quinta-feira, 20 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 2


 


Rodolfo só acordou dois dias depois. Não lembrava de como tinha sido ferido e nem que seus amigos morreram. Abriu os olhos e estranhou o local onde estava, deitado em uma cama de hospital, em um grande pavilhão com outros homens feridos nas camas vizinhas. Sentia dor e tinha a perna e o braço esquerdos imobilizados. Um grande curativo cobria a sua cabeça. Lentamente foi recobrando as lembranças e viu que tinha sido ferido, mas, não sabia quantos dias estava ali. Ouviu pessoas falando em italiano e suspeitou que estivesse em um hospital inimigo. Estava sendo muito bem tratado. Durante o dia as enfermeiras vinham diversas vezes até a sua cama, para aplicar injeções e trocar os curativos. Por elas soube que já estava naquele hospital de Padova a quatro dias e que tinha chegado sem consciência pela grande perda de sangue. Foi ferido na cabeça, no braço esquerdo e na perna do mesmo lado. Essa estava dilacerada, quebrada em dois lugares. O jovem médico militar que o tratava explicou que ainda tinha o risco de perder essa perna caso começasse a gangrena. Foi interrogado diversas vezes pelo pessoal militar especializado, que buscavam informações úteis sobre as unidades austríacas e alemãs que estavam entrincheiradas logo adiante do maciço do Grappa frente as tropas italianas. O fato de Rodolfo falar fluentemente o italiano facilitou muito a comunicação com o pessoal do hospital, especialmente com os médicos e pessoal da enfermagem. Uma bela e gentil jovem enfermeira italiana, vestindo o tradicional uniforme das "crocerossine", com uma pequena toca em forma de véu na cabeça, chamou muito a atenção de Rodolfo. Ela era muito atenciosa e com o passar dos dias pareceria nutrir uma afeição especial para com aquele ferido inimigo. Soube que o seu nome era Mariana e era natural de Roncade, um município não muito distante de Treviso. Não conseguia tirar o seu pensamento daquela bela enfermeira e todos os dias esperava com ansiedade a hora do seu turno. Com o passar dos dias, Mariana começou a se interessar ainda mais por aquele jovem austríaco, muito forte e bonito. Passou a fazer visitas rápidas para Rodolfo, fora do seu turno, com a desculpa de trocar algum curativo ou ministrar uma medicação. Parecia que ela gostava de estar na presença daquele jovem soldado. Nos fins de semana quando podia vinha visitá-lo e ficavam muito tempo conversando, tanto que um já sabia quase tudo da vida do outro. Mariana era a terceira menina de um casal com oito filhos, tinha vinte anos e comovida com o sofrimento dos feridos de guerra, respondeu aos chamados do governo, se alistando a dois anos atrás como enfermeira voluntária da Cruz Vermelha em Padova. Depois de um curso intensivo de quase um ano, com aulas teóricas e práticas, foi finalmente aceita como "crocerossina". Trabalhava em tempo integral, tal era o movimento no complexo médico hospitalar de Padova, principalmente por estar agora muito próximo do fronte, especialmente depois do rompimento das linhas italianas em Caporetto. A guerra já durava quase três anos e parecia que não teria fim. Milhares de jovens feridos passaram pela instituição e várias centenas deles foram atendidos por ela. As enfermeiras ficavam alojadas em instalações coletivas, perto do complexo hospitalar. Alternavam os turnos de trabalho diurnos com movimentados plantões noturnos. Tinham realmente um trabalho extenuante, não somente porque não eram em grande número, mas, principalmente, pela quantidade de feridos que eram levados para lá. É frequente, por vários motivos, as enfermeiras se afeiçoarem pelos pacientes que estão sob seus cuidados. Quando eles ficam curados, com alta, é uma grande alegria para elas, mas, quando eles não resistiam aos ferimentos e morriam, muitas entravam em depressão. Naquele serviço e em uma guerra como aquela, era preciso saber dosar os sentimentos para não sofrer. Mas, nem todas conseguiam. Rodolfo foi operado diversas vezes nesses trinta dias de internação. Ficou sabendo que os austríacos não mais conseguiram avançar e que o fim para eles parecia próximo. Até agradeceu a Deus por tê-lo livrado daquele inferno que se tornara o fronte. À noite, sempre acordava sobressaltado ouvindo os estrondos das granadas ao seu lado. Muitos pensamentos vinham à sua cabeça, e lembrava de fatos que o avô sempre contava. Sabia, por exemplo, que toda aquela região por que estavam lutando, já pertencera ao reino da Itália. Após as chamadas guerras napoleônicas, em 1815, com a assinatura de um tratado, todo o sul do Tirol, passou às mãos do império austro-húngaro, que impôs o seu governo nas províncias do Trento e Bolzano, além de outras no Friuli. Nunca aceitou o fato de agora estar lutando contra os italianos, povo que ele tinha especial admiração, especialmente pelo fato que sua mãe ser italiana e que seus avós maternos e tantos outros parentes, tios e primos também serem italianos. Dormia, e os sonhos o levavam ao encontro de Mariana. Era uma paixão que aumentava a cada dia. Quase dois meses internado e sempre a bela "crocerossina" estava ao seu lado. Já estavam no ano 1918 e um dia quando tinha sido levado para tomar banho de sol no jardim do hospital, ouviu um grande alvoroço no hospital, as pessoas se abraçavam, gritavam, uns riam e outros choravam. Logo apareceu Mariana correndo, contente vindo ao seu encontro contando que finalmente a guerra tinha acabado. Com a batalha de Vittorio Veneto entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro selou o destino da guerra. A Itália com ajuda dos aliados franceses e ingleses, haviam vencido os austríacos e os alemães. Foi criada a região com estatuto especial do Trentino Alto Adige, englobando todo o Trento e Bolzano, além de parte do Friuli, os quais passariam novamente a ser território italiano, depois de mais de cem anos de dominação austríaca. A partir de agora a cidade onde morava era italiana e não mais austríaca. Rodolfo sempre escrevia do hospital para os pais e irmãos, mas, nunca tinha recebido resposta e isso o deixava muito preocupado. Nessas cartas sempre falou da jovem enfermeira italiana que o cuidava no hospital e pela qual estava enamorado. Recuperado Rodolfo teve alta hospitalar, mas ainda precisava de curativos naquela perna ferida e não podia apoiar. Com ajuda de um par de muletas caminhava com desenvoltura pelo hospital. A relação dos dois jovens não dava para ser escondida por muito tempo, todas as colegas de Mariana já sabiam de tudo e que eles estavam namorando. Disse que gostaria muito de conhecer os pais de Mariana para pedi-la em casamento e na primeira oportunidade que ela pudesse tirar alguns dias de folga iriam juntos até lá. 

Continua
Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS