Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, 21 de outubro de 1877
Diletíssimo Arcebispo,
Este dia, que em anos passados eu costumava passar em meio à alegria de doces amigos, este dia me recorda Arsìe e a bela sua solenidade aniversária do terceiro domingo de outubro, e muito mais me recorda os dilettíssimos amigos com os quais eu costumava conversar com alegria em tempos menos infelizes do que o presente.
Antes de todos esses amigos, naturalmente, vem Vossa Senhoria, diletíssimo Arcipreste, e por isso a Vós devo por esse título escrever a presente, e escrever-Vos destas múltiplas penas.
Gozo perfeitamente de saúde, embora a sorte iníqua se ria de mim e me lance os golpes mais cruéis nos meus espíritos, especialmente no decorrer do meu destino a estes lugares do novo mundo; todavia não perdi ainda aquele meu habitual e natural bom humor, que me faz rir até mesmo da desgraça.
Depois de tantas desventuras, a partida e o naufrágio nas costas da França (coisas que já conhecereis), depois de 40 dias de viagem, decidi arriscar-me a vir aqui, ao Brasil, que ainda não conhecia, apenas ouvindo falar. Atravessei o Atlântico desembarcando em Rio Grande no dia 10 de agosto; de lá embarquei num vaporzinho e em 12 dias, passando por Lisboa e Santa Cruz das Canárias, finalmente me encontrei nesta terra.
Permaneci no Rio de Janeiro por 12 dias; mas vendo que ali circulava a “Seca”, que com a foice da febre amarela ameaçava mandar-me ao coveiro e engordar os ratos, tratei logo de escapar e embarquei num vapor que me trouxe ao Rio Grande do Sul; entrei pelo canal de Porto Alegre e fui enviado para a cura de Conde d’Eu, colônia italiana de 4.000 e mais almas. Logo em seguida foi anexada também a colônia Dona Isabel de outros tantos italianos; mas, considerando a impossibilidade de poder reger com tanto encargo, especialmente com a indiferença, com o astúcia das vorazes Harpias que presidem aquela infeliz colônia, apresentei ao Governo a minha demissão, por ter o Bispo erigido uma nova Paróquia, como me foi prometido e espero.
Agora gozo de ótima saúde e bom humor, e com isso celebro o Ofício e a Missa, e escrevo a alguns amigos. Não será surpresa que eu não retorne à colônia Conde d’Eu, mas agora por conselho do Bispo não volto, nem os colonos querem, e com razão, dar uma lição de equidade e justiça ao Chefe da Colônia que os trata pior que escravos. Oh! pobres italianos imigrados! Quanta angústia e privações devem sofrer, e quantos sacrifícios devem fazer para se estabelecerem em uma selva selvagem áspera e forte! A maioria amaldiçoa o dia em que descobriu a América, maldizendo o desgosto, a emigração e o dia da sua partida para estas partes, e desejariam morrer miseráveis e nus em sua pátria, em vez de se verem privados de cada conforto em meio a essas antigas selvas, sem esperanças de retorno, e com pouca esperança de prover o necessário.
E como são tratados os colonos, posso jurar que nenhuma miséria é igual a essa.
Mas quem acreditará em mim? Tantos desses miseráveis, quando escrevem, por medo de que suas cartas não cheguem às suas pobres famílias (porque o Czar das colônias tem tudo em mãos para entregar ao longínquo correio), escrevem bem; mas isso não é verdade e não pode ser. E como poderão chamar-se felizes?
Aqui é uma selva, e no princípio sem teto, e depois uma cabana semelhante ao presépio de Belém, feita em grande parte de varas, onde o ar e a água dominam sempre.
Enquanto escrevo, os colonos devem levar-se à própria colônia, onde encontram apenas mato, mato e mais mato. Dez dias só de comida são dados a eles, e depois nada, nada e nada. Uma vez paga a casa com 105 florins, depois muda-se a máscara, e só 25 florins (quando Deus quer) são dados de ajuda, que equivalem a 25 francos de nossa moeda, e a menos de 25 francos.
Verdadeiramente digo-vos, e o Senhor é minha testemunha.
De fato, neste emaranhado não entra o Governo do Brasil, porque este estaria disposto a ajudar; mas são as companhias que, como o Czar e as Harpias, sugam das últimas forças do pobre colono, até o ponto de este sucumbir miseravelmente.
Avisai ao Governo já que a emigração deve ser fechada, se ele vos ouvir, e se me ouvir também. Oh, pobres cegos e miseráveis, nada são e nada mais se tornarão, senão ainda mais miseráveis! Agora a Vós posso e devo escrever a verdade, porque estou fora da pressão deles. Avisai em Igreja o povo, que não tome por ora o caminho da América, pelas causas indicadas.
Passo a falar de outras coisas da emigração.
As notícias que tenho em resumo são estas: os emigrados italianos sofrem com o calor excessivo do clima, com a absoluta falta de pão, de vinho, que devem substituir (se podem) por uma espécie de água extraída da cana-de-açúcar fermentada, com sabor desagradabilíssimo. A terra é fértil, mas é coberta de mato e de florestas imensas, com árvores de até 2 metros de diâmetro; para derrubá-las é preciso o trabalho de dois homens robustos durante um dia inteiro, trabalho desproporcional ao hábito do italiano emigrado, que muitas vezes não compensa a fadiga suportada. Além disso, muitas vezes a seca arruína as colheitas, e se não há seca, uma chuva repentina as destrói, ou uma geada mata as plantas na primavera; outro dia foi uma grande granizada, que em um quarto de hora, enquanto o pobre colono mal acreditava no que via, arrasou tudo.
Quando a terra tivesse muito fruto, o colono não poderia pagar ao Governo o preço da terra, pela absoluta falta de comércio, estando as colônias muito longe dos centros comerciais e com estradas tão péssimas que nem mulas podem transitar. Assim, em meio às misérias e angústias, prepara-se talvez um pão, mas certamente se prepara uma grande dívida, que dificilmente poderá pagar.
Quanto ao espiritual, é coisa péssima em tudo.
A religião professada pelos americanos do Rio Grande do Sul é precisamente a nulidade de toda religião; são “frammassoni”, mas não sabem o que isso significa; são católicos, mas não conhecem nada do cristianismo; são protestantes sem saber o que é o protesto. Na verdade, são indiferentes à religião, e nada mais.
Portanto, quanto ao corpo e quanto ao espírito, os colonos perecem, e infeliz será quem se aventurar a emigrar para cá. A Providência talvez reprovará a nossa emigração: para mim isso já é mais que suficiente.
Assim escrevo apenas para bem do povo italiano.