de um hectare, situada aos pés das colinas. Ali, cultivavam com esmero oliveiras, limoeiros e vinhas destinadas à produção de vinho, exclusivamente apreciado no seio familiar.
A vida na Calábria era dura, mas eles tinham um profundo amor pela terra e pelas fortes tradições locais. Plantavam com carinho as oliveiras cujas azeitonas seriam transformadas em azeite de qualidade. Os limoeiros forneciam frutas frescas e perfumadas que eram vendidos em sua comunidade. Os parreirais produziam uvas que eram colhidas com cuidado para fazer vinho, um ítem essencial da vida na vila.
Entretanto, as adversidades econômicas e as condições difíceis da época, marcada pela escassez de empregos e uma inflação elevada que corroía os magros rendimentos, os forçaram a tomar uma decisão árdua, porém imprescindível. Emigraram, assim como milhares de outros italianos o faziam, deixando para trás a modesta propriedade rural, seus pais idosos, irmãos e irmãs, sem a perspectiva de reencontro ou notícias após a partida.. A decisão de deixar sua amada Calábria foi muito dolorosa, mas eles estavam determinados a encontrar oportunidades que não estavam disponíveis em sua terra natal naquela época.
A jornada foi extensa e cheia de desafios. Ao lado de centenas de outros emigrantes, embarcaram na Itália pelo porto de Nápoles, tendo o Rio de Janeiro como destino final do desembarque. Após passarem dois dias na Hospedaria dos Imigrantes, embarcaram em outro navio com destino ao Porto de Santos, marcando o verdadeiro início de sua jornada no Brasil. Naquele período, Nanni estava solteiro, enquanto Giuseppe viajava acompanhado de sua esposa Maddalena e dos oito filhos do casal.
Ao chegarem finalmente ao interior do estado de São Paulo, acompanhados por centenas de outros italianos, dirigiram-se de trem até o local de trabalho em uma fazenda de café. Essa fazenda, vale ressaltar, os havia contratado ainda na Itália. Embora Nanni e Giuseppe fossem analfabetos, eles se esforçaram para aprender e trabalhar com afinco para proporcionar uma vida melhor para suas famílias.
Após dois anos vivendo no novo país, Nanni uniu-se em matrimônio a Rosina, uma jovem imigrante oriunda da região de Vêneto. Rosina e sua família haviam embarcado no mesmo navio que Nanni, compartilhando assim a jornada que os conduziu à fazenda. Ao longo de suas vidas, tiveram 6 filhos. 
Giuseppe e Maddalena continuaram a criar sua família no Brasil, mas nunca deixaram de sentir falta da terra e dos entes queridos que deixaram para trás. A história de Nanni e Giuseppe é um testemunho de coragem e determinação, mostrando como os imigrantes italianos enfrentaram sacrifícios significativos em busca de uma vida melhor em terras estrangeiras, mantendo suas famílias unidas e suas tradições vivas, apesar da distância que os separava de sua terra natal e de seus entes queridos.





quarta-feira, 3 de abril de 2024

A Jornada de Matteo de Assisi para o Brasil

 


Nas montanhas verdejantes que circundavam a pitoresca vila não longe de Assisi, na região da Umbria, a parte central da Itália, nasceu Matteo, filho de Giovanni e Maria. Era uma manhã ainda fria de primavera quando ele veio ao mundo, envolto nas esperanças e nas expectativas de seus pais, que há muito tempo trabalhavam na terra fértil da região.
Desde os primeiros momentos de sua vida, Matteo foi imerso na beleza rústica e na simplicidade da vida campestre. Cresceu entre os campos ondulantes de oliveiras e vinhas, respirando o ar fresco das montanhas e ouvindo os cânticos dos pássaros que pairavam nos céus azuis.
Seu pai, Giovanni, era um mezzadro respeitado na comunidade, um homem que dedicava suas horas ao trabalho árduo nos campos em troca de uma modesta parcela de terra para cultivar. Sua mãe, Maria, era o coração do lar, uma mulher forte e amorosa que cuidava da casa e dos filhos com dedicação inabalável.
Matteo cresceu rodeado pelo calor da família e pela solidariedade dos vizinhos. Na pequena vila natal, próxima de Assisi, onde todos se conheciam pelo nome e compartilhavam alegrias e tristezas, ele encontrou um senso de pertencimento que moldaria sua visão de mundo nos anos seguintes.
Enquanto o tempo passava, Matteo testemunhava as estações mudarem, cada uma trazendo consigo suas próprias bênçãos e desafios. Ele aprendeu com seu pai os segredos da terra, trabalhando lado a lado nos campos desde tenra idade, enquanto absorvia as histórias e os ensinamentos dos mais velhos na vila.
No entanto, mesmo em meio à tranquilidade da região, Matteo não conseguia ignorar as histórias de parentes e amigos que partiram em busca de oportunidades além-mar. A situação economica da Itália no pós guerra impedia o desenvolvimento e a criação de novos postos de trabalho para uma população que crescia nas cidades pelo abandono do campo. Embora seu coração estivesse profundamente enraizado na terra que o viu nascer, ele sabia que o mundo além das montanhas guardava segredos e possibilidades desconhecidas.
E foi assim que, apesar de sua resistência inicial, Matteo se viu confrontado com uma escolha difícil em 1924, quando a Itália ainda estava se recuperando da guerra, uma série de más colheitas e dificuldades financeiras assolaram sua família e muitos outros na vila. A tentação da emigração tornou-se irresistível, e junto com outras famílias da província, Matteo embarcou em uma jornada incerta em direção ao Brasil, deixando para trás as colinas verdejantes e os laços de sangue que o ligavam à sua terra natal.
Após desembarcar no Porto do Rio de Janeiro, Matteo se encontrou diante de uma paisagem completamente diferente daquela que deixara para trás na Itália. As ruas movimentadas, os sons estridentes e a mistura de culturas o deixaram maravilhado e um pouco atordoado. No entanto, ele sabia que ali estava apenas o início de uma nova jornada.
Ao chegar em Santos e subir a Serra do Mar até São Paulo, Matteo contemplou as vastas plantações de café que se estendiam pela região, compreendendo a magnitude da economia cafeeira que impulsionava o estado. Em São Paulo, ficou tentado a se estabelecer na cidade, seduzido pela promessa de oportunidades infinitas, mas o convite de seu amigo de infância o levou a seguir rumo ao interior até Ribeirão Preto.
Ao chegar em Ribeirão Preto, Matteo imergiu profundamente no universo da construção civil. Seu domínio das técnicas de alvenaria, cultivado desde a infância enquanto auxiliava um tio em suas empreitadas, rapidamente o destacou pela destreza e dedicação. Logo, viu-se envolvido em projetos audaciosos e desafiadores, contribuindo para erigir os fundamentos de uma cidade em pleno crescimento.
Enquanto se entregava ao trabalho árduo durante o dia, Matteo mergulhava de corpo e alma na riqueza da cultura brasileira durante suas horas de folga. Determinado a se integrar completamente, ele dedicou-se a aprender o idioma local, imergindo em festas tradicionais e estabelecendo laços de amizade que transcendiam fronteiras. Foi em uma dessas celebrações que o destino o presenteou com Giulia, uma mulher cativante, cujas raízes italianas ecoavam as suas próprias. O amor entre eles floresceu de forma arrebatadora e rápida, guiando-os a decidir, em pouco tempo, unirem-se em matrimônio.
Com Giulia como sua companheira, Matteo descobriu uma fonte renovada de motivação para alcançar o sucesso. Unidos, eles ergueram sua morada e deram vida a uma família. Matteo persistiu em sua jornada na construção civil, eventualmente fundando sua própria empresa, que ascendeu para se tornar uma das mais conceituadas da região. Enquanto isso, Giulia dedicava-se incansavelmente ao lar e aos filhos, espelhando a mesma devoção e amor que ele testemunhara em sua própria mãe.
Ao longo dos anos, Matteo testemunhou o florescimento de Ribeirão Preto diante de seus olhos, como um jardim que desabrochava com o tempo. Novas ruas foram meticulosamente pavimentadas, imponentes arranha-céus ergueram-se majestosos onde outrora se estendiam campos abertos, e a cidade transformou-se em um polo econômico vital na região. Enquanto isso, seus filhos foram criados imersos na rica herança italiana que Matteo trouxera consigo, mas também absorveram avidamente as oportunidades oferecidas pelo Brasil em constante evolução.
Matteo, agora idoso, contempla o passado com um coração transbordando de gratidão pela jornada que o conduziu até este ponto. Ele se regozija com o trabalho árduo que desempenhou, com as memórias preciosas que acumulou ao longo dos anos e com a família que teve a honra de construir ao lado de Giulia. Embora as montanhas verdejantes da Umbria permaneçam como um cenário nostálgico em sua mente, ele reconhece plenamente que encontrou um novo lar, uma nova pátria, e uma vida repleta de realizações e significado no caloroso coração do Brasil.



quarta-feira, 13 de março de 2024

A Jornada de Rosalia: da Sicília ao Brasil - Uma História de Luta e Superação



Rosalia já era uma senhora na casa dos sessenta anos quando seu genro, Donato, casado com sua filha caçula, Giuditta, resolveu emigrar, seguindo o destino dos milhares de outros camponeses por todo o país. Na casa da última filha, tinha encontrado abrigo logo após a morte prematura do marido em um acidente de trabalho cinco anos antes. A Itália ainda era um país muito novo, recém-unificado no agora chamado Reino da Itália, e passava por sérias dificuldades econômicas. O Sul, onde viviam, foi assolado por vários anos de guerras e convulsões sociais, não sendo mais um lugar adequado para criar uma família. A falta de trabalho, o subemprego e a fome já rondavam muitos lares da pequena vila no interior da Sicília. Donato e Giuditta, casados há cerca de doze anos, tinham seis filhos, todos com idades abaixo de onze anos. Rosalia e seu falecido marido Giacomo, por sua vez, haviam tido quatro filhas, todas agora casadas e morando nos Estados Unidos para onde tinham emigrado alguns anos antes. Estavam distantes uma das outras, em cidades diferentes. Rosalia mantinha contato regular com elas através de cartas e sabia que todas estavam bem, que tinham inúmeros filhos, todos saudáveis e alguns já frequentando as escolas americanas.
Rosalia estava enraizada na sua pequena vila, onde era conhecida e estimada por todos, mas agora estava sem outra opção senão seguir a filha mais nova para o Brasil, destino escolhido pelo casal, para ajudá-la a cuidar dos seis netos. O genro e a filha haviam sido contratados, assim como centenas de outras famílias compatriotas, para trabalhar em uma grande fazenda de café no interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto. Depois de muitos dias de viagem de navio, chegaram ao porto de Santos e dali até um local de Ribeirão Preto, não muito distante da fazenda, o trajeto até ali foi feito de trem. A grande plantação de café pertencia a um único proprietário, o qual tinha o título de Barão e, na época da escravidão, havia tido mais de seiscentos escravos. Foi justamente para uma casa bastante humilde desses antigos trabalhadores que a família de Rosalia foi alojada. Na verdade, era um velho casebre, cujo piso de terra batida e paredes de barro delimitavam quatro pequenos aposentos com janelas. Alguns móveis toscos completavam a mobília. Apesar de serem pobres na Itália, o que encontraram naquela fazenda deixou todos muito desanimados. Perceberam que tinham deixado de trabalhar para um dono de terras na Itália para depender de outro patrão em outro país. O marido de Giuditta havia assinado um contrato de trabalho de quatro anos, para ter direito à passagem gratuita e a todos os traslados da Itália até a fazenda. Esse contrato, que incluía todos os membros da família, explicitava que eles ficariam responsáveis pelos cuidados de limpeza de mil pés de café, deviam também ajudar na colheita e transporte dos grãos de café até os grandes terreiros de secagem. Tinham permissão para cultivar uma pequena horta e criar alguns animais pequenos em volta da casa. Eram acordados bem cedo todas as manhãs, com o som de um grande sino que ficava não longe da casa de um dos capatazes. Deviam se dirigir a pé por alguns quilômetros, subindo e descendo ladeiras no meio de longas filas de cafeeiros, até o local onde, às seis horas, iniciavam o trabalho. O almoço e as vezes a água deviam levar de casa. Tinham uma breve pausa de meia hora para fazer a refeição à sombra de algum pé de café. Como a fazenda ficava longe de qualquer cidade, o proprietário mantinha um grande armazém para suprir seus empregados. Geralmente, o preço cobrado era muito mais alto do que os praticados no comércio das cidades. Quando chegavam os dias de pagamento, os imigrantes percebiam que haviam muitos descontos com a diminuição nos valores que deviam receber. Somando a precariedade das instalações onde foram alocados, este procedimento desagradou muito a todos eles, mas, presos a um contrato que só favorecia o patrão, não podiam abandonar a propriedade. Um imigrante só podia deixar a fazenda após o período combinado de quatro anos e ainda após quitar todas as dívidas contraídas com o patrão, sob pena de ter que ressarcir o fazendeiro de todas as despesas de viagem da família, o que para eles era impossível. A essas despesas, muitas vezes, eram somados gastos com médicos, remédios ou internações hospitalares, que o fazendeiro pagava e depois descontava dos seus empregados. Donato e Giuditta compravam no armazém da fazenda somente o estritamente necessário e faziam todo esforço possível para não contraírem dívidas, a fim de um dia poderem deixar a fazenda, mas isso ainda estava longe de acontecer.
Rosalia, em sua juventude, havia aprendido com sua avó paterna, uma reconhecida curandeira, a arte de tratar doenças e ferimentos usando chás, poções e emplastros de ervas recolhidas da natureza. Também com sua avó, aprendeu a arte de "arrumar ossos" e também trazer ao mundo os bebês, não só da sua vila, mas também daquelas mais próximas. Ela tinha o dom natural de curar enfermos com suas ervas e isso pôde demonstrar centenas de vezes nos anos em que morou na fazenda. Muitos imigrantes moradores na grande propriedade recorriam à velha Rosalia para curar seus males, aliviar seus sofrimentos, costurar seus ferimentos ou mesmo reduzir suas fraturas. Ela via nessa sua atividade uma espécie de sacerdócio provido por Deus e, por isso, nunca cobrava pelos seus trabalhos, mas aceitava doações e presentes dos seus pacientes, o que constituía uma verdadeira fonte de recursos para a família. Na fazenda ainda morava morava uma antiga escrava, que sempre tinha exercido este trabalho de curandeira, porém, agora, com quase cem anos de idade, doente sem poder enxergar direito e não podendo mais caminhar, não tinha mais condições de tratar ninguém.  Rosalia, nas suas poucas horas vagas, a visitava com frequência e com ela foi aprendendo a reconhecer as centenas de ervas brasileiras, as suas propriedades e indicações terapêuticas, agregando ao conhecimento que ela tinha trazido da Itália. A jovem esposa de um dos capatazes, que também compreendia bastante de italiano, servia de intérprete entre Rosalia e a velha curandeira.
Aos poucos, a família foi economizando e guardando todo o dinheiro que conseguiam ganhar para a tão sonhada liberdade. Nos domingos após a missa na capela da fazenda, e também quando conseguiam alguma folga, iam a pé até a então pequena cidade de Ribeirão Preto, a mais próxima da fazenda. Nessas visitas, fizeram vários amigos na localidade, imigrantes como eles, que os ajudaram com muitas informações valiosas. Além de comprarem por melhor preço as coisas que faltavam, evitando o armazém da fazenda, aproveitavam para sondar os preços dos terrenos que estavam à venda, especialmente aqueles maiores e um pouco mais afastados do centro. Foi assim que, um dia, quando já haviam se passado quatro anos desde a chegada na fazenda, Rosalia, que sabia ler e escrever, muito comunicativa e astuta, ficou sabendo através de uma amiga, que também se tratava com ela, de um negócio de ocasião, uma pequena chácara com ótima casa e belo arvoredo, não muito afastada do centro da cidade. O proprietário, um imigrante italiano, estava querendo vender para voltar para a Itália, pois sua esposa não aguentava mais ficar no Brasil longe de seus familiares. O preço e as condições de pagamento eram bastante convidativos e cabiam perfeitamente dentro das economias da família. Donato e Giuditta ao saberem não perderam tempo, solicitaram a permissão de se ausentar por um dia da fazenda, o que não foi negado pelo capataz, desde que fosse descontado do pagamento. Foram até Ribeirão Preto e fecharam a compra da chácara, pagando quase todo o valor em dinheiro vivo e o restante em duas prestações. Depois de dois meses, em uma manhã ensolarada, deixaram definitivamente a fazenda após se despedirem dos amigos e do capataz geral.
Estabeleceram-se em Ribeirão Preto e a primeira providência de Donato foi arrumar um trabalho que pudesse garantir o sustento da família. Analfabeto, encontrou um emprego condizente nas turmas de reparo da rede ferroviária, com possibilidades de melhorias de posto e vencimentos com o passar dos anos. Com alegria, aceitou a oportunidade e trabalhou a vida toda na rede ferroviária, no final alcançando o posto de chefe geral das turmas de manutenção. Giuditta, desde menina hábil costureira e uma das filhas mais velhas, abriu um salão de costuras e reparos na própria casa. Com o tempo, a freguesia foi aumentando e o nome de Giuditta e sua filha Maria Augusta tornaram-se sinônimos de boa costura em Ribeirão Preto, costurando para a alta sociedade local. Rosalia continuou com seu trabalho de parteira e de curar os enfermos, se tornou uma afamada curandeira e arrumadora de ossos, muito requisitada pelos membros da grande colônia italiana da região, mas não só, inclusive jogadores de times de futebol a procuravam com frequência. Com seu trabalho sério chegou a atrair até a alta sociedade local que a procurava em massa. Quando nona Rosalia, como era conhecida, faleceu, já com quase noventa anos, teve um dos maiores funerais vistos em Ribeirão Preto. Em vida, entre vária honrarias, recebeu o título de cidadã honorária. Após a morte seu nome foi dado para uma das ruas da cidade e para uma pequena praça, próxima à casa onde viveu, na qual foi erguido um belo busto de bronze, que a retrata com perfeição, uma homenagem da municipalidade pelos importantes serviços prestados. Seu túmulo logo tornou-se local de peregrinação durante todo o ano e, por ocasião de Finados, fica até hoje repleto de flores e velas, recebendo uma verdadeira multidão de admiradores que formam longas filas para homenagea-la com uma oração.


sábado, 2 de março de 2024

De Mantova ao Espírito Santo: A Notável Jornada de uma Família Pioneira



Giuseppe Montanari, nascido na Província de Mantova em 1841, iniciou uma jornada extraordinária que moldaria não apenas sua vida, mas também a trajetória de uma família resiliente. Casou-se em 1862 com Amélia Benedino, dando início a uma família que, ao longo dos anos, enfrentaria desafios, superaria perdas e construiria uma nova vida em terras distantes.
Com o agravamento cada ano maior da situação econômica na Itália em 1877, Giuseppe e Amélia decidiram embarcar em uma audaciosa empreitada rumo ao Brasil, deixando para trás sua terra natal. Gênova foi o ponto de partida, e após uma viagem de 40 dias, aportaram no Rio de Janeiro. A Hospedaria da Ilha das Flores, em Niterói, foi o primeiro lar temporário, seguido pela Hospedaria da Pedra d’Água em Vitória. Utilizando vários meios de transporte, carroças, canoas de até 16 metros, navegaram pelos rios até Cachoeiro de Santa Leopoldina, passando por Santa Tereza. Junto a outras 15 famílias, estabeleceram-se em um local desabitado, dando início a um pequeno povoamento, que mais tarde se transformaria em uma bela cidade.
A descendência de Giuseppe floresceu no Brasil. Seu filho Antonello, aos 25 anos, uniu-se em matrimônio a Beatrice Mancini. O casal escolheu a região do Vale Verde para construir sua vida, adquirindo e negociando terras. Com doze filhos, Antonio se destacou como um empreendedor visionário. Suas viagens de negócios  até Vitória com uma pequena caravana de burros eram marcadas pela comercialização de produtos únicos, como a pimenta e o açafrão, entre outros, introduzindo um toque italiano nas tradições brasileiras.
O espírito aventureiro de Antonio o levava até locais distantes e perigosos como Taquaral, atravessando densas florestas habitadas por indígenas. Para evitar conflitos, presenteava e cativava os nativos, o que não apenas garantia a  segurança de suas viagens, mas também simbolizava uma troca cultural enriquecedora. 
Contudo, o ardente desejo de Antonio de retornar às suas raízes italianas persistiu como um sonho inalcançado ao longo dos anos. Infelizmente, a oportunidade de revisitar a terra natal, tão ansiada, nunca se materializou. Em um triste desfecho, Antonio faleceu em 1925, carregando consigo a nostalgia de um lar distante que permaneceu apenas nos recantos de sua memória e coração.
A saga da família Montanari é uma narrativa de  perseverança e contribuição para a construção de uma nova vida e uma nova comunidade. Ao deixar um legado que transcende gerações e fronteiras, a família não apenas prosperou no Brasil, mas também incorporou elementos italianos à rica tapeçaria cultural da região. A história de Giuseppe e seus descendentes é um tributo à capacidade humana de enfrentar desafios e florescer em terras estrangeiras, mantendo viva a chama de sua herança em solo brasileiro.




sexta-feira, 1 de março de 2024

Imigração Italiana em Minas Gerais: Contribuição e Integração na Sociedade Brasileira



A imigração italiana para Minas Gerais foi marcada por um significativo influxo de cidadãos oriundos da Itália durante o final do século XIX e o início do século XX, tornando este estado brasileiro um dos destinos mais procurados por esses imigrantes em todo o país, ficando apenas atrás de São Paulo e Rio Grande do Sul em termos de recebimento populacional.
A crise econômica que assolava a Itália ao final do século XIX, caracterizada pelo declínio das atividades agrícolas e industriais, impulsionou uma emigração em larga escala para várias nações, incluindo o Brasil. Os registros da Hospedaria Horta Barbosa, em Juiz de Fora, revelam que entre 1888 e 1901, 68.474 imigrantes italianos desembarcaram em Minas Gerais. No período de 1872 a 1930, esse número aumentou para 77.483. Originários principalmente do Norte da Itália, esses migrantes desempenharam um papel significativo nas plantações de café da Zona da Mata, onde cerca de 80% deles se dedicaram a essa atividade, enquanto aproximadamente um terço optou pelo Sul de Minas.
O governo de Minas Gerais desempenhou um papel ativo no estímulo ao fluxo migratório italiano, assumindo os custos das passagens marítimas para suprir a crescente demanda por trabalhadores nas plantações de café. Embora a economia mineira estivesse fortemente ligada à exportação desse produto na época, o estado possuía a maior população do Brasil, o que significava uma reserva considerável de mão de obra local disponível para substituir os escravos recentemente libertados. Portanto, ao contrário de São Paulo, não se viu a necessidade premente de um influxo massivo de imigrantes europeus.
Os imigrantes italianos que se estabeleceram em Minas Gerais inicialmente encontraram ocupações principalmente ligadas à produção de café. Contudo, ao longo do tempo, sua presença na sociedade mineira expandiu-se para diversas esferas, especialmente nas áreas urbanas, onde desempenharam um papel ativo no desenvolvimento do comércio, da indústria e de outras atividades. A integração dos italianos na sociedade mineira ocorreu de forma rápida e harmoniosa, sem a formação de enclaves isolados. Pelo contrário, os imigrantes dispersaram-se por todo o território do estado, constituindo uma minoria em meio à população majoritária, em um processo de assimilação tranquila.


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Imigração Italiana no Brasil: Impactos e Desafios

 



A partir do final da década de 1870, a emigração italiana para o Brasil passou a adquirir contornos mais definidos e ganhar proporções consideráveis, culminando em um fenômeno de massa. Este movimento exerceu um papel decisivo no crescimento demográfico do país sul americano. Os italianos desempenharam um papel crucial no processo de modernização do Brasil contemporâneo, contribuindo ativamente para o desenvolvimento da economia de exportação, da industrialização e dos processos de politização e nacionalização das massas. Muitos deles, especialmente os mais empreendedores, deixaram o campo, onde inicialmente se estabeleceram, para se aventurar nos setores de serviços, comércio e varejo, impulsionando significativamente o rápido desenvolvimento das cidades brasileiras. Entretanto, o caminho para alcançar esse status foi repleto de desafios, ilusões e desilusões, esperanças e desistências, saudades e uma inabalável determinação.
Mas o que motivou o governo brasileiro a acolher tantos imigrantes italianos e quais expectativas trouxeram um número tão expressivo deles para o vasto e distante Brasil? O território brasileiro sempre apresentou uma dicotomia marcante: de um lado, riquezas naturais abundantes, como ouro, diamantes e minerais; do outro, uma escassez extrema de mão de obra, capaz apenas de atender às necessidades básicas. Os colonizadores portugueses, que dominavam a vasta colônia, buscaram resolver esse problema trazendo milhares de escravos da África. Inicialmente, essa mão de obra escrava foi fundamental para a extração de madeira nobre e para sustentar a indústria açucareira. Posteriormente, foi empregada na criação de gado e, mais tarde ainda, na exploração das minas de ouro e diamantes. O Brasil se apresentava, assim, como um tesouro imenso que carecia de mãos para explorá-lo plenamente.
Com o advento do cultivo do café, a partir de 1840, o Brasil passou a dominar o mercado mundial. No entanto, essa prosperidade estava intrinsecamente ligada à mão de obra escrava. Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil enfrentou uma grave crise de mão de obra, uma vez que os ex-escravos não estavam mais dispostos a trabalhar para seus antigos senhores. Para um país constantemente às voltas com a escassez de mão de obra, esse foi um verdadeiro desafio. Alguns anos antes da promulgação da Lei Áurea, pela princesa Isabel, os grande produtores rurais de cana remanescentes e os cafeicultores viram no crescimento do movimento abolicionista, com a aprovação do parlamento de diversas leis que favoreciam os escravos, como Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários, começaram a pensar em utilizar trabalho assalariado em suas lavouras, o que para o Brasil era uma grande novidade na época, aproveitando o excedente de mão de obra nos países europeus que passavam por uma superpopulação e desemprego.
Diante desse cenário, o governo brasileiro vislumbrou na Itália uma possível solução para o problema. Acreditava-se que os italianos, especialmente aqueles das regiões do Vêneto que tinham preferencia, por serem pacíficos, brancos, católicos e conhecidos por sua diligência e respeito ao trabalho, poderiam suprir a demanda por trabalhadores e, ao mesmo tempo, contribuir para "clarear" uma raça considerada "muito escura" pelas autoridades imperiais. Assim, na segunda metade do século XIX, o governo brasileiro começou a promover ativamente a imigração italiana, oferecendo viagens gratuitas e promessas de terras para cultivo.
Os camponeses italianos, muitos dos quais enfrentavam condições de vida miseráveis e sem perspectivas de melhoria, viram na oferta do governo brasileiro uma oportunidade de escapar da pobreza e construir uma vida melhor para si e suas famílias. No entanto, o caminho rumo a essa nova vida foi marcado por desafios e dificuldades. Ao chegarem ao Brasil, muitos foram enviados para áreas selvagens e insalubres, onde substituíram os escravos libertos nas grandes fazendas de café.
A vida nessas fazendas e também nas colônias não foi fácil, especialmente após o entusiasmo inicial se dissipar e os imigrantes perceberem as duras realidades que teriam que enfrentar, como a falta de amparo religioso pela falta de igrejas e padres, a escassa e, em muitas áreas do Rio Grande do Sul inexistente assistência médica, a falta de educação, o isolamento e os diversos conflitos com os povos indígenas locais. Nas fazendas de café, a situação era ainda mais difícil, com exploração no preço dos alimentos fornecidos no armazém da fazenda, no preço pago pelo trabalho que muitas vezes sofriam diminuição de valores combinados, violência física, abusos sexuais e condições de vida deploráveis nos casebres a eles destinados, uma vez a senzala dos antigos escravos. Os proprietários das grandes fazendas e seus capatazes, não estavam acostumados a lidar com pessoas livres e tratavam os imigrantes italianos com brutalidade, da mesma forma como antes faziam com os indefesos escravos. Isso foi motivo de inúmeras desavenças, algumas graves, que necessitaram intervenção da polícia, como as ocorridas no interior de São Paulo.  
Apesar de todas essas adversidades, os italianos aos poucos conseguiram se estabelecer em diversos setores da economia brasileira, contribuindo para a modernização do país. A século e meio após a chegada dos primeiros imigrantes italianos ao Brasil, seu legado ainda é lembrado com afeto, admiração e reconhecimento, testemunhando a importância e a influência dessa comunidade na história e na cultura brasileira.



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A História da Imigração Italiana no Paraná



A colonização do Paraná teve início em 1816 com a chegada dos colonos açorianos a Rio Negro, marcando um começo gradual na formação de núcleos coloniais. Até 1853, apenas três colônias haviam sido estabelecidas, acolhendo um total de 420 imigrantes. Até 1864, apenas mais duas colônias foram fundadas. Desde os primeiros momentos de sua autonomia política e administrativa, os líderes paranaenses buscaram uma política de imigração adaptada às suas necessidades. Ao contrário de outras regiões do Império, onde a imigração visava suprir a falta de mão de obra na agricultura de exportação, no Paraná, priorizava-se a agricultura de subsistência.
Este cenário, contudo, persistiu, e apenas com colonos trabalhadores e respeitosos habitando suas vastas e férteis terras, a abundância de alimentos e o excesso de produção reviveriam o comércio de exportação agrícola. Os governantes provinciais subsequentes buscaram implementar planos de colonização com base na criação de colônias agrícolas próximas a centros urbanos.
Entre as décadas de 1830 e 1860, imigrantes alemães estabeleceram-se nos arredores de Curitiba, especialmente nas partes norte, noroeste e nordeste da cidade, contribuindo para um notável crescimento demográfico. Observando o sucesso da colonização nas áreas circundantes, novos projetos foram concebidos para intensificar a colonização do planalto de Curitiba, do litoral e de outras regiões do Paraná. A partir de 1870, esse programa foi intensificado, especialmente durante a administração de Lamenha Lins, seguindo a tendência nacional de reativar a imigração.
A década de 1870 marcou o início da imigração italiana no Paraná. Os governos provinciais geralmente delegavam a colonização a empresas privadas, que traziam imigrantes por meio de concessões de terras acessíveis. Em 1871, um contrato entre o Governo da Província do Paraná e o empresário italiano Savino Tripoti planejou o estabelecimento de imigrantes italianos no litoral.
O primeiro grupo de colonos chegou ao porto de Paranaguá em fevereiro de 1875, estabelecendo-se em Alexandra, mas a colonização enfrentou dificuldades devido às condições climáticas e deficiências administrativas. Para acomodar os colonos, o Governo Provincial criou a Colônia Nova Itália em 1877, com sede em Morretes, qual também teve vida breve devido a má administração do empreendimento e desentendimentos do empresário com o governo da província.
As experiências negativas em Alexandra e Nova Itália desestimulou a colonização no litoral, levando muitos imigrantes a se mudarem para o planalto. Nos anos seguintes, mais italianos se estabeleceram no Paraná, especialmente em Curitiba. A maioria era originária das regiões do Vêneto e do Trentino. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma retomada do processo migratório, com italianos contribuindo para o desenvolvimento industrial da região.



Brasileiros de Origem Italiana no Exército da Itália: Uma História na Primeira Guerra Mundial



Há um capítulo pouco explorado na história: a contribuição de brasileiros na Primeira Guerra Mundial. Aproximadamente 12 mil jovens de diferentes regiões do Brasil, atravessaram o Atlântico para lutar usando o uniforme do exército italiano. No ano de 1914, enquanto o mundo mergulhava nas trevas da Primeira Guerra Mundial, uma história pouco conhecida se desenrolava nos recantos mais remotos do Brasil. Entre as colinas verdejantes do centro do nosso país, nas cidades quentes e empoeiradas do sertão nordestino e nas tranquilas colônias italianas do sul, ressoavam distantes os chamados para a guerra.

Entre os brasileiros de origem italiana, uma decisão corajosa e ousada se delineava. Cerca de 12 mil jovens, impelidos pela promessa de aventura e heroísmo, decidiram partir das terras tropicais do Brasil para os campos de batalha congelados da Europa. Deixando para trás suas famílias e amores, eles embarcaram em uma jornada incerta, determinados a se juntarem ao conflito que varria o continente.

Entre esses jovens, estava Luca, um modesto agricultor das profundezas de Minas Gerais, cujo coração ardia com o desejo de servir à sua pátria de origem, mesmo que isso significasse lutar em terras estrangeiras. Com uma coragem inabalável, ele vestiu a farda do exército italiano e marchou em direção ao desconhecido, determinado a deixar sua marca na história.

Ao lado de Luca, estava Giovanni, um jovem italiano destemido do interior do Rio Grande do Sul, terra colonizada por milhares de seus compatriotas, desde o final do século XIX, cujas habilidades de combate rivalizavam com sua determinação. Ele carregava consigo a memória de sua terra natal, onde as cores vibrantes do Brasil se misturavam com as tradições italianas de sua família. Nas trincheiras, ele lutava não apenas pela vitória, mas pela honra de sua herança.

A guerra, no entanto, não era apenas feita de bravura e glória. Nas crateras encharcadas de lama e sangue, os brasileiros de origem italiana enfrentavam o horror e a brutalidade do combate. Testemunhavam a carnificina dos campos de batalha, onde a morte espreitava a cada esquina e a camaradagem era a única luz na escuridão.

Durante anos, Luca e Giovanni enfrentaram os horrores da guerra, lidando com o fogo inimigo e a incerteza do amanhã. Suas histórias se entrelaçavam com as de milhares de outros brasileiros, cujas vidas foram sacrificadas no altar da guerra. Alguns retornaram para casa, marcados pela tragédia e pela perda, enquanto outros permaneceram para sempre nas terras estrangeiras onde lutaram e caíram.

Mas, apesar das feridas físicas e emocionais, o legado desses heróis brasileiros de origem italiana permanece vivo nas páginas esquecidas da história. Suas histórias de coragem e sacrifício são um tributo à resiliência do espírito humano e um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a esperança e a solidariedade podem prevalecer.


sábado, 27 de janeiro de 2024

Destino: Brasil - A Odisseia Inesquecível de uma Família de Imigrantes




No mês de janeiro de 1836, nas acidentadas terras de Cesiomaggiore, cercada por altas montanhas, repletas de neve naquela época do ano, Giacomo veio ao mundo, um homem destinado a traçar uma jornada que moldaria o destino de gerações da sua família. Maddalena, nascida em 1835 em Arsiè, seria sua companheira nessa odisséia, uma mulher alta e forte, com determinação e amor tão profundos quanto as raízes das árvores que testemunhariam sua saga.
O casal de pequenos agricultores trouxe à vida uma família vibrante, começando com Giuseppe, o primogênito, nascido em 1858 em Cesiomaggiore, sendo a escolha do seu nome uma homenagem ao avô paterno, Giuseppe, cujo nome ressoava nas colinas como um tributo à tradição familiar. Logo, Maria Augusta veio ao mundo em 1860, seguida por Beatrice em 1861 e Giovanni Battista em 1863, todos nascidos na mesma cidade de Cesiomaggiore, na província de Belluno. Uma família unida, mas inquieta, cujo destino se entrelaçaria com a imensa vastidão do Brasil.
A história da família ganhou uma nova dimensão em 1875, quando todos, de Giacomo e Maddalena aos filhos e netos, decidiram embarcar em uma jornada épica para terras desconhecidas localizadas do outro lado do grande e temeroso oceano. O irmão mais novo de Giacomo, nascido em 1842, casado com Fiordalise, e seus filhos Angelo e Augusto, completavam a caravana que se aventuraria muito além dos horizontes familiares. O governo imperial brasileiro, necessitando urgentemente de mão de obra estava concedendo a passagem grátis até o novo local de trabalho, para as as famílias que aceitassem o convite para se transferirem para o grande país. Foi a oportunidade que tiveram para abandonar de forma definitiva aquele novo país no qual sempre viveram, mas que agora depois da unificação, não reconheciam mais. Lá, o desemprego grassava em todas as regiões, a má alimentação e a fome assolavam suas vítimas, forçando milhares de pessoas a buscarem um novo lugar para garantir seu sustento diário, bem distante daquelas circunstâncias adversas. 
A viagem, da pacata Belluno até o movimentado porto de Genova, foi uma experiência marcante. O desconhecido trem conduziu-os pela paisagem italiana, antes que embarcassem no navio Adria, enfrentando as intempéries do oceano. Duas tempestades memoráveis desafiaram sua resiliência, mas a determinação de deixar uma Itália desconhecida superou as adversidades. Apesar de tudo estavam felizes porque sabiam que um mundo melhor os aguardava.
O desembarque no porto do Rio de Janeiro, em janeiro de 1869, marcou o início de uma nova fase. Ficaram dois dias hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, aguardando ansiosos o navio Rio Negro, que os conduziria à Colônia Dona Isabel no longíquo Rio Grande do Sul.
A bordo do Rio Negro, entre centenas de outros sonhadores, a família enfrentou seis dias de travessia até desembarcarem no porto de Rio Grande. Grandes barracões comunitários de madeira, onde quase não havia privacidade, os abrigaram por quase quinze dias, enquanto esperavam pela chegada dos barcos fluviais que os levariam até a cidade de Montenegro, o local mais próximo à tão aguardada Colônia Dona Isabel.
A travessia pela grande Lagoa dos Patos até Porto Alegre, e a subsequente subida do rio Caí por mais de sete horas, culminaram na chegada ao porto da pequena cidade de Montenegro, o local mais próximo que poderiam chegar de barco ao seu destino final. Um breve descanso de um dia precedeu a preparação para a jornada final até a colônia, que se fazia com carroças e mulas transportando os poucos pertences do grupo. Os homens, as mulheres aptas e as crianças maiores, caminhavam ao lado das carroças, enquanto as pequenas e as mulheres grávidas seguiam nas grandes carroças. O trecho era pedregoso e difícil, a maior parte dele percorrido em subida. Ao chegarem na colônia sempre acompanhados por funcionários do governo brasileiro, que serviam de guias, foram acomodados em outros barracões de madeira esperando a liberação dos seus lotes de terra.
No dia seguinte, os homens, determinados, partiram para conhecer e ajudar demarcar as terras adquiridas do governo. As mulheres e as crianças permaneceram nos barracões enquanto os alicerces do sonho eram estabelecidos. Como eram três famílias, cada uma adquiriu um grande lote 500.000 metros quadrados cada, uma área de terra vasta, coberta por uma vegetação exuberante e rios que seriam testemunhas da prosperidade por vir. Haviam realizado o sonho da propriedade acalentado por todos. Agora deixariam de calar sempre e dividir a safra com o patrão dono da terra. Eles agora eram os patrões. Com orgulho diziam "Desso, qua, in coesto paradiso, naltri ghe semo i paroni"!
Os primeiros anos foram bastante árduos, com derrubada de florestas, construção de casas precárias e o desbravamento do solo para plantio de milho e trigo. A colheita da primeira safra inaugurou uma era de melhoria nas condições de vida, e a família floresceu. Ao longo dos anos, cresceram não apenas em número, mas em riqueza e sucesso, tornando-se um exemplo do espírito pioneiro que impulsionou tantos imigrantes italianos na construção do Rio Grande do Sul.
Assim, a história dessa família italiana se entrelaçou com as paisagens verdejantes do Brasil, uma narrativa de coragem, determinação e sucesso que ecoa através das gerações.


Texto 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Nascimento a Bordo

 

Navio Principe de Asturias


Após uma longa e angustiante viagem de trem, durante a qual poucos passageiros conseguiram dormir, em um trajeto repleto de paradas nas inúmeras estações ao longo de todo o percurso, ocasião em que outras famílias de emigrantes, assim como eles, foram se juntando nos vários vagões da composição. Finalmente, chegaram à estação da cidade de Gênova, a última etapa em terras italianas, antes de se aventurarem, não sem grandes preocupações, nas águas do desconhecido oceano. Ainda estava muito escuro, numa madrugada fria de final de inverno. Enquanto se esforçava para vislumbrar a cidade que ainda se escondia na forte neblina matinal, que encobria quase totalmente a cidade e parte do porto, Cesco, como era carinhosamente chamado pelos pais e seus doze irmãos e irmãs que havia deixado na antiga casa paterna, percebeu com o coração apertado que a decisão tomada alguns meses antes, juntamente com sua jovem esposa Maria, não tinha mais volta. Estava realmente apreensivo, com muito medo da longa travessia, principalmente com o que o destino reservara para eles, mas, ao mesmo tempo, feliz com a decisão tomada e com as perspectivas de uma nova vida no tão sonhado Brasil, o distante "el Dorado" da América.
Maria, apesar de seu avançado estado de gravidez, também não conseguira dormir quase nada durante a viagem, pois Betina, a primogênita de pouco mais de um ano, deitava-se entre suas pernas. Sua família desaprovava a mudança para o exterior naquela situação, justamente por causa da gravidez, pois ela poderia passar mal e ter o bebê no navio.
Maria era a terceira filha de um casal de camponeses, naturais de um pequeno município localizado quase na divisa das províncias de Treviso com Belluno, que em outros tempos já havia conhecido uma importância maior. Maria e todos os seus irmãos nasceram em uma pequena vila do município de Quero. Além das duas irmãs mais velhas, já casadas, Maria tinha outros quatro irmãos homens, todos mais jovens. Na antiga casa, além dos pais e irmãos, moravam também os avós, já com idade avançada, mas ainda gozando de boa saúde e úteis nos trabalhos do campo.
Ao casar, Maria passou a morar na casa dos pais de Cesco no município de Alano di Piave, distante cerca de 15 km da sua casa paterna. Francesco e sua esposa Maria tinham a mesma idade, 22 anos, e já estavam casados há dois anos. Ele era o primogênito de um casal de pequenos trabalhadores rurais sem terra, que tiveram oito filhos, sendo cinco homens e três mulheres. O pai de Cesco era um empregado rural diarista, trabalhava na propriedade de uma família com passado nobre, que morava na cidade de Treviso. Ambas as famílias eram muito pobres, mas, apesar das dificuldades, sempre conseguiram alimentar bem todos os filhos.
As oportunidades de trabalho no meio rural existiam há séculos. A economia italiana, especialmente no caso deles, no Veneto, sempre foi baseada na agricultura, a qual, infelizmente, não conseguiu se modernizar na velocidade necessária para suprir a população sempre crescente do novo país. O novo reino também demorou muito tempo para se industrializar e acompanhar o progresso de outras nações europeias. Essa situação de atraso crônico da Itália, agravada após a unificação e a criação do reino da Itália, foi o impulso que levou milhões de italianos a buscarem fora do país o sustento diário. O desemprego nas zonas rurais aumentou consideravelmente, e a fome começou a aparecer em muitas regiões do país, especialmente nas zonas montanhosas, as primeiras a cogitarem deixar definitivamente a Itália.
A partir de 1875, não suportando mais a situação, ocorreu uma grande debandada de italianos para o exterior, a qual só arrefeceu com o início da I Grande Guerra, retomando logo após o término do conflito, porém, não mais com o mesmo ímpeto anterior. Em 1890, quando Francesco e Maria embarcaram, milhões de outros italianos, do norte ao sul da península, já tinham deixado definitivamente o país em busca de melhores oportunidades em países distantes do outro lado do oceano, especialmente nos Estados Unidos, Brasil e Argentina. Foi nesse ano que o casal Francesco e Maria, com a pequena Betina, finalmente realizou o sonho de tentar a sorte em um novo país, o Brasil, que tanto tinham ouvido falar através das cartas do tio Masueto, que tinha partido com a família nas primeiras levas de emigrantes.
Deslumbrados com a grande cidade de Gênova, o jovem casal dirigiu-se a uma pequena e barata estalagem, localizada em uma rua vizinha do cais. O embarque estava programado para daqui a dois dias, e na situação em que se encontrava Maria, não poderiam ficar ao relento todo esse tempo. Ainda fazia frio, e as madrugadas eram bastante geladas, especialmente pelo vento que vinha do mar. Apesar do pouco dinheiro que traziam, não havia outra opção para eles.
No dia do embarque, logo cedo, dirigiram-se ao cais onde o navio já estava ancorado. Um grande número de pessoas se amontoava no guichê de embarque, homens carregando grandes sacos e baús com seus pertences, e as mulheres levando os seus filhos. Do convés, ouviam-se ordens gritadas e os marujos correndo pelo tombadilho, ultimando os últimos preparativos para o embarque. No cais, um frenesi desordenado de carroças e carregadores de bagagens ao lado do grande navio a vapor. Subitamente, um longo apito agudo, seguido por dois outros mais graves, anunciava o início da admissão dos passageiros no barco.
Pela longa escada inclinada, encostada ao lado da embarcação, os passageiros subiam ordenadamente em fila, com os bilhetes de viagem e o passaporte nas mãos, as famílias agrupadas entre si, com as crianças pequenas agarradas nas saias das mães. O primeiro contratempo inesperado surgiu ao entrarem no interior do barco, que para eles parecia um verdadeiro monstro que os tinha engolido. Um dos membros da tripulação, com pouca paciência, separava os homens e os meninos maiores de oito anos das mulheres, meninas e crianças pequenas. As acomodações eram separadas por sexo.
Os grandes salões dormitórios, com o teto baixo e sem janelas, localizados nos porões do grande navio, consistiam de várias longas filas de beliches, de duas camas, fixados entre si e no piso. Nas extremidades de cada uma dessas filas, tinham colocado um grande balde de madeira com tampa, que deveria servir como sanitário para os passageiros fazerem as suas necessidades. Não havia muito conforto e nem privacidade. As instalações sanitárias e até mesmo a água eram insuficientes para o grande número de passageiros embarcados. O ambiente nesses dormitórios era quente, úmido e dele exalava um odor insuportável, depois de alguns dias de viagem.
O Matteo Bruzzo zarpou de Gênova em direção ao Porto de Nápoles, levando mais de seiscentos passageiros, a maioria imigrantes venetos e lombardos com destino ao Brasil e Argentina. Em Nápoles, subiram a bordo mais outros quinhentos passageiros, todos emigrantes provenientes de várias províncias do sul da Itália. A lotação, como quase sempre acontecia, já havia ultrapassado o número legal de passageiros permitido pela lei; entretanto, as autoridades portuárias faziam vista grossa e o ilícito se repetia a cada viagem.
Com exceção de algum enjoo e vômitos no início da viagem, Maria estava bem e suportando o duro trabalho de cuidar da Betina, que, amedrontada, exigia mais atenção do que o costume. As refeições servidas a bordo eram até relativamente boas, e tanto Maria como Cesco não tiveram problemas em se adaptar. Tudo ocorria tranquilamente, com a grande embarcação sulcando águas calmas, até quando chegaram próximo à linha do Equador, onde a temperatura era muito mais quente, e o mar começou a ficar mais agitado devido aos fortes ventos.
No final de uma tarde muito quente e abafada, o céu ficou carregado por ameaçadoras nuvens escuras e, de repente, iniciou-se uma grande tempestade, com ventos bastante fortes que faziam a água do mar saltar acima do convés, molhando cadeiras e outros equipamentos ali amarrados. Os passageiros foram proibidos de ficar ali e receberam ordens expressas para se dirigirem aos seus dormitórios. O navio balançava furiosamente, e as grandes ondas produziam um barulho ensurdecedor batendo como martelos no costado do barco. Objetos soltos nos dormitórios eram arremessados, e os passageiros precisavam se segurar para não caírem. A tripulação corria de um lado para o outro verificando todos os cantos do navio para ver se havia alguma infiltração da água do mar. O pânico começou a tomar conta dos passageiros, que tiveram a sensação de que iriam morrer afogados.
Maria, que estava sozinha em um dos dormitórios femininos, junto à filha Betina, ficou muito agitada e com medo, começou a se sentir mal, com enjoo e fortes cólicas na barriga. Ficou na sua cama, agarrada com a filha na esperança de que as dores aliviassem. Entretanto, elas não cessavam; pelo contrário, estavam cada vez mais frequentes. Maria, desesperada, pediu para chamar o marido que, avisado, prontamente correu para encontrá-la. O que os familiares de Maria temiam estava acontecendo; era evidente que as dores do parto haviam começado. O médico de bordo foi chamado, e depois de examiná-la, encaminhou-a diretamente para a enfermaria, tudo isso no meio da gritaria e correria causada pela tempestade, a qual não dava um minuto de trégua, balançando freneticamente o grande navio. Não demorou muito tempo e um forte choro anunciou o nascimento de Tranquilo, o segundo filho do casal Maria e Francisco. Como já estavam em águas brasileiras, o bebê seria registrado com essa nacionalidade.
Maria tinha leite em abundância, e o pequeno recém-nascido tinha um grande apetite. Com exceção do primeiro choro, o bebê era calmo e sossegado, o que corroborou a prévia escolha do nome que os pais fizeram, em homenagem ao pai de Francisco, que tinha este nome, cumprindo-se assim uma antiga tradição vêneta.
Depois de mais três dias, chegaram ao Porto do Rio de Janeiro, desembarcando na Ilha das Flores e sendo levados para a Hospedaria dos Imigrantes, onde foram abrigados por mais alguns dias. Até chegar ao porto, o navio costeiro Rio Negro, que os levaria até o Rio Grande do Sul, a jornada da família de Cesco ainda estava longe de terminar. Centenas de passageiros que viajavam no Matteo Bruzzo não desembarcaram no Rio de Janeiro, seguindo com o mesmo navio para a Argentina, que era seu destino final.
Com a chegada do vapor Rio Negro, Cesco e a família, acompanhados por várias dezenas de outros passageiros, embarcaram novamente, para mais oito dias de viagem até o Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Desembarcaram e foram alojados em grandes barracões de madeira, sem conforto ou privacidade. Deveriam ficar esperando pela chegada dos barcos fluviais, que os levariam rio Caí acima até a colônia Caxias.
Há vários anos, um tio de Cesco havia emigrado com toda a sua família logo no início da fundação da colônia Caxias, alguns anos antes. Pela correspondência que recebiam do tio, ficaram sabendo das grandes oportunidades que ali existiam para aqueles que queriam trabalhar. O tio Mansueto e um sócio tinham uma grande fábrica de carroças naquela colônia, e não foram poucas as vezes que convidava os parentes na Itália para se juntarem a ele. Como Cesco, apesar de jovem, era um bom carpinteiro, esta foi uma das razões do casal ter escolhido a colônia Caxias para viverem. Esperava trabalhar na empresa do tio e, se possível, mais tarde, quando tivesse juntado algum dinheiro, abrir a própria carpintaria.
Depois de quase dez dias de espera naqueles incômodos barracões, finalmente chegou o dia de embarcarem novamente em direção à nova vida. Embarcaram no vapor Garibaldi, um pequeno vapor fluvial, e, seguindo pelo rio Guaíba, atravessaram a Lagoa dos Patos até a cidade de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul. Nesse ponto, desembocavam vários importantes rios que vinham do interior do estado. Tomaram a direção do Rio Caí e começaram a lenta subida de quase dez horas, seguindo contra a forte correnteza, até o Porto Guimarães, na cidade de São Sebastião do Caí, onde então desembarcaram.
Desse porto até a Colônia Caxias, ainda deveriam percorrer um longo trecho pela irregular e acidentada estrada Rio Branco, a pé ou em carroças, levando no colo os dois filhos e os poucos pertences que tinham trazido. Fizeram uma parada para descanso e abastecimento e, no dia seguinte, partiram em direção à grande colônia, seu destino final. Foram recebidos pela família do tio Mansueto, com inúmeros primos que Cesco ainda não conhecia.
Francisco trabalhou duramente por alguns anos na fábrica de carroças do tio, demonstrando grande talento como carpinteiro, sendo elogiado por todos os clientes. Alguns anos mais tarde, já respeitável chefe de família com uma prole de oito filhos, abriu a sua própria oficina, aventurando-se em grandes obras como construções de igrejas e moinhos movidos por água, suas duas especialidades com as quais se tornou famoso e solicitado em toda a região de colonização italiana da Serra Gaúcha.
Tranquilo, o filho mais velho, nascido durante a viagem de navio para o Brasil, desde muito pequeno tinha um especial interesse no trabalho do pai, sempre o acompanhando alegremente como ajudante na oficina e durante suas frequentes viagens. Cresceu ajudando o pai e, logo, do qual aprendeu o ofício e, apesar da pouca idade, se tornou conhecido como um excelente mestre de obras, construtor de grandes obras como igrejas, pavilhões e moinhos coloniais movidos a água e, posteriormente, a eletricidade.



Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Mar Tempestuoso, Terra Prometida: A Épica Jornada dos Imigrantes Italianos ao Brasil





Era o final do século XIX, em 1878, quando os Caprari, uma família natural da Sicília, imigrantes italianos como milhões de outros de todas as partes do país, decidiu deixar sua pequena vila no sul da Itália e partir em busca de uma nova vida no Brasil. Eram camponeses e a situação econômica no campo estava cada vez pior com grande desemprego e a fome já rondando os lares. Eles estavam ansiosos para recomeçar a vida em uma nova terra, onde acreditavam que poderiam ter melhor sorte, uma vida digna e oportunidades para seus filhos. Iam em busca daquelas mesmas oportunidades que, por diversas razões, a Itália de então, não podia lhes oferecer: um trabalho digno do qual pudessem conseguir o pão de cada dia, uma vida melhor para eles e um futuro promissor para os filhos.
A viagem começou com um sentimento misto de empolgação misturado com tristeza pela despedida dos amigos e parentes. A família não tinha comprado as passagens de navio, pois não tinham condições financeiras, aproveitaram a oferta do governo brasileiro de viagem grátis até as terras onde começaria a nova vida. 
O navio partiria do porto de Nápoles em direção ao Rio de Janeiro e de lá com com outro navio menor até o porto de Santos. O navio era grande e parecia imponente, dando a impressão de que eles estavam embarcando em uma grande aventura.
A bordo, a família se acomodou como pôde em suas precárias camas beliche de três andares, dispostas em várias filas nos dois grandes salões no porão do navio. Com muita preocupação a família teve que se separar: homens e meninos maiores de oito anos em um dos salões e mulheres e meninas em outro. Em ambos alojamentos comunitários não havia banheiros suficientes para todos os passageiros e nos grandes salões, nas filas de beliches, sem qualquer privacidade, estavam colocados baldes de madeira com tampas para servirem de latrina. O ar ali dentro desses enormes alojamentos era quente, úmido e fétido devido a falta de ventilação adequada. 
Assim que puderam eles começaram a explorar o navio e se familiarizar com o que seria sua casa pelas próximas semanas.
A viagem seguia tranquila até que, aproximadamente o meio do trajeto, logo após ultrapassarem a linha imaginária do Equador, uma grande tempestade começou a se formar no horizonte. O vento aumentou, e as ondas ficaram cada vez mais altas e violentas. A tripulação começou a correr de um lado para o outro e a se preocupar, e os passageiros foram instruídos a se manterem nos alojamentos.
A família Caprari se apavorou, e o medo tomou conta de todos. Eles seguravam-se firmemente aos móveis e objetos, que estavam fixados no assoalho, para não serem jogados de um lado para o outro pela agitação do mar. O vento uivava e o navio balançava e sacudia, e o som das ondas batendo no casco era ensurdecedor.
A tempestade durou algumas horas, e a ninguém a bordo conseguia comer ou dormir devido o enjôo que o balanço tinha provocado. Eles ficavam juntos em seus alojamentos, rezando para que o navio não afundasse. Em momentos de calmaria, saíam rapidamente para tomar ar fresco no convés, mas logo eram obrigados a voltar para dentro com o vento e as ondas que se intensificavam novamente.
Finalmente, a tempestade passou, e o sol brilhou novamente. A tripulação informou que o navio havia sofrido alguns danos, mas nada que impedisse a continuação da viagem. A família Caprari se sentiu aliviada, mas também exausta e traumatizada com a experiência.
O restante da viagem transcorreu sem incidentes, mas eles nunca esqueceram os momentos de angústia vividos durante aquela tempestade. 
Ao chegar ao porto do Rio de Janeiro, foram recebidos por funcionários do porto e encaminhados para a o setor de imigração que os ajudou com os trâmites alfandegários e os encaminhou para um alojamento provisório na hospedaria. Lá, eles tiveram que dividir um grande quarto com outras famílias de imigrantes, mas estavam felizes por finalmente terem chegado ao seu destino. 
Chegando ao Rio de Janeiro, tiveram que se adaptar a um novo país, uma nova língua e uma nova cultura, mas sabiam que estavam prontos para enfrentar qualquer adversidade, já que haviam enfrentado a fúria do mar e sobrevivido.
Para eles tudo era muito diferente daquela pequena vila perdida no interior da Sicilia. Ficaram impressionados com as pessoas de cor escura, pois ainda não conheciam pessoas negras, que eram comuns na ilha onde desembarcaram.
Depois de 3 dias na Hospedaria de Imigrantes, chegou a hora de embarcarem novamente para a cidade de Santos onde seriam recebidos pelos funcionários da fazenda de café que os tinha contratado.
Todos eles tinham sido contratados para trabalhar no cultivo de café de uma grande fazenda do interior de São Paulo. O trabalho era pesado, mas eles estavam dispostos a dar o seu melhor para ganhar a vida. Com o tempo, até conseguiram economizar algum dinheiro e comprar um pequeno lote de terra, na periferia de uma pequena cidade vizinha da fazenda que tinham vivido nos últimos cinco anos e passaram a trabalhar em pequenas fábricas da região.
Passados mais alguns anos, com os filhos agora crescidos, os Caprari se estabeleceram na cidade, abrindo um pequeno negócio próprio junto com o filho mais velho. 
Eles nunca esqueceram da tempestade que enfrentaram durante a viagem ao Brasil, mas agradeciam por terem sobrevivido e por terem construído uma nova vida em um país que lhes deu tantas oportunidades.
A experiência de imigração da família Caprari foi compartilhada por muitas outras famílias que deixaram a Europa em busca de uma vida melhor nas Américas. A tempestade que enfrentaram em alto-mar é um exemplo das dificuldades e dos desafios que tiveram que superar para se estabelecer em uma nova terra.
Mas, como eles, muitos outros pobres imigrantes conseguiram construir uma nova vida e deixar um legado que é valorizado até hoje. 


Texto


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Da Sicília ao Brasil: Uma Saga de Coragem em Campinas



Era o ano de 1868, em uma pequena vila no interior da Sicília, onde o sol dançava sobre as colinas de Agrigento, banhando tudo em uma luz dourada e perfumada pelo aroma do Mediterrâneo. Foi nesse cenário que Aniello viu pela primeira vez a luz do dia, em uma casa modesta na zona rural.
A família, composta por pequenos agricultores, enfrentava desafios para obter o sustento a partir de uma parcela de terra com menos de um hectare, que eles arrendavam. O ambiente que antes era idílico e próspero agora estava imerso em dificuldades devido a vários anos de conflitos pelo poder. A unificação da Itália resultou em um aumento significativo de impostos e taxas, levando a economia local à ruína. Aniello, o filho mais velho, sentia a responsabilidade de alimentar não apenas a si mesmo, mas também seus pais, esposa Maria Giovanna, três irmãs e quatro irmãos mais jovens.
Os ventos da mudança sopraram na forma de oportunidades além do horizonte. O Brasil, um vasto país sul-americano, oferecia uma promessa de esperança. O governo brasileiro buscava mãos trabalhadoras e, generosamente, concedia passagens gratuitas para aqueles dispostos a emigrar. Aniello, encantado com a perspectiva, assinou um contrato de quatro anos com uma empresa que representava uma imensa fazenda de café em São Paulo.
Em dezembro de 1888, ele e Maria Giovanna, abençoados pelos pais e emocionados com as despedidas dos irmãos, embarcaram no navio Príncipe de Astúrias, partindo de Nápoles rumo ao Brasil. A viagem, no entanto, não foi uma jornada fácil. O navio estava superlotado, com a falta de água potável e alimentos causando tumulto entre os passageiros. Nos porões úmidos e escuros, a falta de higiene tornava o ar insuportável.
Ao cruzarem o equador, enfrentaram tempestades que deixaram todos a bordo aterrorizados. Contudo, a esperança os guiou, e finalmente, em dezembro de 1888, Aniello e Maria Giovanna pisaram em solo brasileiro, prontos para enfrentar os desafios que a nova vida lhes reservava.
Chegando ao Brasil pelo porto de Santos, Aniello e Maria Giovanna foram recebidos pelos empregados das fazendas que os aguardavam. Após serem examinados, seguiram para o interior do estado de São Paulo, onde a maioria dos 1260 passageiros permaneceu; quase 500 deles foram para diferentes destinos, como o Rio Grande do Sul. Subiram a Serra do Mar até a capital, São Paulo, onde ficaram dois dias hospedados na Hospedaria dos Imigrantes, antes de embarcar em um trem rumo às fazendas que os contrataram.
A fazenda de Aniello e Maria Giovanna era uma propriedade vasta, administrada por um capataz; uma terra que já havia testemunhado os dias da escravidão, com mais de 300 escravos. Era coberta por milhares de pés de café, uma visão que se tornaria familiar ao casal nos anos seguintes. No segundo ano na fazenda Arari, receberam a bênção do nascimento de Pasquale, o mesmo nome do pai de Anielle, homenageando assim a tradição familiar.
Após os quatro anos iniciais, Aniello e Maria Giovanna decidiram permanecer por mais algum tempo na fazenda. Dois anos depois, com o nascimento de Salvatore, vislumbraram uma nova oportunidade que chegou através da informação de um amigo. Deixaram a fazenda e mudaram-se para Campinas, uma cidade já significativa, onde Aniello começou a trabalhar em um pastifício local. Inicialmente, alugaram uma casa na periferia, mas à medida que o tempo passava, adquiriram um lote de terra e construíram sua própria casa.
Em Campinas, a família Aniello floresceu, recebendo a chegada de mais cinco filhos: Maria Augusta, Nicola, Alessandro, Luigia e Caterina. O passado na Sicília e a jornada através do Atlântico deram origem a uma nova história, cheia de desafios superados e sucessos conquistados. Assim, na terra prometida do Brasil, a família cultivou não apenas café, mas também raízes profundas que se estenderam por gerações. O legado de Aniello e Maria Giovanna se entrelaçou com o tecido de Campinas, uma tapeçaria rica em histórias de coragem, esperança e resiliência.


sábado, 21 de outubro de 2023

Raízes Italianas: A Jornada e o Legado dos Imigrantes

Little Italy em New York


O período que abrange os séculos XIX e início do XX se caracterizou por um extraordinário movimento emigratório na Europa. Entre 1800 e 1930, cerca de 40 milhões de europeus tiveram que deixar suas terras natais em busca de uma qualidade de vida melhor, especialmente nas Américas. Essa melhoria de vida, muitas vezes referida como "em busca da cucagna", nada mais era do que um trabalho digno com o qual pudessem sustentar suas famílias.
Até meados do século XIX, a Península Itálica estava fragmentada em diversos reinos, cada um com seus próprios dialetos e traços culturais distintos. A busca por uma unidade nacional italiana, conhecida como o Risorgimento, teve início em 1848 e só foi concretizada em 1871. Nesse ínterim, a Itália era uma nação dividida por profundas disparidades sociais, concentração de renda em algumas poucas regiões, principalmente do norte, onde iniciava um incipiente processo de industrialização, porém o resto do país era totalmente dependente de uma agricultura atrasada, praticada nos mesmos moldes do século anterior e usando os mesmos implementos agrícolas usados pelos seus avós. Essa agricultura não podia competir com os grãos importados de outros países da Europa, e também dos Estados Unidos, que chegavam com preços abaixo dos produzidos no reino. Também uma série de calamidades naturais nos últimos anos, como longas estiagens e enchentes catastróficas, contribuíram para grandes quebras de safras, empobrecendo o homem do campo que se via obrigado a migrar para cidades.
Antes mesmo da unificação italiana, já havia uma emigração modesta de pessoas da região que hoje conhecemos como Itália. Inicialmente, esse movimento era relativamente pequeno e não permanente. Partindo do norte da Itália, um número considerável de italianos iam em busca de melhores condições de trabalho em outros países europeus, nomeadamente a França, Suíça e Alemanha. Eram em sua maioria pessoas do sexo masculino que partiam por conta própria e, após trabalharem por alguns anos nesses países, retornavam para a Itália. Em certas províncias do norte também as mulheres tiveram que buscar um complemento financeiro nos países vizinhos, como é o caso das amas de leite, conhecidas como "balias", as vendedoras ambulantes que levavam suas mercadorias em caixas nas cestos nas costas, percorrendo a pé cada pequena vila, para vender os seus produtos. Eram as chamadas "kromer" nas zonas alpinas de Belluno e na Áustria.
Com a unificação italiana em 1871, a emigração tornou-se um fenômeno social na Itália. Entre 1871 e 1875, aproximadamente 130.000 italianos emigraram. No início da década de 1880, a saída de italianos já alcançava cifras notáveis, configurando um verdadeiro êxodo. Os fatores dessa saída eram vários, sendo principalmente por motivos socioeconômicos, seguido de razões políticas e pessoais. O sonho da propriedade também foi o que impulsionou muitos deles a empreenderem a difícil jornada. Nos primeiros anos, 80% dos emigrantes partiam do norte da Itália. O fenômeno emigratório só chegou ao Sul da Itália no início do século XX, e esse passou a dominar a fonte de saídas.
Nesse ponto, a emigração transoceânica passou a predominar, com os italianos escolhendo três destinos principais: os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil. Inicialmente, o Brasil absorveu a maior parte dos imigrantes italianos nos primeiros anos, sendo superado pela Argentina nos últimos anos do século XIX, enquanto os Estados Unidos se tornaram o maior receptor de italianos no início do século XX.
O governo italiano nada fazia pelos emigrantes, que partiam à própria sorte e muitas vezes caíam em propagandas enganosas de emprego fácil para onde emigravam. A emigração só foi regulamentada em 1888, quando o governo passou a dar apoio àqueles que quisessem emigrar, porém, não lhes prestava nenhuma assistência se algo desse errado. O governo percebeu que a emigração era algo lucrativo, não só para alimentar a criação de companhias de navegação italianas: os emigrantes vendiam tudo o que tinham na Itália antes de partirem e quando já inseridos em outros países, mandavam regularmente dinheiro para os parentes que ficaram. Além disso, o governo estava se livrando de uma grande massa de camponeses e desempregados indesejáveis. A emigração foi uma espécie de válvula de escape que impediu uma grande conflagração social.
A maciça emigração italiana ocorreu até 1914. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o número de emigrantes italianos sofreu um processo de baixa, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Após as duas guerras, a Itália estava destruída e precisava de braços para reerguer o país, fazendo com que a emigração se tornasse pouco expressiva.
Nos Estados Unidos, os italianos começaram a desembarcar em maior número por volta de 1876, atingindo seu auge entre 1910 e 1920. A maioria desses imigrantes era composta por homens originários das zonas rurais da Sicília, que prontamente se adaptaram a novos papéis como trabalhadores urbanos no nordeste dos Estados Unidos, especialmente na região de Nova Iorque. Enfrentando preconceito devido à sua fé católica, sua coloração mais escura, a sua extrema pobreza, os italianos frequentemente se aglomeravam em bairros carentes nas periferias das cidades, onde ocupavam empregos pouco gratificantes. A dificuldade em encontrar trabalho bem remunerado levou muitos a considerar o retorno à Itália. No entanto, mantendo suas raízes culturais, os italianos formaram comunidades vibrantes, estabelecendo bairros inteiros compostos por seus compatriotas, como o icônico Little Italy. A crescente indústria norte-americana demandava mão de obra, e em pouco tempo, a comunidade italiana se tornou uma das mais bem-sucedidas e influentes dos Estados Unidos.
Atraídos pela promessa de terras férteis e oportunidades de emprego, os emigrantes italianos desempenharam um papel crucial na formação da diáspora na Argentina, superando até mesmo os números de imigrantes espanhóis. A maioria desses italianos provinha do sul da Itália, especificamente da Sicília, Campania e Calábria. Eles se estabeleceram principalmente na região urbana de Buenos Aires, enquanto outros escolheram seguiram para colônias agrícolas nas províncias de Santa Fé, Rosário,  Córdoba entre outras. Essa onda de imigração italiana desempenhou um papel vital no desenvolvimento econômico da Argentina, contribuindo para sua diversidade cultural e crescimento.
Um considerável contingente de italianos emigrou em massa para o Brasil no final do século XIX e início do século XX, deixando uma marca duradoura na história do país. Eram, em grande parte, famílias inteiras de camponeses do norte da Itália que foram incentivadas pelo governo brasileiro a se estabelecerem como agricultores no sul do país em grandes colônias agrícolas, primeiramente no Rio Grande do Sul   e depois Paraná e Santa Catarina. Muitos deles migraram para os estados de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais, contratados pelos grandes fazendeiros, onde desempenharam um papel crucial na indústria cafeeira substituindo a mão de obra escrava.
No Brasil, a emigração italiana se destacou por sua amplitude e impacto duradouro. Famílias inteiras, principalmente do norte da Itália, embarcaram em uma jornada rumo ao Brasil, incentivadas pela promessa de terras férteis e oportunidades no Sul do país. A maior parte desses imigrantes, provenientes de regiões como Vêneto, Lombardia e Trentino, e também do sul, como Sicília, Puglia, Campania, desembarcou no Porto do Rio de Janeiro e no Porto de Santos, buscando uma nova vida nas vastas plantações de café de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e nas colônias recém-criadas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Esses italianos, muitos dos quais eram camponeses experientes em suas terras natais, desempenharam um papel vital no crescimento da indústria cafeeira brasileira. Com seu trabalho árduo e dedicação, contribuíram para o desenvolvimento econômico do Brasil, transformando o país em um dos maiores produtores de café do mundo. A migração italiana também deixou uma influência cultural duradoura, como se pode observar na culinária, na arquitetura e em tradições que perduram até os dias de hoje.
Esses imigrantes enfrentaram desafios e dificuldades ao longo de sua jornada, incluindo a adaptação a um novo país, a superação de barreiras linguísticas e o confronto com condições de trabalho muitas vezes desafiadoras. No entanto, sua determinação e resiliência os ajudaram a prosperar e a contribuir significativamente para o Brasil.
A imigração italiana para o Brasil, que alcançou seu auge no início do século XX, deixou um legado profundo no país, enriquecendo sua diversidade étnica e cultural. A influência italiana pode ser vista em diversos aspectos da sociedade brasileira, desde a produção de alimentos até a preservação de tradições e celebrações festivas. A história desses imigrantes italianos é um testemunho da coragem e da determinação daqueles que deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor, e é um tributo à sua contribuição duradoura para a identidade multicultural do Brasil.



segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Caminhos Transatlânticos: Uma Jornada Épica da Itália à Colônia Silveira Martins




No início do inverno de 1890, Antonio B. e Giovanna R., dois jovens emigrantes italianos de 25 anos, como tantos outros compatriotas, embarcaram em uma emocionante e totalmente desconhecida jornada rumo ao mítico Brasil, na ocasião reputado como um verdadeiro el Dorado. A situação econômica da Itália continuava cada dia pior, a quebra de safras e a concorrência dos produtos importados atingia especialmente a agricultura, com diminuição dos postos de trabalho no campo e nas cidades. O fenômeno da emigração já há quinze anos contagiava todos na Itália, cada qual tentando encontrar meios para comprar os bilhetes para o navio e embarcarem para aquele novo país do outro lado do oceano. O casal era proveniente de um pequeno município, de não mais de dois mil habitantes, no interior de Vicenza, e vinha com o sonho e o firme propósito de construir uma nova vida na Colônia Silveira Martins. Levavam consigo seu precioso tesouro, um filho de 18 meses chamado Carlo.
A angustiante e temida travessia do oceano Atlântico foi uma experiência desafiadora a qual ficou indelevelmente marcada na memória de todos os emigrantes italianos. O navio em que viajavam, o Utopia, estava lotado de outros imigrantes, todos ansiosos por uma chance melhor. As condições a bordo eram simples, com beliches apertados, comida e água limitadas, higiene precária e falta de instalações sanitárias suficiente para aquele grande número de passageiros. Antônio e Giovanna enfrentaram duas tempestades ferozes, as quais pareciam que fossem o fim do mundo, mas nunca perderam a esperança, agarrados aos corrimões do barco e orando fervorosamente à Madonna di Monte Berico, a Santa de devoção dos dois jovens. 

Finalmente, após semanas de sofrimento e muitas incertezas, avistaram a costa brasileira. O Porto do Rio de Janeiro os recebeu com a promessa de um novo começo. Tinham enfim conseguido chegar ao Brasil, mas ainda faltava muito até o local onde seriam assentados. A jornada até a Colônia Silveira Martins foi outro trecho longo e árduo, que durou quase quatro semanas, com viagem em um novo navio, barco fluvial e carroções puxados por diversas mulas, mas a família chegou com a determinação de transformar aquele lugar em seu lar.

As primeiras impressões da nova terra eram um misto de surpresa, encantamento e medo com tantas coisas novas. A paisagem era desafiadora, com vastas áreas ainda cobertas de mata virgem a serem desbravadas, povoadas por bandos de aves e animais desconhecidos, alguns perigosos. No entanto, a comunidade de imigrantes italianos que já haviam se instalado estava unida, e todos ajudaram na construção de suas casas simples, erguidas com troncos de árvores, abundantes nos seus lotes e cobertas com folhas e capim entrelaçados.

Os primeiros anos foram bastante difíceis. Após abrirem uma clareira na mata, plantaram suas primeiras sementes e lutaram contra os desafios da agricultura em um clima tão diferente do que estavam acostumados. Mas com trabalho duro e a ajuda de seus vizinhos, logo viram os frutos de seu esforço crescerem. A terra era muito fértil e havia abundância de água.

Carlo, o filho que havia cruzado o oceano com eles, cresceu forte e saudável. Antônio e Giovanna tiveram mais seis filhos, todos nascidos na Colônia. A família prosperou, expandindo sua plantação e construindo uma vida melhor.

Os anos se passaram, e os filhos de Antônio e Giovanna cresceram, casaram-se com outros imigrantes italianos, e a família cresceu ainda mais. A Colônia Silveira Martins também floresceu, tornando-se um ponto de referência na região. Ela ficou conhecida como a quarta colônia da imigração italiana no Rio Grande do Sul, localizada na parte central do estado, próxima à cidade de Santa Maria.

Antônio e Giovanna viram a chegada de netos, e seu lar se encheu de risos e histórias. A jornada desde aquela pequena e atrasada vila na Itália até a Colônia Silveira Martins havia valido a pena. Eles haviam construído um legado, uma família unida e uma história de sucesso naquela nova terra.

A saga da família italiana continuou, com cada geração contribuindo para o crescimento da colônia e mantendo viva a memória de Antônio e Giovanna, os corajosos imigrantes que ousaram sonhar e construir uma vida melhor em uma terra distante. E assim, a história da família italiana na Colônia Silveira Martins se tornou uma parte essencial da rica tapeçaria cultural e histórica do Brasil.