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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

La Dona e la Spartission de la Tera in Zona de Colonisassion Taliana nel Rio Grande do Sul


La Dona e la Spartission de la Tera in Zona de Colonisassion Taliana nel Rio Grande do Sul


Ne le zone coloniai taliane del Rio Grande do Sul, la spartìa dei beni tra i fiòi e le fiole faceva parte de na tradission che seguiva regole pròprie. La tera, el ben più presioso, zera quasi sempre destinà ai fiòi mas’ci. Par lori, el toco de tera era un’eredità garantìa, tanto che quando un fiol se sposava, el zera sovente premià con i campi da coltivar e con na colónia, dove metèr su casa.

La dona imigrante taliana, con 'l so laoro stragrando, laorava spala a spala co 'l òmo, par mantegner la proprietà e far crèssere i tanti fiòi. Lei la ze stà responsàbile direta par el sussesso de l'imigrassion taliana in ‘ste tere gauchas e par conservar la cultura de la so tera natal, che la zera trasmessa ai fiòi, la ze rivà fin ai nostri dì.

No stante tuto sto impegno, a la dona no ghe vegniva quasi mai riconossùo el dirito a la tera, o, quando 'sta roba capitava, el so parte ne la spartission l'era quasi sempre minore de quel che rivea l'òmo. La tera rara volta faceva parte de l'eredità de la dona imigrante in zona coloniale taliana del Rio Grande do Sul. Se gavea fradèi, per eredità, lei no diventava parona de gnanca un tochetin de tera, se no quando la restava védova o, se ancora scapola e con i veci morti, la restava fiola ùnica, senza fradèi.

Quando capitava la morte de uno de i genitori, la proprietà coloniale, lassada come ùnica eredità, la zera divisa fra i fiòi mas’ci. E quando ‘sta spartission, che dava poca tera a cada uno, lori i la sistemava spesso fra de lori, ma no sempre in pase, comprando el toco de l’altro per cavar l'ostacoli. Par evitar ste desavenze, e se la famèia gavea i messi giusti, i veci cercava, ancora che lori zera vivi, de catar tera par i fiòi mas’ci, uno a uno, man man che i se maridava e formava la so famèia.

Par le tose, quando lore i se sposava, ghe dava en dota, ogni tanto na màchina de cusir e, quasi sempre, na muca da late. Le famèe più riche ghe catava già la tera par i fiòi quando ancora i zera putèi, ani prima che i pensasse al matrimónio. Qualche volta, in famèe pì riche, ghe dava anca due bò ancora picinin, o vedèi, che lori i adestrava pian pian par vardàrli pronti par el futuro, quando lori i sarà òmini paroni de famèia.

La spartission de i beni lassài per eredità se basiava su na division disegual che quasi mai favoriva la dona. Quando un fiol se sposava, el ricivea un toco de tera, quasi sempre una colónia, par laorar e farse la so casa. I genitori la comprava quasi sempre de un visino e, quando no l’aveva, i comprava anca in posti pì lontan. La fiola, poareta, se la gavea fortuna, ricevea qualcosa per la dota: coverte, tovaglie, robe par la cusina, ogni tanto una màchina de cusir o una muca da late. El interessante el ze che parte de ‘sta dota la cusìa lore stesse, con ani de fatiche de note, nei momenti lìbari, spesso tante volte pagà con i pochi schei messi da parte e risparmià con i laoreti par qualquedun o con el guadagno de qualche venda al marcà de ovi o altre robe da lore coltivà.

sábado, 12 de outubro de 2024

Raízes Além-Mar: A Saga de uma Família Italiana em Busca de Prosperidade no Brasil




Em 1898, no final do século XX, a família de Francesco e Maddalena ainda enfrentava as condições de vida cada vez mais precárias no sul da Itália. A inflação e o desemprego minavam os rendimentos, enquanto por toda parte, as conversas giravam em torno da ideia de emigrar, de buscar um novo lar além das fronteiras italianas. Muitos milhares de compatriotas já tinham partido para diversos destinos na própria Europa e ou mais freqüentemente para as Américas. Francesco, carpinteiro habilidoso, notou que as oportunidades de emprego minguavam, e as adversidades econômicas tornavam-se cada vez mais difíceis de suportar. Guiado pela esperança de oferecer um futuro mais promissor a sua esposa e dois filhos, enfrentou a difícil decisão de buscar novas oportunidades do outro lado do oceano, no Brasil.
A família partiu de Capranica, na província de Viterbo, com destino ao Brasil. Lucca, então com 17 anos, acompanhava seu pai, enquanto seu irmão Giovanni, de 16 anos também seguia na jornada em busca de uma vida mais promissora. Venderam o único hectare de terra e alguns poucos bens que possuíam para financiar a viagem e alimentar os sonhos de prosperidade nas terras sul-americanas.
Ao chegarem ao Brasil, a realidade se mostrou desafiadora. O pai de Lucca, mesmo sendo um carpinteiro qualificado, encontrou dificuldades para conseguir trabalho que garantisse o sustento adequado para a família. Diante dessa situação, os dois irmãos ingressaram no mercado de trabalho. Lucca tornou-se empregado em um bar, enquanto Giovanni conseguiu uma posição em um pequeno hotel, cuidando da recepção e da manutenção.
A residência da família, situada na periferia de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, oferecia aluguéis mais acessíveis. No entanto, quase toda a renda de Lucca e seu irmão era consumida pelo aluguel da modesta casa de três quartos, sala e cozinha.
O anseio de um dia retornar à Itália, mesmo diante da escassez financeira, perdurava constantemente nos pensamentos de Francesco e Maddalena. Lucca, por outro lado, encontrou conforto nos braços de Rosalia, uma jovem da Calábria, que havia chegado ao Brasil cinco anos antes. Ela trabalhava como funcionária de uma pequena tecelagem, uma ocupação modesta, mas que trazia esperanças de um futuro melhor para o casal.
A vida no Brasil tornou-se uma montanha-russa de desafios, esperanças e trabalho árduo. Lucca e seu irmão Giovanni, incansáveis na busca por uma vida melhor, mantinham-se firmes em seus empregos. Sonhavam com o dia em que as circunstâncias permitiriam a Lucca abrir o seu próprio negócio, um símbolo dos esforços e aspirações de uma família que, apesar das adversidades, persistia na busca por um futuro mais promissor nas terras sul-americanas.
Com o passar dos anos, a família cresceu. Lucca e Rosalia tiveram três filhos: Enzo, Giulio e Isabella, nomes que remetiam às suas raízes italianas. A cada desafio enfrentado, a família fortalecia seus laços, e as crianças cresceram em meio a histórias de coragem e perseverança, carregando consigo a herança e a esperança de um futuro promissor.
Francesco faleceu repentinamente em 1942, encontrando seu descanso em Ribeirão Preto, enquanto Maddalena seguiu o mesmo caminho quatro anos depois, na mesma cidade, com quase 90 anos de vida. Giovanni, que sempre se mostrou como um hábil comerciante, teve a sorte no casamento, ao unir-se a Elena, uma jovem nascida no Brasil. Professora primária, filha única de uma abastada família de comerciantes italianos da Sicília, ela trouxe uma nova perspectiva à vida de Giovanni. Juntos, construíram uma família robusta, com quatro filhos - Attilio, Luigi, Lorenzo e Leonardo. Após a súbita morte do sogro, Giovanni assumiu os negócios, ascendendo ao cargo de gerente das diversas casas de comércio dele. Percebendo a importância do envolvimento familiar, trouxe seu irmão Lucca para também integrar-se aos empreendimentos. Juntos, enfrentaram os desafios do mundo dos negócios, honrando o legado e fortalecendo os laços familiares na empreitada comercial.
Com o decorrer dos anos, os descendentes dedicaram-se aos estudos, assumiram as rédeas e perpetuaram os negócios comerciais inaugurados por seu avô siciliano, dando forma ao próximo capítulo da saga familiar.







domingo, 15 de setembro de 2024

As Mãos que Sustentam o Amanhã

 


As Mãos que Sustentam o Amanhã


As colônias italianas do sul do Brasil, fincadas nas terras virgens da Serra Gaúcha, não eram apenas fruto do trabalho dos homens, que desbravavam a mata e aravam o solo. As mulheres, com suas mãos calejadas e almas resilientes, eram o alicerce invisível, o pilar silencioso que sustentava o futuro. Carmela, uma dessas mulheres, de olhos que refletiam a dor da distância e o brilho da esperança, se tornara o próprio símbolo desse sacrifício, dessa entrega total que mantinha as engrenagens da vida colonial girando.

Desde que haviam deixado a pequena aldeia na província de Veneto, a jornada de Carmela fora um exercício constante de adaptação e renúncia. No navio que os trouxe ao Brasil, perdera a mãe para o mar agitado, mas não derramou uma lágrima. Sabia que sua responsabilidade era maior do que o luto; era a força motriz de sua família. Ao chegar à colônia, o peso da nova vida recaiu sobre seus ombros sem pedir licença. Seu marido, Pietro, enfrentava o trabalho pesado na terra, mas Carmela, com seu ventre crescendo a cada estação, cuidava de tudo o que ficava para trás – a casa, os filhos, os animais e, quando necessário, também o campo.

Carmela acordava antes do sol. Com o primeiro cantar dos galos, já se encontrava na cozinha, preparando o pão para o dia. Seus filhos ainda dormiam, encolhidos sob mantas puídas, e Pietro saíra antes dela para os campos. Seus pés descalços, movendo-se no chão de terra batida, faziam um leve ruído que apenas ela notava. As tarefas domésticas pareciam intermináveis: o fogo que nunca podia apagar, o leite que tinha de ser fervido, o porco que necessitava de atenção. Mas era o campo que a chamava insistentemente.

Lá, ao lado do marido, o trabalho braçal não distinguia gêneros. A enxada pesava em suas mãos tanto quanto na de Pietro. Cada sulco aberto no solo parecia roubar um pouco de suas forças, mas ela mantinha o ritmo. Não era apenas o corpo que se curvava ao peso das tarefas; sua mente também carregava o fardo invisível das responsabilidades. Era ela quem pensava nos filhos, que mais tarde iriam correr entre as fileiras de milho, brincando como se o mundo fosse eterno e imutável.

Quando a primeira filha, Teresa, nasceu, Carmela sentiu o corpo esgotado, mas seu espírito se encheu de uma força nova. Ali, no meio das dores do parto e da alegria do nascimento, ela compreendeu que ser mulher naquela colônia era ser ponte entre o passado e o futuro. A maternidade não era uma escolha; era um dever. Teresa, como seus outros filhos, aprenderia desde cedo a partilhar das responsabilidades da vida colonial. Carmela, porém, não via isso como algo imposto. Para ela, era a essência da existência, o ciclo contínuo de dar e nutrir, que mantinha a roda da vida em movimento.

A vida seguia esse ritmo inexorável. Entre as estações de plantio e colheita, o nascimento de novos filhos e as perdas que a colônia impunha, Carmela ia esculpindo, dia após dia, uma existência de sacrifício e perseverança. Pietro, por vezes, se perdia em reflexões silenciosas, observando o quanto a esposa carregava, não apenas em suas costas, mas no coração. Ele sabia que, sem ela, não teriam chegado até ali. Não havia medalhas para ela, nenhum reconhecimento público. Havia apenas o respeito silencioso de quem compreendia o verdadeiro peso de sua jornada.

Com o passar dos anos, o rosto de Carmela endureceu. As rugas que surgiam ao redor dos olhos não eram apenas sinais da idade, mas testemunhas das longas jornadas, da dor de enterrar amigos e de ver filhos adoecerem. Ainda assim, havia em seu semblante uma serenidade inabalável, como se ela soubesse que sua missão era maior do que qualquer sofrimento. Seus filhos cresciam fortes, e a colônia prosperava lentamente, com cada casa erguendo-se do solo como se brotasse das mãos calejadas das mulheres que ali viviam.

Ao cair da noite, depois de um longo dia de trabalho, Carmela reunia os filhos ao redor da lareira. Contava histórias da Itália, da vida que um dia havia deixado para trás, não com nostalgia, mas com um olhar de gratidão por ter encontrado um novo lar. Embora o Brasil fosse uma terra de desafios, era também o lugar onde ela havia criado raízes. Cada pedaço de madeira que alimentava o fogo parecia ressoar com a lembrança dos antepassados, e o calor que emanava aquecia não só o corpo, mas a alma de sua família.

Nas festas da colônia, as mulheres, vestidas com seus trajes simples, sorriam e dançavam ao som das antigas canções italianas. Por um breve momento, esqueciam-se das durezas do cotidiano. Mas, mesmo nesses momentos de alegria, os olhos de Carmela sempre se voltavam para os campos, para as responsabilidades que aguardavam o amanhecer. Ela sabia que, ao contrário dos homens, que podiam descansar ao final do trabalho braçal, seu labor continuava. A casa nunca ficava em silêncio, os filhos nunca paravam de exigir cuidados.

Os anos se passaram, e Carmela viu seus filhos se tornarem adultos. Alguns casaram-se e estabeleceram suas próprias famílias, outros partiram em busca de novas oportunidades. A colônia continuava a se expandir, e com ela, o legado das mulheres que a construíram. Agora, com os cabelos grisalhos e os ossos cansados, Carmela podia olhar para trás e ver tudo o que havia construído. Mas, ainda assim, o trabalho não terminava. Continuava a cuidar da casa, a ajudar os filhos e netos, a transmitir suas histórias e valores.

Olhando para o horizonte, onde o sol se punha atrás das colinas, Carmela compreendia que sua vida era a de tantas outras mulheres que haviam se sacrificado em silêncio. Não havia monumentos erigidos em sua homenagem, mas as colheitas, as casas e as famílias eram a prova viva de sua dedicação. Ela sabia que o futuro, embora incerto, seria moldado pelas mãos fortes e invisíveis das mulheres imigrantes. Essas mãos que, sem alarde, ergueram o sonho de um novo mundo em terras distantes.

A colônia prosperava, mas Carmela e tantas outras mulheres continuavam a ser as forças motrizes invisíveis. Enquanto os homens eram celebrados por suas conquistas, elas eram as sombras por trás do sucesso, as que garantiam que tudo funcionasse, que o lar fosse sempre um refúgio seguro. E assim, silenciosamente, elas deixaram sua marca indelével na história das colônias italianas.



domingo, 8 de setembro de 2024

Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores

 


O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.

Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.

A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.

A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”

Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.

Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”

E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

São Paulo: Um Epicentro da Imigração Italiana no Brasil



Após a unificação da Itália em 1870, o país se viu imerso em uma onda migratória em resposta à pobreza e instabilidade econômica. Enquanto isso, o Brasil, em meio ao processo de abolição da escravidão e de industrialização, empenhava-se em atrair imigrantes para impulsionar sua economia em mutação.
Os italianos embarcaram em jornadas rumo a novas terras impulsionados por desafios econômicos e dinâmicas socioculturais. O intenso fluxo migratório italiano teve início após a unificação da Itália em 1870. Inicialmente, uma grande parcela desses imigrantes trabalhou nas plantações de café, porém, diante das dificuldades em acumular capital, muitos migraram das fazendas para os centros urbanos em busca de oportunidades. São Paulo tornou-se um epicentro italiano, ganhando o apelido de “cidade italiana”, pois os imigrantes encontraram emprego principalmente na indústria e nos serviços urbanos. Em 1901, os italianos representavam cerca de 90% dos 50.000 trabalhadores nas fábricas paulistas.
Com o fim do sistema escravocrata, entre 1885 e 1902, uma política migratória favorecia os italianos. Posteriormente, entre 1902 e 1920, São Paulo implementou suas próprias estratégias para atrair imigrantes. Esse período foi marcado pela chegada de mais de 1 milhão de italianos em São Paulo até 1920, conforme registros de alguns pesquisadores.
Após o término do regime escravocrata, uma estratégia de imigração foi estabelecida entre os anos de 1885 e 1902, com uma preferência clara pelos italianos. Este período de políticas migratórias distintas teve um impacto significativo na composição étnica e cultural do Brasil, especialmente nas regiões que receberam esses fluxos migratórios em maior intensidade.
Ao chegar ao Brasil, os imigrantes italianos direcionavam seus passos para os estados centrais em ascensão, como São Paulo, onde vislumbravam promissoras perspectivas. Essa inclinação reverberava na composição demográfica paulista, que em 1920 abrigava aproximadamente 9% da população italiana do Brasil, representando cerca de 70% do total de italianos no país naquele período.
Não é por acaso que São Paulo em determinado momento tenha sido apelidada de "cidade italiana". O impacto desses imigrantes na cultura local era palpável, permeando não apenas os aspectos linguísticos, culinários e vestimentas, mas também na persistência de sobrenomes que até hoje ecoam a ascendência italiana.



quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O Fluxo Migratório Italiano: Uma Jornada Transoceânica


"Deixo minha casa, deixo o país e vou para a América para capinar. Parto em busca da fortuna e há um mês não vejo mais terra: só céu e mar.  Deixo minha casa, a bela Itália, para ir tão longe, em terra estrangeira. E sob um outro céu e uma outra estrela levo os filhos e a mulher para lá começar com melancolia pensando no campo onde nasci, naquela velha e santa mãe e em todas as coisas queridas do passado...”  Assim escreveu um emigrante italiano durante a viagem, ainda no navio.

De acordo com o pesquisador e escritor Delisio Villa, autor do conhecido livro Storia dimenticata: "O ano de 1860 é considerado o ano zero da emigração italiana". 
Nesse ano, começa a longa jornada dos italianos em busca de novos espaços, na Europa e na América. Uma fotografia precisa da situação da Itália nos últimos anos do século XIX, região por região, das condições de vida da maior parte dos italianos, podemos conhecer no chamado Relatório Jacini, uma abrangente pesquisa nacional realizada pelo parlamento italiano, da situação agrária do país publicada entre 1881 e 1890. Este documento oficial diz que: 
"Nos vales dos Alpes e dos Apeninos, e também nas planícies, especialmente no sul da Itália, e até mesmo em algumas províncias entre as mais bem cultivadas do norte da Itália, surgem barracos onde em um único cômodo enfumaçado e sem ar e luz vivem juntos homens, cabras, porcos e galinhas. E esses barracos podem ser contados talvez em centenas de milhares¨.
Uma análise das causas subjacentes à vasta migração transoceânica ocorrida entre 1880 e 1914 revela uma gama diversificada de fatores. Simplificando, o movimento migratório foi impulsionado por uma combinação de mudanças demográficas, como a redução da taxa de mortalidade e a estabilização da taxa de natalidade após 1870, e fatores econômicos, destacando-se a crise agrícola dos anos 1880, que resultou em escassez de alimentos e uma crise econômica substancial.
No entanto, a principal motivação para a migração maciça foi a incapacidade dos camponeses em adquirir capital líquido, o que levou grandes contingentes a empreender a perigosa travessia oceânica em busca de oportunidades. Esses eventos, combinados com a imposição de tributos sobre a farinha, cujo não pagamento poderia levar ao confisco das propriedades, resultaram em um êxodo em massa das áreas rurais.
Para contextualizar, entre os anos de 1875 e 1881, aproximadamente 61.831 pequenas propriedades no campo foram confiscadas, e entre 1884 e 1901 outras 215.759 pequenas propriedades rurais enfrentaram o mesmo destino desafortunado.
Este retrato sombrio por si só evidencia que os fatores que impulsionaram a migração superavam em peso os fatores de atração. O movimento migratório não encontrou barreiras significativas por parte das elites da época, as quais, pelo contrário, acolheram com alívio uma emigração que servia como uma válvula de escape para manter a estabilidade social. 
Naturalmente, houve oposição à emigração, sobretudo por parte dos proprietários de terras, preocupados com a diminuição visível da mão de obra devido ao êxodo, o que poderia levar a aumentos salariais e a condições de trabalho mais favoráveis aos camponeses. No entanto, a favor da emigração, houve um movimento crescente liderado pelos armadores genoveses, proprietários das grandes companhias italianas de navegação da época, agindo em comum acordo com países que procuravam desesperadamente mão de obra em toda a Europa.
Este breve relato do relatório Jacini ilustra a dureza e a dificuldade da vida na Itália naquele período e a mentalidade que os italianos deviam ter diante dessa situação. A difícil situação interna e a percepção de que a Itália oferecia poucas perspectivas levaram milhões de italianos a deixar sua terra natal em busca de novos horizontes. A situação interna estava muito difícil, com falta de trabalho de norte a sul do país, com a fome rondando os lares mesmo na área rural. Assim começou um processo que ao longo de um século levaria milhões de italianos a se estabelecerem em diversas partes do mundo.
Quanto às regiões de origem dos emigrantes e aos destinos para os quais os italianos se dirigiram, os padrões de migração variaram ao longo do tempo e geograficamente. As regiões do Norte foram as primeiras a sentir os efeitos das intempéries, da importação de cereais de outros países, dos diversos impostos que gravavam impiedosamente os mais desprotegidos, da industrialização que dava os primeiros passos, enquanto áreas como o Nordeste e o Sul testemunharam fluxos migratórios mais substanciais. O atraso da emigração do sul em relação ao norte pode ser atribuído a vários fatores, incluindo a gradual participação na migração e a falta de recursos financeiros para enfrentar as viagens.
Em relação aos destinos, entre 1876 e 1885, a Europa Central, principalmente França, Áustria, Alemanha foram as principais metas escolhidas, representando cerca de 64% dos emigrantes. Posteriormente, com o persistir das condições adversas na Itália, os destinos transoceânicos, como Brasil, Argentina e Estados Unidos, ganharam mais peso. Após a Primeira Guerra Mundial, a emigração no continente europeu voltou a predominar, devido em parte às restrições impostas por alguns países receptores, como os Estados Unidos.
No Brasil, especialmente, houve uma grande afluência de italianos a partir do final do século XIX até meados do século XX. Estes imigrantes buscavam aqui melhores condições de vida do que as encontradas em suas terras de origem. Muitos desembarcaram nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá, cada um trazendo consigo uma história singular, mas todos unidos pelo desejo comum de encontrar um lugar onde pudessem viver dignamente e oferecer um futuro melhor para suas famílias.
A imigração italiana no Brasil em si teve início em 1874 tendo como destino o estado do Espírito Santo que recebeu a primeira leva de italianos e ao longo de um século trouxe cerca de um milhão e meio de italianos para os portos brasileiros.



terça-feira, 30 de julho de 2024

Ecos do Passado: O Naufrágio do Sud America I


Ecos do Passado: O Naufrágio do Sud America I


No início da manhã de 13 de setembro de 1888, o porto de Las Palmas de Gran Canaria, geralmente sereno, estava prestes a se tornar palco de uma tragédia de proporções históricas. O vapor Sud America I, que havia zarpado de Montevidéu em 26 de agosto, navegava com cerca de 300 passageiros, a maioria imigrantes italianos, além de algumas famílias uruguaias e brasileiras. Seus destinos variavam, mas todos compartilhavam o desejo de retornar para as suas cidades natais na Itália, após um período de imigração no Uruguai e no Brasil.

O capitão do Sud America I, um veterano do mar com décadas de experiência, estava no comando. Conhecido por sua liderança calma e decisiva, ele era respeitado tanto por sua tripulação quanto pelos passageiros. Naquela manhã, enquanto o navio se aproximava do porto, o capitão estava no convés, observando a chegada com um misto de alívio e cansaço após semanas no mar.

Às 6 da manhã, a tranquilidade foi brutalmente interrompida. Do horizonte, o vapor francês La France, navegando em alta velocidade e com destino à América do Sul, surgiu. A proa do La France colidiu violentamente com a lateral do Sud America I, causando um rombo catastrófico no casco do navio. O impacto foi devastador, e em questão de minutos, o Sud America I começou a inclinar-se perigosamente.

A bordo, o pânico tomou conta. Famílias que até então estavam tranquilamente aguardando a chegada a Gênova agora lutavam por suas vidas. Entre os passageiros, estava a família Rossi. Giovanni e Maria Rossi, junto com seus dois filhos pequenos, Luisa e Marco, estavam retornando à Itália após uma tentativa fracassada de construir uma nova vida no Uruguai. Ao sentir o impacto e ver a água invadindo os compartimentos, Giovanni agarrou seus filhos, enquanto Maria procurava desesperadamente por coletes salva-vidas.

O capitão, ciente da gravidade da situação, tentou manter a ordem enquanto a tripulação trabalhava freneticamente para lançar os botes salva-vidas. No entanto, a inclinação crescente do navio e o caos generalizado tornavam a evacuação extremamente difícil. A apenas 600 metros da costa, a esperança de sobrevivência parecia ao alcance, mas para muitos, a tragédia era inevitável.

O Sud America I afundou em meia hora, desaparecendo nas profundezas a 15 metros abaixo da superfície. Dos cerca de 300 passageiros, 81 perderam a vida, incluindo muitos imigrantes italianos, além de 6 tripulantes. Entre as vítimas estavam Giovanni Rassi e seu filho Marco, cujos corpos nunca foram encontrados. Maria e Luisa, milagrosamente, conseguiram sobreviver, agarrando-se a um pedaço de madeira até serem resgatadas por pescadores locais.

As notícias do desastre se espalharam rapidamente, chegando às costas do Uruguai, Brasil e Itália, causando uma onda de dor e luto. Nos anos seguintes, o naufrágio do Sud America I seria lembrado como o maior desastre naval da história das Ilhas Canárias, uma tragédia que ceifou vidas e sonhos de imigrantes que buscavam uma vida melhor.

Maria Rassi, apesar da perda devastadora, encontrou forças para seguir em frente. Ela e Luisa estabeleceram-se em Gênova, onde Maria se tornou uma voz ativa na comunidade de imigrantes, lutando por melhores condições e segurança nos transportes marítimos. A memória de Giovanni e Marco, assim como de todos os que pereceram naquele fatídico dia, permaneceu viva através de suas ações e das histórias que contava.

O porto de Las Palmas, onde as águas ainda sussurravam os segredos do Sud America I, tornou-se um lugar de lembrança e reflexão, um símbolo das vidas interrompidas e dos sonhos afogados no mar.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Entre a Esperança e a Adversidade: A Saga dos Italianos Rumo à América



Durante o período de 1876 a 1920, aproximadamente 9 milhões de italianos deixaram sua pátria em busca de melhores condições de vida, impelidos pela pobreza e pela desesperança econômica. Essa migração em massa iniciou-se sob a égide da esperança, alimentando o sonho de uma terra distante que muitos retratavam como um paraíso na Terra: a América. Os destinos principais eram os Estados Unidos, Argentina e Brasil, onde muitos camponeses e artesãos viam na emigração a última chance de escapar da fome e da miséria.
Após a unificação italiana, a elite não apenas não reprimiu essa saída em massa, mas a viu como um alívio para as tensões sociais. Em 1888, foi promulgada a primeira lei oficial reconhecendo o direito de emigrar, o que facilitou o trabalho das agências que persuadiam os pobres a partir. A maioria das autoridades italiana entre os quais Sidney Sonnino, ministro liberal das Finanças e do Tesouro de 1893 a 1896, viam a emigração como uma "válvula de segurança para a paz social".
No entanto, o caminho rumo à América não era fácil. Os emigrantes enfrentavam tremendas dificuldades desde o recrutamento por agentes desonestos até as condições desumanas nos navios superlotados que cruzavam o Atlântico. Muitas vezes tratavam-se de embarcações de carga adaptadas, onde as condições higiênicas eram terríveis, com alta incidência de doenças como o cólera e uma mortalidade infantil alarmante.
Além das dificuldades físicas, os italianos enfrentaram desafios emocionais intensos ao se despedirem de suas terras natais. A nostalgia pela pátria era uma constante durante a travessia, evocada nas canções populares que lamentavam a distância crescente de suas cidades amadas.
Nos destinos finais como Argentina e Brasil, os recém-chegados eram recebidos em condições muitas vezes precárias, como o famoso "Hotel degli Immigrati" em Buenos Aires, onde eram alojados temporariamente em condições indignas.
Apesar dos perigos e das adversidades, a emigração italiana deixou uma marca indelével na história desses países receptores, contribuindo significativamente para seus desenvolvimentos econômicos e sociais.
Adicionalmente, a emigração italiana não foi apenas uma fuga das dificuldades, mas também um fenômeno complexo que moldou profundamente a identidade e a cultura desses países de destino. Os italianos trouxeram consigo não apenas habilidades laborais, como na agricultura e na construção civil, mas também valores familiares fortes e tradições culinárias que enriqueceram a vida cotidiana das comunidades onde se estabeleceram. A diáspora italiana não se limitou apenas aos centros urbanos; muitos italianos contribuíram para o desenvolvimento de áreas rurais, ajudando a transformar vastas extensões de terras em campos produtivos.
A experiência da emigração italiana também foi um catalisador para movimentos sociais e políticos tanto na Itália quanto nos países de destino. Movimentos anarquistas e sindicatos de trabalhadores formados por italianos no exterior desempenharam papéis importantes na luta por direitos trabalhistas e na defesa da justiça social. Essas comunidades transnacionais não apenas mantiveram laços estreitos com suas terras natais, mas também contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência global entre os italianos e seus descendentes ao redor do mundo.


segunda-feira, 8 de julho de 2024

Em Busca de uma Nova Pátria: As Razões por Trás da Onda Migratória Italiana para o Brasil

  


Na análise da migração italiana para nosso país, as indagações iniciais que emergem são: quais foram os motivos que levaram as autoridades brasileiras a acolher uma quantidade tão significativa de imigrantes da Itália e quais foram os impactos desse influxo considerável de italianos no vasto território brasileiro? Qual era a origem geográfica desses imigrantes italianos que escolheram o Brasil como destino?

Desde os primórdios da colonização portuguesa em nossa terra, a escassez de trabalhadores sempre representou um desafio de considerável magnitude. Naquela época, a concepção predominante era de que o labor árduo não era uma incumbência dos aristocratas e dos abastados, aqueles nascidos em berço de ouro e detentores de vastas riquezas. O trabalho manual era reservado às classes menos privilegiadas ou aos cativos, que há muito tempo desempenhavam um papel fundamental no avanço econômico de várias nações.

Durante o período colonial brasileiro, o território era abundantemente agraciado com valiosos recursos naturais, como o pau-brasil e uma diversidade de minerais preciosos, com destaque para o ouro e os diamantes, pelos quais os portugueses travaram grandes disputas.

Para suprir a carência de mão-de-obra necessária para a exploração do vasto território, os portugueses optaram por trazer uma quantidade considerável de escravos africanos. Foi o árduo labor desses indivíduos escravizados que garantiu o desenvolvimento da exploração das riquezas florestais, a extração pesada nas minas de ouro e diamantes, bem como o cultivo em larga escala nas plantações de cana-de-açúcar, além da posterior criação de gado no sul, o que elevou Portugal ao status de proeminente fornecedor desses produtos no cenário internacional. A partir de 1840, o café emergiu como uma commodity de grande demanda no mercado global, suplantando a predominância açucareira. Isso provocou o surgimento de imponentes fazendas, predominantemente nas províncias de São Paulo e Espírito Santo, lideradas por abastadas famílias portuguesas, os influentes barões do café, que não apenas abasteciam, mas também dominavam o mercado mundial dessa mercadoria. Assim como ocorreu com o açúcar, a mão-de-obra empregada nos cultivos e na colheita era majoritariamente composta por escravos negros, cujo número aumentava constantemente, de forma degradante, com a chegada de africanos. O cenário internacional passava por mudanças significativas, com a ascensão da Inglaterra como potência dominante, iniciando seu processo de industrialização e, consequentemente, reduzindo sua necessidade de importar escravos. Demonstrando seu poder militar, especialmente por meio de sua poderosa marinha, a Inglaterra passou a impor sanções aos países que ainda dependiam do trabalho escravo. Navios negreiros foram interceptados em alto-mar e impedidos de chegar ao Brasil, o que resultou em um aumento exorbitante no valor de cada escravo. Internamente, no Brasil, iniciou-se um movimento político para criar condições visando à abolição da escravidão no país. Após a promulgação de diversas leis que dificultavam a prática escravagista, em 13 de maio de 1888, foi proclamada a Lei Áurea, que encerrou oficialmente a instituição da escravidão no Brasil, após três séculos de sua existência.Foi certamente um grande choque para um país em que a mão-de-obra era somente aquela escrava, e esses, uma vez libertos, não queriam mais trabalhar para o seus antigos donos. Alguns anos antes, quando já se ouviam as primeiras notícias dessa eminente mudança, os grandes fazendeiros, que lutaram politicamente contra dar liberdade total aos escravos, começaram a procurar pelo mundo nações onde havia um grande número de pessoas querendo abandonar o país. Algumas exigências no entanto, foram apresentadas pelo império brasileiro, para escolha de onde poderia vir essa tão necessária mão-de-obra. Entre as exigências estava: esses trabalhadores precisavam ser brancos, terem religião aceita pelo estado e fossem dóceis em receber ordens. Inicialmente, foram trazidos grupos de colonos alemães, mas a experiência não deu muito certo pelo fato deles serem muito difíceis em aceitar ordens e também porque se mantinham fiéis a sua língua e tradições, criando quistos culturais onde viviam. Assim os fazendeiros paulistas e o Império do Brasil se voltaram para os habitantes da península italiana, o recém unificado reino da Itália, que estavam passando por sérias dificuldades, até mesmo a fome, pela falta de trabalho no novo país. Os italianos, sobretudo os das províncias vênetas, eram vistos pelas autoridades imperiais como ideais, por serem um povo dócil, trabalhador e professarem a mesma religião que o Brasil. Outro fator, não menos importante, para a escolha dos europeus era o fato de serem brancos o que também atenderia a exigência de povoar as imensas áreas quase desabitadas do sul do Brasil e contribuir para o branqueamento da população, uma raça considerada muito escura pelas autoridades imperiais.

A partir de 1875, o governo brasileiro lançou uma série de incentivos para atrair a migração italiana, incluindo passagens gratuitas e a promessa de parcelas de terra para cultivo. Essas medidas eram exatamente o que os camponeses italianos mais desfavorecidos desejavam ouvir, realizando o sonho da propriedade que acalentavam há séculos. Ao se tornarem proprietários de suas terras, eles deixariam de compartilhar suas colheitas com senhores. Assinaram contratos em branco em troca da passagem e da promessa de um pedaço de terra para cultivar, comprometendo-se a se estabelecerem onde o governo brasileiro designasse, geralmente em áreas remotas e intocadas, seja no meio da densa vegetação no sul do Brasil ou nas vastas fazendas de café de São Paulo e Espírito Santo, substituindo os escravos recém-libertos. Os imigrantes designados para as novas colônias do sul do país, inicialmente no Rio Grande do Sul e posteriormente em Santa Catarina e Paraná, encontraram-se repentinamente em meio a vastas áreas selvagens e despovoadas, envoltas por densas florestas e desprovidas de estradas ou qualquer infraestrutura, distantes de centros urbanos ou recursos essenciais. A vegetação em suas propriedades era habitada por uma fauna desconhecida para eles, com uma grande variedade de animais selvagens, aves em abundância, onças e macacos, como os bugios, cujos gritos assustavam os recém-chegados. No entanto, o clima encontrado assemelhava-se ao que deixaram na Itália, e o isolamento permitiu que os imigrantes aplicassem seus conhecimentos e recriassem sua própria cultura. O processo de aquisição de terra não foi fácil. Os imigrantes eram transportados gratuitamente do porto de desembarque para os vários núcleos de colonização, onde lotes de 25 a 60 hectares eram concedidos exclusivamente às famílias e deveriam ser resgatados em prestações a partir do segundo ano, após a primeira colheita. Os colonos recebiam algum material para construir casas temporárias, subsídios alimentares por alguns meses, ferramentas agrícolas e sementes que deveriam ser reembolsadas posteriormente. As famílias assumiam a responsabilidade de desmatar parte do lote, preparar o solo para o cultivo, semear, construir suas próprias habitações e abrir estradas para delimitar as fronteiras da propriedade. Os imigrantes logo enfrentaram as dificuldades nas colônias isoladas, algumas das quais constantemente invadidas por índios, onde a falta de escolas, igrejas e assistência médica era evidente, ou, quando disponíveis, estavam distantes e inacessíveis devido aos custos. Apesar dos desafios, uma parte significativa desses imigrantes realizou o sonho da propriedade e, em poucos anos, ricas cidades surgiram nesses locais remotos. A situação foi diferente para aqueles destinados a trabalhar nas grandes fazendas de café em São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Lá, as condições de vida eram ainda mais difíceis, e era extremamente difícil economizar para adquirir terras nas cidades próximas às fazendas. Segundo os termos do contrato, para deixar a fazenda, primeiro deveriam reembolsar o proprietário por todas as despesas incorridas, após o prazo de permanência estabelecido no documento. Nesses locais, prevaleciam a segregação, o arbítrio e várias formas de violência, incluindo sexual. A vontade do proprietário ou administrador era soberana, com pouca ou nenhuma liberdade pessoal para os trabalhadores. O acesso a cuidados de saúde, educação e práticas religiosas era limitado ou fornecido com parcimônia. O abandono das plantações tornou-se o protesto mais eficaz. Aqueles que decidiram migrar novamente ou buscar outras fazendas com melhores condições de vida ou se mudaram para centros urbanos em busca de novas oportunidades de emprego. Muitos, desiludidos, optaram por retornar à Itália. Aqueles que deixaram as fazendas se estabeleceram nas periferias das pequenas cidades vizinhas ou na capital, alguns já com profissões ou habilidades comerciais, trabalhando por conta própria ou como empregados nos diversos estabelecimentos que o rápido progresso estadual proporcionava. À medida que as condições financeiras melhoravam, os imigrantes começavam a construir suas próprias casas, reproduzindo os modelos arquitetônicos de sua terra natal e recriando uma pequena Itália no Brasil. Aqueles que preferiram viver nas grandes cidades, como a capital, a maioria deles residia em grandes cortiços, subdivididos em pequenos compartimentos nos bairros.

Esse movimento migratório evidenciou uma mudança gradual no perfil dos imigrantes italianos ao longo do tempo, refletindo também as transformações socioeconômicas tanto na Itália quanto no Brasil. A chegada de técnicos e operários especializados a partir do segundo pós-guerra, por exemplo, demonstrou uma maior qualificação da mão-de-obra italiana, além de uma diversificação dos setores de trabalho nos quais os imigrantes se inseriam.

Além disso, a distribuição geográfica dos imigrantes italianos no Brasil também se modificou ao longo do período analisado. Inicialmente concentrados nas regiões sul e sudeste, especialmente em áreas rurais e nas grandes fazendas de café, posteriormente passaram a migrar em maior número para os centros urbanos, buscando oportunidades de trabalho nas indústrias emergentes e no comércio.

A imigração italiana para o Brasil atingiu seu ápice entre 1887 e 1902, quando quase um milhão de pessoas desembarcaram no país em um período de quinze anos, representando 60% do total de estrangeiros que aqui chegaram. Nesse período, o Brasil ocupava o terceiro lugar no ranking global de recebimento de imigrantes italianos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Argentina. Após 1902, o fluxo de chegadas diminuiu significativamente, pois o governo italiano decidiu interromper a emigração subsidiada devido às denúncias das condições precárias enfrentadas pelos italianos, comparadas à escravidão nas fazendas. Essa redução também pode ser atribuída à crise de superprodução do café e à queda de preços no mercado internacional, que agravaram as condições de vida e trabalho nas plantações. Entre as duas grandes guerras, o número de chegadas diminuiu, com uma leve retomada após 1946. A partir dos anos 1960, as chegadas de italianos diminuíram para algumas centenas por ano, com a maioria sendo transferências de funcionários de empresas italianas com investimentos no Brasil ou escolhas pessoais. Até 1915, a maioria dos imigrantes era composta por trabalhadores rurais, em sua maioria analfabetos, que chegavam ao Brasil com suas famílias devido a contratos de trabalho. A partir de 1920, houve uma mudança no perfil dos imigrantes, com a predominância de solteiros, artesãos, trabalhadores fabris e braçais. Essa tendência se intensificou no período pós-guerra, com a chegada de técnicos e operários especializados, que tinham um nível de instrução mais elevado. Entre 1878 e 1886, a maioria dos emigrantes era da região do Vêneto e Lombardia, especialmente destinados às novas colônias do Sul do Brasil, enquanto os imigrantes do sul do país, principalmente da Campania, Calábria e Abruzzo, começaram a chegar em maior número após 1893/95, tornando-se majoritários a partir de 1898.Essa história da imigração italiana no Brasil revela não apenas a busca por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, mas também a capacidade de adaptação e resiliência dos imigrantes diante dos desafios encontrados no novo país. Contribuíram significativamente para a formação cultural, econômica e social do Brasil, deixando um legado que perdura até os dias de hoje.

Em cada núcleo formado por essas comunidades, uma autêntica reprodução de traços da Itália emergia, preservando os costumes e tradições de suas regiões de origem. Essa preservação cultural não apenas amenizava a saudade dos lares distantes, mas também enriquecia o cenário brasileiro com um mosaico de heranças italianas. Apesar dos desafios enfrentados e das dificuldades impostas, os imigrantes italianos deixaram uma marca indelével na modernização tanto da economia quanto da sociedade brasileira nos locais onde se estabeleceram.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



domingo, 16 de junho de 2024

Fatos da Velhice e da Morte nas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul


 

Na vivência da velhice e na confrontação com a morte nas colônias italianas do Sul do Brasil, os desafios eram abundantes. Nas colônias da Serra Gaúcha, as condições de vida se mostravam precárias, com os imigrantes habitando casas rudimentares e muitas vezes para sobreviver, sendo submetidos a trabalhos compulsórios, como a abertura de estradas.
Além disso, as comunidades italianas enfrentavam inúmeras epidemias e doenças, frequentemente relacionadas à falta de infraestrutura e à proximidade com áreas de mata virgem, o que contribuía para a elevada taxa de mortalidade, especialmente a infantil e acidentes de trabalho fatais.
Estavam isolados em grandes áreas de terra onde a ausência de estradas, de meios de transporte e estabelecimentos comerciais adequados também representavam um grande desafio, dificultando o acesso a serviços essenciais e a comunicação com outras regiões.
Os imigrantes italianos encontravam significativas dificuldades ao se estabelecerem em um novo país, tendo que assimilar a língua, as leis e os costumes brasileiros, além de enfrentarem o distanciamento dos laços familiares e sociais na Itália. A saudade dos entes queridos que lá ficaram era motivo de muitos desistirem do sonho.
Apesar dessas adversidades, a imigração italiana deixou um legado cultural marcante no Sul do Brasil, como a criação da língua vêneto brasileiro, ainda preservado em quase todas as  comunidades de descendentes italianos.
A integração dos imigrantes italianos à política local foi um processo complexo, marcado por sentimentos de isolamento em relação às autoridades brasileiras e receios de envolvimento em conflitos políticos, com a Igreja Católica desempenhando um papel significativo nesse processo.
Esses aspectos ressaltam que a experiência da velhice e da morte nas colônias italianas do Sul do Brasil foi marcada por uma complexa teia de desafios e dificuldades, entrelaçada com uma valiosa contribuição cultural e uma persistente busca por estabelecer-se em uma nova terra.
Nas comunidades italianas em geral, e particularmente nas vênetas, os idosos eram respeitados e influentes, sendo comum que filhos e netos solicitassem suas bênçãos como gesto de reverência.
Ao contrário do nascimento, a morte era encarada como um evento extraordinário, permeado de solenidade e envolto em diversas superstições. Os mais velhos, ao se aproximarem desse momento derradeiro, o encaravam com serenidade, convictos de terem cumprido seu dever na vida.
Diante de doenças prolongadas, a comunidade se mobilizava para prestar assistência à família enlutada, com vizinhos e amigos revezando-se para cuidar do enfermo, e em alguns casos membros voluntários da comunidade religiosa oferecendo-se para auxiliar no cultivo e colheita nas terras do enfermo.
Nas colônias italianas no Sul do Brasil, os anciãos enfrentavam um cenário desafiador, compartilhando das mesmas condições de habitação dos demais colonos, com escassez de transporte e acesso limitado a serviços essenciais de saúde, o que os tornava vulneráveis às enfermidades e dificultava o atendimento de suas necessidades.
Não existiam instituições específicas para o cuidado dos idosos nesse contexto de colonização, o que os fazia depender do apoio familiar e comunitário para suprir suas demandas na velhice.
Em suma, a experiência da velhice nas colônias italianas do Sul do Brasil era caracterizada por desafios, carência e ausência de suporte especializado. Os idosos compartilhavam das mesmas agruras dos demais colonos, enfrentando as adversidades impostas pelo ambiente hostil e pela infraestrutura limitada.
À medida que a morte chegava, era comum que os familiares se aproximassem do leito para pedir perdão ao moribundo por eventuais desavenças ocorridas ao longo da vida. Velas eram acesas, água benta era espalhada pela casa, e parentes e amigos se reuniam em oração.
Após o falecimento, o corpo era cuidadosamente lavado e vestido com as melhores roupas e calçados disponíveis. Manter os olhos do falecido fechados era crucial, e qualquer desvio disso era considerado um mau presságio.
O velório ocorria inicialmente no próprio leito de morte, posteriormente transferido para um suporte improvisado enquanto o caixão era preparado pelo carpinteiro local. Durante esse período, entre orações e cânticos religiosos a comunidade se unia em uma última homenagem, oferecendo conforto e apoio à família enlutada.
O funeral era conduzido até a igreja local, caso já existisse, onde um breve serviço religioso era realizado. Quando ainda não haviam padres, o ofício era presidido por um dos vizinhos mais apto para essa tarefa. Posteriormente, o cortejo seguia até o cemitério, onde os presentes prestavam suas derradeiras homenagens ao falecido.
O período de luto variava de acordo com o grau de parentesco com o falecido, com durações específicas estabelecidas para filhos, irmãos e primos. Durante todo esse período, era costume vestir roupas escuras e abster-se de participar de festividades.
Naquela época, os fotógrafos eram escassos e seus serviços muito caros na zona colonial italiana do Rio Grande do Sul. Quando ocorria um falecimento, especialmente de alguém que não havia sido fotografado anteriormente, era comum que o fotógrafo fosse chamado para registrar o momento, muitas vezes capturando a cena do falecido dentro do caixão, cercado pela família. Com o passar dos anos, os casamentos tornaram-se oportunidades para registrar momentos importantes, com retratos pintados à mão emoldurados nas paredes das casas, documentando a vida e as celebrações da comunidade.
Nas colônias italianas no Rio Grande do Sul, algumas crenças e práticas supersticiosas relacionadas à morte, ao enterro e ao tratamento do defunto eram amplamente difundidas:
Diziam que não se devia costurar roupa no corpo de uma pessoa, pois isso poderia levar à sua morte iminente; apenas a mortalha do defunto deveria ser costurada. Se houvesse necessidade de realizar a costura, era aconselhável fazê-lo dizendo: "eu te coso vivo e não morto".
Acreditava-se que dormir com os pés virados para a porta da rua era um presságio de morte iminente. Também se afirmava que um doente que mudasse de cabeceira na cama estava próximo da morte. Outra superstição era a de que dormir sobre a mesa atraía a morte.
Nos cemitérios, havia um esforço em perpetuar a memória e a saudade dos mortos, de modo que de alguma forma continuassem presentes no cotidiano dos vivos. Os memoriais construídos à beira da estrada por familiares ou amigos das vítimas de acidentes também simbolizavam essa necessidade constante de lembrar aqueles que partiram.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Imigração Italiana em Minas Gerais: Contribuição e Integração na Sociedade Brasileira



A imigração italiana para Minas Gerais foi marcada por um significativo influxo de cidadãos oriundos da Itália durante o final do século XIX e o início do século XX, tornando este estado brasileiro um dos destinos mais procurados por esses imigrantes em todo o país, ficando apenas atrás de São Paulo e Rio Grande do Sul em termos de recebimento populacional.
A crise econômica que assolava a Itália ao final do século XIX, caracterizada pelo declínio das atividades agrícolas e industriais, impulsionou uma emigração em larga escala para várias nações, incluindo o Brasil. Os registros da Hospedaria Horta Barbosa, em Juiz de Fora, revelam que entre 1888 e 1901, 68.474 imigrantes italianos desembarcaram em Minas Gerais. No período de 1872 a 1930, esse número aumentou para 77.483. Originários principalmente do Norte da Itália, esses migrantes desempenharam um papel significativo nas plantações de café da Zona da Mata, onde cerca de 80% deles se dedicaram a essa atividade, enquanto aproximadamente um terço optou pelo Sul de Minas.
O governo de Minas Gerais desempenhou um papel ativo no estímulo ao fluxo migratório italiano, assumindo os custos das passagens marítimas para suprir a crescente demanda por trabalhadores nas plantações de café. Embora a economia mineira estivesse fortemente ligada à exportação desse produto na época, o estado possuía a maior população do Brasil, o que significava uma reserva considerável de mão de obra local disponível para substituir os escravos recentemente libertados. Portanto, ao contrário de São Paulo, não se viu a necessidade premente de um influxo massivo de imigrantes europeus.
Os imigrantes italianos que se estabeleceram em Minas Gerais inicialmente encontraram ocupações principalmente ligadas à produção de café. Contudo, ao longo do tempo, sua presença na sociedade mineira expandiu-se para diversas esferas, especialmente nas áreas urbanas, onde desempenharam um papel ativo no desenvolvimento do comércio, da indústria e de outras atividades. A integração dos italianos na sociedade mineira ocorreu de forma rápida e harmoniosa, sem a formação de enclaves isolados. Pelo contrário, os imigrantes dispersaram-se por todo o território do estado, constituindo uma minoria em meio à população majoritária, em um processo de assimilação tranquila.


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Imigração Italiana no Brasil: Impactos e Desafios

 



A partir do final da década de 1870, a emigração italiana para o Brasil passou a adquirir contornos mais definidos e ganhar proporções consideráveis, culminando em um fenômeno de massa. Este movimento exerceu um papel decisivo no crescimento demográfico do país sul americano. Os italianos desempenharam um papel crucial no processo de modernização do Brasil contemporâneo, contribuindo ativamente para o desenvolvimento da economia de exportação, da industrialização e dos processos de politização e nacionalização das massas. Muitos deles, especialmente os mais empreendedores, deixaram o campo, onde inicialmente se estabeleceram, para se aventurar nos setores de serviços, comércio e varejo, impulsionando significativamente o rápido desenvolvimento das cidades brasileiras. Entretanto, o caminho para alcançar esse status foi repleto de desafios, ilusões e desilusões, esperanças e desistências, saudades e uma inabalável determinação.
Mas o que motivou o governo brasileiro a acolher tantos imigrantes italianos e quais expectativas trouxeram um número tão expressivo deles para o vasto e distante Brasil? O território brasileiro sempre apresentou uma dicotomia marcante: de um lado, riquezas naturais abundantes, como ouro, diamantes e minerais; do outro, uma escassez extrema de mão de obra, capaz apenas de atender às necessidades básicas. Os colonizadores portugueses, que dominavam a vasta colônia, buscaram resolver esse problema trazendo milhares de escravos da África. Inicialmente, essa mão de obra escrava foi fundamental para a extração de madeira nobre e para sustentar a indústria açucareira. Posteriormente, foi empregada na criação de gado e, mais tarde ainda, na exploração das minas de ouro e diamantes. O Brasil se apresentava, assim, como um tesouro imenso que carecia de mãos para explorá-lo plenamente.
Com o advento do cultivo do café, a partir de 1840, o Brasil passou a dominar o mercado mundial. No entanto, essa prosperidade estava intrinsecamente ligada à mão de obra escrava. Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil enfrentou uma grave crise de mão de obra, uma vez que os ex-escravos não estavam mais dispostos a trabalhar para seus antigos senhores. Para um país constantemente às voltas com a escassez de mão de obra, esse foi um verdadeiro desafio. Alguns anos antes da promulgação da Lei Áurea, pela princesa Isabel, os grande produtores rurais de cana remanescentes e os cafeicultores viram no crescimento do movimento abolicionista, com a aprovação do parlamento de diversas leis que favoreciam os escravos, como Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários, começaram a pensar em utilizar trabalho assalariado em suas lavouras, o que para o Brasil era uma grande novidade na época, aproveitando o excedente de mão de obra nos países europeus que passavam por uma superpopulação e desemprego.
Diante desse cenário, o governo brasileiro vislumbrou na Itália uma possível solução para o problema. Acreditava-se que os italianos, especialmente aqueles das regiões do Vêneto que tinham preferencia, por serem pacíficos, brancos, católicos e conhecidos por sua diligência e respeito ao trabalho, poderiam suprir a demanda por trabalhadores e, ao mesmo tempo, contribuir para "clarear" uma raça considerada "muito escura" pelas autoridades imperiais. Assim, na segunda metade do século XIX, o governo brasileiro começou a promover ativamente a imigração italiana, oferecendo viagens gratuitas e promessas de terras para cultivo.
Os camponeses italianos, muitos dos quais enfrentavam condições de vida miseráveis e sem perspectivas de melhoria, viram na oferta do governo brasileiro uma oportunidade de escapar da pobreza e construir uma vida melhor para si e suas famílias. No entanto, o caminho rumo a essa nova vida foi marcado por desafios e dificuldades. Ao chegarem ao Brasil, muitos foram enviados para áreas selvagens e insalubres, onde substituíram os escravos libertos nas grandes fazendas de café.
A vida nessas fazendas e também nas colônias não foi fácil, especialmente após o entusiasmo inicial se dissipar e os imigrantes perceberem as duras realidades que teriam que enfrentar, como a falta de amparo religioso pela falta de igrejas e padres, a escassa e, em muitas áreas do Rio Grande do Sul inexistente assistência médica, a falta de educação, o isolamento e os diversos conflitos com os povos indígenas locais. Nas fazendas de café, a situação era ainda mais difícil, com exploração no preço dos alimentos fornecidos no armazém da fazenda, no preço pago pelo trabalho que muitas vezes sofriam diminuição de valores combinados, violência física, abusos sexuais e condições de vida deploráveis nos casebres a eles destinados, uma vez a senzala dos antigos escravos. Os proprietários das grandes fazendas e seus capatazes, não estavam acostumados a lidar com pessoas livres e tratavam os imigrantes italianos com brutalidade, da mesma forma como antes faziam com os indefesos escravos. Isso foi motivo de inúmeras desavenças, algumas graves, que necessitaram intervenção da polícia, como as ocorridas no interior de São Paulo.  
Apesar de todas essas adversidades, os italianos aos poucos conseguiram se estabelecer em diversos setores da economia brasileira, contribuindo para a modernização do país. A século e meio após a chegada dos primeiros imigrantes italianos ao Brasil, seu legado ainda é lembrado com afeto, admiração e reconhecimento, testemunhando a importância e a influência dessa comunidade na história e na cultura brasileira.



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A História da Imigração Italiana no Paraná



A colonização do Paraná teve início em 1816 com a chegada dos colonos açorianos a Rio Negro, marcando um começo gradual na formação de núcleos coloniais. Até 1853, apenas três colônias haviam sido estabelecidas, acolhendo um total de 420 imigrantes. Até 1864, apenas mais duas colônias foram fundadas. Desde os primeiros momentos de sua autonomia política e administrativa, os líderes paranaenses buscaram uma política de imigração adaptada às suas necessidades. Ao contrário de outras regiões do Império, onde a imigração visava suprir a falta de mão de obra na agricultura de exportação, no Paraná, priorizava-se a agricultura de subsistência.
Este cenário, contudo, persistiu, e apenas com colonos trabalhadores e respeitosos habitando suas vastas e férteis terras, a abundância de alimentos e o excesso de produção reviveriam o comércio de exportação agrícola. Os governantes provinciais subsequentes buscaram implementar planos de colonização com base na criação de colônias agrícolas próximas a centros urbanos.
Entre as décadas de 1830 e 1860, imigrantes alemães estabeleceram-se nos arredores de Curitiba, especialmente nas partes norte, noroeste e nordeste da cidade, contribuindo para um notável crescimento demográfico. Observando o sucesso da colonização nas áreas circundantes, novos projetos foram concebidos para intensificar a colonização do planalto de Curitiba, do litoral e de outras regiões do Paraná. A partir de 1870, esse programa foi intensificado, especialmente durante a administração de Lamenha Lins, seguindo a tendência nacional de reativar a imigração.
A década de 1870 marcou o início da imigração italiana no Paraná. Os governos provinciais geralmente delegavam a colonização a empresas privadas, que traziam imigrantes por meio de concessões de terras acessíveis. Em 1871, um contrato entre o Governo da Província do Paraná e o empresário italiano Savino Tripoti planejou o estabelecimento de imigrantes italianos no litoral.
O primeiro grupo de colonos chegou ao porto de Paranaguá em fevereiro de 1875, estabelecendo-se em Alexandra, mas a colonização enfrentou dificuldades devido às condições climáticas e deficiências administrativas. Para acomodar os colonos, o Governo Provincial criou a Colônia Nova Itália em 1877, com sede em Morretes, qual também teve vida breve devido a má administração do empreendimento e desentendimentos do empresário com o governo da província.
As experiências negativas em Alexandra e Nova Itália desestimulou a colonização no litoral, levando muitos imigrantes a se mudarem para o planalto. Nos anos seguintes, mais italianos se estabeleceram no Paraná, especialmente em Curitiba. A maioria era originária das regiões do Vêneto e do Trentino. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma retomada do processo migratório, com italianos contribuindo para o desenvolvimento industrial da região.



Brasileiros de Origem Italiana no Exército da Itália: Uma História na Primeira Guerra Mundial



Há um capítulo pouco explorado na história: a contribuição de brasileiros na Primeira Guerra Mundial. Aproximadamente 12 mil jovens de diferentes regiões do Brasil, atravessaram o Atlântico para lutar usando o uniforme do exército italiano. No ano de 1914, enquanto o mundo mergulhava nas trevas da Primeira Guerra Mundial, uma história pouco conhecida se desenrolava nos recantos mais remotos do Brasil. Entre as colinas verdejantes do centro do nosso país, nas cidades quentes e empoeiradas do sertão nordestino e nas tranquilas colônias italianas do sul, ressoavam distantes os chamados para a guerra.

Entre os brasileiros de origem italiana, uma decisão corajosa e ousada se delineava. Cerca de 12 mil jovens, impelidos pela promessa de aventura e heroísmo, decidiram partir das terras tropicais do Brasil para os campos de batalha congelados da Europa. Deixando para trás suas famílias e amores, eles embarcaram em uma jornada incerta, determinados a se juntarem ao conflito que varria o continente.

Entre esses jovens, estava Luca, um modesto agricultor das profundezas de Minas Gerais, cujo coração ardia com o desejo de servir à sua pátria de origem, mesmo que isso significasse lutar em terras estrangeiras. Com uma coragem inabalável, ele vestiu a farda do exército italiano e marchou em direção ao desconhecido, determinado a deixar sua marca na história.

Ao lado de Luca, estava Giovanni, um jovem italiano destemido do interior do Rio Grande do Sul, terra colonizada por milhares de seus compatriotas, desde o final do século XIX, cujas habilidades de combate rivalizavam com sua determinação. Ele carregava consigo a memória de sua terra natal, onde as cores vibrantes do Brasil se misturavam com as tradições italianas de sua família. Nas trincheiras, ele lutava não apenas pela vitória, mas pela honra de sua herança.

A guerra, no entanto, não era apenas feita de bravura e glória. Nas crateras encharcadas de lama e sangue, os brasileiros de origem italiana enfrentavam o horror e a brutalidade do combate. Testemunhavam a carnificina dos campos de batalha, onde a morte espreitava a cada esquina e a camaradagem era a única luz na escuridão.

Durante anos, Luca e Giovanni enfrentaram os horrores da guerra, lidando com o fogo inimigo e a incerteza do amanhã. Suas histórias se entrelaçavam com as de milhares de outros brasileiros, cujas vidas foram sacrificadas no altar da guerra. Alguns retornaram para casa, marcados pela tragédia e pela perda, enquanto outros permaneceram para sempre nas terras estrangeiras onde lutaram e caíram.

Mas, apesar das feridas físicas e emocionais, o legado desses heróis brasileiros de origem italiana permanece vivo nas páginas esquecidas da história. Suas histórias de coragem e sacrifício são um tributo à resiliência do espírito humano e um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a esperança e a solidariedade podem prevalecer.


segunda-feira, 25 de setembro de 2023

As Bênçãos de Marietta, a Trevisana

 





No coração do Rio Grande do Sul, na progressista Colônia Dona Isabel, em 1890, a vida fluía em harmonia com a natureza e as tradições ancestrais. Era um lugar onde as histórias eram tecidas nos campos ondulantes e os segredos da Medicina sem Médicos eram passados de geração em geração.
Maria Trecchiana, uma mulher de cabelos prateados e olhos sábios, era a curandeira mais respeitada da comunidade. Sua sabedoria era conhecida em toda a região, e sua reputação se estendia além das fronteiras da colônia. Maria tinha uma aura de serenidade que inspirava confiança. Ela era o farol da colônia, uma referência de cura e compaixão.
A já idosa Giuseppina, mais conhecida por todos como nona Pina, a matriarca da família Guirosani, era uma das pessoas mais queridas da colônia. Sua casa, uma modesta construção de madeira, era um local de encontros e histórias compartilhadas desde o tempo em que seu marido ainda era vivo. Ela tinha uma memória prodigiosa e podia relembrar com detalhes os relatos de seus antepassados sobre a jornada da Itália até a colônia.
Mas um dia, uma sombra de preocupação pairou sobre a colônia quando nona Pina adoeceu gravemente. As notícias de sua condição se espalharam rapidamente, criando uma aura de apreensão entre os colonos. Ela era desde que chegou a colônia, uma figura central na comunidade, uma verdadeira matriarca, e sua presença era como um pilar que sustentava a todos.
A família Guirosani, angustiada, procurou desesperadamente ajuda para a nona. Não havia hospitais e muito menos médicos na colônia,  ou mesmo próximos a ela, mas todos sabiam que Maria Peruchin, que tinha o apelido de Marietta, a trevisana, devido a sua procedência na Itália, era a única capaz de trazer alívio às dores da matriarca. Com os olhos cheios de lágrimas, eles procuraram a curandeira, implorando por sua ajuda.
Maria aceitou a missão com gratidão, pois era seu dever honrar a tradição de seus antepassados vênetos, que a guiara por toda a vida. Prescrever ervas para curar doenças e arrumar ossos quebrados sempre fôra um dom passado de mãe para filha na sua família. Ela  saiu à procura de certas espécies curativas e começou a preparar uma poção com as ervas colhidas nas encostas da linha Zamith. Seus gestos eram precisos e cheios de devoção, misturando conhecimento ancestral com a fé nas bênçãos da natureza. Durante o processo de procura das plantas corretas, proferia palavras que ninguém compreendia e rezava pedindo ajuda à Deus e aos seus Santos protetores. No final da tarde  ao administrar a poção, ela viu um vislumbre de esperança nos olhos frágeis de nona Pina.
Noites e dias se passaram, com Marietta ao lado da paciente. Ela rezou e benzeu a paciente por diversas vezes, buscando força nas tradições que haviam sido mantidas vivas na colônia. Os Guirosani se reuniam em vigília, compartilhando histórias sobre sua matriarca e mantendo a chama da esperança acesa.
A paciência de Marietta e a determinação dos familiares de Pina foram recompensadas. Gradualmente, nona Giuseppina começou a se recuperar. Seu sorriso fraco, como o primeiro raio de sol após uma tempestade, iluminou a sala escura. A comunidade inteira celebrou a recuperação da matriarca.
Maria Trecchiana não queria recompensa ou reconhecimento, pois sabia que era apenas um elo na corrente de cuidado e tradição que ligava as pessoas da colônia. A cura de nona Giuseppina não era apenas a vitória de uma paciente, mas um testemunho do poder das bênçãos da natureza e da sabedoria transmitida pelas gerações.
Com o tempo, a história de Maria Trecchiana e nona Pina se tornou uma lenda na Colônia Dona Isabel, um lembrete constante do valor da compaixão, da fé e das tradições que uniam aquelas almas gentis em um lugar tão especial. E assim, no coração do Rio Grande do Sul, a Medicina sem Médicos continuou a florescer, fortalecendo os laços entre as pessoas e honrando os ensinamentos de seus antepassados. Era uma história de resiliência, tradição e compaixão que ecoaria eternamente nas montanhas e vales daquelas terras especiais.