quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Imigração Italiana no Brasil: Impactos e Desafios

 



A partir do final da década de 1870, a emigração italiana para o Brasil passou a adquirir contornos mais definidos e ganhar proporções consideráveis, culminando em um fenômeno de massa. Este movimento exerceu um papel decisivo no crescimento demográfico do país sul americano. Os italianos desempenharam um papel crucial no processo de modernização do Brasil contemporâneo, contribuindo ativamente para o desenvolvimento da economia de exportação, da industrialização e dos processos de politização e nacionalização das massas. Muitos deles, especialmente os mais empreendedores, deixaram o campo, onde inicialmente se estabeleceram, para se aventurar nos setores de serviços, comércio e varejo, impulsionando significativamente o rápido desenvolvimento das cidades brasileiras. Entretanto, o caminho para alcançar esse status foi repleto de desafios, ilusões e desilusões, esperanças e desistências, saudades e uma inabalável determinação.
Mas o que motivou o governo brasileiro a acolher tantos imigrantes italianos e quais expectativas trouxeram um número tão expressivo deles para o vasto e distante Brasil? O território brasileiro sempre apresentou uma dicotomia marcante: de um lado, riquezas naturais abundantes, como ouro, diamantes e minerais; do outro, uma escassez extrema de mão de obra, capaz apenas de atender às necessidades básicas. Os colonizadores portugueses, que dominavam a vasta colônia, buscaram resolver esse problema trazendo milhares de escravos da África. Inicialmente, essa mão de obra escrava foi fundamental para a extração de madeira nobre e para sustentar a indústria açucareira. Posteriormente, foi empregada na criação de gado e, mais tarde ainda, na exploração das minas de ouro e diamantes. O Brasil se apresentava, assim, como um tesouro imenso que carecia de mãos para explorá-lo plenamente.
Com o advento do cultivo do café, a partir de 1840, o Brasil passou a dominar o mercado mundial. No entanto, essa prosperidade estava intrinsecamente ligada à mão de obra escrava. Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil enfrentou uma grave crise de mão de obra, uma vez que os ex-escravos não estavam mais dispostos a trabalhar para seus antigos senhores. Para um país constantemente às voltas com a escassez de mão de obra, esse foi um verdadeiro desafio. Alguns anos antes da promulgação da Lei Áurea, pela princesa Isabel, os grande produtores rurais de cana remanescentes e os cafeicultores viram no crescimento do movimento abolicionista, com a aprovação do parlamento de diversas leis que favoreciam os escravos, como Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários, começaram a pensar em utilizar trabalho assalariado em suas lavouras, o que para o Brasil era uma grande novidade na época, aproveitando o excedente de mão de obra nos países europeus que passavam por uma superpopulação e desemprego.
Diante desse cenário, o governo brasileiro vislumbrou na Itália uma possível solução para o problema. Acreditava-se que os italianos, especialmente aqueles das regiões do Vêneto que tinham preferencia, por serem pacíficos, brancos, católicos e conhecidos por sua diligência e respeito ao trabalho, poderiam suprir a demanda por trabalhadores e, ao mesmo tempo, contribuir para "clarear" uma raça considerada "muito escura" pelas autoridades imperiais. Assim, na segunda metade do século XIX, o governo brasileiro começou a promover ativamente a imigração italiana, oferecendo viagens gratuitas e promessas de terras para cultivo.
Os camponeses italianos, muitos dos quais enfrentavam condições de vida miseráveis e sem perspectivas de melhoria, viram na oferta do governo brasileiro uma oportunidade de escapar da pobreza e construir uma vida melhor para si e suas famílias. No entanto, o caminho rumo a essa nova vida foi marcado por desafios e dificuldades. Ao chegarem ao Brasil, muitos foram enviados para áreas selvagens e insalubres, onde substituíram os escravos libertos nas grandes fazendas de café.
A vida nessas fazendas e também nas colônias não foi fácil, especialmente após o entusiasmo inicial se dissipar e os imigrantes perceberem as duras realidades que teriam que enfrentar, como a falta de amparo religioso pela falta de igrejas e padres, a escassa e, em muitas áreas do Rio Grande do Sul inexistente assistência médica, a falta de educação, o isolamento e os diversos conflitos com os povos indígenas locais. Nas fazendas de café, a situação era ainda mais difícil, com exploração no preço dos alimentos fornecidos no armazém da fazenda, no preço pago pelo trabalho que muitas vezes sofriam diminuição de valores combinados, violência física, abusos sexuais e condições de vida deploráveis nos casebres a eles destinados, uma vez a senzala dos antigos escravos. Os proprietários das grandes fazendas e seus capatazes, não estavam acostumados a lidar com pessoas livres e tratavam os imigrantes italianos com brutalidade, da mesma forma como antes faziam com os indefesos escravos. Isso foi motivo de inúmeras desavenças, algumas graves, que necessitaram intervenção da polícia, como as ocorridas no interior de São Paulo.  
Apesar de todas essas adversidades, os italianos aos poucos conseguiram se estabelecer em diversos setores da economia brasileira, contribuindo para a modernização do país. A século e meio após a chegada dos primeiros imigrantes italianos ao Brasil, seu legado ainda é lembrado com afeto, admiração e reconhecimento, testemunhando a importância e a influência dessa comunidade na história e na cultura brasileira.



Lista de Imigrantes Italianos Navio Bearn 12 julho 1887



Navio Bearn

Lista de Imigrantes Italianos

Desembarque 12 julho 1887


 



terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Legado de Esperança: 150 Anos da Imigração Italiana nas Terras Brasileiras


 

A história da imigração italiana no Brasil revela um marco significativo que remonta ao desembarque, em 17 de fevereiro de 1874, do navio "La Sofia" no porto de Vitória. A bordo, 388 imigrantes italianos, recrutados pelo empresário italiano Pietro Tabacchi, desembarcaram para se integrar ao empreendimento da fazenda "Monte das Palmas", localizada em Santa Cruz. Parecia uma grande oportunidade para eles, que deixavam para trás um país recém unificado, repleto de problemas, onde o desemprego e até a fome rondava os lares nas zonas rurais. Contudo, as expectativas do grupo de uma vida melhor e prosperidade rapidamente desvaneceram, dando lugar a descontentamentos e insurgências. Diante disso, uma parte desses italianos optou por migrar para as colônias oficiais na Região Sul, enquanto outros acolheram a oferta do Governo do Espírito Santo para estabelecer-se na "Colônia Imperial de Santa Leopoldina", direcionados ao Núcleo de Timbuhy, hoje situado no município de Santa Teresa.

Nos registros do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, encontra-se uma grande quantidade de documentos que atestam este notável evento histórico. Entre estes documentos, destaca-se um ofício datado de outubro de 1874, assinalando a presença de imigrantes na área. Neste contexto, emerge um apelo por indenização apresentado por Francesco Merlo, colono que, em 28 de outubro de 1874, dirigiu-se ao Presidente da Província reivindicando o reembolso das despesas incorridas durante a jornada da Itália à Colônia de Nova Trento, totalizando 122 Fiorins, montante não ressarcido pelo contratante. Este episódio catalisou a promulgação da Lei nº 13.617, oficializando Santa Teresa como o berço da imigração italiana no Brasil.

A primeira grande leva de italianos que desembarcou no Espírito Santo foi batizada em homenagem ao empresário responsável, Pietro Tabacchi. Ele já residia na província desde os albores da década de 1850, comerciante astuto soube do interesse do governo imperial em trazer mão de obra da Europa. Ele concebeu a oferta de terras aos imigrantes, em troca do direito de explorar 3,5 mil jacarandás para exportação.

Após intensas negociações, o Ministério da Agricultura consentiu ao contrato com Tabacchi, que então enviou emissários ao Trentino, então sob domínio do império austro hungaro, para angariar famílias dispostas a emigrarem. Assim, em 3 de janeiro, às 15 horas, o navio "La Sofia" zarpou do porto de Gênova. Em 1º de março, a embarcação atracou no porto de Santa Cruz, em direção à propriedade de Tabacchi. Esta expedição marcou o início da migração em massa de camponeses italianos para o Espírito Santo, uma jornada que, porém, revelou-se repleta de decepções, com terras inexistentes e condições de alojamento precárias.

A Expedição Tabacchi inaugurou um fluxo migratório que reverberou além-fronteiras. Agora, os olhares dos agentes migratórios se voltavam para a península itálica, especialmente suas regiões norte e nordeste, de onde multidões partiram rumo a diversos destinos globais, incluindo o Brasil em números consideráveis. A recém unificada Itália deparava-se com desafios monumentais, caracterizada por altas taxas de crescimento populacional, déficit na produção agrícola, criação de novos impostos o que causou perdas de empregos no campo e uma volumosa massa de desempregados. Neste cenário, muitos não tiveram outra escolha do que arranjar uma forma de sair da Itália, tomando rumo em direção aos novos e ricos países do outro lado do oceano carentes de mão de obra. A partir de 1875, as partidas dos transatlânticos de Gênova e de outros portos europeus tornaram-se uma rotina estabelecida e milhões de italianos de norte ao sul abandonavam suas vilas em busca do pão de cada dia que a Itália não conseguia fornecer. Estas ondas de emigrantes atingiram proporções nunca antes vistas, um verdadeiro êxodo, que Deliso Villa em seu livro Storia Dimenticata, compara com a grande fuga dos judeus do Egito relatadas na bíblia.



Imigrantes Italianos Navio Lavarelo 13 julho 1887



Lista Incompleta de Imigrantes Italianos 

Embarque Porto de Gênova

Desembarque Porto de Santos 

Navio Lavarelo 


 




segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O Palio das Repúblicas Marítimas


 


No passado, as mais poderosas repúblicas marítimas italianas rivalizavam pelo controle dos mares, uma competição que não apenas beneficiou cada estado italiano, mas também enriqueceu seu conhecimento e ampliou suas rotas comerciais com mercadorias refinadas anteriormente desconhecidas. Em 1955, os representantes dessas quatro cidades se uniram para organizar a celebração desses magníficos exemplos de habilidade marítima e comercial, por meio de uma regata. As repúblicas marítimas de Amalfi, Pisa e Gênova surgem como os antagonistas mais diretos no caminho do desenvolvimento mercantil de Veneza no vasto cenário de interesses do Mediterrâneo Oriental. 

Essas cidades frequentemente se envolviam em conflitos armados, caracterizados por uma rivalidade acirrada, especialmente com Gênova, que se manteve como rival de Veneza por mais tempo após o declínio de Amalfi e Pisa. Amalfi antecedeu a Sereníssima nos mercados orientais, especialmente com os sarracenos, com quem enfrentou duras batalhas para estabelecer uma série de privilégios comerciais invejados por outras repúblicas marinhas. A rivalidade entre Amalfi e Veneza era evidente principalmente nas transações nos portos da Ásia Menor, especialmente com Constantinopla, onde Amalfi possuía, desde o século XII, seu próprio cais e bairro, próximo ao dos venezianos.

Além disso, a pequena república se orgulha de ter produzido a "tabula amalfitana", a primeira codificação das leis marítimas que despertaram grande interesse no campo do direito comercial. No entanto, no século XIII, o poder de Amalfi começou a declinar devido à luta incansável de Pisa, que levou a rivalidade ao extremo.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A História da Imigração Italiana no Paraná



A colonização do Paraná teve início em 1816 com a chegada dos colonos açorianos a Rio Negro, marcando um começo gradual na formação de núcleos coloniais. Até 1853, apenas três colônias haviam sido estabelecidas, acolhendo um total de 420 imigrantes. Até 1864, apenas mais duas colônias foram fundadas. Desde os primeiros momentos de sua autonomia política e administrativa, os líderes paranaenses buscaram uma política de imigração adaptada às suas necessidades. Ao contrário de outras regiões do Império, onde a imigração visava suprir a falta de mão de obra na agricultura de exportação, no Paraná, priorizava-se a agricultura de subsistência.
Este cenário, contudo, persistiu, e apenas com colonos trabalhadores e respeitosos habitando suas vastas e férteis terras, a abundância de alimentos e o excesso de produção reviveriam o comércio de exportação agrícola. Os governantes provinciais subsequentes buscaram implementar planos de colonização com base na criação de colônias agrícolas próximas a centros urbanos.
Entre as décadas de 1830 e 1860, imigrantes alemães estabeleceram-se nos arredores de Curitiba, especialmente nas partes norte, noroeste e nordeste da cidade, contribuindo para um notável crescimento demográfico. Observando o sucesso da colonização nas áreas circundantes, novos projetos foram concebidos para intensificar a colonização do planalto de Curitiba, do litoral e de outras regiões do Paraná. A partir de 1870, esse programa foi intensificado, especialmente durante a administração de Lamenha Lins, seguindo a tendência nacional de reativar a imigração.
A década de 1870 marcou o início da imigração italiana no Paraná. Os governos provinciais geralmente delegavam a colonização a empresas privadas, que traziam imigrantes por meio de concessões de terras acessíveis. Em 1871, um contrato entre o Governo da Província do Paraná e o empresário italiano Savino Tripoti planejou o estabelecimento de imigrantes italianos no litoral.
O primeiro grupo de colonos chegou ao porto de Paranaguá em fevereiro de 1875, estabelecendo-se em Alexandra, mas a colonização enfrentou dificuldades devido às condições climáticas e deficiências administrativas. Para acomodar os colonos, o Governo Provincial criou a Colônia Nova Itália em 1877, com sede em Morretes, qual também teve vida breve devido a má administração do empreendimento e desentendimentos do empresário com o governo da província.
As experiências negativas em Alexandra e Nova Itália desestimulou a colonização no litoral, levando muitos imigrantes a se mudarem para o planalto. Nos anos seguintes, mais italianos se estabeleceram no Paraná, especialmente em Curitiba. A maioria era originária das regiões do Vêneto e do Trentino. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma retomada do processo migratório, com italianos contribuindo para o desenvolvimento industrial da região.



Brasileiros de Origem Italiana no Exército da Itália: Uma História na Primeira Guerra Mundial



Há um capítulo pouco explorado na história: a contribuição de brasileiros na Primeira Guerra Mundial. Aproximadamente 12 mil jovens de diferentes regiões do Brasil, atravessaram o Atlântico para lutar usando o uniforme do exército italiano. No ano de 1914, enquanto o mundo mergulhava nas trevas da Primeira Guerra Mundial, uma história pouco conhecida se desenrolava nos recantos mais remotos do Brasil. Entre as colinas verdejantes do centro do nosso país, nas cidades quentes e empoeiradas do sertão nordestino e nas tranquilas colônias italianas do sul, ressoavam distantes os chamados para a guerra.

Entre os brasileiros de origem italiana, uma decisão corajosa e ousada se delineava. Cerca de 12 mil jovens, impelidos pela promessa de aventura e heroísmo, decidiram partir das terras tropicais do Brasil para os campos de batalha congelados da Europa. Deixando para trás suas famílias e amores, eles embarcaram em uma jornada incerta, determinados a se juntarem ao conflito que varria o continente.

Entre esses jovens, estava Luca, um modesto agricultor das profundezas de Minas Gerais, cujo coração ardia com o desejo de servir à sua pátria de origem, mesmo que isso significasse lutar em terras estrangeiras. Com uma coragem inabalável, ele vestiu a farda do exército italiano e marchou em direção ao desconhecido, determinado a deixar sua marca na história.

Ao lado de Luca, estava Giovanni, um jovem italiano destemido do interior do Rio Grande do Sul, terra colonizada por milhares de seus compatriotas, desde o final do século XIX, cujas habilidades de combate rivalizavam com sua determinação. Ele carregava consigo a memória de sua terra natal, onde as cores vibrantes do Brasil se misturavam com as tradições italianas de sua família. Nas trincheiras, ele lutava não apenas pela vitória, mas pela honra de sua herança.

A guerra, no entanto, não era apenas feita de bravura e glória. Nas crateras encharcadas de lama e sangue, os brasileiros de origem italiana enfrentavam o horror e a brutalidade do combate. Testemunhavam a carnificina dos campos de batalha, onde a morte espreitava a cada esquina e a camaradagem era a única luz na escuridão.

Durante anos, Luca e Giovanni enfrentaram os horrores da guerra, lidando com o fogo inimigo e a incerteza do amanhã. Suas histórias se entrelaçavam com as de milhares de outros brasileiros, cujas vidas foram sacrificadas no altar da guerra. Alguns retornaram para casa, marcados pela tragédia e pela perda, enquanto outros permaneceram para sempre nas terras estrangeiras onde lutaram e caíram.

Mas, apesar das feridas físicas e emocionais, o legado desses heróis brasileiros de origem italiana permanece vivo nas páginas esquecidas da história. Suas histórias de coragem e sacrifício são um tributo à resiliência do espírito humano e um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a esperança e a solidariedade podem prevalecer.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A Estrutura Constitucional da Sereníssima

 


A República Sereníssima de Veneza ilustrou uma extraordinária longevidade, estabilidade e desenvolvimento por mais de quinhentos anos, atribuindo-se a sua decadência principalmente a fatores externos. O Doge, figura central tanto administrativa quanto militar, detinha o poder do Estado e da soberania territorial, porém suas ações estavam sujeitas à aprovação do Conselho dos Dieci, ou Conselho Menor, criado em 1033 com dois conselheiros, aumentando para seis em 1179. Este conselho era composto por seis patrícios, cada um representando um sestiere por um ano. O Conselho dos Dieci, presidido pelo Doge e seus seis conselheiros, representava uma magistratura poderosa, composta por dez senadores eleitos pelo Grande Conselho ou Conselho Maior. Todos os nobres do sexo masculino com mais de vinte e cinco anos faziam parte deste corpo, não havendo eleições diretas. Os Capitães do Conselho Maior eram sorteados mensalmente e responsáveis por abrir as correspondências destinadas ao Conselho, além de convocá-lo em datas fixas ou em casos de urgência. Foi sob a liderança desses dez senadores que se instituiu o Tribunal Secreto dos Inquisidores do Estado, composto por três magistrados, dois eleitos entre os dez e um entre os Conselheiros do Doge. Com o passar do tempo, este órgão se tornou progressivamente influente, expandindo suas atribuições para abranger possíveis crimes relacionados à impiedade e delitos contra o Estado, além de interferir em questões políticas, especialmente visando indivíduos desfavorecidos pelos aristocratas. Esta observação é corroborada por Casanova em suas memórias, durante sua detenção nos Piombi, onde ele comenta: "A singularidade das ações do Tribunal reside no fato de que ninguém conhece suas motivações: o segredo é a essência desta formidável magistratura, apesar de sua inconstitucionalidade, sendo considerada essencial para a preservação do bem público."

O Conselho Maior, anualmente eleito, nomeava diversas magistraturas e conselhos, que em conjunto compunham o Senado. Este órgão elegia três Comissões de Sábios, que juntamente com outros magistrados formavam o Colégio Excelentíssimo, composto por vinte e quatro patrícios, incluindo o Doge, seis conselheiros, os três líderes da Quarantia Criminal, os seis Grandes Sábios, os cinco Sábios da Terraferma e os cinco Sábios das Ordens. A participação de não aristocratas era prevista em todas as reuniões do Senado, sob a presidência do Doge e do Conselho Menor, com a assistência dos secretários da chancelaria ducal e de seu chefe, todos não pertencentes à nobreza.

Os "barnabotti", nobres em declínio financeiro que tentavam vender seus votos para melhorar suas condições econômicas, foram um elemento disruptivo e, ao mesmo tempo, um estímulo para as instituições dogais. Estes indivíduos buscavam contatos com nobres em posição de destaque, oferecendo seu voto como moeda de troca para uma melhoria de suas condições.

O respeito à legalidade era assegurado pela Avogaria do Dogado (advocacia), uma vez que o poder do Chefe de Estado, dos vários Conselhos e magistraturas, residia no Conselho Maior. Assim, a estrutura constitucional do Estado Veneziano evidenciava claramente sua natureza oligárquica, embora as múltiplas instâncias de poder público, as interferências entre as principais magistraturas e a rotatividade de cargos dentro das estruturas constitucionais servissem como uma salvaguarda contra abusos de poder e personalização do governo. Esta constituição extraordinária confiava o poder a indivíduos considerados capazes, que, apesar de controlarem as competências e habilidades, não detinham poderes de longo prazo.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A Emigração Europeia para os EUA no Século XIX: Motivos, Mudanças e Impactos

 



A grande migração em massa da Europa para os Estados Unidos no século XIX teve como origem a grande crise agrária dos anos 1870 que afetou mais de 5 milhões de pessoas e foi em grande parte individual e masculina. O objetivo era buscar trabalho nos prósperos setores industriais americanos, muito mais desenvolvidos do que os europeus. As condições de origem dos migrantes europeus não eram tão críticas a ponto de obrigá-los a partir, tanto que a maioria se adaptou às condições de vida oferecidas em seu continente ou, no máximo, recorreu à migração interna.
O início da possibilidade de emigração para as Américas foi impulsionado pelo progresso naval na segunda metade do século XIX, com navios de casco metálico e cada vez maiores, o que reduziu tanto o custo, antes impraticável para um emigrante pobre, quanto a periculosidade da viagem. A data simbólica do início da emigração italiana para as Américas pode ser considerada 4 de outubro de 1852, quando foi fundada em Gênova a Companhia Transatlântica para a navegação a vapor com as Américas, cujo principal acionista era Vittorio Emanuele II da Sardenha. Esta companhia encomendou aos estaleiros navais de Blackwall os grandes navios a vapor gêmeos Genova, lançado em 12 de abril de 1856, e Torino, lançado em 21 de maio seguinte.
Neste período, ocorreram várias mudanças na migração transatlântica, com caráter social, laboral e comportamental. Houve uma transição da migração de famílias inteiras para a de indivíduos isolados, da migração para o estabelecimento rural para o trabalho nos setores industriais e, por fim, da emigração definitiva para uma emigração temporária, com uma espécie de "trabalho pendular" transatlântico. Essas tendências foram reforçadas pelas novas contratações de trabalho do tipo urbano-industrial nos EUA. Além disso, na Europa, havia a ideia difundida de uma maior liberdade e oportunidade de realização pessoal, bem como melhores chances de casamento no Novo Mundo. O século XIX ainda via vivo o sonho de muitos de conquistar riquezas nas terras americanas, para depois reinvesti-las ao retornar à pátria. No entanto, a migração de retorno foi escassa porque enfrentava altos custos e condições difíceis de viagem transatlântica, além de ser viável apenas se a migração fosse individual e não envolvesse o grupo familiar como um todo.
A emigração europeia para os Estados Unidos foi desigual, pois tinha diferentes objetivos e muitas vezes consistia em uma emigração individual com o propósito final de retorno à Europa depois de juntar algumas economias.



domingo, 18 de fevereiro de 2024

Sobrenomes Friulanos: Uma Jornada Pelas Raízes Familiares de Trieste





sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Sobre o Oceano


 


Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileo, ligado ao cais por uma pequena ponte móvel, continuava a receber miséria: uma procissão interminável de pessoas que saíam em grupos do prédio em frente, onde um delegado da polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, encolhida como cães pelas ruas de Gênova, estava cansada e sonolenta. Operários, camponeses, mulheres com bebês no colo, garotos com a placa de leite do jardim de infância ainda presa ao peito, passavam, carregando quase todos uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacos e bolsas de todas as formas nas mãos ou na cabeça, carregados de colchões e cobertores, e o bilhete com o número do beliche apertado entre os lábios.

As pobres mulheres que tinham uma criança em cada mão seguravam seus volumosos fardos com os dentes; as velhas camponesas de tamancos, levantando as saias para não tropeçar nos trilhos da ponte, mostravam as pernas nuas e magras; muitos estavam descalços, e carregavam os sapatos pendurados no pescoço. De vez em quando, passavam entre essa miséria senhores vestidos com elegantes sobretudos, padres, senhoras com grandes chapéus emplumados, segurando na mão um cachorrinho, um porta-chapéus ou um feixe de romances franceses ilustrados, da antiga edição Lévy. Em seguida, subitamente, a procissão humana era interrompida, e avançava sob uma tempestade de golpes e palavrões um bando de bois e carneiros, que, ao chegarem a bordo, desviavam para cá e para lá, assustando-se, misturando os mugidos e balidos com os relinchos dos cavalos na proa, com os gritos dos marinheiros e estivadores, com o estrondo ensurdecedor da grua a vapor, que levantava no ar pilhas de malas e caixas. Depois disso, a procissão dos emigrantes recomeçava: rostos e roupas de todas as partes da Itália, trabalhadores robustos com olhos tristes, velhos desgastados e sujos, mulheres grávidas, moças alegres, jovens brilhantes, camponeses de mangas arregaçadas, e rapazes atrás de rapazes, que, mal pisavam no convés, no meio daquela confusão de passageiros, garçons, oficiais, funcionários da Companhia e guardas alfandegários, ficavam atônitos ou se moviam como em uma praça lotada. Duas horas depois de começar o embarque, o grande navio a vapor, sempre imóvel como um enorme cetáceo mordendo a costa, sugava ainda mais sangue italiano.

À medida que subiam, os emigrantes passavam por uma mesa onde estava sentado o oficial Comissário; ele os agrupava em conjuntos de meia dúzia, chamados "ranci", registrando os nomes em uma folha impressa, que entregava ao passageiro mais velho para que fosse com ele buscar a comida na cozinha, na hora das refeições. As famílias com menos de seis pessoas se inscreviam com um conhecido ou com o primeiro que aparecesse; e durante esse trabalho de inscrição, um forte medo de serem enganados na contagem das cotas e dos beliches para os rapazes e crianças, uma desconfiança invencível que qualquer homem com uma caneta na mão e um registro à sua frente inspira ao camponês, transparecia em todos. Surgiam disputas, ouviam-se lamentos e protestos. Depois, as famílias se separavam: os homens de um lado, as mulheres e crianças do outro, eram conduzidos aos seus dormitórios. E era piedoso ver aquelas mulheres descerem penosamente as escadas íngremes e avançarem tateando para esses dormitórios amplos e baixos, entre as inúmeras camas dispostas em andares como os camarotes de um teatro. 


Continua


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Sobrenomes Italianos Famosos do Mundo da Moda




Albini
Armani
Bernocchi
Cavalli
Cucinelli
D'Amico
Dolce (Dolce & Gabbana)
Fendi
Ferdinandi
Ferragamo
Ferré
Ferretti
Fiorucci
Fontana
Gabbana (Dolce & Gabbana)
Gucci
Jardini (Moschino)
Mandeli (Krizia)
Moschino
Prada
Pucci
Ricci
Rossi
Sarli
Schiaparelli
Tacchini
Tofani
Tosi
Garavani
Valentino
Versace