quarta-feira, 26 de junho de 2024

As Corporações Medievais das Artes e Profissões

Afiador de facas e tesouras

 
Nos estudos dos milhares de antigos documentos encontrados em todas as províncias da atual Região do Vêneto, observamos que, já na época feudal, a organização das artes e ofícios estava cada vez mais consolidada, assumindo um papel cada vez mais importante na vida dos moradores das vilas e cidades. A valorização do artesanato estava em franco crescimento, com um aumento do número de oficinas dedicadas às mais diversas profissões. 
Para congregar os artesãos das diversas atividades, foram criadas as "guildas", habitualmente concentradas em torno da igreja local. Essas congregações criavam um sistema de proteção individual e coletiva para o artesão e os demais membros da profissão. Para um artesão ser admitido nessas sociedades, não bastava apenas ter uma oficina para começar a trabalhar. O candidato deveria, antes de tudo, gozar de irrefutável fama e respeito na sociedade e junto aos seus pares.
Uma vez aprovado, o candidato era admitido de modo público e oficial, com a inscrição de seu nome nos registros da respectiva irmandade. Essas congregações possuíam um local fixo para reuniões dos seus membros, geralmente na igreja local, onde cada irmandade possuía uma capela com um altar dedicado ao seu santo padroeiro. Cada uma delas era comandada por dois ou até quatro administradores, conhecidos como "gastaldi", eleitos solenemente. Esses administradores juravam sobre o Evangelho proteger a congregação e, nesta ocasião, recebiam de presente um par de luvas como símbolo do cargo.
Esses mandatos, que no início eram honoríficos, passaram com o tempo a ser remunerados, com um salário compatível com a importância de cada uma das agremiações. Os administradores tinham como missão fazer cumprir os estatutos da congregação, defender os interesses comuns e julgar os seus pares em questões pertinentes ao trabalho. A estrutura administrativa da irmandade incluía também a figura do "massaro", um tipo de tesoureiro das sociedades atuais, que tinha a função de administrar o patrimônio da irmandade, recolher as contribuições anuais de seus membros, proteger os estatutos da instituição e guardar o dinheiro na capela.
Cada oficina individualmente contava também com a ajuda de aprendizes, que recebiam vestuário, moradia e um pequeno salário pelo trabalho. Muitos grandes artistas, quando ainda na juventude, trabalharam para um artesão renomado, com o qual aprenderam o ofício. Como uma forma de proteção dos segredos da profissão e garantia da qualidade dos produtos, cada oficina exigia rigorosa fidelidade de seus membros. Os segredos de cada profissão jamais poderiam ser revelados, sendo guardados a sete chaves pelo próprio artesão e transmitidos de pai para filho.
Com o objetivo de manter o vínculo entre os membros de uma irmandade, os artesãos eram obrigados a participar de certas festas e procissões, a se reunirem regularmente na sua sede para discutir e trocar ideias sobre a entidade e também eleger seus próximos administradores. As irmandades tinham regras de conduta severas, e mulheres não eram admitidas, com exceção de algumas corporações, como a dos vendedores de frutas e verduras.
A corporação impunha pesadas penas para os membros que não participassem dos encontros religiosos, que falassem palavrões ou que mantivessem abertas as portas das suas oficinas nos dias feriados. Em um documento municipal, encontrado na cidade de Pádua, datado de 1287, podemos ver que a cidade possuía 36 corporações de ofício, cada uma delas com dezenas de oficinas, representando as mais variadas profissões, como: Escrivães, Mercadores, Hoteleiros, Barbeiros, Peleteiros, Fiadores da Canapa, Alfaiates, Ferreiros, Médicos, Fabricantes de Cordas, Seleiros, Trapeiros, Açougueiros, Tecelões, Forneiros, Pecuaristas, Carpinteiros, Vendedores de Frutas, Barqueiros, Sapateiros, Moageiros, Peleteiros, Barriqueiros e Toneleiros, Pescadores, Conservadores de alimentos e muitos outros.