quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Padre Pietro Colbacchini nas Colônias Italianas do Paraná




O Padre Pietro Colbachini nasceu em 11 de setembro de 1845 no município de Bassano del Grapa, localizado na província de Vicenza, Região do Vêneto, Itália. Ele ingressou na Ordem da Companhia de Jesus com a idade de 18 anos. Ordenou-se em 26 de julho de 1869 com 24 anos e permaneceu por 15 anos em serviço pastoral na Itália. Quando manifestou seu interesse em vir ao Brasil para oferecer assistência religiosa aos imigrantes italianos não recebeu aprovação da Companhia de Jesus, procurando outra congregação para realizar tal feito. Encontrou na Congregação dos Scalabrinianos a possibilidade, chegando ao Paraná no ano de 1885 estabelecendo-se no núcleo colonial Dantas, na paróquia do bairro Água Verde em Curitiba. O padre Pietro Colbachini atuou junto aos Scalabrinianos, a Congregação dos Missionários de São Carlos, que tinha como principal missão a assistência aos imigrantes e por essa razão veio ao Paraná, muito embora não tenha deixado de lado todo o ensinamento recebido da Ordem Jesuítica. Entrava em contradição inclusive com a Ordem Scalabriniana, negando a integração entre o catolicismo e a italianidade. Em vários documentos ainda conservados, podemos observar que o padre também era conhecido como “o feroz Jesuíta” e não como um missionário Scalabriniano. 


 


Passou grande parte de sua estada no Brasil como missionário, atendendo as colônias paranaenses Dantas (Água Verde), Santa Felicidade, Alfredo Chaves, Antonio Rebouças, Campo Comprido, Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra, Murici e Zacarias. Todas elas no planalto de Curitiba, e que faziam parte da Capelania Curata Italiana, criada para dar assistência religiosa aos imigrantes italianos e estava estabelecida na Capela da Colônia de Santa Felicidade. 



O Padre Pietro Colbacchini também é lembrado pelo fato de ter escrito dois longos relatórios para os seus superiores e autoridades italianas, ambos publicados e divulgados. Um destes, no qual trata sobre o tema dos imigrantes, foi escrito em Curitiba e enviado, em outubro de 1892, ao Marquês João Batista Volpe Landi, no município italiano de Piacenza, então Presidente da Sociedade Italiana de São Rafael. O outro relatório, com tema referente a emigração italiana, foi enviado, em 1895, ao Ministro do Exterior da Itália. 



No relatório do missionário italiano datado de 1892,  ele relatou as precárias condições daqueles colonos que viviam no litoral paranaense, no período de 1875 e 1877. Entre outros tantos problemas, Colbacchini destacava no relatório principalmente as doenças que acometiam os imigrantes causadas pelos insetos. Assim descreveu a situação dos imigrantes das Colônias Alexandra e Nova Itália, ambas no litoral paranaense:

"...Durante o dia os trabalhos eram insuportáveis devido o calor excessivo e por enxames de mosquitos que fazem inchar as partes descobertas das pessoas e produzem fortes incômodos; à noite outra espécie do mesmo rompe o sono e sangra os pobres imigrantes. Entre a carne e a pele as picadas de um outro verme, que assume no seu desenvolvimento a grossura de um feijão, e que vem injetado por  uma mosca cor de ouro (berne). Nos pés, especialmente nas extremidades e no calcanhar, coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, produzidas por outro inseto (bicho de pé) que nidifica e incuba, e se desenvolve como uma pequena pulga. As crianças e os velhos são os mais susceptíveis a esta grave enfermidade, que não respeita, todavia, idade e sexo ou condição das pessoas. A isto acrescento as consequências produzidas diretamente pelo clima, isto é, tontura, enfraquecimento dos membros, falta de apetite, desânimo, preguiça e tédio da vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que vivem no litoral do Paraná"



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Pederobba e a História



Pederobba é um dos municípios da província de Treviso,  tendo sido instituído por decreto imperial de Napoleão Bonaparte em 1810. Entretanto, foi somente após a anexação ao Reino da Itália que Pederobba nasceu como município. A partir desta data todas as escrituras, certidões cadastrais e resoluções do Município passaram a ser guardadas no Arquivo Municipal. 
 
O brasão do município foi concedido à cidade em 27 de abril de 1913 pelo rei Vittorio Emanuele III. A faixa ondulada prateada no centro do  escudo representa o rio Piave, que atravessa o território municipal, enquanto o leão dourado na parte superior é uma referência à República de Veneza e em particular ao leão galopante da Opere Pie d'Onigo, brasão heráldico da nobre família Onigo, que fixou residência em Pederobba de 1200 a 1900. Os nomes do Conde Gugliemo e a filha Teodolinda D'Onigo, considerados benfeitores de Pederobba, são lembrados em vários locais públicos e edifícios,  entre eles o hospital, construídos nas terras doadas pela família, após o trágico falecimento de Teodolinda em 1903, decapitada por um dependente descontente. 

Localizada na confluência de Val Feltrina com Valcavasia, Pederobba é um importante cruzamento entre Bassano, Feltre, Montebelluna e o Quartier del Piave. 

Os testemunhos mais antigos do passado de Pederobba são representados por vários achados da época romana. O próprio topônimo deriva do latim petra rubla, referindo-se à pedra vermelha típica e abundante na localidade. 

A sua posição às margens do rio Piave foi ponto obrigatório de  passagem entre a planície e a zona montanhosa de exércitos,  peregrinos e viajantes de diferentes povos, desde os Reti aos Romanos, dos Lombardos aos Franceses. Todos eles deixaram vestígios indeléveis no território, que podem ainda ser encontrados em topônimos, nas tradições populares e nos assentamentos urbanos. Assim, ao longo dos séculos, várias aldeias foram se formando dentro do território: Pederobba, Curogna, Onigo, Levada e Covolo, hoje chamadas de frazioni do município. Outros pequenos e antigos ajuntamentos pontuam o município, da Costa Alta a Vittipan, de Rovigo a Barche.

Acredita-se que na época romana se tratava de uma área de trânsito, devido a passagem da famosa Via Claudia Augusta Altinate, cujo traçado parece coincidir com a atual Via Feltrina, e a também pela sua posição próxima ao Piave. 
As escavações arqueológicas e os achados evidenciaram que também assim se manteve no período seguinte: a presença de numerosos locais de culto à beira da estrada sugere a passagem de peregrinos. 

Cerca do ano 1000 se formaram as freguesias de Pederobba e Onigo, ao passo que as igrejas de Levada e Curogna, ambas dedicadas a San Michele, seriam mais antigas.
A área de Pederobba esteve ligada durante muito tempo a família nobre Onigo, senhores feudais que residiam num castelo perto da aldeia homônima, e do qual ainda restam algumas ruínas. Durante o século XIII toda a área assistiu inúmeros conflitos, entre os quais com  a  família dos Ezzelini, especialmente na época de Romano da Ezzilini.

Passou para o controle da Sereníssima República de Veneza, ocasião que Pederobba teve uma certa recuperação econômica, com a construção de engenhos e fábricas. No século XVI Pederobba tornou-se um dos mercados de forragem mais importantes da região. 




Acompanhou a história de Veneza durante os períodos de domínio napoleônico e austríaco, tendo a administração imperial tentado impulsionar a agricultura local. No entanto, a fome e a pobreza continuaram generalizadas entre a população e muitos foram forçados a emigrar. 

Pederobba foi literalmente arrasada durante a I Grande Guerra, pois, após a rompimento das linhas de defesa italianas em Caporetto, sobretudo pela sua posição estratégica entre o Rio Piave e os montes Grappa e Montello, local onde foi contido o avanço das tropas austríacas e alemães. Testemunho desse lamentável episódio, que praticamente arrasou com a cidade, são os vários monumentos erguidos na região em homenagem aos heróis mortos que participaram das batalhas, entre os quais se destaca o sacrário militar francês, que guarda os restos mortais de soldados franceses que combateram na I Grande Guerra Mundial.
A recuperação do segundo pós-guerra fez de Pederobba hoje um dos principais centros artesanais e industriais na zona entorno ao Grappa. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS











sábado, 24 de outubro de 2020

Miséria e Mortes a Bordo na Travessia do Oceano




Um relato dramático de uma emigrante veneta dos acontecimentos a bordo do navio que a trazia para o Brasil junto com a sua família: "...durante a travessia a menina ficou com febre, uma febre cada vez mais alta. E ficava com ela dia e noite, não sabia o que fazer. Uma noite a ouvi gemer, estava suando frio, tremendo; tentei aquecê-la e segurá-la perto de mim, mas de repente ela parou de tremer. Estava morta. Talvez porque não havia remédios, talvez porque não havia nenhum médico por perto; não sei. Talvez ela tivesse contraído uma febre mortal. Arrancaram ela dos meus braços, a enfaixaram bem apertado da cabeça aos pés e amarraram uma grande pedra ao pescoço; durante a noite, às duas horas da madrugada, com aquelas ondas tão negras, baixaram-na ao mar. Eu gritava, gritava, não queria me afastar dela, queria me afogar com minha filhinha; alguns braços me seguraram, homens eu creio. Eu não queria que minha filhinha tão pequenina acabasse naquele mar tão frio, tão escuro, certamente devorada pelos peixes. Eu queria ser enterrada com ela, protegê-la de alguma forma, defendê-la, para que não a devorassem. Eu não queria deixá-la sozinha, pobre criança, mas eles me seguraram enquanto a jogavam ao mar. Aquele baque na água, nunca mais consegui esquecer”.
"Às duas horas da manhã de 6 de setembro, no porão nº 2, nos braços de seus pais, uma menina de 7 anos morreu, e logo foi jogada ao mar. Às 9 horas, uma outra menina, de 11 meses deixou de viver depois de ter sido hospitalizada, e assim que ela morreu foi jogada ao mar, com o médico e os passageiros presentes." Esta é uma das passagens mais dramáticas do livro A Odisséia do Vapor Remo, um livro de memórias escrito por um passageiro em fevereiro de 1894, poucos meses após o fim da viagem que custou a vida de 96 emigrantes italianos, mortos pelo cólera, tifo e difteria. Este trabalho é pouco conhecido pela historiografia e praticamente desconhecido do grande público, no entanto, seria muito útil torná-lo conhecido, para fornecer uma outra visão do que realmente foi a grande emigração italiana, feita por não poucas tragédias, exploração, falsas promessas, violência e muita rejeição nos portos.



O navio a vapor Remo zarpou do porto de Gênova em 15 de agosto de 1893. Uma parte dos passageiros era procedente das planícies meridionais da província de Modena, que fora duramente atingida pela crise agrária do final do século XIX. Somente no ano de 1888, 415 pessoas emigraram do município de Cavezzo, que tinha uma população de 4.876 habitantes. Uma investigação realizada no ano seguinte no município de Mirandola já relatava as razões deste enorme êxodo, “até então desconhecido numa terra que sempre tinha dado sustento aos seus habitantes". Segundo a mesma investigação as principais causas desta fuga em massa foram "a miséria e a falta de trabalho para agricultores e operários. A maior parte dos camponeses dos nossos campos, carregados com famílias numerosas, carecem de um trabalho diário seguro e lucrativo para si e para os seus. Nossos trabalhadores preferem emigrar na incerteza de uma renda segura, convencidos de que não encontrarão maior pobreza daquela que estão passando em casa”. Segundo um periódico mensal do município de Mirandola, província de Modena, publicado em 1889, podemos ler “...no ano passado famílias inteiras, com seus poucos utensílios domésticos, partiram para Gênova, para embarcar para o longínquo Brasil e La Plata. Portanto, nós também vivemos em primeira mão e fomos testemunhas oculares deste deplorável flagelo da emigração, que já há muito tempo aflige muitas outras partes da Itália. Essa praga está crescendo cada vez mais e a cada dia ameaça assumir formas contagiosas. O êxodo descontrolado dessa população rural, segue o relato do preocupado redator, "entre os quais vemos velhos, mulheres grávidas e crianças chorando de frio e de fome que, perdidas, fugiram de sua pátria ingrata e rumaram para o exterior em busca de destinos melhores, sem garantia certa, ele formou o mais desolador dos espetáculos, que deve também levar em conta todos aqueles que se preocupam seriamente com os interesses nacionais”.





Se a miséria era a causa principal das partidas, os agentes da emigração por sua vez, com seus discursos, panfletos e livrinhos que minimizavam as condições da viagem e ampliavam aquelas oportunidades oferecidas pelos países de destino, dissipavam assim as dúvidas dos incertos, muitas vezes escondendo algumas verdades, muito claras para aqueles que organizaram esse tráfico de homens. Em primeiro lugar, aquela viagem muitas vezes se revelou uma verdadeira odisseia, depois os frequentes casos de engano, ilícito e abuso de poder contra quem decidiu mudar de vida deixando o seu país de origem. No início dos anos noventa do século XIX, existiam dois agentes que operavam na zona de Mirandola. No mesmo periódico mensal "Indicador Mirandolês", com data de 1891, podemos ler"... do nosso município mais de 300 pessoas já partiram este ano para o Brasil, pela Sociedade de Navegação Geral, com as passagens e alimentação pagas. Muitos outros estão se preparando para partir após a colheita dos campos. Um desses emigrantes foi Cesare Malvasi, autor do livro já citado acima. Chegando com a mulher ao porto de Gênova, Malavasi teve que "dar uma boa gorjeta" para os carregadores embarcarem na bagagem, que ultrapassava o peso permitido. A maioria dos emigrantes esperava a partida num grande salão, sentados ou deitados no chão. Continua em seu relato: "Uns comiam, outros dormiam. Vi mulheres que, cansadas dos sofrimentos e da insônia das noites anteriores, dormiam numa espécie de sono letárgico e crianças pequenas que, sem o seu conhecimento, sugavam o leite do peito. Havia choros, gritos, gemidos e palavrões em mil disfarces, causados ​​por diferentes motivos. Fiquei maravilhado com aquela visão, com aquele espetáculo e, se bem me lembro, nunca havia sentido essa emoção em toda a minha vida.”




"Em 15 de Agosto, 900 passageiros começaram a subir a bordo, depois que funcionários da saúde fizeram as vacinas de varíola nas crianças e exames em outros passageiros. O vapor deslocava 2.964 toneladas e embarcou 900 passageiros na terceira classe e 50 na primeira. Os que partiram sabiam apenas aproximadamente os detalhes da travessia, mas, neste caso, os viajantes foram deixados propositalmente no escuro sobre um detalhe decisivo, que o primeiro destino seria Nápoles, onde grassava uma epidemia de cólera. Os receios de alguns passageiros mais bem informados foram até desmentidos, sem a menor vergonha, por um agente de emigração. O navio ancorou às 4 e 10 da tarde e pouco antes da meia-noite de 16 de agosto atingiu a entrada do porto de Nápoles, onde entrou no dia seguinte. Outros 700 passageiros e uma grande quantidade de mercadorias foram embarcados aqui, incluindo 400 barris de vinho. Os novos emigrantes eram vistos com desconfiança, pois além de reduzirem espaço e alimentação, aumentavam o risco de doenças.
Na noite de 17 de agosto, o navio partiu. Tendo cruzado o estreito de Gibraltar em 21 de agosto, o navio a vapor enfrentou as ondas "imperiosas e violentas" do oceano. «Quando apareceram no convés, quase todos estavam mareados; gemidos foram ouvidos, contorções e esforços causados ​​pelo forte engasgo, para ficar horrorizado. O café foi distribuído, mas quase ninguém - escreve Malavasi - conseguiu tirar proveito dele, e o mesmo vale para todas as outras comidas da época ”. Depois da parada em Nápoles, a comida começou a escassear e a piorar, em meio a protestos de passageiros. A partir de 24 de agosto, “eclodiram discussões e lutas pela ocupação de cadeiras”. A viagem continuou em meio a graves inconvenientes, maus-tratos, perseguições por parte dos oficiais do navio e brigas furiosas. 


A comida era ruim. No dia 2 de setembro, pela manhã, foi servido um café "muito parecido com água quente". Às 11 horas, a distribuição de «pequeno macarrão indevidamente chamado, em caldo; e para um prato, muito pouca carne cortada em pedaços muito pequenos. A outra ração consistia em um pouco de arroz, muito comprido e que não serve para nada, e carne cozida, salgada, acompanhada de lentilha ”. Outras vezes serviam grão-de-bico, batata, atum e salada, bacalhau estufado "e outras imundícies, que, não só de mau gosto, também faziam muito mal à saúde de todos, produzindo diarreia, disenteria, com dor na massa de passageiros. tal como para nos fazer rastejar".


Com a aproximação da "terra prometida", uma grande agitação se espalhou pelo Remo. Todo mundo estava falando sobre a América, agora apenas alguns dias de distância. Alguns estavam começando a pensar que os sonhos de riqueza - ou pelo menos de progresso tangível na condição humilde de alguém - estavam para se tornar realidade; outros se limitaram a planejar a viagem de Santos, porto de desembarque, a São Paulo, destino final de muitos emigrantes. Para economizar tempo, alguns chegaram a pensar em pagar por esta última viagem do próprio bolso, ao invés de aproveitar o transporte gratuito oferecido pelas agências de viagens.
O clima de grande euforia foi abruptamente interrompido no dia 6 de setembro, com a notícia da morte de duas meninas, atiradas ao mar na presença de seus desesperados pais e parentes. Mas para a carga humana do navio a vapor Remo foi apenas o começo.


“Chove muito, o frio é forte, é um desconforto geral, principalmente para mulheres e crianças. Ao anoitecer, o médico foi chamado para visitar um emigrantes do sul gravemente doente no primeiro porão, andar inferior. Quando o médico veio, após um exame minucioso, disse que era indigestão de água. Estou muito convencido de que aquele seguidor de Esculápio havia entendido bem que era cólera quase fulminante, mas ele tinha um bom motivo, se não queria colocar a apreensão a bordo. Ele ordenou que fossem preparados conhaque, marsala e caldo para o paciente, e antes das 20h foi transportado para o hospital ". Na manhã do dia 7 de setembro, foi avistado o farol de Cabo Frio, no Brasil. A navegação continuou, no sentido sudoeste, em direção ao Rio de Janeiro e Ilha Grande. Quando este último estava a apenas 70 milhas de distância, dois emigrantes sulistas adoeceram "com cólera, de modo que todos os outros foram dispensados ​​do hospital, do qual ninguém estava gravemente doente, exceto o primeiro, que deixou de viver às 2 da tarde". Ao anoitecer o navio parou em Ilha Grande, aguardando o exame médico. No dia seguinte, uma comissão de saúde chegou com um pequeno barco, ordenou ao comandante do Remo que voltasse 20 milhas, para lançar o corpo do Catanzaro ao mar antes de retornar ao porto. Aqui o navio a vapor esperava por mais provisões, sob a ameaça dos canhões de um encouraçado brasileiro. Na noite entre 8 e 9 de setembro, um homem e uma mulher foram hospitalizados com sinais claros de cólera. Então, pela manhã, veio a notícia que lançou a todos no mais profundo desespero. O governo brasileiro decidiu rejeitar os italianos em bloco. 
Não foi o primeiro navio a sofrer este destino e nem o último. Muitos navios italianos tiveram negada a possibilidade de atracar. Também por isso, muitos dos emigrantes morreram durante as travessias da esperança. Por exemplo, foram centenas de mortes por cólera entre os 1.333 passageiros do Matteo Bruzzo, rejeitado por tiros de canhão pelas autoridades uruguaias e forçados, como o Remo, a se livrar da epidemia vagando pelos mares e jogando os cadáveres no oceano. Os casos de acidentes com esses vapores eram tão frequentes que o termo "navios da morte" passou a ser usado para defini-los. O navio a vapor Carlo Raggio, colocado em quarentena na baía de Isola Grande junto com o Remo, teve 211 mortes por uma epidemia de cólera e sarampo. No mesmo navio, outros passageiros já haviam morrido seis anos antes de fome.


No Remo, na noite entre 9 e 10 de setembro "um calabres, que se encontrava no convés, com congestão cerebral, caiu da sala. Ao se levantar três ou quatro vezes, ele caiu para trás tantas vezes, batendo com tanta força no chão de ferro que parecia impossível não quebrar seu crânio. Chamado com urgência o chefe do porão, apelou aos conterrâneos do infeliz, que, embora com relutância, esbanjaram-lhe os cuidados indicados em tal caso”. Durante a noite também faleceu o filho de um emigrante de San Prospero, Modena. «De manhã, no rosto de cada um se podia ler dor e tristeza; muitos tinham o rosto molhado de lágrimas: mas era preciso resignar-se ao destino adverso", comentou Malavasi. O vapor foi abastecido com água e comida, incluindo 13 bois, farinha, galinhas e macarrão. Em 12 de setembro, morreu um emigrante piemontês, que tinha mulher e dois filhos a bordo, mais um outro proveniente do sul da Itália, com cerca de sessenta anos e ainda uma criança no terceiro porão. Nesse mesmo dia o filho de um outro emigrante proveniente do município de Cavezzo, adoeceu e ficou em estado grave. Antes da noite, uma emigrante do mesmo município também adoeceu com uma forte febre. Consultada pelo médico, foi-lhe receitado um determinado medicamento que restaurou a sua saúde. Ainda antes do anoitecer apareceu um barco a vapor rebocado por uma lancha trazendo remédios e a notícia de que, no dia seguinte, chegariam as provisões solicitadas. Às 8 da tarde, o encouraçado levantou as âncoras e deixou apenas a tripulação do Remo. Na manhã do dia 13 de setembro, uma outra senhora casada, foi levada ao hospital por vômitos e diarréia. Ao mesmo tempo, o vapor Andrea Doria, chegou aqui ontem, passou perto de nós e foi descarregar os cadáveres que ele tinha a bordo.

Malavasi também nos deixou uma amostra interessante do estado de espírito dos passageiros: “Vi homens e mulheres decididos a ler e meditar sobre as coisas sagradas; Vi outros que se ocupavam com leituras profanas e até obscenas; mulheres que rezavam o rosário durante a maior parte do dia, e outras que investiram contra seus filhos e maridos, lançando contra eles os mais asquerosos palavrões; maridos que amaldiçoaram seus filhos e esposas por infortúnios ou desastres ou que vomitaram as mais atrozes blasfêmias. Finalmente, ouvi a viúva do piemontês articular as orações fúnebres junto com seus dois filhos pequenos, em memória do pai falecido."




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



 


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O Caminho dos Imigrantes Italianos no RS



Para dar seguimento ao grande projeto de trazer milhares de agricultores italianos para a província do Rio Grande do Sul, o governo imperial iniciou a construção de uma estrada na localidade de São Sebastião do Caí, para facilitar a viagem dos imigrantes e também, já pensando no escoamento dos produtos agrícolas das colônias,  mas, esta só foi entregue em 1884. Foi dado a ela o nome de Estrada Rio Branco. 



Os imigrantes italianos chegavam no Rio Grande do Sul através de navios que chegavam na cidade de Rio Grande. A partir de Pelotas, aqueles que tinham como destino final as Colônias da Serra Gaúcha, entravam na Lagoa dos Patos e desembarcavam em Porto Alegre. Depois de um parada de alguns dias, instalados nos barracões que serviam de hospedaria, aguardavam a ordem de partida para o seu destino final. Da capital gaúcha embarcavam em pequenos barcos a vapor, para uma viagem de 12 horas, subindo o Rio Caí, até o porto dos Guimarães, ponto final navegável do rio, na cidade de São Sebastião do Caí. Aqueles imigrantes que tinham como destino final as Colônias de Conde d'Eu, atual Garibaldi, e Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, desembarcavam um pouco antes, na cidade de Montenegro e essa viagem durava 7 horas. Os imigrantes destinados à Colônia de Caxias desembarcavam em São Sebastião do Caí. Os imigrantes embarcavam em lanchas ou em grande barcos a vapor, conforme a altura das águas do rio. Entre as cidades de Montenegro e São Sebastião do Caí existia na época uma barragem com comportas, que regulavam a altura das águas do rio. Esta barragem com comportas foi a primeira da América do Sul e ficava no município de Pareci.

Nos primeiros anos da imigração italiana a trilha ficava no meio da mata e os imigrantes pioneiros abriam caminho com foices e facões. Existia um antigo paradouro onde descansavam para enfrentar o pior trecho, a penosa subida da Serra, que demorava três dias e três noites. 

Porto em São Sebastião do Caí


Na foto acima o antigo Porto de São Sebastião do Caí em 1875, quando então ainda não havia um cais e os carroções com os pertences dos primeiros imigrantes com destino a Colônia de Caxias, precisavam subir uma forte rampa no barranco do rio. Ao fundo pode-se ver também a densa floresta, por onde as caravanas de carroças deviam passar em direção ao alto da  Serra.




Na foto acima o mesmo porto alguns anos mais tarde, em 1910, com o vapor Salvador atracado no caís. Alguns anos mais tarde, quando as três Colônias da Serra Gaúcha já estavam com a lotação completa, os imigrantes italianos que chegavam eram levados para a recém criada Colônia Silveira Martins, próximo a cidade de Santa Maria, a qual ficou conhecida por Quarta Colônia, por ter sido a quarta a ser criada pelo governo brasileiro. Em Porto Alegre embarcavam em pequenos barcos a vapor, subindo pelas água do Rio Jacuí e desembarcando na cidade de Rio Pardo. Desta cidade faziam o trecho restante até a colônia, a pé ou carroças, através da localidade de Val de Buia.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A Criação das Colônias Italianas no Rio Grande do Sul

Caxias do Sul 1876

Entre os anos de 1870 e 1872, o governo imperial decide povoar áreas da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com o objetivo de ocupar vazios do território na sua porção mais central e intensificar a produção de alimentos para abastecer as cidades. Foi escolhida a Serra Gaúcha pela sua localização mais próxima da capital, dando início à demarcação no ano de 1874 das colônias italianas de Conde d’Eu, atual município de Garibaldi e Dona Isabel, atual Bento Gonçalves.
Em 20 de maio de 1875, os primeiros italianos chegaram ao Campos dos Bugres (Caxias do Sul) depois de uma viagem de 10 dias subindo o rio Caí até a cidade de São Sebastião do Caí e desta, a pé e em carroças, abrindo o caminho a facão, o trecho mais penoso da longa viagem, que era a subida da Serra. Foi assim inaugurado o primeiro ciclo imigratório, que durou de 1875 a 1914.

Caxias do Sul no final século XIX



Nesse período instalaram-se no Rio Grande do Sul 84 mil imigrantes italianos vindos sobretudo da Lombardia, Vêneto e Tirol. O ponto culminante da imigração foi entre 1884 e 1894, quando chegara ao estado cerca de 60 mil italianos. Este número foi diminuindo gradualmente a partir de então, principalmente devido ao fim da concessão de passagens marítimas pelo novo governo republicano. 

Igreja Matriz de Antônio Prado década 1930



As cinco primeiras colônias italianas do período imperial reconhecidas foram:


1874 Colônia Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (Garibaldi)


1875 Colônia Fundos de Nova Palmira (Caxias do Sul)


1877 Colônia Silveira Martins (próximo a Santa Maria)


1884 Colônia Alfredo Chaves (Veranópolis)


1885 São Marcos, Antônio Prado, Nova Trento, esta atual município de Flores da Cunha, a de Nova Vicenza, atual município de Farroupilha, a colônia de Encantado, Guaporé, Nova Prata.

Colônia Alfredo Chaves em 1917

No entanto, existe a necessidade do reconhecimento da Colônia Maciel como a quinta colônia italiana no estado, uma vez que ela foi criada oficialmente em 1881.


Colônia Dona Isabel final século XIX

As colônias Conde d’Eu (Garibaldi), Dona Isabel (Bento Gonçalves), Caxias do Sul e Silveira Martins são considerados os quatro centros principais da colonização italiana do Rio Grande do Sul.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





domingo, 18 de outubro de 2020

Imigração Italiana no Paraná



No ano de 1853 a província do Paraná se desmembrou definitivamente de São Paulo e a partir de então foi dado início ao processo de colonização do seu território, com a criação de algumas colônias destinadas a receber os imigrantes de várias nacionalidades que começariam a chegar no estado.

A introdução de imigrantes italianos no Paraná se deu primeiramente através de um contrato firmado entre o Presidente da Província, Venâncio José Lisboa, e o empresário Sabino Tripoti, no ano de 1872. Um total de 262 imigrantes italianos foram instalados em Alexandra, a partir de 1875, uma colônia particular, de propriedade do agenciador, que ficava distante apenas 14 quilômetros da cidade de Paranaguá, já importante porto no Sul do país e porta de entrada dos imigrantes. A colônia de Alexandra era composta por uma sede e três núcleos: São Luís, Piedade e Toural. 

Alexandra era uma localidade pequena para o número de imigrantes que foram levados para lá. Os colonos ali instalados não tiveram êxito com as lavouras, devido ao clima de litoral e  pela péssima qualidade do solo encontradas em seus lotes, com terras improdutivas e localizadas em terrenos de difícil acesso.   Movido por interesses pessoais, o agenciador Sabino Tripoti, tinha fundado esta colônia em uma área pouco adaptada para a agricultura. Os imigrantes não estavam acostumados com aquele clima e também os cultivos que conheciam não se adaptavam àquelas terras. A maioria dos imigrantes era formada de pequenos agricultores vênetos, onde o clima era muito mais frio do que aquele do litoral paranaense. O calor aumentava o cansaço e provocava o aparecimento de doenças, especialmente, aquelas causadas por insetos tão comuns naquela região cercada pela mata atlântica. 



O missionário italiano Padre Pietro Colbacchini que passou grande parte de sua estada no Brasil atendendo as colônias paranaenses em um relatório para os seus superiores na Itália, de 1892,  o padre escreveu que as condições daqueles colonos que viviam no litoral paranaense, entre os anos de 1875 e 1877. Entre tantos problemas, o missionário Pietro Colbacchini destacava especialmente as doenças causadas pelos insetos: "...de dia era insuportável trabalhar devido ao forte calor e por enxames de mosquitos que faziam inchar as partes descobertas das pessoas produzindo  incômodos insuportáveis; à noite outra espécie do mesmo mosquito atrapalha o sonos e pica os pobres trabalhadores. Também, entre a carne e a pele, aparecia um verme, que ao crescer alcançavam a grossura de um feijão, eram injetados por  uma mosca cor de ouro (era o berne). Nos pés, especialmente nas extremidades e no calcanhar, apareciam coceiras insuportáveis e feridas malcheirosas, produzidas por outro inseto (bicho de pé) que nidifica e incuba, se desenvolvendo como uma pequena pulga. As crianças e os velhos são os mais susceptíveis a esta grave enfermidade, que não respeita, todavia, idade e sexo ou condição das pessoas. A isto acrescento as consequências produzidas diretamente pelo clima, isto é, tontura, enfraquecimento dos membros, falta de apetite, desânimo, preguiça e tédio da vida. Esta é a verdadeira condição daqueles que vivem no litoral do Paraná". 

Descobrindo que tinha sido enganados, o descontentamento já era muito grande entre os imigrantes que ameaçavam retornar para a Itália, abandonando o grande  sonho. Assim, em 22.04.1877 o Presidente da Província Adolfo Lamenha Lins rescindiu o contrato com o empresário Sabino Tripoti e promoveu a transferência dos colonos e de algumas outras novas famílias italianas que chegavam, para uma nova colônia denominada Nova Itália. Esta também se localizava na baixada litorânea do Paraná, na região de Morretes, nas proximidades do Porto de Barreiros, nos contrafortes da Serra do Mar. A Colônia Nova Itália tinha dimensões bem maiores que a colônia Alexandra. Era uma colônia governamental e estava dividida em 12 núcleos coloniais: Rio dos Pintos, Sesmaria, Sítio Grande e Cary, América, Marques, Entre Rios e Prainha, Cabrestante, Rio Sagrado, Ipiranga, Graciosa, Zulmira e Turvo. Em 1880 já tinha uma população de cerca de 2.318 pessoas assentadas em 529 lotes. 




A localização das colônias litorâneas dificultava a comercialização dos produtos, e as famílias italianas ali instaladas também desejavam trabalhar com a terra produzindo gêneros alimentícios e desenvolvendo a sua própria forma de plantio. Além disso, a maioria das colônias era margeada pelos principais rios do litoral paranaense, como o Rio Nhundiaquara e o Rio Sagrado. Esses rios em época de grandes chuvas transbordavam ocasionando enchentes e dificultando o trabalho nas lavouras. A locomoção pelas estradas era comprometida pela má conservação e pela dificuldade de acesso devido aos terrenos íngremes, levando em conta ainda que praticamente grande parte do acesso aos núcleos coloniais se dava pelas vias fluviais.  Em 1878, o Presidente da Província, Rodrigo Octávio de Oliveira Menezes, relatou a precariedade das condições de sobrevivência e a insatisfação dos colonos italianos ali estabelecidos: estavam sem alimentação, sem roupas e acometidos de muitas doenças decorrentes do clima do litoral. Havia mais de 800 famílias ocupando 610 lotes, muitos dos quais eram impróprios para o plantio. Tudo isso dificultava a sua permanência nas terras a eles destinadas. Devido aos mesmos problemas que afetaram e tornaram inviável a Colônia Alexandra, a colônia Nova Itália também não prosperou.  Ainda no ano de 1878, portanto somente dois a três anos após a fundação dessas comunidades, restavam na região poucas famílias italianas emigradas e alguns brasileiros. 

O projeto inicial do governo do Paraná não era a de remover os colonos italianos insatisfeitos até o planalto Curitibano, porém esse foi o destino da maioria daquelas famílias que deixaram as colônias do litoral. Por conta própria, sozinhos ou em grupos, se dirigiram até Curitiba, onde adquiram lotes de terras, nos arredores da capital paranaense, muito férteis, local com um clima ameno, muito parecido com aquele que estavam acostumados na Itália.  

 



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

















 
















sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Colônias Italianas no Paraná

Em 1853 a província do Paraná se desmembrou politicamente de São Paulo e a partir de então deu início ao processo de colonização do seu território com a criação de várias colônias destinadas a receber os imigrantes de várias nacionalidades que começaram a chegar no estado. 

Na relação abaixo, iniciando no ano de 1870, estão os nomes das dezenas de colônias onde os imigrantes italianos foram assentados. Em algumas delas dividiam espaço com imigrantes de outras nacionalidades e em outras a totalidade era somente formada por imigrantes italianos.




 

Nome da ColôniaFundaçãoProcedência dos ImigrantesMunicípio
Colônia Alexandra1870italianos de Mântua, Téramo e do VênetoParanaguá
Colônia Assunguy1871italianos (fundada em 1860 por ingleses e franceses)Cerro Azul
Colônia Argelina1870italianos (fundada em 1868 por argelinos, franceses e suíços)Curitiba
Colônia Pilarzinho1870italianos (com alemães e poloneses)Curitiba
Colônia D. Pedro1876italianos (com poloneses e franceses)Curitiba
Colônia D. Augusto1876italianos (com poloneses prussianos)Curitiba
Colônia Nova Itália1877italianosMorretes
Colônia Santa Maria do Novo Tirol1878italianos trentinosPiraquara
Colônia Antônio Rebouças1878italianosCampo Largo
Colônia Senador Dantas1878italianos vicentinosCuritiba
Colônia Alfredo Chaves1878italianos vicentinos e tirolesesColombo
Colônia Muricy1878italianos (com poloneses)São José dos Pinhais
Colônia Inspetor Carvalho1878italianosSão José dos Pinhais
Colônia Virmond1878italianos (com russos-alemães)Lapa
Colônia Maria Luiza1879italianosParanaguá
Colônia Santa Felicidade1880italianos vênetosCuritiba
Colônia Mendes de Sá1885italianosCampo Largo
Colônia Antonio Prado1886italianosColombo
Colônia Santa Gabriela1886italianosAlmirante Tamandaré
Colônia Santa Cristina1879italianosCampo Largo
Colônia Alice1886italianosCampo Largo
Colônia Barão de Taunay1886italianosAraucária
Colônia Presidente Faria1886italianosColombo
Colônia Maria José1887italianosQuatro Barras
Colônia Visconde de Nácar1888italianosParanaguá
Colônia Santa Cruz1888italianosParanaguá
Colônia Santa Rita1888italianosParanaguá
Colônia Eufrásio Correia1888italianosBocaiúva do Sul
Colônia Campo Largo da Roseira1888italianosSão José dos Pinhais
Colônia Balbino Cunha1889italianos vênetosCampo Largo
Colônia D. Mariana1889italianos vênetosCampo Largo
Colônia Ferraria1890italianosCampo Largo
Colônia Inglesa1889italianos (com ingleses e alemães)Foz do Iguaçu
Colônia Santa Helena1889italianos venezianosFoz do Iguaçu
Colônia Contenda1890italianosContenda
Colônia Accioli1891italianosCuritiba
Colônia Cecília1891italianosPalmeira
Colônia Bela Vista1896italianos vênetosCuritiba
Colônia Afonso Pena1908italianosSão José dos Pinhais
Colônia Pinho de Baixo1908italianosIrati[
Colônia Uvaranas1924italianosPonta Grossa



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Brasil a Terra da Cucagna




Há 145 anos atrás os primeiros emigrantes italianos deixavam a Itália em direção ao Brasil. Naquela época era um dos mais ambicionados destinos daqueles humildes agricultores e artesãos de origem veneta, lombar e trentinos. Os recrutadores contratados pela companhias de emigração e pelas empresas de navegação,  circulavam pelos pequenas vilas da Itália, pintando o Brasil como um lugar de fartura, o verdadeiro novo El Dorado, onde em pouco tempo podiam ficar ricos, pois, as montanhas eram de ouro e das árvores podia-se colher queijo e salame. No imaginário coletivo daquela gente era a sonhada terra da cucagna.


Entretanto, poucos deles se davam conta da longa e interminável viagem de navio que os aguardava, repleta de perigos e obstáculos desconhecidos que deviam vencer, mas, a enorme esperança de alcançar uma vida melhor se sobrepunha a todo pensamento lógico. Quando já se encontravam a bordo, durante a travessia do grande oceano que podia durar até 40 dias, precariamente instalados em grandes salões precariamente adaptados como quartos coletivos, amontoados com outras centenas de emigrantes,  nos quentes e fétidos porões da terceira classe, começavam a se dar conta das dificuldades que os aguardava. Em cada viagem, essa massa de desprotegidos, compunham um triste quadro da pobreza absoluta, com muitas pessoas amontoadas e pouca comida. Somente o sentimento de esperança, de uma vida melhor na nova pátria, os confortava e ajudava a enfrentar a viagem e as epidemias que frequentemente surgiam a bordo. Apesar de tudo, muitos desses emigrantes mantinham o bom humor, chegando mesmo  a cantar e dançar. 




Entre os anos de 1875 e até pouco antes do início da primeira guerra mundial quase um quarto dos emigrantes italianos se dirigiam para a América do Sul. Não tinham conhecimento para que parte do país seriam levados, só no desembarque descobriam qual seria o destino de cada família. Os navios com emigrantes atracavam nos portos do Rio de Janeiro ou de Santos. Aqueles que estavam destinados para o Rio Grande do Sul, depois de um breve período de quarentena na Ilha das Flores, Rio de Janeiro, embarcavam em navios menores com destino a Porto Alegre onde ao desembarcarem eram instalados provisoriamente, nos chamados barracões, construídos para esse fim. Nesses locais não tinham muita privacidade, com as famílias amontoadas em pequeno espaço e a comida fornecida era desconhecida para eles,   assim as recordações existentes dessa passagem não eram muito boas. Depois de aguardarem alguns dias pela demarcação das terras nas colônias chegava a ordem de partirem. Em vapores menores subiam lentamente pelo rio Caí. Os que ficariam no atual município de Bento Gonçalves desembarcavam em Montenegro e os que seguiriam para Caxias do Sul viajavam até a ultima parada que era em São Sebastião do Caí. Esta pequena povoação foi rapidamente promovida  à município, mais em função do projeto de colonização. Na verdade era o ponto mais distante que se podia alcançar por barco vindo de Porto Alegre. Deste local em diante os imigrantes deviam percorrer a pé, alguns em carroças de bois ou mulas, abrindo o caminho com ajuda de facões, dando início ao trecho mais difícil do trajeto, que era a subida da Serra. 



Os primeiros imigrantes italianos, três famílias, que chegaram ao Rio Grande do Sul foram instalados no distrito de Nova Milano, Farroupilha. Os lotes de terra naquela época eram ainda distribuídos pelo governo imperial brasileiro. 

As dificuldades que tiveram que enfrentar na nova pátria foram enormes, mas, o sentimento de felicidade pelo sonho da propriedade ter sido realizado era externado, como podemos constatar já nos primeiros anos, nas cartas e cartões que esses imigrantes enviavam para os parentes e amigos que tinham ficado na Itália. 




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS










terça-feira, 13 de outubro de 2020

Quando os Emigrantes Italianos Morriam no Mar



Durante os anos da grande emigração de italianos, do final do século XIX e início do século XX, diversos foram os naufrágios de passageiros transportando emigrantes, ocorridos durante a longa e perigosa viagem de travessia do Oceano Atlântico, especialmente nas viagens para os países do hemisfério sul, destinadas ao Brasil e Argentina. Para aproveitarem o máximo   aquela verdadeira enxurrada de passageiros que procuravam bilhetes para viajar para o exterior, as diversas companhias de navegação existentes na época, que não estavam preparadas para tanto movimento, colocaram em serviço todo o tipo de embarcações que dispunham, algumas com dezenas de anos de uso no transporte de cabotagem. Quase nenhuma delas possuía  espaço suficiente nos navios para absorver aquela grande quantidade de passageiros. Assim navios já antigos, que antes eram somente empregados para o transporte de mercadorias, alguns deles usados para transportar carvão, foram velozmente adaptados para servirem de transporte de seres humanos. Grandes divisórias de madeira foram construídas nos porões de carga para servirem como uma espécie de grandes quartos, onde seriam abrigados os passageiros. Eram na verdade grandes salões onde eram distribuídas fileiras de beliches que serviriam de camas para os emigrantes. Os navios não possuíam instalações sanitárias e nem água corrente suficientes para todos os passageiros. Os "banheiros" existentes eram simplesmente grandes baldes de madeira, com tampa, colocados nos cantos desses salões, onde os emigrantes deveriam fazer as suas necessidades e também, no caso de vômitos, que na verdade eram muito frequentes pelo contínuo balanço dos navios. Além de precárias essas adaptações não eram suficientes para a quantidade de passageiros que as companhias de navegação colocavam a bordo, a lotação máxima prevista por viagem, estipulada pelas autoridades do  governo italiano, quase sempre era ultrapassada sem maiores explicações, tudo com o intuito de auferirem maiores lucros. Além de muito quentes, o ar nesses porões onde se alojavam os emigrantes, era quase irrespirável pelo cheiro exalado de centenas de seres humanos, mal lavados e confinados por semanas. Para fugir desse ar pestilento muitos emigrantes procuravam subir para o convés a fim de passarem algumas horas mais confortáveis. Enfrentavam o sol, o frio, a chuva e a água do mar que teimava subir até eles nos dias de ventania, mas, pelo menos diziam, respiravam um ar mais puro. Nessa época ainda não havia refrigeração suficiente para a conservação de alimentos para tantos passageiros, era comum os navios transportarem animais vivos, confinados em alguns precários cercados, os quais seriam abatidos durante a viagem, para servirem de alimento. A higiene nesses casos era bastante precária e esse temerário procedimento, fonte de contaminações, que se traduziam na forma de epidemias, como as de graves diarréias e até cólera. 



No ano de 1880 o vapor italiano Ortigia naufragou nas costas da Argentina, depois de abalroar um outro navio mercante. Nesse acidente morreram 149 emigrantes e muitos outros deles viram terminar o sonho de uma nova pátria, com a morte de seus familiares. No ano de 1884 no navio italiano Brazzo que transportava 1.333 emigrantes a bordo, teve um surto de cólera que matou 20 passageiros. Devido essa epidemia o navio foi proibido de atracar, tendo sido repelido a tiros de canhão antes de entrar no porto de Montevidéu, no Uruguai. Em 1888, no navio italiano Carlo Raggio, que transportava 1.851 emigrantes italianos a bordo, durante a travessia 18 passageiros morreram de fome. Se isso não bastasse, neste mesmo navio, alguns anos mais tarde, em 1894, 27 emigrantes morreram de asfixia e mais de 300 outros adoeceram gravemente. No navio Parà, em 1889, ocorreram 34 mortes por uma epidemia de sarampo. Em 1891 foi a vez do navio inglês Utopia, que durante a viagem em mar agitado e com pouca visibilidade, quando ainda se encontrava nas costas de Gibraltar, colidiu com um encouraçado, também de bandeira inglesa, afundando em poucos minutos, matando 576 passageiros, a maioria deles emigrantes italianos. O navio havia saído de Trieste e feito escala em Nápoles, onde embarcaram centenas de imigrantes italianos. A maioria das vítimas era provinha das regiões da Campania, Abruzzo e Calábria. Em 1893, no navio Remo, 96 emigrantes italianos morreram de cólera e difteria. Em 1894, no navio Andrea Doria, dos 1.317 emigrantes, 159 morreram a bordo de várias doenças. No mesmo ano, 20 mortes por várias doenças foram contabilizadas no navio Vincenzo Florio. Em 4 de julho de 1898, um navio a vapor francês, o Bourgogne, após uma colisão, nas costas da Nova Escócia, com o veleiro inglês Cromartyshire, naufragou causando a morte de 549 emigrantes italianos. Mais adiante aconteceu o afundamento do navio Bologna, que também transportava emigrantes italianos. No ano de 1906, devido uma canção dos emigrantes que surgiu logo depois, aconteceu o mais conhecido caso de afundamento de navio. Foi a vez do navio Sírio, que naufragou nas costas da Espanha. Era de propriedade da companhia Navigazione Generale Italiana e tinha zarpado do porto de Gênova no dia 2 de Agosto de 1906 para mais uma viagem transatlântica rumo ao Brasil, Uruguai e Argentina, levando uma grande quantidade de emigrantes italianos. A bordo estavam 1.418 passageiros, na grande maioria emigrantes, que lotavam a terceira classe, com os seus 1.290 lugares, localizada nos porões da embarcação, abaixo da linha d’água. As vítimas chegaram a um total de 500 passageiros e entre eles estava o bispo de São Paulo Don José de Camargo Barros. O navio não estava equipado com hélices duplas nem anteparas estanques, que teriam evitado o acidente. Entre os passageiros sobreviventes do Sirius, estava Felice Serafini que antes de partir, tinha sido fotografado em Arzignano, na província de Vicenza, e deixou uma foto como lembrança, com toda a numerosa família. Na manhã seguinte ao naufrágio, Serafini encontrou dois de seus filhos, enquanto sua esposa, que também estava grávida, e os outros seis filhos do casal morreram afogados, engolidos pelo mar. Mais recentemente, no ano de 1927, a nau capitânia da frota comercial italiana Principessa Mafalda fazia a sua última viagem, pois na volta seria desmontado, tinha zarpado do porto de Gênova no dia 11 de outubro e feito uma primeira escala em Barcelona, como previsto, partindo a seguir para a América do Sul. A maior parte dos passageiros era composta de emigrantes que tinham como destino final a cidade de Buenos Aires No porto do Rio de Janeiro iriam desembarcar 26 passageiros e no porto de Santos desceriam outros 85 emigrantes. Transportava um total de 968 passageiros e 287 tripulantes. Morreram oficialmente 350 passageiros, além de 32 tripulantes, conforme as declarações do regime facista, mas, para a imprensa argentina e brasileira, os emigrantes afogados tinham sido de 657. Como curiosidade, o navio Principessa Mafalda também transportava uma arca com moedas de ouro, no valor de 250.000 liras na época, presente do governo italiano ao argentino em agradecimento por ter acolhido os numerosos emigrantes italianos. A carga provavelmente ainda esteja a dois mil metros de profundidade no porão do navio naufragado. Em 1940, o navio a vapor britânico Arandola Star foi torpedeado pelos alemães e naufragou próximo às costas do Brasil, e assim tragicamente morreram 446 emigrantes italianos. 



A responsabilidade por todas essas tragédias marítimas dos navios que transportavam os emigrantes italianos deveu-se, em muito casos, ao descuido dos armadores e à falta de controle adequado das autoridades competentes italianas. Aqueles emigrantes italianos que se dirigiam principalmente ao sul do Brasil, no final do século XIX aos primeiros anos da década deXX0 do século passado, era formada, na sua grande maioria, por pequenos agricultores, simples diaristas, artesãos e operários braçais, quase sempre analfabetos. A maioria viajava levando baús de madeira e malas de papelão amarradas com barbante e traziam pouca roupa, enfrentaram uma viagem arriscada e perigosa para a época, em direção ao sonho americano, na esperança de uma existência melhor para si e suas famílias. Os descendentes desses pioneiros deveriam divulgar, por todos os meios possíveis a terrível realidade do que foi a emigração italiana, e não deixar morrerem essas páginas tristes da nossa história familiar e coletiva. Nesses relatos, uma atenção especial deveria ser reservada na divulgação do tempo em que os nossos  antepassados  eram escravizados e usados ​​como mão-de-obra descartável nas indústrias americanas, nas plantações do Brasil e da Argentina, muitas vezes enganados e mal pagos pelos exploradores de plantão. É importante que os nossos descendentes possam conhecer o terrível destino de muitos italianos vendidos a bordéis e crianças vendidas a pedófilos em serviço. Nas fotos antigas dos emigrantes podemos perceber como eram tratados nos navios, amontoados como animais para o abate, onde o fedor do suor de centenas de pessoas mal lavadas amontadas, de fezes, vômito e fumaça que tornava irrespirável o ar dos porões. Devido às precárias condições de higiene, inúmeras mortes por epidemias de cólera, tuberculose, sarampo, difteria, por asfixia, fome, aconteceram a bordo dos navios durante cada travessia.  


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS