quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Imigração Italiana e o Lazareto da Ilha Grande



O Lazareto da Ilha Grande funcionou como hospital de quarentena até 1913. A sua criação se deveu ao temor do Império do Brasil que a onda de epidemia de cólera que assolava diversos países europeus chegasse aos portos brasileiros. O sistema de quarentena foi inicialmente adotado para combater a disseminação das doenças epidêmicas na então sede da corte portuguesa na América. Durante o período de sua construção, foi previsto pelas autoridades de saúde que a “quarentena quando necessária seria feita no sítio da Boa Viagem, devendo ali serem ancoradas as embarcações impedidas pelos oficiais da saúde”. Também nesse mesmo decreto foi previsto que os navios que  transportavam escravos cumprissem o período de quarentena no ancoradouro da Ilha do Bom Jesus. Mais tarde, em meados do século XIX, as autoridades imperiais criaram provisoriamente, na enseada de Jurujuba, um lazareto flutuante estabelecido num navio, para quarentena da febre amarela, cólera-morbo e a peste do Oriente. Mas isso ainda não era suficiente e foi nomeada uma comissão para definir um local mais apropriado para a construção do lazareto e assim decidiram pela enseada do Abraão, na Ilha Grande, no litoral do estado do Rio de Janeiro, que possuía inúmeras vantagens, como o clima favorável e  espaço suficiente para mais de um ancoradouro, além de terrenos disponíveis para edificação de diversos edifícios, permitindo a realização da desinfecção das bagagens, do isolamento dos internos, dos serviços administrativos. 




No último quarto do século XIX o governo imperial fez erigir um edifício apropriado para receber os passageiros doentes ou suspeitos de cólera, procedentes da Europa. Ali eles poderiam ser alojados por um período de quarentena a fim de impedir a propagação do cólera através do porto do Rio de Janeiro. A esse edifício se deu o nome de lazareto, cujas obras foram concluídas em fevereiro de 1886. As embarcações provenientes de portos onde já haviam se manifestado casos de cólera e os navios em que haviam sido notificados casos a bordo, deviam ser recebidas no Brasil somente após passarem por um período de quarentena no Lazareto de Ilha Grande. O desembarque dos passageiros e cargas era obrigatório, sendo as embarcações detidas durante o período necessário para a sua desinfecção. O isolamento dos passageiros era feito seguindo o mesmo critério de classes a que estavam sujeitos quando embarcados, para continuarem recebendo durante o período da quarentena, os mesmos privilégios. Para tanto foram construídos pavilhões para receber separadamente os passageiros da primeira, segunda e terceira classes. Para tanto os edifícios foram construídos distantes uns dos outros, mas, que pudessem ser vigiados o tempo todo. 



Resumo

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS




sábado, 26 de dezembro de 2020

Roma Antiga

A loba que aleita Romulus e Remus em um alto relevo proveniente de Klagenfurt
Segundo a lenda os dois gêmeos foram abandonados na corrente do rio Tibre mas este os depositou aos pés do Monte Palatino e a uma loba os alimentou. Se acredita que Romulus fundou Roma em 21 de Abril de 753 a. C.


AS ORIGENS E A MONARQUIA

Entre os povos presentes na Itália no primeiro milênio a.C. estavam os Latinos, que viviam na área da região do Lazio dos dias de hoje. Provavelmente foram eles  que fundaram Roma, passando de uma vila ao sul do rio Tibre, localizada em uma posição que permitia o controle da produção de sal da região.  Graças a essa extração, Roma se desenvolveu até se tornar uma cidade no século VII.

Nos primeiros séculos de sua história (ou seja, de 753 a 509 a.C.) Roma era uma monarquia, na qual o rei, escolhido entre as principais famílias possuidoras de terras, governava a cidade juntamente com uma assembléia (chamada Senado) formado pelos homens das famílias mais importantes. 
Nesse período monárquico, o território controlado por Roma era  limitado a uma pequena área ao redor do rio Tibre.


Tarquinius, o Soberbo, o último rei de Roma
Segundo a lenda Tarquínio, era etrusco

Na sociedade romana, existiam duas classes sociais: a nobreza, formada pelos proprietários de terras, que então eram chamados de patrícios, e o povo, constituído por camponeses, artesãos e comerciantes, chamados de plebeus. Somente os patrícios podiam fazer parte do Senado, enquanto que os plebeus eram excluídos de qualquer poder político.



Retrato em bronze do início do século III a.C., chamado "Bruto Capitolino", representando certamente um patrício


Relevo representando uma oficina de pedreiros. Os artesãos faziam parte do povo romano e suas oficinas estavam espalhadas por toda a cidade



A REPÚBLICA

No final do século VI a.C., a monarquia foi substituída por uma nova forma de governo, a chamada república, palavra derivada do latim "res publica" ou seja assuntos públicos, na qual o governo da cidade era dividido por uma série de magistrados, eleitos pelos cidadãos para assumir cargos públicos, ou as magistraturas. 
Os magistrados eram diferentes e numerosos: cada um se ocupava de tarefas específicas, como a construção de obras públicas, os julgamentos daqueles que infringiam a lei e assim por diante. Eles permaneciam no cargo por apenas um ano.  Os magistrados mais importantes eram os cônsules, lideraram o exército, mas tinham amplos poderes também em tempos de paz. 


Laje de mármore em que os romanos gravavam os nomes dos cônsules eleitos cada ano


No governo da cidade, os cônsules trabalhavam ao lado do Senado, do qual podiam fazer parte desde que tivessem anteriormente exercido cargos públicos. Por muitas décadas, esses deveriam ser patrícios.
Havia também outras assembléias de cidadãos, os chamados comícios, que eram formados por patrícios e plebeus, mas, como o voto dos nobres importava mais do que o povo, os plebeus tiveram pouca influência nas decisões que foram tomadas e a república romana permaneceu assim rigorosamente aristocrática.

Entre os séculos V e IV, os plebeus conseguiram enfim, de forma gradual, assumir alguns poderes políticos, obtidos através de grandes protestos que punham em perigo toda a cidade.
No início do século V, conseguiram a criação de uma nova magistratura, a dos tribunos da plebe, a qual tinha a tarefa de defender os interesses dos plebeus. 
Por volta de 450 a. C. conseguiram que as leis passassem a ser escritas. 



Reconstrução de uma das XII Tabelas, no início em madeira, nas quais eram  escritas
as primeiras leis romanas

Cerca do ano 400 a.C. os plebeus obtiveram acesso a algumas magistraturas e, portanto, passaram a fazer parte do Senado. Em 367 a.C. os plebeus conseguiram o direito de poder se tornarem cônsules.
Aos pouco, durante muitos anos os plebeus conseguiram limitar o poder dos patrícios, mas nunca fizeram de Roma uma cidade democrática. Uma nova nobreza fase formou, constituída pelos patrícios e plebeus, que conseguiram enriquecer e comprar terras, mas a grande parte do povo sempre foi excluída da administração do poder.


Tiberio Sempronio e Gaius Sempronio Gracco eram dois irmãos famosos,
ambos  tribunos eleitos pela plebe, no final do século II a.C. 
aqui são representados em 1853, uma obra de Jean-Baptiste-Claude-Eugène Guillaume


Nos 5 séculos da história republicana, Roma experimentou um forte desenvolvimento, determinado pelo seu desejo de expandir e conquistar novas terras, o que só se concretizou através de guerras.


Placa funerária do centurião Tito Calidio Severo, representando o equipamento militar
dos centuriões, os oficiais encarregados de comandar uma centúria  o departamento militare formado por 100 soldados, elas eram a espinha dorsal do exército romano

A primeira fase de expansão romana foi dirigida contra a própria península, lutando primeiro contra os etruscos, depois contra tribos italianas, em particular os Samnita e depois  contra os gregos do sul da península.  Roma, por volta de 270 a.C. já dominava quase todo o território da atual Itália, dos Montes Apeninos até o Estreito de Messina. 

Guerreiro Itálico 

Guerreiros Samnita

A segunda fase Roma se caracterizou pela invasão da colônia fenícia de Cartago, no norte da África, mediante três guerras, as chamadas guerras púnicas. À partir de então Roma passou a controlar todo o Mediterrâneo ocidental,  compreendendo a Sicília, Sardenha, Córsega, as costas da Espanha e o noroeste da África.


Batalha de Aníbal e Cipião, em Zama, gravura de 1567, de Cornelis Cort, baseada em um desenho de Raffaello Sanzio. 
A batalha de Zama ocorreu em 202 a.C. e marcou a derrota definitiva do general cartaginês Hannibal. Este e seu oponente romano Scipione, são considerados entre os líderes militares mais brilhantes da história

Com a terceira fase, ocorrida entre os séculos II e I a.C., Roma ampliou seus domínios no Mediterrâneo oriental, da Macedônia à Pontus, na península da Anatólia e no Egito, e ao norte da Itália setentrional até a Gália, as atuais França e Bélgica.


Baixo relevo no mausoléu dos Julius, em Saint-Remy-de-Provence, século I a.C.
representando uma batalha entre gauleses e romanos

A quarta e última fase, entre os séculos I e II d.C. levou Roma à novas conquistas, a Bretanha, Mauritânia, no norte da África e algumas áreas no Oriente Próximo e Europa Oriental, essas conquistas foram ditadas principalmente pela necessidade de consolidar e defender o grande império de povos que ameaçavam as suas fronteiras.




Detalhe da Coluna de Trajano, monumento do início do século II d.C., erguido em Roma para celebrar a conquista da Dacia, região entre a atual Romênia e a Moldávia, pelo imperador Trajano). Na representação vemos Trajano, sentado, discutindo com seus oficiais, enquanto os legionários romanos, mais à direita, iniciavam sua marcha, equipados com suas armaduras, capacetes, escudos e as espadas




O IMPÉRIO

O nascimento do Império Romano foi precedido por uma série de guerras civis, travadas pelas duas facções formados na Roma republicana, todas elas visando o expansionismo:

- por um lado, o partido aristocrático, formado pela nobreza senatorial, que queria defender seus privilégios e era contra qualquer mudança política

- do outro, o partido popular, formado por cavaleiros com apoio da plebe, que exigiam maior poder político e uma série de transformações econômicas. 

As tensões entre os dois grupos já haviam antes causado confrontos violentos. No século I a.C. alguns generais ambiciosos aproveitaram a situação para impor seu poder pessoal, contando com o apoio do partido aristocrático, mas, também em outras ocasiões com o do partido popular. Assim, durante este século, as guerras entre Mario, plebeu e a nobre Silla se continuaram depois entre Pompeo, que era apoiado pelo Senado,  com Cesar e finalmente entre Otaviano e Marco Antonio. 

Mario, Silla, Cesar e Pompeo 

A derrota de Marco Antonio (aliado da rainha do Egito, Cleópatra) na batalha de Actium no ano 31 a.C. deixou Otaviano como o único patrão de Roma. Em 27 a.C. o Senado concedeu-lhe o título de Augusto e essa data tradicionalmente marca o nascimento do Império. Desde então até o século V d.C. Roma voltou a ser uma monarquia, desta vez de tipo imperial, e que tinha domínio sobre um vasto território. 

O Império Romano no período de seu máximo esplendor 

Augusto, nas vestes de pontífice máximo, maior cargo religioso romano

Augusto com a lorica, a característica armadura dos comandantes militares


A organização de um império assim grande, certamente, não foi tarefa nada fácil. Simplificando, podemos dizer que o território foi dividido em províncias, cada uma das quais dependendo de um governador. Os habitantes das províncias pagavam tributo à Roma: algumas populações foram submetidas às leis romanas, outras, especialmente aquelas no leste, mantiveram certa autonomia administrativa, desde que não entrassem em conflito com os interesses do Império. 



Escultura representando um oficial de cobrança de impostos que conta moedas,
 enquanto outro verifica as listas de pagadores nos registros em pergaminho


Todo o poder que não tinha limites estava nas mãos do imperador e somente uma conspiração ou um levante militar poderiam pôr fim ao domínio dos imperadores, os quais eram particularmente cruéis e mal vistos, como exemplo Calígula (41 d.C.), Nero (68 d.C.) e Domiciano (96 d.C.).

Calígula - Nero e Domiciano


O poder imperial era muitas vezes transmitido por herança, ou seja, na morte de um imperador era sucedido por um filho ou parente mais próximo; outras vezes os imperadores escolhiam como herdeiro não um parente, mas sim uma pessoa que consideravam ter condições adequadas para ocupar esse cargo de tanto poder; outras vezes ainda, os imperadores e seus herdeiros eram assassinados e o novo imperador vinha a ser escolhido pelo Senado (assembléia que continuou a existir mesmo após a criação do Império) ou pelos pretorianos (guarda pessoal do imperador) ou ainda pelo exército. A partir do terceiro século d.C. a violência tornou-se o meio usual para se chegar ao trono imperial.

Pretorianos 


Foi no terceiro século que começou um período de crises para o império, devido a causas externas e internas.
Entre as causas externas, a principal foi o início dos ataques contra Roma de outros Povos, pelos romanos denominados bárbaros, que viviam do outro lado das fronteiras do império. Essas invasões ocorreram na Mesopotâmia, Anatólia, Gália e na própria península italiana.
As causas internas incluíram conflitos e tumultos de regiões inteiras do império, que resultou em guerras civis ou, que em alguns casos, levou muitas delas à conseguir a independência.
Outro elemento que colaborou para essa crise foi a situação por que passavam as legiões romanas daquele tempo, pois a mínima parte delas, eram constituídas por cidadãos romanos (como era no período republicano), a maioria dos legiões se compunha por soldados mercenários, especialmente formada por recrutados provenientes das tribos germânicas, que se alistavam por dinheiro, mas, sem patriotismo estavam sempre prontos para se colocar ao serviço daqueles que mais pagavam.

Legionários em batalha


Com as guerras e as consequentes destruições chegaram a fome e as epidemias, as quais favoreceram a um declínio da população, que por sua vez causava uma maior crise econômica, pela diminuição da produção de alimentos e enfraquecimento do comércio.
A crise marcou substancialmente a história do Império Romano pelo espaço de dois séculos, com períodos de alguma recuperação, alternados com outros de declínio. 
Para enfrentar e reprimir esses ataques vindos de fora, que ocorriam em várias frentes, se fazia necessária  a presença nesses locais do próprio imperador, pois ele era também o comandante supremo das legiões. Às vezes o imperador enviava  seu representante, para regiões distintas, muitas vezes bastante distantes de Roma. 
No ano de 286 d. C. o imperador Diocleciano dividiu o império de duas partes, o Império Oriental e o Ocidental, designando para governa-los dois imperadores, os quais tinham o título de Augusto. Cada um deles estava auxiliado por um príncipe, aos quais receberam o título de César, estes destinados a se tornarem seus legítimos sucessores. A esses quatro mandatários foi dado o nome de tetrarcas.

Estas estátuas de pórfiro, esculpidas no IV século d.C., estão localizadas do lado esquerdo do portão principal, na entrada da Basílica de São Marcos, em Veneza, é são comumente interpretados como os quatro primeiros tetrarcas romanos, ou seja, os Augustos Diocleciano e Maximiano que abraçam os Césares Galério e Costanzo Cloro


Quando Constantino se tornou imperador no ano 306, a divisão do império em dois foi abolida, mas, logo no ano de 395, ocasião da morte  do imperador Teodósio, foi definitivamente restabelecida. À partir de então, havia dois impérios romanos:

1 - Império do Ocidente, que naquele tempo era o menos rico devido à presença de imensos latifúndios que dificultavam o  desenvolvimento da agricultura e também mais fraco devido aos inúmeros contrastes sociais internos entre cristãos e pagãos;

2- Império do Oriente, também chamado de bizantino, que indicava o antigo empório grego, no qual o imperador havia fundado a cidade de Constantinopla, escolhendo-a como a nova capital do império. Nesta o poder imperial e as  atividades econômicas eram muito mais estáveis ​​e desenvolvidas, portanto bem mais rico.
Os dois impérios tiveram destinos diferentes.



O Arco de Constantino em Roma foi construído para homenagear a vitória do imperador Constantino contra Maxêncio, que se auto proclamou imperador


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Vida e Obra do Padre Colbacchini no Brasil

“Os mais fracos não emigram, não navegam nos mares, deixando para trás a pátria e a família, os mais medrosos, mas, em geral, aqueles para quem a vida é uma batalha e a alma é forte o suficiente para lutar mesmo em condições mais difíceis”.


Padre Pietro Colbacchini nasceu em Bassano del Grappa, comune da província de Vicenza, na região do Vêneto, em 11 de setembro de 1845. Entrou para a ordem dos jesuítas, em Verona, e no final do ano de 1863 iniciou o noviciado, o qual, por motivos de doença, não viria a concluir. No entanto, essa passagem pela ordem dos jesuítas, a companhia de Jesus, marcou a sua atuação junto aos imigrantes, consolidando vários aspectos da sua personalidade empreendedora, independente e autoritária.  Concluiu seus estudos no seminário diocesano de Vicenza e foi ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1869, com a idade de 23 anos. Trabalhou como pároco até 1883, quando passou a se dedicar exclusivamente como missionário apostólico. Tinha em mente o Brasil, onde milhares de italianos estavam emigrando e necessitavam de sacerdotes. Isso se depreende das suas tentativas de arregimentar outros sacerdotes da diocese de Vicenza para essa missão e na sua carta ao padre Domenico Mantese, então pároco de Poinela: 

"Nel Paranà le colonie sono libere indipendenti. Dietro mio impulso in tutte le colonie stansi costruendo le Chiese; sono composte di italiani quasi tutti della nostra diocesi e delle limitrofe, tutta gente che sente molto della religione e che sofre molto della privazione del sacerdote. [...] Voglia far il favore di interrogare o per iscritto o meglio in persona i seguenti sacerdote che pur so avrebbero disposizioni per la S. opera: D. Antonio Catelan Parroco di Lovertino, D. Pietro Micheli Curato a S. Vito di Bassano, D. Angelo Quarzo pur di Bassano ed altri che conoscete del caso. Il Signore la pagherà di tutto".

"No Paraná as colônias são livres e independentes. Depois do meu impulso se estão construindo igrejas em todas as colônias; são compostas de italianos quase todos da nossa diocese ou de seus limítrofes, gente que sente muito a falta da religião e que sofre muito por estarem sem um sacerdote. [...] Me faça o favor de interrogar ou por escrito ou melhor se pessoalmente os seguintes sacerdotes que também sei teriam disposição para esta santa obra: pe. Antonio Catelan pároco de Lovertino, pe. Pietro Micheli, cura de San Vito di Bassano, pe. Angelo Quarzo também de Bassano e outros se for o caso. O Senhor lhe pagará por tudo".

Carta do Padre Pietro Colbacchini enviada ao Monsenhor Spolverini, internúncio apostólico, representante da Santa Sé no Brasil

"Nel mese di Maggio de 1884 mi ritrovava in Feltre a predicare in quella Cattedrale. Un buon Sacerdote di Campo di Quero, località vicina, venne a mostrarmi diverse lettere che egli aveva ricevuto dai suoi compaesani che si ritrovavano nelle Province di Rio Grande e S. Caterina del Brasile, che lo eccitavano vivamente a portarsi a dar n cui si versavano di perdere la loro fede. Da molti anni io aspirava alla missione italiana nel Brasile, ma da una le difficoltà che prevedeva, mi facevano sospendere di realizzare il mio desiderio, e le continue occupazioni di missioni in Italia mi togli  scuotermi, a togliermi ogni dubbio a decidirmi di andare, ed al più presto". 

"No mês de maio de 1884, eu me encontrava em Feltre, pregando na catedral local. Um bondoso sacerdote de Campo di Quero, localidade vizinha, veio até mim apresentando-me diversas cartas recebidas de seus conterrâneos dispersos nas províncias brasileiras do Rio Grande e de Santa Catarina, os quais lhes pediam insistentemente que fosse até eles para lhes dar o auxílio de seu ministério. Cortaram-me o coração os lamentos que, nessas cartas, faziam sobre o abandono em que jaziam tantos desventurados italianos, e o perigo em que se encontravam de perder a fé. Havia muitos anos que eu aspirava à missão italiana no Brasil, contudo, as dificuldades presentes me levaram a suspender a realização desse projeto, e as contínuas ocupações com missões na Itália me tomavam o tempo e as preocupações. As cartas conseguiram sacudir-me e tirar-me qualquer dúvida, e decidi partir o mais rápido possível". 






O Padre Pietro Colbacchini chegou ao Brasil e se dirigiu ao estado de São Paulo para assumir a assistência religiosa aos imigrantes italianos de uma colônia, no interior, perto de onde hoje está o município de Jundiaí, predominantemente composta de emigrantes procedentes de Mantova. As dificuldades encontradas pelos missionários se relacionavam também ao tipo de colonização. Nessa colônia tentou exercer o seu ministério durante um ano e meio, sem conseguir realizar o seu desejo. No caso das fazendas de café de São Paulo, a assistência religiosa dependia muitas vezes da permissão dos proprietários das fazendas, que não raras vezes colocavam vários empecilhos à presença dos padres. Essas dificuldades encontradas foram destacadas pelo padre Pietro Colbachini em sua primeira experiência na colônia de mantovanos, em Monserrate, perto de Jundiaí. Em carta endereçada ao padre Mantese com data de 28 de fevereiro de 1887, Colbachini sublinhou os maiores problemas enfrentados, que se relacionavam principalmente a ignorância dos colonos, a precariedade dos alojamentos, a alimentação disponível e as dificuldades com os proprietários das fazendas. 
Carta de Colbacchini ao padre Mantese datada de 28 de fevereiro de 1887.

"Passei lá um ano e meio com muito incômodo de minha parte, pois quer com relação ao alojamento quer com relação à alimentação tinha apenas as coisas necessárias, e desvia passar a vida entre essas pessoas rudes e cabeçudas como são os mantovanos. Em relação às colônias de fora (todas elas visitadas por mim de três em três meses) deviam fazer bem à força, com exceção de duas incluídas não sentiam prazer pela minha obra. Vivia numa situação precária que não podia continuar. Não podia constituir uma verdadeira obrigação adequada a necessidade de tantas pessoas porque devia depender do capricho dos patrões, os quais não tinham em sua maior parte outra religião senão a do dinheiro. Gostavam que seus colonos fossem religiosos a fim de que não roubassem, mas por outro lado, viam com desagrado o pouco tempo do trabalho que perdiam para ir à igreja". 

Tendo em vista as dificuldades para implementar seu projeto pastoral no interior da Província de São Paulo, o padre Colbachini solicitou a sua transferência para a Província do Paraná, por já saber que lá seria muito mais favorável aos seus planos do que nas fazendas paulistas. Também para o Paraná tinham imigrado muitos de seus conterrâneos. 

Nos estados do sul do país, como o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, os imigrantes italianos, que ali foram assentados, viviam em condições bem diversas daqueles de São Paulo, o que, por um lado favorecia as atividades missionárias. Como estavam organizados em colônias de pequenos proprietários, em um modelo que muito se assemelhava a organização do mundo rural italiano, seria mais fácil para os sacerdotes organizarem o atendimento espiritual entre os colonos porque não haveria a interferência direta dos fazendeiros e também amenizariam as disputas com o clero local pelo direito de estola.

O Padre Pietro Colbachini ao chegar a Província do Paraná se instalou na Colônia Dantas, hoje o conhecido bairro da Água Verde, na capital Curitiba. Foi hospedado durante os primeiros meses por Antonio Bonato, também natural de Bassano del Grappa.  Depois de algum tempo, no Natal de 1887, passou a morar na nova casa paroquial construída pelos imigrantes italianos do local. A igreja da Água Verde, construída pelo seu incentivo e da qual foi o arquiteto, o mestre de obras e o decorador, foi inaugurada em 29 de junho de 1888 e logo em seguida, por decreto do bispo, foi declarada a sede da colônias italianas. A grande festa da inauguração, que durou três dias, contou com a presença de 2.000 imigrantes italianos, conforme as estimativas do próprio padre Colbacchini em correspondência para o seu superior Monsenhor Scalabrini contando sobre a recente inauguração:

Domingo, portanto, 20 corr., Com uma procissão devota de cerca de 2.000 pessoas, grande parte em uniforme de camisas e mantos, e um grupo de crianças, sendo os homens em 80, e as mulheres em 90, os primeiros em jalecos brancos e manto celeste e crucifixo na mão, o segundo vestido de branco, com véu celeste e guirlandas de flores na cabeça, saímos da velha igreja com as pinturas (muito grandes e belas) da Via Crucis, e fomos para a nova igreja, que é distante 500 metros. Aí, no meio do disparo dos fogos de artifício, procedi à benção simples (...) e à aspersão da água benta interna e externamente, acompanhada pela procissão, com o canto do Magnificat. Depois à benção da cruz e das pinturas, e a ereção canônica da Via Crucis, encerrando a função com um discurso na ocasião. Na segunda-feira, missa pela manhã com discurso, na igreja velha, e à noite a mesma procissão com o transporte da imagem de São José (estátua de Paris, linda , alta 2 metros), que, após a bênção, as vésperas e o sermão, foi colocado em seu nicho acima do altar-mor. Na terça-feira a mesma função para o transporte da bela estátua da Madonna; e na quarta-feira para o de S. Luigi. Quinta-feira, às 9 horas da noite, procissão habitual para o transporte dos SS. Sacramento. A avenida do trajeto era adornada com numerosos arcos de flores de folhas perenes, e iluminada por balões de várias cores; quase todos os que compareceram à procissão (mais de 2.000 pessoas) carregavam uma vela acesa nas mãos; o silêncio, a escuridão, a devoção, a harmonia das canções, os disparos dos fogos de artifício e, sobretudo, ao entrar na igreja, o eco alegre das vozes argentinas de tantos jovens que ressoavam nas altas abóbadas do novo templo, encheu a todos de emoção viva. Depois de um discurso, as matutinas foram cantadas; então outro discurso; então a primeira missa foi cantada".

A igreja foi dedicada ao Sagrado Coração, como era de costume do padre Colbachini, determinado a fazer todo o possível para difundir esta devoção juntamente com a da Eucaristia. 

A presença italiana no Paraná era já significativa na  década de 1870, quando sob a iniciativa do governador Adolpho Lamenha Lins foram criadas diversas colônias governamentais e algumas particulares na capital e região. Com  relação aos italianos, as primeiras experiências de colonização, foram realizadas no litoral, próximo da cidade e porto de Paranaguá. Entretanto, muitas dificuldades de adaptação  dos imigrantes italianos levaram ao abandono dessa empreitada. A insalubridade do clima, a falta de conhecimento e de orientação para superar as doenças tropicais, as diversas pragas da lavoura e, principalmente, a ausência de mercados consumidores próximos para escoar as safras são apenas alguns dos problemas enfrentados. Também, os colonos foram instalados sem a mínima técnica para que pudessem progredir, tanto por parte do governo, quanto da parte das empresas que promoviam e organizavam a colonização. O próprio padre Pietro Colbachini, depois de ter visitado as colônias do litoral e visto o estado deplorável no qual se encontravam seus conterrâneos, começou a fazer campanha contra a instalação de novos imigrantes no litoral paranaense.

Em carta do missionário italiano para os seus superiores, datada de 1892, ele descreveu as precárias condições daqueles colonos que viviam no litoral paranaense, no período de 1875 e 1877. Entre outros tantos problemas, Colbacchini destacava no relatório principalmente as doenças que acometiam os imigrantes causadas pelos insetos. Assim descreveu a situação dos imigrantes que viviam nas Colônias Alexandra (Alessandra) e Nova Itália, ambas no litoral paranaense:

"...Durante o dia os trabalhos eram insuportáveis devido o calor excessivo e por enxames de mosquitos que fazem inchar as partes descobertas das pessoas e produzem fortes incômodos; à noite outra espécie do mesmo rompe o sono e sangra os pobres imigrantes. Entre a carne e a pele as picadas de um outro verme, que assume no seu desenvolvimento a grossura de um feijão, e que vem injetado por uma mosca cor de ouro (berne). Nos pés, especialmente nas extremidades e no calcanhar, coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, produzidas por outro inseto (bicho de pé) que nidifica e incuba, e se desenvolve como uma pequena pulga. As crianças e os velhos são os mais susceptíveis a esta grave enfermidade, que não respeita, todavia, idade e sexo ou condição das pessoas. A isto acrescento as consequências produzidas diretamente pelo clima, isto é, tontura, enfraquecimento dos membros, falta de apetite, desânimo, preguiça e tédio da vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que vivem no litoral do Paraná".

Diante do fracasso de instalar colônias no litoral, especialmente as Colônias Alessandra e Nova Itália, o governo investiu na colonização das regiões próximas a capital paranaense que apresentavam condições (climáticas, sanitárias e territoriais) mais favoráveis ao desenvolvimento econômico dos imigrantes, que na sua maioria eram agricultores. É justamente nessas colônias que se deu a atuação do referido sacerdote. Quando Colbachini chegou ao Paraná, após receber vários pedidos dos próprios colonos que desejavam um padre que os atendesse na sua língua, encontrou uma série de dificuldades para regularizar o atendimento espiritual. As longas distâncias entre as colônias que as vezes chegavam a mais de 50 quilômetros, o fato de estar sozinho na missão e também por conta de algumas colônias serem mistas ou estarem em meio à população de origem luso brasileira, estas eram apenas algumas das dificuldades por ele apontadas. 

O padre Colbachini num primeiro momento não conseguiu a autorização para criar uma paróquia com jurisdição só para os imigrantes italianos, assim começou a tratar com a Vigaria Geral Forense do Paraná conseguindo a autorização para criar uma Capelania Curada. Em questões de jurisdição territorial os bispos brasileiros de então evitavam entrar em conflito com seus respectivos párocos porque se tratavam de paróquias com grandes dimensões territoriais, temiam a perda de controle e, sobretudo, os emolumentos vindos das celebrações dos sacramentos (batismos e casamentos), o que levou o Monsenhor Scalabrini a solicitar a intervenção da Santa Sé para regularizar o atendimento religioso entre os imigrantes. Conforme escreveu em seu relatório sobre seus cinco primeiros anos de missão entre os colonos italianos: 

"Minha missão não poderia ser entendida por quem não conhecia outro ministério sacerdotal senão o de casar e batizar, atos que aqui importam em razão do recolhimento de não pouco dinheiro". 

Desde seu estabelecimento em São Paulo,  o padre Colbachini não economizou críticas ao catolicismo brasileiro, bem como a atuação de padres e bispos. Em carta ao seu superior Monsenhor Scalabrini, com data de 10 de março de 1888, quando já havia solicitado a abertura da Capelania ao bispo de São Paulo, podemos perceber o tom de crítica em relação ao clero brasileiro: 

“O Vigário Geral daqui foi promovido à Secretário do Bispo, cargo muito almejado, e veio substituído por outro de que espero saberá o escopo da nossa missão e virá nos auxiliar. Porém não posso fazer muita conta de ajuda daqui, como são todos aqui, não consideram a obra do sacerdote mais que um bom meio para viver. Nem mais, nem menos se pode considerar que os párocos são como empregados governamentais para os livros civis de movimento da população. A missa a rezam quando lhes agradam ou não tem empenho, e quase tudo a fazem em 10 minutos ou pouco mais. Para confessar, nem os moribundos. De 100 que morrem 99 sem sacramentos, na cidade e fora. A propósito, neste momento estou esperando que me venham a pedir assistência a uma moribunda brasileira que mora duas léguas daqui. Dos padres brasileiros nem se vai notificar o caso porque se sabe que nenhum se move.”

As críticas de Colbachini ao clero brasileiro se davam em vários sentidos: a superficialidade teológica, a falta de instrução, o descaso para com os fiéis e também os comportamentos considerados “imorais” de alguns clérigos que mantinham concubinas junto a casa paroquial e não faziam nenhuma questão de esconder seus filhos ilegítimos. Criticava também aqueles padres que toleravam o concubinato entre a população local, pois preferiam aceitar essa condição a abrir mão do pagamento das taxas. Também o fato de permitirem a publicação dos proclamas sem a devida averiguação dos impedimentos de consanguinidade e afinidade. Não raras vezes, escreve o sacerdote, quando tinha jurisdição para atender também os brasileiros, os dispensava do pagamento aqueles que não podiam pagar as taxas paroquiais o que gerava a indignação do clero nativo. Com as suas frequentes queixas e críticas ao clero brasileiro e por seu caráter bastante intransigente, feroz defensor do ultramontanismo, Colbachini passou a atrair diversos inimigos tanto clérigos como leigos. 

Em agosto de 1888, foram enviados ao Paraná dois sacerdotes, Domenico Mantese e Giuseppe Molinari, que não se adaptaram trabalhar com Colbacchini e foram mandados para os Estados Unidos, onde o primeiro veio a falecer logo depois de chegar. Além desses dois sacerdotes, Colbacchini ainda contava com o auxílio do padre Francisco Bonato, sacerdote secular italiano que entre 1887 e 1895 atuou entre os colonos italianos de Timbituva (atual Campo Largo), colônia na qual, alguns parentes seus imigrados haviam ido morar.

Vários foram os conflitos que padre Colbacchini precisou enfrentar para desempenhar o seu trabalho pastoral. Figura controversa comprometido com a defesa da moralização do catolicismo e no combate a determinadas práticas que reinavam na sociedade luso brasileira na qual os imigrantes italianos acabavam por se adequar. De formação ascética (era um jesuíta) Colbachini foi particularmente rígido com relação ao lazer, combateu com veemência as bebedeiras, os bailes, as festas, a frequência às vendas, censurou as vestimentas femininas e combatia a blasfêmia que comumente encontrava entre seus conterrâneos. Também criticou abertamente os liberais, os maçons, protestantes e espíritas e em alguns casos interferiu em questões pessoais ou familiares dos locais onde prestava atendimento. No ano de 1888 quase foi morto na Colônia de Alfredo Chaves (atual município de Colombo) por conta da mediação do padre em uma questão familiar. Uma jovem brasileira de 16 anos teria solicitado sua ajuda contra seu companheiro (um imigrante calabrês) que a teria raptado e a mantinha em um relacionamento forçado havia seis meses. Colbachini teria devolvido a jovem a sua mãe. Quando o homem retornou de suas atividades, não encontrando a jovem e sabendo da intervenção do padre jurou vingança. Oito meses depois o homem tentou cumprir suas ameaças, mas, Colbachini conseguiu escapar e foi à polícia denunciá-lo. Semanas depois novamente o padre é ameaçado e o episódio só chega ao fim com um acordo entre ambos mediante a intervenção do chefe de polícia. No ano seguinte, em Paranaguá, sofreu novas ameaças e um atentado de morte. Desta vez as ameaças vieram de outro sujeito pelo fato do padre ter confessado sua mulher. Em duas ocasiões Colbachini se viu novamente em perigo. Da primeira, sofreu uma agressão física e foi salvo pelos colonos que se encontravam por perto, e da segunda, sofreu ameaças dentro da igreja onde celebrava a missa. Diante do ocorrido informou o delegado de polícia de Paranaguá solicitando escolta durante os dias em que pregava na cidade. As críticas de Colbachini não se limitaram ao clero nativo ou aos costumes e comportamentos da população luso-brasileira, atacou com veemência os italianos de cunho liberal e anarquista que viviam no Paraná, mais especificamente em Curitiba. As batalhas travadas na Itália entre liberais e católicos ultra montanos do período da unificação política também se reproduziam nas áreas de imigração. Em Curitiba, no mesmo contexto que estava sendo implantada a missão escalabriniana, por iniciativa de alguns italianos que viviam na cidade foi criada uma sociedade de beneficência intitulada Giuseppe Garibaldi, com o objetivo de fundar uma escola italiana. Tal iniciativa que tinha por objetivo instruir as crianças ítalo-brasileiras, mas também com conotações nacionalistas, que inclusive recebia ajuda do governo italiano, foi atacada por Colbachini que a acusava de maçônica

Nota-se o confronto entre a visão do Estado italiano que defendia o ideal de italianidade pautada em elementos nacionais e aquela da Igreja que defendia a manutenção das práticas religiosas como fundamental para a preservação da identidade étnica. Tal conflito extremamente polvoroso na Itália pós unificação também fazia eco nas áreas de imigração.

Em carta ao Mons. Spolverini, Internúncio apostólico da Santa Sede no Rio de Janeiro, datada de 24 de Maio 1888, o padre Colbachini escreve sobre os conflitos enfrentados em Curitiba. Sobre as críticas e as ameaças dos liberais italianos residentes na cidade bem como dos anticlericais e maçons. Fala das perseguições que sofria de todos os lados, especialmente do ex-agente consular Ernesto Guita que em discurso público o qualificava como ave noctívaga perigosa a Curitiba. Fala dos vários artigos nos jornais e que ao fim foi imposto à Guaita de suportar a perda do posto oficial que ocupava. Escreveu o padre Colbacchini:

"Aqui e acolá são muitos os me querem morto, ou porque afastou a concubina ou porque avisou a polícia das turbulências que inquietavam certas Colônias. Eu temo só a Deus e prossigo no meu caminho" 

As dificuldades para implementar a missão no Paraná eram muitas vezes associada a presença dos liberais ao qual ele associava a maçonaria. De fato, o final do século XIX assinala um período de crise do catolicismo luso-brasileiro tendo em vista a afirmação da mentalidade liberal, sobretudo, nos centros urbanos, bem como a decadência da sociedade patriarcal escravocrata. Também é um período de crescimento do movimento anticlerical. Tal premissa pode ser encontrada em diversos das cartas de Colbachini como esta escrita ao seu companheiro de missão Francisco Bonato em 10 de maio de 1888:

“Vós dizeis que Curitiba não é uma Zurique protestante, pois eu digo que é bem pior, é uma Nínive ateia e pagã. Em Zurique, a educação do povo, faz que sejam respeitadas as opiniões, aqui a ignorância e a maçonaria acreditam de ter o direito de ridicularizar de tudo e de todos. A Vossa presença não se dirá nada e nem se mostrará sinal de desprezo, mas depois nos círculos e nos negócios se usa como pretexto para ridicularizar o nosso ministério”. 

Os conflitos entre Colbachini e os liberais novamente vem à tona no contexto da Revolução Federalista que entre 1893 e 1894 também atingiu o Paraná. A presença de seus rivais também foi engrossada por conta da vinda de imigrantes portadores das ideias anarquistas oriundos da fracassada experiência da Colônia Cecília. O clima se tornou bastante tenso quando o referido sacerdote passou a discursar nas colônias contra o envolvimento dos imigrantes no conflito, inclusive chegou a facilitar a fuga de 60 imigrantes que já estavam arregimentados. No início de 1894 sofreu perseguições lideradas por alguns italianos hostis a sua presença e ao seu poder de liderança entre os italianos, e que participavam do conflito. Tendo feito oposição rígida à incorporação dos colonos nas tropas do exército, onde já haviam se instalado diversos liberais, Colbachini foi hostilizado fortemente, sendo jurado de morte. 

Em carta ao bispo de Piacenza, Mons. Scalabrini, datada de 28.04.1894, o padre Colbacchini descreveu a situação de perigo pelo qual passou:

"Na noite de 17 de fevereiro por obra de um indigno italiano, banido da Itália, coronel das forças revolucionárias, homem perverso, foram assaltar a minha residência de Água Verde e de Santa Felicidade, no intento de matar-me, porque eu desencorajava os italianos de alistar-se sob as bandeiras de qualquer patife que se era dado a revolução por ter modo de formar uma orda de assassinos. Os primeiros a atirar-se foram 50 italianos anárquicos de Curitiba, gente fugida da justiça italiana e que estava esperando momento para me depreciar e fazer-me as piores coisas. Dois meses tive que viver escondido em bosques pantanosos defendido de gente armada. As buscas dos mercenários para alcançar-me foram contínuas, mas não alcançaram seu fim. Agradeço a Deus de ter-me salvado de tantos riscos e comigo de ter salvado todos estes colonos que não tiveram de sofre quase nenhum dano em oposição das colônias polonesas e mesmo de seus autóctones que sofreram enormes danos".

Das perseguições sofridas no Paraná no período da Revolução Federalista, o sacerdote retorna a sua cidade natal, Bassano del Grappa, na Itália em 1894, onde mesmo a distância continua a influenciar os rumos da atuação scalabriniana na região. De fato, a missão escalabriniana é interrompida temporariamente porque o único sacerdote que permanece atendendo as colônias, padre Francisco Bonato, não chegou a ingressar na Ordem criada pelo bispo de Piacenza. O próprio Colbachini, não era favorável a entrada deste, devido aos desentendimentos que com ele tivera. Em 1895, chegaram os dois novos missionários scalabrianos enviados pelo bispo de Piacenza, padres Francesco Brescianini e Faustino Consoni, sendo que o primeiro passaria a chefiar a organização religiosa, que nesse mesmo ano teve sua sede transferida para o núcleo de Santa Felicidade. A capelania passou a contar com dois centros, um na Água Verde outro em Santa Felicidade e ainda com o padre Francisco Bonato que continuou a trabalhar no atendimento dos colonos de Campo Largo e posteriormente de Colombo. 

Pietro Colbachini permaneceu na Itália até 1896 onde aderiu definitivamente à ordem dos padres missionários. Durante sua permanência na Itália escreve o livro Guida Spirituale per L’Emigrato Italiano nella America, que foi o resultado de um concurso promovido pelo bispo de Piacenza. A obra tinha como objetivo se constituir em um manual de comportamento e conduta moral para os imigrantes no caso de ausência de sacerdotes. No mesmo ano de 1896 retorna ao Brasil, desta vez vai para o Rio Grande do Sul, onde fundou a colônia de Nova Bassano, que posteriormente se transformaria em cidade. Continuou com seu posicionamento rígido e intransigente, o que por sua vez gerou novos atritos. Em 1901 já com sua saúde debilitada vem a falecer em 30 de janeiro de 1901 em Nova Bassano, Rio Grande do Sul.


Resumo XXVII Simpósio Nacional de História 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS











sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A Imigração e as Epidemias no Porto do Rio de Janeiro

 

Hospedaria da Ilha das Flores no Rio de Janeiro


Com o aumento da corrente imigratória nos últimos anos do século XIX, o encontro entre populações de diversas partes da Europa, propiciava o recrudescimento de epidemias, mais dramáticas principalmente nos momentos de embarques e desembarque de passageiros nos portos. 
A chegada do vapor de imigrantes italianos Carlo R. (Raggio) ao porto do Rio de Janeiro, em setembro de 1893, com vários passageiros doentes de cólera, em um momento em que o continente europeu estava vivenciando uma grande epidemia desta moléstia, foi um fato que marcou a vida de milhares de imigrantes italianos.

Entre os meses de agosto e setembro de 1893, quase seis mil imigrantes italianos tiveram os seus destinos alterados. Nesse ano, ao se aproximarem do Porto do Rio de Janeiro, quatro vapores italianos com cerca de 1500 imigrantes cada um, após um mês de viagem, tiveram que retornar para seus portos de embarque na Itália, abortando assim o sonho de indivíduos e famílias que deixavam sua pátria em busca de uma vida melhor deste outro lado do oceano. Atravessar o grande mar para “fazer a América” como então os imigrantes diziam, necessitava de muita preparação, planejamento, algum dinheiro, passagens, coragem, saúde e documentos, uma quantidade enorme de papéis que crescia a cada dia: passaporte, visto de entrada e saída dos portos de escala, certificado de vacinação, certificado de inspeção médica, certificado de antecedentes penais, etc.

A partir do mês de abril de 1893, começam a chegar os relatos preocupantes enviados pelas representações diplomáticas brasileiras no exterior, informando sobre as condições sanitárias nos diversos portos europeus atingidos por epidemia de cólera. As embarcações procedentes desses locais, ou que tivessem apresentado algum caso a bordo, passaram então a ser recebidas nos portos brasileiros somente após passarem por tratamento sanitário, como desinfecção da embarcação, das bagagens, das roupas e objetos pessoais dos passageiros, no Lazareto da Ilha Grande, para onde deveriam se dirigir antes de pisarem em terra firme


Bombas para a desinfecção dos navios


O governo brasileiro, ainda como medida preventiva, suspendeu temporariamente a corrente imigratória, recusando os imigrantes transportados em vapores saídos da Itália e da Espanha depois de 16 de agosto de 1893. Também todos os portos franceses e africanos do Mediterrâneo foram declarados infectados. 

Foi imposta a quarentena para navios com passageiros infectados ou suspeitos de cólera e só no começo do ano de 1894 a situação se normalizou, sendo liberada a corrente imigratória de locais livres da epidemiaDentre as medidas profiláticas, o “torna-viagem”, retorno ao porto de embarque, era utilizado em casos extremos, quando havia uma grande quantidade de doentes e mortos a bordo. Infelizmente, esse foi o caso dos quatro vapores que adentraram o porto do Rio de Janeiro entre os meses de agosto e setembro de 1893. 


Lazareto da Ilha Grande

O paquete Remo, que havia saído de Gênova no dia 15 de agosto, foi declarado como “infectado” no dia 16, tocando o porto de Nápoles dia 17. Suas condições sanitárias eram muito ruins e estava com excesso de passageiros, eram 1494 pessoas aglomeradas. Três passageiros já haviam morrido e, ao chegar no ancoradouro do Lazareto da Ilha Grande, outros três se encontravam acometidos da doença. O Remo não foi admitido “à livre prática nos portos do Brasil”, ou seja, foi proibido de entrar no Brasil e teve que voltar para o seu porto de partida, depois de receber os “socorros necessários”. No seu retorno, mais de 60 pessoas foram atacadas pelo flagelo. Conforme informações do consulado brasileiro em Barcelona, acreditava-se que o cólera havia chegado à Espanha junto com o navio italiano quando este voltava do Brasil, pois a epidemia começara a grassar em Tenerife depois de sua passagem pelo porto local. 

O vapor Andréa Doria chegou à Ilha Grande em 12 de setembro e havia zarpado de Nápoles na data do aviso proibitivo da entrada de imigrantes no Brasil – 16 de agosto. Os passageiros se encontravam amontoados e em péssimas condições de higiene e asseio, tendo ocorrido durante a viagem 91 casos fatais de cólera. Como existiam ainda muitos outros doentes à sua chegada, foi ordenado que voltasse ao porto de origem.

O vapor Vincenzo Florio chegou à Ilha Grande no dia 16 de setembro, em condições idênticas às do vapor Remo. Mesmo após a sua chegada, pessoas continuaram a adoecer, tendo também que fazer a viagem de volta ao porto de origem, sem que os passageiros pudessem desembarcar.

O vapor Carlo R. partiu de Gênova em 27 de julho. Em Nápoles recebeu 1.300 emigrantes, saindo deste porto no dia 29 em direção ao Rio de Janeiro. O primeiro óbito a bordo se deu no dia 31. O comandante, ao invés de retroceder a viagem para o lazareto de Nápoles, onde os doentes poderiam ter recebido tratamento adequado, continuou a viagem, informando às autoridades brasileiras que os casos não eram de cólera mas de um tipo de gastroenterite. Por mais de vinte dias de viagem, pessoas continuaram morrendo, atacadas pelo cólera. Como o vapor era pequeno, não havia local para isolar os doentes. Ao chegar no Lazareto da Ilha Grande, dia 24 de agosto, havia mais de 100 mortos a bordo e era possível que tivesse ainda um número considerável de doentes, todos em péssimas condições de asseio, pois “exalava um cheiro fétido”. Nos relatórios ministeriais e documentos oficiais, o que ocorreu aos quatro navios é relatado de forma bem sucinta. No entanto, nem mesmo a frieza dos relatórios conseguiu anular completamente a dimensão da tragédia que se deu a bordo do Carlo R. Quem os escreveu deixou escapar certo incômodo com a situação, incômodo esse que abateu não só autoridades mas toda a sociedade carioca, durante os fatídicos dias em que o vapor permaneceu nas águas da capital da República. 

O Carlo R. foi mais um dos navios que foram impedidos de entrar em águas brasileiras, durante este período, por causa do cólera. No entanto, a quantidade de pessoas, doentes e mortos a bordo; a incapacidade das autoridades brasileiras em resolver a questão; a falta de infraestrutura das instituições sanitárias; os problemas diplomáticos gerados e a própria tragicidade do episódio provocaram mais celeuma do que de costume. O caso foi bastante noticiado pela imprensa carioca, e diariamente o drama daqueles pobres imigrantes italianos foi acompanhado pelos principais jornais cariocas, desde sua chegada ao porto até o triste desfecho. É através das notícia vinculadas na imprensa que podemos compreender a dimensão deste episódio para todos os envolvidos, imigrantes, autoridades, comunidade médica e população. 

Dentre os quatro navios que chegaram no mesmo período, o caso do vapor italiano Carlo R. foi sem dúvida o mais dramático, o que gerou mais discussões entre autoridades de saúde pública e o que chamou mais a atenção da imprensa. No dia 29 de agosto de 1893, o Jornal do Commercio publicou a nota a seguir: 

Ontem à noite recebemos a seguinte carta: o rebocador Victoria, conduzindo carvão de pedra, víveres, medicamentos e mais socorros ao vapor italiano Carlo R., só partiu ontem desta capital, às 2h e 20 min. da tarde, com destino à Ilha Grande. Naturalmente o rebocador só chegará à noite e poderá ele suprir de tudo aquele vapor, que se acha na enseada das Palmas desde a noite do dia 24 (...) que tem mortos alguns dos coléricos, sendo os seus cadáveres atirados ao mar. Ora, vamos ver qual será o resultado de ter havido tanta demora da permanência do referido vapor naquela enseada. Oxalá que os cadáveres dos coléricos não dêem à costa.

Era unanimidade entre a população, autoridades e imprensa que o vapor deveria deixar águas brasileiras o mais rápido possível, permanecendo incomunicável, ou seja, ninguém poderia embarcar ou desembarcar, mesmo não sendo esta medida nada humanitária. O terror que a moléstia causava era imenso, conhecia-se o seu poder letal e de contágio, pois em menos de um ano ela assolara portos europeus, asiáticos e africanos.

Quando o Carlo R. saiu de Nápoles, no dia 29 de julho, este porto ainda não era considerado foco de uma epidemia. O aviso que proibia a entrada de navios de portos infectados ou suspeitos de cólera no Brasil datava de 16 de agosto. Sendo assim, quando este aviso foi publicado, o vapor ainda se encontrava em alto-mar. Autoridades consulares brasileiras remetiam continuamente por telégrafo notícias sobre a situação sanitária de portos e cidades no exterior. Além disso, era obrigatório ao comandante, de acordo com as regulamentações portuárias internacionais da época, enviar informações de bordo aos portos de escala e de destino. Assim, logo se soube oficialmente da chegada de quatro navios, vindos de portos europeus infeccionados e com doentes a bordo.

O comandante do Carlo R. seguiu todas prescrições, enviou informação sobre a existência de uma moléstia a bordo, fez a notificação, mas o tempo todo afirmava que os casos eram de diarréia normal, gastroenterite, e não de cólera. Essa omissão, mentira, descaso ou engano custou centenas de vidas.

Como o vapor chegou de porto infectado e com doentes a bordo, de acordo com a regulamentação portuária nacional, foi proibido de atracar no Porto do Rio de Janeiro, sendo direcionado para o Lazareto da Ilha Grande, na enseada do Abraão. No lazareto, o vapor seria desinfectado, os passageiros saudáveis ficariam em quarentena e os doentes seriam recolhidos para o hospital de isolamento ou ficariam para tratamento no próprio lazareto.

No entanto, o Carlo R. trazia mais de 1400 imigrantes, tendo falecido 109 deles durante a viagem. Ainda existiam doentes a bordo e “eram esperados mais 3 ou 4 vapores com imigrantes da Itália” talvez na mesma situação. Para agravar a situação, o Lazareto da Ilha Grande não estava preparado para receber tal quantidade de doentes e pessoas para quarentena. Por isso, logo que o navio chegou à enseada do Abraão e soube-se que havia cólera a bordo, foi dada ordem para que ele fosse fundeado à distância de “três milhas”, cerca de cinco quilômetros da costa, onde ficou ancorado e impedido de se comunicar com terra. A questão ficou tão grave, que de acordo com um aviso publicado na imprensa, o próprio vice-presidente da República, Floriano Peixoto, em plena Revolta da Armadaenviou telegramas à Ilha Grande, ordenando que o vapor fosse intimado a sair de águas nacionais e que não fosse permitido que navios, procedentes da Itália e trazendo imigrantes, atracassem e se comunicassem com terra. O mesmo aviso foi encaminhado também a autoridades nos estados. Um cruzador, o República, e um rebocador, o Lamego, pertencentes à Marinha brasileira, tiveram que ser deslocados para comboiar o Carlo R. até a Ilha Grande, a poucos dias da explosão da Segunda Revolta da Armada, em 6 de setembro de 1893, nas águas da Guanabara. Isto demonstra a particularidade do caso e o terror que a presença do navio com surto de cólera causou à população e às autoridades, enquanto esteve ancorado próximo ao porto do Rio.

Ao chegar à Ilha Grande, o diretor do lazareto - como era de rotina - quando o vapor adentrou o ancoradouro, foi imediatamente interrogar o comandante. Mesmo à grande distância, ficou “desagradavelmente impressionado com o cheiro nauseabundo que partia do ponto em que se achava o vapor”. Desconfiado não só pela constatação deste fato, mas também por causa do aspecto doentio dos passageiros e tripulação, perguntou ao comandante se havia cólera a bordo. Foi-lhe respondido que apenas havia casos de “colerina grave”, mas que tinham morrido mais de 100 passageiros. O diretor então deu ordem para que o navio seguisse em direção à enseada de Palmas, longe do lazareto, onde ficaria inteiramente isolado e vigiado pelo cruzador República, que levava a bordo um médico ajudante do lazareto. 

O diretor do lazareto ficou à espera da chegada do Ministro do Interior, Fernando Lobo, e do Inspetor Geral de Saúde dos Portos, José da Silveira, que haviam enviado um aviso, informando que estavam a caminho. Mas um temporal atrasou a chegada, de forma que só conseguiram adentrar a ilha no dia seguinte. Quando as autoridades chegaram, dia 25 de agosto, foi resolvido que o navio não seria recebido, “ministrando-se tudo aquilo de que tivesse necessidade a bordo”. A pedido do comandante foram enviadas 100 toneladas de carvão, 15 bois vivos, farinha de trigo, legumes, frutas, grande quantidade de desinfetante, medicamentos e principalmente “láudano, um preparado de ópio com efeito sedativo”. O material foi enviado no dia 28, em um grande saveiro rebocado pelo Victória. O rebocador acompanhou depois o saveiro até o lazareto para este ser entregue ao diretor do estabelecimento. Do lazareto, o saveiro foi levado para a enseada de Palmas, onde permaneceu, para que a tripulação do Carlo R. pudesse buscar os mantimentos sem possibilidade de contágio. Depois de feita a descarga, o saveiro foi incinerado, nota do jornal Gazeta de Notícias.

Quando chegou ao lazareto, havia três cadáveres no navio, os outros cem foram lançados ao mar, provavelmente durante o trajeto do porto do Rio de Janeiro à Ilha Grande. Dezesseis passageiros se encontravam doentes e seis já haviam falecido. O diretor do lazareto informou à imprensa que, quando o Carlo R. chegou à enseada do Abraão, foi a alto-mar lançar três cadáveres. Depois regressou à enseada na parte da tarde, para ancorar em Palmas a três milhas de terra firme, onde permaneceu vigiado pelo cruzador República. No dia 30, seis dias após chegar em águas brasileiras, o vapor começou a retornar viagem em direção à Itália, comboiado pelo mesmo navio da marinha. No entanto, os problemas gerados na cidade pela chegada do Carlo R. não pararam por aí e nem o pavor da população carioca cessou.

Dia 31, um delegado de polícia foi chamado às pressas para verificar o aparecimento de um cadáver, “cuja presença estava causando terror aos habitantes e pescadores de Copacabana, que suspeitavam ser um dos mortos lançados ao mar de bordo do Carlo R”. O chefe de polícia imediatamente informou sobre o ocorrido à Diretoria de Higiene Municipal, informando a agitação que estava causando na população a presença do corpo e pediu que se procedesse logo a sua remoção, com as necessárias cautelas antissépticas. Porém, às cinco horas da tarde jazia ainda o cadáver insepulto na praia de Copacabana, sem que houvesse ainda sido tomada qualquer providência. A esta hora, o chefe de polícia participou diretamente ao Dr. Souza Lima, Diretor de Higiene Municipal, por ofício, o que se estava passando e mandou remover o cadáver suspeito para o cemitério. “O corpo foi encontrado despido, o rosto e abdômen carcomidos. Era impossível o reconhecimento” As notícias eram as piores possíveis, espalhava-se um boato de que o Carlo R. não havia saído da enseada de Palmas, na Ilha Grande. O Ministro do Interior requisitou então de seu colega da Marinha novas ordens, para que o cruzador República fizesse o paquete sair o quanto antes do Brasil.

Souza Lima pediu ao chefe de polícia que, caso aparecesse outro cadáver no litoral, isto fosse comunicado imediatamente à Diretoria de Higiene Municipal, por acreditar ser “possível, embora não provável", que se tratasse de alguma vítima da cólera, atirada ao mar do vapor Carlo R., que infelizmente, como havia sido noticiado por engano, até aquela data ainda não havia saído de nossas águas. "Infelizmente e com surpresa, ele ali está ainda, não sei porque, como uma ameaça tremenda à nossa capital, arriscando a pagar com uma hecatombe medonha a nossa generosidade, condescendência, fraqueza, ou que melhor nome tenha, nota do jornal Gazeta de Notícias de 1o de setembro de 1893".

No dia seguinte, os cariocas respiraram aliviados com a notícia de que o vapor havia, enfim, deixado a enseada de Palmas. Porém, foi a vez de moradores de outra redondeza entrarem em pânico. Pela madrugada, apareceu boiando junto à praia de Itaipu, no município de Niterói, um cadáver “em adiantado estado de putrefação”. Obviamente, o caso alarmou os habitantes locais, que supuseram logo ser mais um dos cadáveres das vítimas de bordo do vapor italiano. "O chefe de polícia comunicou o caso ao diretor da Assistência Pública que mandou retirar o cadáver com as devidas precauções, nota do jornal Gazeta de Notícias de 2 de setembro de 1893".

Até aqui, tivemos uma idéia do que era para a população e autoridades o medo da chegada de uma pandemia, o terror que isso causava. E para os passageiros? Para estes imigrantes que permaneceram durante quase dez dias dentro de um navio com surto de cólera, vendo as pessoas morrerem, acometidas por uma doença que, segundo a antropóloga Jane Beltrão, extingue a humanidade e animaliza suas vítimas Para o historiador Asa Briggs, o cólera era sim uma doença dos pobres, mas não de todos os pobres, pois muitos locais sem higiene escapavam. Em outros locais, os ricos, por causa da escassez de água potável naquela época, não ficavam imunes. No caso dos navios de emigrantes, juntavam-se às péssimas acomodações dos vapores, a falta de higiene, a aglomeração de pessoas, os alimentos mal conservados e o total descaso das companhias de navegação com este tipo de passageiro. Os imigrantes viajavam na 3ª classe, muitos deles subsidiados por governos sul-americanos, a maior parte deles era formada por pequenos agricultores e suas famílias, que vinham em busca de trabalho e de uma vida melhor.

Para Rosenberg, epidemias, em especial a de cólera, possuía o poder de gerar demasiado horror, principalmente por causa dos seus efeitos e sintomas assustadores, o que evocou respostas de vários aspectos em muitos setores da sociedade. Um estudo destas respostas gera material para a construção de valores culturais e práticas numa determinada época. Valores e atitudes principalmente relacionados à ciência, religião, ao tradicionalismo e às inovações. Mas o comportamento social, durante uma epidemia, gera um contexto orgânico no qual se configuram fatores institucionais que podem ser discernidos.

Os sintomas da cólera: diarréia volumosa, que logo se torna aquosa, denominada popularmente como ‘água de arroz’, vômitos, cólicas abdominais e espasmos musculares violentos , causam verdadeiro pânico. O rosto do paciente fica azulado, a pele murcha, mãos e pés ficam gelados, escurecidos, contraídos e enrugados. Em um dia, perde-se cerca de vinte litros d’água, o que gera desidratação e queda de pressão. A morte se dá em um curto espaço de tempo, às vezes em poucas horas após o aparecimento dos sintomas Nos navios, a situação poderia se tornar mais degradante e dolorosa para todos, mas principalmente para familiares, pois obrigatoriamente era necessário jogar o corpo ao mar para impedir o contágio, o que subtraía dessas famílias a passagem por todo o ritual habitual e necessário da morte, como velar o corpo e enterrá-lo de acordo com suas crenças e rituais.

Muitos desses imigrantes, principalmente das aldeias e vilarejos italianos, eram camponeses imersos em suas tradições. Quando chegavam ao Novo Mundo, esses homens da vida rural deparavam-se com algo totalmente diferente, principalmente na seleção de imigrantes como no modelo norte-americano: inspeção médica, testes psicológicos, testes de QI, uma outra lógica de se viver e pensar.

A maior parte das pessoas que imigrava para o Brasil vinha acompanhada de toda a família, pois essa era prerrogativa do sistema de subvenção do governo brasileiro a imigração familiar para colônia ou fazenda. Quando ocorriam fatos como o do Carlo R., toda a família poderia sucumbir à doença, ou chegar desfalcada ao seu local de destino. Sendo a emigração um plano familiar em busca de uma vida melhor, a doença surge como o fim de um sonho, o que tornava os fatos muito mais trágicos para todos, tanto para quem passava pela situação, quanto para quem a assistia de forma impotente dentro do navio.

Segundo Richard Evans, o cólera chocou profundamente a sociedade européia, acostumada a esconder as funções corpóreas da visão pública. Poucas coisas poderiam afrontar mais a moralidade vitoriana do que os sintomas desta doença. A cólera maculou a sensibilidade do século XIX, pois era vista pela perspectiva da desumanização, por causa dos seus sintomas degradantes e morte rápida. “A iminência do falecimento impedia o colérico de se preparar para a fatalidade. Assim, a morte por cólera era revestida por um manto de horror"


Resumo 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS