segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A Grande Emigração Italiana e as Companhias de Navegação

Porto do Rio de Janeiro na época do Império
 



As companhias de navegação que transportavam os emigrantes para os países americanos tinham seus agentes espalhados por toda a Itália. Visitavam regularmente os mais recônditos canto do país angariando interessados em emigrar para a América.
 
O interesse dessas empresas em difundir o mito da América foi muito grande e nem sempre verdadeiro, criando falsas expectativas naqueles desesperados. 

Os milhões de europeus que atravessaram o oceano em poucas décadas representavam para as companhias de navegação, tanto as grandes como as pequenas, a possibilidade de lucros elevados em muito pouco tempo em relação aos outros investimentos.

Em 1900, os investimentos das companhias marítimas europeias já atingiam um valor muito alto: 118 milhões de dólares. Eram investimentos que compensavam. O custo do bilhete era em média cerca de 150 liras para embarque na maioria de navios e 190 liras para aqueles melhores, valor esse que correspondia em 1904 a 100 dias úteis de trabalho de um pequeno agricultor.

Um dos motivos, que explica o crescente número de emigrantes partindo para os países americanos e a lotação excessiva de navios, foi a redução do custo da passagem marítima.

No caso do Brasil também veio a influir o fato do subsídio da passagem dado pelo governo imperial brasileiro e também individualmente pelos fazendeiros de café, interessados na mão de obra italiana.

Tonelada humana ou Navios de Lázaro são as duas denominações usadas pela imprensa italiana da época, referindo-se à essas precárias embarcações que transportavam milhares de emigrantes para os países americanos.
 
Cerca de 2.000 pessoas, homens, mulheres e crianças de todas as idades, quase sempre eram amontoados nos escuros e fétidos porões dos navios, enquanto a capacidade real de cada embarcação seria de 600 a no máximo 1.000 passageiros. Não havia limites de capacidade, e também não se respeitavam os controles das autoridades do porto, tudo ficava a critério dos proprietários das companhias de navegação e dos capitães dos navios.



O Bilhete de Viagem


Os preços das cabines de primeira e segunda classe foram calculados de forma que o dinheiro pago pelos emigrantes automaticamente se tornasse puro lucro. Ou seja o valor pago pelos passageiros das duas melhores classes, pagava todas as despesas da viagem e o restante, terceira classe, era lucro.
 
Em 1897 uma acusação contra os armadores foi apresentada na Câmara dos Deputados da Itália, denunciando a exploração dos emigrantes, argumentando, entre outras coisas, que os "navios utilizados para o transporte dos emigrantes eram muito antigos, tinham uma velocidade muito lenta, levando em média 30 dias de viagem, tinham uma higiene precária, eram construídos com técnicas já ultrapassadas, .... ".

Mesmo que naqueles anos a técnica de transporte tenha se desenvolvido consideravelmente, a emigração se beneficiou apenas de forma reduzida dessas inovações, especialmente porque os navios ditos mistos, a vela e vapor eram todas carcaças inúteis que continuavam a ser usados ​​para o transporte de emigrantes...

O inspetor do porto de Gênova, Nicola Malnate, observou em 1898 que o transporte de emigrantes ocorria nos mesmos navios que eram usados ​​para o tráfico de escravos, com velocidade de 8 milhas e menos de dois metros cúbicos de ar na terça classe de passageiros contra os 2.5 prescritos. "O cheiro vindo dos porões pelas escotilhas era tanto que não podíamos imaginar que fosse humano."
Casos de acidentes nesses vapores eram mais que frequentes, tanto que em pouco tempo eles passaram a ser definidos como "navios da morte". 

O "Matteo Bruzzo" fez uma viagem que durou três meses, afundando centenas de cadáveres durante o trajeto. No navio a vapor "Carlo Raggio", que partiu em 18 de dezembro de 1888 com 1.851 passageiros de terceira classe, teve 18 mortes vítimas da fome. Neste mesmo vapor em uma outra viagem, em 1896, aconteceram 200 mortes por uma epidemia de cólera.
 
As companhias de navegação criaram uma densa rede de agentes em toda a Itália para atrair candidatos à emigração. Abusos, mentiras, especulações e golpes estão na ordem do dia. 

Os agentes das companhias eram muito ativos: havia muita gente querendo deixar a Itália e as comissões que os armadores pagavam por cada passagem vendida eram muito altos. Em muitos casos, os próprios agentes adiantavam o dinheiro da passagem, para os mais desafortunados, a uma alta taxa de juros.

Depois de repetidas denúncias sobre a ilegalidade em que as empresas de navegação operavam, o governo italiano se viu obrigado a distribuir uma série de livretos para alertar os emigrantes. Alertava que "A transportadora é proibida de pedir aos passageiros qualquer valor além do preço da passagem e, em caso de infração, pagar o dobro do preço da passagem ou compensar os danos".


A Chegada


Quando o vapor atracava, qualquer que fosse o porto de destino, os emigrantes rapidamente começavam a perceber que haviam chegado à América real, como ela era de verdade e não como eles haviam sonhado ou descrita pelos agentes de viagem.

As novas imagens que encheram seus olhos e mentes encontraram pouca confirmação nas pesadas formalidades burocráticas a que foram submetidos, principalmente para aqueles que foram para os Estados Unidos, no grande centro de recepção em Ellis Island, em Nova York.
 
Para aqueles emigrantes que vieram para o Brasil meridional, principalmente para o Rio Grande do Sul, o maior choque, além das enormes distâncias percorridas, foi sem dúvida a visão da exuberante floresta, quase impenetrável, com suas árvores colossais jamais vistas por eles e da qual saíam os mais variados ruídos, desconhecidos, até mesmo ameaçadores dos animais selvagens, que tanto apavoraram os primeiros imigrantes. Os gritos dos grandes bandos de bugios muito assustaram os imigrantes no Rio Grande do Sul.
 
Bem ligeiro perceberam eles que tinham sido enganados por promessas nem sempre verdadeiras e que a tão sonhada "cucagna" estava bem mais distante do que pensavam e que para alcançá-la teriam que trabalhar muito.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS