domingo, 16 de abril de 2023

Uma Epidemia: A História dos Imigrantes Italianos e a Luta Contra as Doenças a Bordo

 

Colônia Caxias em 1884


Giuseppe, um jovem italiano de 24 anos, decidiu deixar sua pequena cidade natal em busca de uma vida melhor na América. Junto com seus dois irmãos mais novos, acompanhados de outros amigos da mesma vila no interior da província de Treviso, embarcou em um navio no porto de Gênova, na Itália, em meados do ano de 1890.

A viagem através do oceano para a América foi uma aventura emocionante para o jovem Giuseppe, seus irmãos e companheiros de viagem. Empolgados pela aventura, eles estavam animados com a perspectiva de começar uma nova vida em um país desconhecido, mas, ao mesmo tempo, também bastante preocupados com os desafios que encontrariam.

O navio em que Giuseppe e seus companheiros viajavam era um velho cargueiro já prestes a ser aposentado, usado no transporte a granel de carvão, readaptado às pressas para o transporte de passageiros para aproveitar o boom da grande emigração. Era grande e espaçoso, com a antiga estiva, hoje salões, ainda cheirando carvão. Apesar das reformas as condições a bordo eram ainda bastante precárias. Como acontecia em quase todas as companhias de navegação italianas, apesar de proibido, havia sempre uma super lotação em todas as viagens, com os passageiros mal acomodados em catres beliches rústicos, distribuídos em longas fileiras nos grandes salões. A higiene deixava muito a desejar por falta de limpeza diária e de instalações sanitárias suficientes para todos. A água para higiene pessoal era também racionada, limitando a higiene daquela enorme quantidade de passageiros.  Apesar disso, os imigrantes italianos tentavam manter o ânimo e a esperança de dias melhores.
A viagem, com as suas dificuldades de alojamento seguia normalmente, quando após uma semana da partida, eclodiu uma forte epidemia de tifo que, apesar dos esforços da tripulação, rapidamente, se  espalhou pelo navio. A doença era bastante contagiosa e de transmissão oral, geralmente pela água ou os alimentos contaminados servidos a bordo. Ela se propagou com bastante velocidade, facilitada   pela falta de higiene, deixando muitos passageiros doentes e fracos, principalmente os mais velhos e as crianças. A tripulação do navio tentou isolar os doentes e cuidar deles da melhor forma possível, mas a situação logo ficou fora de controle. Giuseppe e os irmãos estavam entre os poucos passageiros que ainda não tinham sido afetados, assim se ofereceram para auxiliar. Ajudaram transportar os enfermos para uma área isolada do navio disponibilizada para esse fim. Fizeram o possível para aliviar o sofrimento deles. Giuseppe também ajudou a organizar o fornecimento de alimentos e água para os doentes, trabalhando incansavelmente para garantir que todos fossem atendidos. 
A epidemia continuou por duas semanas, e alguns passageiros não resistiram morrendo a bordo do navio. Giuseppe e seus irmãos lutaram bravamente para manter a esperança dos passageiros, mas a situação era muito grave. Em certo momento, Giuseppe esgotado também contraiu a doença e ficou doente. Ele começou a ter febre alta acompanhada de muita diarréia e vômitos, mas se recusou a desistir. Ele sabia que seus irmãos dependiam dele e que muitos passageiros estavam em situação ainda pior. Por sorte devido às boas condições de saúde a doença foi leve e em poucos dias estava bem melhor. À medida que a viagem se aproximava do fim, a epidemia foi diminuindo, graças aos esforços do jovem médico e do pessoal sanitário do navio. Muitos passageiros se recuperaram, mas três deles não tiveram tanta sorte, inclusive um amigo de Giuseppe. Finalmente, o navio chegou ao seu destino, no porto do Rio de Janeiro, mas a sonhada chegada não foi como eles imaginaram. As autoridades sanitárias do porto temiam a propagação da epidemia pela cidade e o navio foi colocado em quarentena. Giuseppe e os outros passageiros tiveram que permanecer a bordo por mais alguns dias antes de poderem desembarcar. Nem mesmo a tripulação teve permissão para deixar o navio. Quando finalmente puderam desembarcar, muitos dos passageiros estavam ainda fracos. As autoridades portuárias tiveram que tomar medidas especiais para garantir que a epidemia não se espalhasse pela cidade. Os passageiros  foram levados para o hospital da Hospedaria dos Imigrantes para a quarentena e receberem cuidados médicos. Giuseppe e seus irmãos foram examinados pelos médicos e, felizmente, foram considerados saudáveis ​​o suficiente para deixar o hospital. Eles foram liberados para continuar a viagem até o destino final que era a Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul, onde já se encontrava um tio com a família, morando ali  há quase seis anos. Foi este mesmo tio, que já encontrava bem colocado, que escreveu chamando a família do pai deles para virem também para o Brasil. Como muitos outros imigrantes, eles enfrentaram inúmeras dificuldades, mas eles perseveraram e chegaram ao seu destino. A experiência no navio e a epidemia deixaram uma marca indelével nos três irmãos. Eles viram em primeira mão a importância da solidariedade e da empatia em momentos de crise. Eles também aprenderam a importância da higiene e da prevenção de doenças. Giuseppe e os irmãos também se estabeleceram na Colônia Caxias e, com a ajuda do tio, começaram a construir uma nova vida. Compraram lotes de terras, se casaram e  logo vieram os filhos. Os três começaram a plantar parreiras com as mudas que tinham trazido da Itália, ideia do tio. Foram bem sucedidos como agricultores e, alguns anos mais tarde com a comercialização do vinho que produziam. Jamais esqueceram aquela viagem difícil de navio e a epidemia que enfrentaram, nunca desistiram de suas esperanças e sonhos. Essa experiência ajudou a moldar as vidas dos imigrantes italianos que sobreviveram àquela  aventura. Eles enfrentaram inúmeras dificuldades no Brasil, mas perseveraram e construíram uma vida melhor para si e suas famílias. A história desses imigrantes italianos é um exemplo de como a coragem, a esperança e a resiliência podem ajudar a superar as adversidades.

Aquela viagem de navio de imigrantes italianos em 1879 foi uma experiência desafiadora e traumática para muitos. A epidemia que se espalhou pelo navio deixou muitos doentes e fracos e levou à morte de outros passageiros. No entanto, também foi um exemplo de coragem, empatia e solidariedade, mostrando a importância de cuidar uns dos outros em momentos de crise.



Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS