domingo, 26 de outubro de 2025

O Destino de Matteo Zanforlin


O Destino de Matteo Zanforlin

Da pequena vila de Arsego aos cafezais da Fazenda Encruzilhada

No inverno de 1889, Matteo Zanforlin deixou para trás a pequena localidade de Arsego, no município de San Giorgio delle Pertiche, província de Pádua. Viúvo jovem, trazia consigo a filha Giuseppina, de apenas dez anos, e partia em companhia de alguns conterrâneos — famílias do mesmo Veneto que, como ele, não conseguiam mais vislumbrar um futuro nos campos áridos e já esgotados de sua terra natal. A promessa de uma vida nova no Brasil ecoava pelas vilas do interior, com cartazes e agentes anunciando terras férteis e trabalho abundante.

O peso da decisão de partir fora imenso. Matteo atravessara noites em claro, dividido entre o apego às raízes e a esperança de um recomeço. Na praça da aldeia, olhara pela última vez para o campanário da igreja de Arsego erguendo-se contra o céu cinzento do inverno. Aquele som dos pequenos sinos, tão familiar, ecoava agora como uma despedida solene. Ao subir na carroça que o levaria até a estação ferroviária, sentiu que arrancava de si não apenas as lembranças da juventude, mas séculos de vida enraizada naquela terra.

A viagem pelo oceano foi longa e tormentosa. A travessia no porão úmido e escuro de um navio a vapor abarrotado parecia não ter fim. O balanço incessante das ondas misturava-se ao choro das crianças, o som repetitivo das orações e ao gemido dos enfermos. O cheiro de mofo, suor de corpos mal lavados, vômito outros dejectos humanos impregnava o ar. Em cada rosto marcado pelo desalento, Matteo reconhecia o reflexo de sua própria dúvida: teria feito a escolha certa? O mar, com sua vastidão sombria, parecia zombar da esperança frágil que os impelia para o outro lado do oceano. Ainda assim, a fé em algo melhor sustentava cada respiração e cada noite de vigília.

Após semanas intermináveis, a América finalmente surgiu diante deles, com suas costas verdejantes e uma luz diferente daquela que conheciam no Vêneto. O desembarque em Santos foi marcado pelo tumulto, pela pressa dos funcionários e pela estranheza da nova língua que ecoava por todos os lados. Não havia tempo para contemplar o novo mundo; logo foram conduzidos ao trem que os levaria ao interior da província de São Paulo. A cada quilômetro vencido, as florestas se abriam, revelando um cenário grandioso e hostil ao mesmo tempo, um mundo de cores fortes e sons desconhecidos.

O destino era uma grande fazenda de café chamada Encruzilhada, situada nas proximidades da Estação Gabiroba — uma região que mais tarde faria parte do município de Araras. Acreditava-se que ali seria possível colher os frutos de uma vida mais próspera, com pouco esforço e abundância garantida. Contudo, a realidade que encontraram era muito distinta da promessa.

O trabalho pesado começava ainda antes do sol nascer precedido pelo penetrante som de um sino na sede da fazenda. Homens, mulheres e crianças se dirigiam aos cafezais, e sob o calor abrasador passavam o dia limpando a terra entre as fileiras de pés de café, outras vezes na safra, colhendo grãos vermelhos que, à noite, pareciam multiplicar-se nas mãos já feridas. O regime era exaustivo e o corpo logo cedia ao cansaço. Os pés inchavam, as pernas doíam e os joelhos falhavam na lida diária. Muitos companheiros de Matteo caíam enfermos, vítimas da fadiga, das febres tropicais e da ausência de médicos ou remédios.

O alimento era escasso e de qualidade pobre, servindo mais para manter o corpo de pé do que para lhe dar força. Os imigrantes, que haviam sido atraídos pela promessa de abundância, se surpreendiam ao perceber que, naquela terra de florestas exuberantes e solo fértil, a comida carecia da substância que conheciam na Itália. A carne era rara e, quando aparecia, vinha dura e mal conservada. O pão, feito às pressas em fornos improvisados, esfarelava nas mãos e parecia mais serragem do que alimento. Quase sempre os pratos se resumiam a feijões encharcados e a uma farinha grosseira que não saciava, mas pesava no estômago como pedra.

Matteo sentia a ausência do vinho tinto que aquecia as noites frias em Arsego e da polenta dourada que se erguia fumegante na mesa de sua aldeia. Aqueles sabores carregavam memórias de partilha, de festas do vilarejo, de colheitas outrora fartas e da sensação de pertencimento. Na Encruzilhada, a cada refeição insípida, a saudade se transformava em dor. Não era apenas o corpo que definhava; era também o espírito, privado daquilo que dava sentido à vida camponesa.

A situação se agravava pelo ambiente em que viviam. As famílias foram instaladas em longos barracões de madeira escura, velhas construções que, pouco tempo antes, haviam servido como senzalas. A libertação dos escravizados ainda era recente, e a sombra daquele passado impregnava o ar. As paredes rústicas guardavam um silêncio pesado, como se carregassem os lamentos de quem ali fora aprisionado. Agora, abrigavam homens e mulheres livres, mas não havia dignidade naquelas moradias coletivas, onde cada família recebia apenas um espaço estreito, dividido por tábuas frágeis que pouco protegiam da umidade ou dos olhares alheios.

Os capatazes, acostumados durante toda a vida a lidar com escravos, não sabiam como tratar trabalhadores livres. Para eles, a mudança era apenas de nome: já não podiam usar o chicote, mas mantinham a mesma rigidez implacável no comando. O tom de voz era autoritário, os gestos secos, os olhos sempre vigilantes. A disciplina era imposta com gritos e humilhações, e qualquer sinal de cansaço ou revolta era encarado como insubordinação. Não havia compreensão para a fadiga dos recém-chegados, nem espaço para diálogo ou negociação.

Essa falta de habilidade em lidar com homens que não eram mais propriedade, mas assalariados, criava tensões diárias. O colonato, vendido como contrato justo, na prática revelava-se uma armadilha: trabalho excessivo, pagamento incerto, dívidas impostas pelas próprias compras no armazém da fazenda. Matteo percebia que, no fundo, continuava preso a um sistema que se alimentava da exaustão alheia. Só havia mudado a linguagem; a opressão era a mesma.

E, quando a noite caía sobre a fazenda, o silêncio dos barracões era quebrado apenas pelo murmúrio das preces e pelo choro contido de mulheres e crianças. Matteo, deitado sobre um catre duro e estreito, olhava para a filha Giuseppina adormecida e se perguntava se o futuro que havia sonhado para ela não estaria sendo enterrado ali, sob o peso daquela nova escravidão disfarçada.

Ainda assim, havia um fio de esperança. A colheita do café, embora árdua, oferecia a possibilidade de juntar algum dinheiro. Sonhava-se com a compra de um pequeno pedaço de terra, onde se poderia plantar para si próprio e escapar da escravidão disfarçada que pesava sobre os colonos. Matteo acreditava que, se resistisse por alguns anos, poderia garantir à filha um futuro melhor do que aquele que a Itália lhe negara.

As notícias que circulavam entre os imigrantes eram sombrias. Muitos que haviam desembarcado antes dele em outras regiões já falavam de desilusão e miséria. Mesmo assim, a vida na fazenda Encruzilhada prosseguia, marcada por dias iguais, de suor e silêncio, de saudade e resiliência. Entre os conterrâneos que haviam partido de Arsego, alguns caíam no desespero, outros se apegavam à fé. Matteo, por sua vez, sustentava-se na lembrança da terra natal e no rosto frágil de Giuseppina, que se tornara sua única razão para suportar o peso daquele destino.

Na América que prometia riqueza e fortuna, Matteo encontrou apenas o peso do trabalho duro, a incerteza diária e a exaustão que o tempo parecia não dissipar. As promessas de abundância se desfizeram sob o sol impiedoso e nas mãos calejadas, mas dentro dele permaneceu uma obstinação silenciosa, feita de raízes invisíveis e profundas. Cada grão de café colhido, cada gota de suor derramada sobre a terra estranha, era para ele uma semente de futuro — um investimento mudo em dias que talvez jamais veria, mas que acreditava poder oferecer à filha e às gerações que viriam.

Os anos se sucederam, e a paisagem da fazenda Encruzilhada se entranhou em sua memória tanto quanto os campos de trigo e videiras de Arsego. As madrugadas em que se erguia antes do canto do galo, os barracões sombrios que guardavam famílias inteiras, o olhar severo dos capatazes que não sabiam falar a língua da liberdade — tudo isso se tornou o cenário permanente de sua existência. Mas Matteo nunca deixou que a dureza o quebrasse por completo. No íntimo, conservava a lembrança da aldeia vêneta como um farol distante, um pedaço de terra que continuava a guiá-lo mesmo estando a um oceano de distância.

Foi nesse choque entre memória e realidade, entre sonho e sacrifício, que Matteo Zanforlin escreveu sua vida. Não mais nas pedras gastas das estreitas vielas de Arsego, onde gerações de seus antepassados haviam vivido, mas nos vastos cafezais entorno da Estação Gabiroba, onde o verde intenso das plantações escondia a história de suor e de lágrimas. Ali, lado a lado com milhares de outros imigrantes, ele transformou o próprio sofrimento em herança.

Essa herança não era feita de riquezas ou de terras conquistadas, mas de algo mais duradouro: a coragem de resistir, a perseverança diante do impossível e a esperança, sempre renascida, de que o sacrifício de uma geração se converteria em liberdade e prosperidade para as seguintes.

E assim, na encruzilhada entre dois mundos, Matteo Zanforlin deixou marcado o testemunho de sua vida: que mesmo no solo mais áspero é possível lançar sementes que florescem em futuro.


Nota do Autor

Os nomes que aqui aparecem foram cuidadosamente alterados para preservar o anonimato dos personagens. No entanto, a história que o leitor acaba de conhecer é verdadeira. Ela nasceu das palavras registradas em cartas de imigrantes e de documentos oficiais das antigas fazendas de café, preservados com rigor e respeito pelo Museu da Imigração do Estado de São Paulo. São fragmentos de vida que atravessaram mais de um século e ainda hoje ecoam como testemunhos de coragem, sacrifício e esperança.

Este trecho faz parte de uma obra maior, que carrega o mesmo título, escrita com a intenção de dar voz à epopeia da grande imigração italiana no Brasil. Não se trata apenas de recordar um passado distante, mas de iluminar o caminho de milhares de homens, mulheres e crianças que trocaram a pátria conhecida pela promessa incerta de um novo mundo. Eles ergueram a própria existência sobre a dor da separação, a dureza do trabalho e a obstinação em oferecer um futuro melhor aos seus descendentes.

Contar essas histórias é não permitir que o silêncio apague a memória. É reconhecer que, nos cafezais do interior paulista, não se colhiam apenas grãos, mas se forjava uma identidade que moldaria para sempre o Brasil.

Dr. Piazzetta