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quinta-feira, 5 de junho de 2025

Horizontes de Esperança

 


Horizontes de Esperança

Marmora, província de Cuneo em 1883

Um romance histórico inspirado enm fatos reais


Giovanni Morandello nasceu em 1883 na pacata vila de Marmora, situada a poucos quilômetros de Dronero, na província de Cuneo. A família Morandello era composta por camponeses humildes, que dependiam da agricultura de subsistência para sobreviver. Giovanni, desde muito jovem, conheceu o peso da responsabilidade. Aos dezesseis anos, seguiu os passos de muitos jovens da região e tornou-se um emigrante sazonal, viajando para a França para trabalhar nas colheitas e economizar o máximo possível.

A vida na casa dos Morandello seguia um ciclo imutável: primavera e verão eram dedicados ao plantio e à colheita nos campos da família, enquanto o inverno levava Giovanni de volta à França, onde enfrentava jornadas árduas no frio intenso. Todo o dinheiro que ele ganhava era entregue aos pais, que o utilizavam para manter a família à tona. Contudo, o passar dos anos trouxe um sentimento crescente de insatisfação e inquietação a Giovanni.

Em 1905, aos 22 anos, Giovanni tomou uma decisão que mudaria sua vida para sempre. Dois conhecidos de Marmora, que haviam emigrado para o Brasil, enviaram cartas cheias de promessas sobre as oportunidades no novo continente. Eles afirmavam que, com trabalho duro, era possível construir um futuro melhor, longe da pobreza e das restrições do Piemonte. Giovanni não hesitou. Conversou com os pais, que venderam uma vaca para financiar sua viagem, e decidiu partir.

Giovanni não viajou sozinho. Na mesma caravana estavam Rosa e Teresa, duas jovens de Marmora. Rosa queria reencontrar o noivo, que trabalhava como pedreiro em São Paulo, enquanto Teresa buscava escapar das perspectivas limitadas oferecidas às mulheres de sua aldeia. Os três partiram a pé em direção a Nice, onde pegaram um trem para Le Havre. Ali, no movimentado porto, embarcaram no navio “La Bourgogne” em uma manhã fria de janeiro de 1906.

A travessia do Atlântico foi tudo menos tranquila. As tempestades de inverno agitavam o mar com fúria, e o balanço constante do navio deixava muitos passageiros debilitados. Giovanni, no entanto, parecia incansável. Ele ajudava Rosa e Teresa quando elas ficavam doentes, mantendo a esperança viva com histórias sobre o que encontrariam do outro lado do oceano.

Ao chegar ai Porto do Rio de Janeiro, o trio passou pelo controle de imigração na Ilha das Flores. Giovanni carregava pouco dinheiro mas sua saúde robusta e disposição para o trabalho o ajudaram a atravessar o processo sem maiores problemas. Após alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes, Giovanni seguiu viagem para São Paulo, onde ouviu falar de empregos na construção civil.

São Paulo era um mundo completamente diferente de Marmora. Giovanni ficou fascinado e assustado com o tamanho da cidade, mas não deixou que isso o intimidasse. Trabalhou em várias obras, levantando pontes e prédios que moldariam o horizonte da metrópole. Foi nesse período que conheceu Luigi Bruni, outro imigrante italiano, que lhe falou sobre oportunidades no sul do Brasil. Decididos a buscar melhores condições, Giovanni e Luigi embarcaram em um outro navio no porto de Santos rumo ao Rio Grande do Sul.

No Sul, Giovanni enfrentou os maiores desafios de sua vida. Em Porto Alegre contratado para trabalhar na construção de uma barragem, um projeto colossal em meio à paisagem semi tropical ao lado do rio Guaíba. Em um trágico incidente, uma explosão acidental de dinamite matou dois colegas de trabalho, lembrando Giovanni dos perigos constantes daquele ambiente. Ainda assim, ele perseverou, economizando cada centavo com o sonho de voltar para a Itália.

Mais tarde, Giovanni se juntou a uma equipe de operários que instalava trilhos para a expansão da ferrovia que ligava o Rio Grande do Sul com resto do país. Embora o trabalho fosse exaustivo, ele encontrou conforto no fato de estar ao ar livre, rodeado por montanhas e vastas planícies. Durante as noites, escrevia cartas para sua amada, Maria, que havia prometido esperá-lo em Marmora.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, Giovanni decidiu que era hora de retornar à Itália. Com uma pequena economia acumulada, ele embarcou em um navio em direção ao Rio de Janeiro e dali para Gênova. No entanto, ao chegar, encontrou um país devastado pela inflação e pela iminente guerra. O dinheiro que ele havia economizado com tanto sacrifício perdeu rapidamente o valor.

Giovanni voltou a Marmora, onde casou-se com Maria e retomou a vida de camponês. Devido a sequela da ferida em uma das pernas devido a explosão de dinamite na barragem brasileira, ele não foi chamado para servir o exército. Apesar das dificuldades, ele nunca perdeu a esperança. Contava histórias sobre suas aventuras no Brasil para seus filhos e netos, lembrando-os de que a coragem e a resiliência eram as maiores riquezas que um homem podia possuir.


Nota do Autor

A história de Horizontes de Esperança nasceu do desejo de dar voz aos milhares de imigrantes italianos que deixaram suas terras em busca de um futuro melhor no Brasil. Embora este romance seja uma obra de ficção, ele é profundamente inspirado nas experiências reais dos pioneiros que enfrentaram desafios imensuráveis, desde a travessia do Atlântico até a luta por dignidade e progresso em terras desconhecidas.

Giovanni Morandello representa o espírito resiliente de tantas pessoas que, como ele, partiram de vilarejos como Marmora, na província de Cuneo, deixando para trás famílias, histórias e raízes. Ao longo de sua jornada, ele se depara com dificuldades que refletem as condições de muitos imigrantes: trabalhos árduos, a distância de seus entes queridos e a constante busca por um lugar no mundo.

Minha intenção ao escrever este romance foi trazer à tona não apenas as adversidades, mas também a coragem, a esperança e os pequenos triunfos que moldaram essas vidas e ajudaram a construir a história do Brasil. Que esta obra seja um tributo aos sonhos e sacrifícios daqueles que cruzaram oceanos carregando consigo a força de sua cultura e a esperança de dias melhores.

Dr. Piazzetta



terça-feira, 6 de maio de 2025

Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni

 

Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni


Bianca Mareni nasceu em Borgo Rotondo, uma aldeia escondida entre as montanhas da província de Savona, em 1888. Filha mais nova de um carpinteiro, Giacomo Mareni, e de sua esposa, Teresa, Bianca cresceu em uma família marcada pela pobreza e pela dura realidade de um país dividido entre modernidade e tradição. Desde cedo, aprendeu o peso do trabalho doméstico e os segredos da costura, habilidades que mais tarde se tornariam sua única fonte de sobrevivência.

Em 1915, enquanto a Europa era consumida pelas chamas da Primeira Guerra Mundial, Bianca decidiu abandonar a Itália. Aos 27 anos, partiu acompanhada de seu irmão mais velho, Ernesto, e de sua cunhada, Maria Ricci. Os três embarcaram em um trem rumo à cidade portuária de Gênova, onde o navio Santa Lucia os aguardava. A atmosfera na estação era carregada de emoção; famílias se despediam entre lágrimas e esperanças silenciosas, enquanto os emigrantes carregavam suas malas repletas de sonhos e saudades.

A bordo do Santa Lucia, Bianca enfrentou uma jornada que testou os limites de sua coragem. O Atlântico, em sua fúria habitual, ergueu ondas que pareciam querer engolir o navio. Os passageiros, comprimidos em compartimentos estreitos, lutavam contra o enjoo e o desespero. Bianca recordaria mais tarde como o cheiro de sal e vômito permeava o ar, enquanto o choro das crianças se misturava às preces dos mais velhos. “Cada balanço do navio era um lembrete de nossa fragilidade”, diria ela em uma carta.

Finalmente, após quase um mês de travessia, o Santa Lucia atracou em Nova York. Bianca, com apenas 40 dólares e uma pequena mala, passou pelos rigorosos exames em Ellis Island. Ali, convencida por outras mulheres, declarou ser costureira – um ofício que esperava lhe garantir emprego em terras estrangeiras.

Bianca e sua família seguiram para San Francisco, onde parentes os aguardavam. A cidade, com suas colinas ondulantes e bondes barulhentos, oferecia um contraste agudo à tranquilidade das montanhas de Borgo Rotondo. Bianca encontrou trabalho em uma fábrica de calçados, onde a jornada de 12 horas era pontuada pelo som ensurdecedor das máquinas e pelo cheiro acre de couro. As condições insalubres logo cobraram seu preço: uma tosse persistente começou a atormentá-la, acompanhada de febre e fraqueza.

Em 1918, Bianca foi diagnosticada com tuberculose. O tratamento rudimentar oferecido em um hospital local foi insuficiente, e as autoridades americanas, seguindo as leis de imigração da época, decidiram repatriá-la. Mais uma vez, Bianca embarcou em um navio, agora sem esperanças e com um futuro incerto.

De volta a Borgo Rotondo, Bianca foi acolhida pela família, que fez de tudo para cuidar dela. Ernesto e Maria, por outro lado, permaneceram nos Estados Unidos, estabelecendo-se em um rancho no interior da Califórnia. Eles nunca mais retornariam à Itália, enquanto Bianca enfrentava os últimos anos de sua vida lutando contra a doença.

Em 1921, aos 33 anos, Bianca faleceu, deixando para trás uma história de sacrifício e resiliência. Sua jornada, como a de tantos outros emigrantes, foi marcada pela busca de um sonho que, para muitos, nunca se concretizou. Hoje, seu nome está gravado em uma lápide simples no pequeno cemitério de Borgo Rotondo, como um silencioso tributo a uma vida interrompida pelas adversidades de um mundo em transformação.


Nota do Autor

"Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni" é uma obra que nasceu do desejo de dar voz aos incontáveis emigrantes que, como Bianca, enfrentaram os desafios de um mundo dividido por guerras, preconceitos e desigualdades sociais. Essa narrativa mesmo que fictícia é uma homenagem aos sonhos despedaçados, às lutas invisíveis e à resiliência de quem buscou além do horizonte uma promessa de vida melhor, muitas vezes paga com o preço da própria saúde e dignidade. Ao explorar a história de Bianca Mareni, busquei retratar não apenas os fatos que marcaram sua jornada, mas também as emoções e os dilemas que permeiam a experiência do exílio. Suas decisões, carregadas de coragem e desespero, representam uma geração que foi arrancada de suas raízes em nome de um futuro incerto. Embora Bianca não tenha alcançado o sonho americano, sua história reflete o heroísmo silencioso de tantas vidas interrompidas.

Escrever esta obra foi também um exercício de reflexão sobre as cicatrizes que a emigração deixa, tanto nos que partem quanto nos que ficam. Espero que os leitores encontrem em Bianca uma figura que transcende sua época, um testemunho da fragilidade e da força humanas diante das adversidades.

Agradeço a cada leitor que se dispõe a ouvir a voz de Bianca e a reviver, por meio dela, as esperanças e dores que ainda ecoam em tantas histórias de emigração ao redor do mundo. Que seu nome, gravado em uma lápide simples em Borgo Rotondo, inspire empatia e memória.

Dr. Piazzetta

domingo, 20 de abril de 2025

A Vida do Dr. Martino: Um Médico Italiano no Brasil - Capítolo 1

 


A Vida do Dr. Martino: Um Médico Italiano no Brasil


Era o ano de 1898. O século XIX agonizava, e o novo milênio despontava no horizonte com promessas incertas, mas carregadas de esperança para os habitantes da região do Vêneto. A expectativa permeava o ar, tingida pelo desejo de dias melhores, como um fiapo de luz que se infiltra por entre as fendas de uma porta fechada. Trinta anos haviam transcorrido desde o fim das guerras de independência, cujo rastro de sangue e destruição marcara cada canto da nação unificada. Ainda assim, as feridas permaneciam abertas, ecoando na vida cotidiana de um povo que lutava para sobreviver.

No Vêneto, como em tantas outras regiões italianas, a situação era sombria. O país ainda permanecia atrasado em comparação à maioria das nações europeias, enredado em um ciclo de carestia e dificuldades. O custo de vida subia sem controle, alimentado por colheitas fracassadas devido às inclemências climáticas, que se tornavam mais frequentes e severas. Fenômenos naturais, antes suportáveis, agora pareciam conspirar contra os agricultores. Somava-se a isso a queda nos preços dos cereais, sufocados pela abundância de importações vindas de países como os Estados Unidos e o Leste Europeu. O progresso industrial, tão desejado, continuava a ser um sonho distante, enquanto métodos antiquados de produção mantinham a Itália prisioneira de seu próprio passado.

Nas cidades, a pressão social crescia como uma tempestade inevitável. O aumento populacional dos últimos vinte e cinco anos sobrecarregava as áreas urbanas, que não conseguiam absorver a massa de trabalhadores desempregados que fugia dos campos. O êxodo em direção ao Novo Mundo, iniciado há mais de duas décadas, tornara-se uma constante. Milhões de italianos desesperados atravessavam o Atlântico, em busca de um futuro melhor em terras como Brasil, Argentina e Estados Unidos. Esses emigrantes não eram apenas camponeses pobres ou artesãos famintos. Entre eles, encontravam-se também membros da classe média — pessoas com casas e, em alguns casos, trabalhos, ainda que mal remunerados.

Foi nesse cenário de incertezas que Martino, um jovem médico de 32 anos, decidiu abandonar tudo e unir-se à corrente humana que fluía para o Novo Mundo. Formado com distinção na renomada Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua, e com especializações em cirurgia geral e obstetrícia pela Universidade de Nápoles, Martino tinha o futuro garantido em sua terra natal. No entanto, sua alma inquieta ansiava por algo maior. Nascido em 1866, em Nápoles, ele era fruto de uma família abastada. Seu pai, um advogado agora aposentado, construíra uma fortuna com um prestigiado escritório de advocacia. Sua mãe, de origem veneta, era uma rica herdeira de comerciantes venezianos cujas propriedades rurais se estendiam pelos arredores de Treviso.

Martino herdara o espírito aventureiro de seus antepassados navegadores. Entretanto, não foi o desejo de explorar o desconhecido que o levou a tomar essa decisão, mas sim seu lado humanitário. Sensível às dores alheias, ele não podia ignorar a miséria que via diariamente. Os trens que partiam lotados de camponeses famintos em direção ao porto de Gênova eram testemunhas silenciosas de um drama humano que o comovia profundamente. Certo dia, movido por sua curiosidade insaciável, decidiu acompanhar um desses trens até o porto. A cena que encontrou ali mudou sua vida. Homens, mulheres e crianças, com rostos marcados pela exaustão e esperança, aguardavam o embarque rumo ao desconhecido.

Foi nesse momento que Martino tomou sua decisão. Soubera da existência de colônias formadas quase exclusivamente por imigrantes venetos no sul do Brasil. Histórias de sofrimento chegavam a seus ouvidos: cidades onde não havia médicos suficientes, e muitos morriam por falta de atendimento adequado. O Brasil, com sua vastidão e riquezas, parecia uma terra de oportunidades, mas também de desafios imensuráveis.

Ao retornar, procurou seu pai para compartilhar a decisão. O velho advogado, um homem pragmático, reagiu com ceticismo inicial. Tinha planejado um futuro confortável para o filho, comprando-lhe um espaço privilegiado para estabelecer seu consultório médico na cidade. Contudo, ao ouvir os argumentos de Martino, reconheceu a nobreza de sua intenção. Com o apoio da esposa, não apenas deu sua bênção, mas também antecipou parte da herança familiar para que o jovem tivesse os recursos necessários.

Agora, com a bênção dos pais e os meios financeiros assegurados, Martino preparava-se para sua nova jornada. O destino era uma colônia no sul do Brasil, recentemente elevada à condição de cidade, com apenas nove anos de existência, mas em franco desenvolvimento. Ali, esperava não apenas exercer sua profissão, mas também transformar vidas e, quem sabe, encontrar seu próprio caminho em meio às incertezas de um mundo em mudança.


Nota do Autor

"A Vida do Dr. Martino: Um Médico Italiano no Brasil" é um romance fictício inspirado no rico contexto histórico da imigração italiana para o Brasil no final do século XIX. Apesar de os cenários, eventos históricos e circunstâncias socioeconômicas descritos serem baseados em fatos reais, os personagens e suas histórias são inteiramente fruto da imaginação do autor.

Este livro busca explorar a força humana em meio a adversidades e a resiliência de indivíduos que deixaram suas terras natais em busca de um futuro melhor. O protagonista, Dr. Martino, é uma figura fictícia, mas sua jornada representa os desafios enfrentados por muitos que embarcaram nessa travessia para terras desconhecidas, carregando consigo sonhos, esperanças e o desejo de reconstruir suas vidas.

Ao dar vida a esta narrativa, espero que o leitor seja transportado para uma época de transformações, desafios e conquistas. Que possam sentir o peso das decisões que moldaram gerações, a saudade que permeava os corações e a determinação que levava homens e mulheres a desafiar o desconhecido.

Este é, acima de tudo, um tributo à coragem, à humanidade e ao espírito de aventura que definiram um capítulo tão significativo na história de dois países, Itália e Brasil, cujos destinos se entrelaçaram para sempre através da imigração.

Com gratidão por embarcar nesta jornada,

Dr. Piazzetta



segunda-feira, 7 de abril de 2025

A Travessia de Domenico Valtieri


A Travessia de Domenico Valtieri


Domenico Valtieri tinha 31 anos quando decidiu abandonar sua cidadezinha natal, San Pietro di Barbozza, uma pequena localidade nas belas colinas de Valdobbiadene. A terra na verdade era boa, mas, naqueles tempos, em finais do século XIX, o trabalho era muito escasso, e o futuro para ele, sua esposa Elena e a filha pequena, Maria, parecia cada vez mais sombrio. Toda a zona rural do Veneto sofria com safras magras, inclemência do clima, preço baixo dos grãos, desemprego cada vez maior e fome. As cartas de parentes e vizinhos que já haviam emigrado para o Brasil falavam de terras férteis, acessíveis e oportunidades, ainda que conquistadas com muito esforço. Para Domenico, o apelo de um novo começo era irresistível.

No outono de 1892, ele vendeu tudo o que possuía: algumas galinhas, uma velha mula e utensílios de arado. Com o dinheiro arrecadado e um empréstimo feito a um comerciante local, comprou passagens para o vapor L'Esperanza, que partiria do porto de Gênova rumo ao Rio de Janeiro. A viagem seria longa e cheia de incertezas, mas Domenico acreditava que nada poderia ser pior do que o desespero de permanecer na miséria.

A realidade da travessia revelou-se cruel. Na terceira classe, onde estavam Domenico e sua família, havia uma mistura de corpos, vozes e odores. Homens, mulheres e crianças dividiam espaços apertados, com camas de madeira dura e pouca ventilação. Os dias no mar eram monótonos, interrompidos apenas por tempestades que traziam momentos de tensão. À noite, o som de tosses persistentes, sussurros de orações e o choro de crianças famintas preenchiam o ambiente. Elena tentava distrair Maria com histórias sobre a nova vida que os aguardava, enquanto Domenico, observador, via na travessia uma metáfora de sua luta: um intervalo entre o sofrimento deixado para trás e a esperança que brilhava no horizonte.

Porém, a jornada foi mais implacável do que poderiam imaginar. Uma epidemia de sarampo se espalhou entre as crianças nos porões do navio, e Maria foi uma das primeiras a adoecer. Domenico e Elena fizeram tudo o que podiam, mas a falta de medicamentos e atendimento transformou cada dia em uma batalha perdida. Maria faleceu uma semana antes da chegada ao Brasil. Seu corpo foi dolorosamente sepultado no mar, enrolado em uma mortalha feita de lençóis, amarrada com cordas envolta ao corpo, seguido de uma despedida silenciosa e devastadora, que marcou para sempre a memória dos pais e de tantos outros passageiros e tripulantes que presenciaram aquela impressionante cena.

Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, Domenico e Elena encontraram um mundo novo, mas longe do que haviam sonhado. Após alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes, foram enviados para o sul do país, para uma colônia agrícola no interior do Rio Grande do Sul. A viagem até lá foi mais uma prova de resistência: dias de viagem rio acima, em pequenos bracos, depois em carroças puxadas por bois, atravessando picadas lamacentas e enfrentando o frio das serras. Quando finalmente chegaram à colônia de Dona Isabel, encontraram uma paisagem desafiadora, mas promissora: florestas densas, rios caudalosos e terras férteis, que exigiriam esforço para serem cultivadas.

A vida na colônia começou de forma precária. Domenico, junto a outros colonos, derrubava árvores para construir uma casa de madeira simples. Enquanto isso, Elena cuidava do pouco que tinham e preparava o terreno para a nova rotina. Não havia médicos por perto, e o isolamento entre as famílias fazia da saudade uma presença constante. A lembrança de Maria e dos parentes deixados na Itália era dolorosa, mas o trabalho árduo mantinha o casal focado no futuro.

Com o tempo, os sacrifícios começaram a dar frutos. Domenico conseguiu quitar as terras adquiridas do governo e expandir sua propriedade. Tinham finalmente conseguido realizar o sonho da propriedade. Ele plantou videiras, como fazia na sua terra natal que, anos depois, deram origem a um grande vinhedo, tornando-se um dos pioneiros na produção de vinho da região. A família cresceu com o nascimento de novos filhos, e os Valtieri se tornaram um símbolo de resiliência e trabalho árduo na colônia.

Nos momentos de descanso, Domenico gostava de caminhar entre as videiras, contemplando os cachos de uvas balançando ao vento. Sentia orgulho do que havia construído, mas também carregava o peso das perdas do passado. Ele sabia que a vida na colônia era difícil, mas representava uma vitória sobre as adversidades.

O sacrifício de Maria e de tantas outras crianças que não sobreviveram à travessia não foi em vão. Para Domenico, a saga dos imigrantes era uma lição sobre a força e a fragilidade humanas. Cada um era, ao mesmo tempo, testemunha e vítima de um sistema que prometia um futuro brilhante, mas frequentemente entregava abandono e exploração.

Anos depois, já bem estabelecido, Domenico costumava sentar no alpendre de sua casa e contemplar os campos cultivados. Ali, refletia sobre os sacrifícios feitos, os sonhos interrompidos e as vidas perdidas durante a travessia. Sua história, como a de tantos outros, era um testemunho de coragem e resiliência. Movidos pela necessidade e pela esperança, ele e Elena ousaram atravessar o oceano, construindo uma nova chance para si e para os filhos que viriam.



domingo, 16 de fevereiro de 2025

La Polenta


 

La Polenta


Nata da la farina de mìlio portà sècoli prima da le Amèriche, la ze diventà el sostegno indispensàbile de un pópolo che gavea da afrontar le adversità del sècolo XIX, in tempi de guerre, fame e misèria. Ntei campi sfinì e sule tole poarete de le famèie contadine, la polenta regnava come pan de i poareti, preparà con aqua e sal, cusinà pian pianin inte le caliere de rame o fero che portava el peso de la tradission. Gialla o bianca, secondo la provìnsia, lei ocupava el sentro de i pasti, a volte servida ferma, taiada su un panaro in tole de legno; brustolà, con na crosta crocante che portava conforto ´ntei zorni duri; o compagnà, quando se podea, de formai, carni o sughi semplici, anca pena mescolà con qualche verdure del orto.

Tutavia, la so presenssa contìnua ´ntele tole poarete portava un paradosso crudele. Par i pì poareti, la polenta la zera l’ùnico magnar disponibile, e, consumada sensa variassion o complementi, la ze diventà anca un peso. El mílio, spesso el zera mufà o vècio, no el gavea le sostanse necessàrie, e la mancansa de vitamine, spessialmente la niassina, la gavea portà la pelagra. Sta malatia devastante, segnalà da lesioni ´ntela pele, problemi mentali e fìsici, la colpì forte le provìncie del Veneto, come Vicensa, Treviso e Verona, portando miliaia de persone ´ntei pelagrosari, ospedali par curar chi che ne sofriva. No obstante, la polenta restava quel che empieniva i stomeghi vodi e dava forsa ai corpi strachi de chi laorava ´ntei campi.

Atorno al fogolaro, ndove la caliera cusinava pian pianin, le mare le girava la grande cuciara de legno con man calose, mentre le contava stòrie de tempi miliori. La polenta zera ben pì che un magnar; la zera sìmbolo de resiliensa e identità, un legame che univa el presente duro con el passato de tradission, mantenendo viva la forsa del pópolo. Ogni pasto el zera un ato de resistensa, un rito che confermava el legame con la tera e la speransa che zorni miliori vegnisse.

Con el passar de i ani, con le condission de vita miliorà e con na diversità alimentare pì grande, la polenta la ze passà da èsser solo na necessità a diventar un orgòglio. Incòi lei risplende sule tole festive, compagnà de piati rafinà come carni de cassa, funghi e pesse, ma lei porta ancora con sé la dignità del so passato.

Pì che un magnar, la polenta la ze sìmbolo de la forsa e de la lota de un pópolo che, anca davanti a le pì grandi adversità, el ga trovà in ela un filo de speransa. In ogni cuciarada ghe ze la memòria de chi che ze vignesto prima, un testimónio de superassion e de la simplissità che se trasforma in fortesa. Da i tempi in cui la zera solo sopravivensa ai zorni in cui la ze selebrà, la polenta ze na stòria che rimbomba in ogni famèia véneta, na prova che la resiliensa nasse anca da le cose pì semplici.



terça-feira, 5 de novembro de 2024

Fin de 'l Sècolo XIX - Perìodo de Povertà Granda in Itàlia

 



Fin de 'l Sècolo XIX - Perìodo de Povertà Granda in Itàlia


In Itàlia a la fin del sècolo XIX, la misèria e 'l fame i zera presentà in miàia de famèie, dal nord al sud de la penìnsula. Segundo la "Investigassion Agrària Jacini", che la parlava del mondo agrìcolo italian, la ga dito:

"Ne i vali de le Alpi e de i Apenini, ne le pianure del sud de Itàlia e anca in qualche provìnsia pì ben coltivada del nord, ghe ze catà 'sti casoti ndove, in una stansa 'nfumegà, sensa ària e sensa lume, i vive inseme omo, capre, porchi e gali. E 'sti casoti i se conta forse in sentenare de miàia per tuto el Paese."

Sempre ne l'istessa investigassion agrària Jacini ghe se trova anca 'sto raconto:

"La stala ze la parte principale de la casa del contadino picinin; ze anca el posto par el bestiame, el salon e el santoàrio de la famèia. Ze nte la stala che lori passa i lunghi inverni; ze là che la dona de casa la ciama parenti e amici; ze là che la famèia laora, se diverte, magna e dorme. Mentre le done le cusìa, le ramendàa e giràa el fuso, i òmeni i se meteva a zugar a carte o a contar stòrie"

Ancora dai raconti de 'sta investigassion:

"El consumo essessivo e quasi esclusivo de polenta, con na mèdia de 33 chili per persona l'ano, qualche volta anca de pì ´ntele provìnsie del nord, portava spesso a la pelagra, che la zera conossuda come malatia dei '3 D': dermatite, diarrea e demènsia. El pì grande ospedal dei pelagrosi in Itàlia el zera a Mogliano Veneto, in provìnsia de Treviso."

De novo par 'sta investigassion de l'època:

"Xe tanto dura la vita ´nte la pianura padana e ´nte la zona de la pedemontana vèneta e lombarda che, nei posti con i vigneti, i piceni contadini i ghe mete el vin a 'sta dieta poara, fata de polenta sensa gusto tuti i giorni. Par darghe un poco de gusto, ogni membro de la fameja ghe passava ‘na volta sora un toco de arenche affumegà. ‘El vin fa sangue,’ i diseva. Secòndo la "Revista Vèneta de Scienze Mèdiche", sitada da Eduardo Pittalis nel so libro "Dale Tre Venéssie al Nordest", fra i sècoli XIX e XX, in una ricerca su dodose mila studenti de elementari in provìnsia, solo tre mila no beve, cinquemila beve robe alte de gradassion alcòlica e nove mìa beve de continuo vin, con el meso che ne abusava."

La povertà, negli ùltimi desseni del sècolo XIX, la ze tanta, spiega Marco Porcella nel libro "La fatica e la Mèrica", che una gran fonte de guadagno par le famèie de contadini zera el sacrifìssio de le done (le bàlie) par crescer i orfani al posto del stato. Spiega:

"I zera òrfani, fiòli quasi sempre ilegìtimi, che no mancava mai ne le grandi sità, abandonà ne le "Rode" (degli orfanatèi). Nei paesi picini, ndove no ghe zera "Rode" dei orfanatèi, i putéi i zera abandonà sui scalini de le cese, sui porti de i pàroci o anca in man de le ostetriche. Tanti de lori i zera denutriti, infredolì, e qualche volta nati prematuri, i muriva ntei primi zorni. In perìodo sensa epidemie, ghe se calculava una mortalità infantil del 33%. Nte le sità, la maior parte de lori i zera abandonà parchè se credeva che 'el fiol de la colpa' portasse malatie a le bàlie e dunque ai so fiòi, tipo la sifìlide, diagnosticà come causa de morte. Dopo un ano, el 'fiol de late' diventava 'fiol de pan' e el podèa vegner su fino a dodese ani, dopodiché el ospedale se ne disinteressava."

Nei racconti del mèdico Luigi Alpago Novello, che laorava tra i picini agricoltori in provìnsia de Treviso, a la metà del sécolo XIX, el ze descrito come, par famèie poare, ze paragonata l’importanza de i membri maladi rispeto ai animali che ghe davea sostegno. El dotore disi:

"I membri de na famèia i ze valorà par quel che i podea far de ben par tuto el grupo. La morte de chi no pol laorar, o de chi ze malato e restà sempre in leto, ze meno importante de un animale grande, no dirò una vaca o un boe, ma anca solo na pecora o na capra. Se un boe se ga amalà, la famèia la ze disperà e core dal veterinàrio – se ze gratis – o da un curador, e i fa tuto quel che el disi. Tanti i va anca tanto distante par portar el veterinàrio par 'l vitel che no ga la voia de magnar'. Invese i làssia che i putéi i vaga a mal e i muri sensa ciamar 'l dotore, e tante volte no i segue gnanca quel che el ghe ordinà."

I progresi de la medicina e le campagne de igiene par tuto el Véneto, sopratuto durante la dominassion austrìaca, i ga fato sì che in 1911 l’età mèdia de morte la ze aumentà da solo sei ani e meso a trenta ani. Però, la mortalità infantìl restava altìsima. Sempre in 1911, i putéi soto i sinque ani i rapresentava el 38% de tuti i morti.



domingo, 8 de setembro de 2024

Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores

 


O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.

Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.

A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.

A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”

Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.

Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”

E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Nos Cafezais: O Sonho Amargo

 


Nos Cafezais: O Sonho Amargo


A viagem fora longa e extenuante. O navio que os trouxe da Itália até o Brasil balançava ao sabor das ondas, enquanto os Buonarotti mantinham a esperança acesa em seus corações. Francesco e Amalia, ambos com trinta anos, seguravam as mãos de seus três filhos pequenos – Alessandro, Tranquilo, e a pequena Giuseppina. Ao lado deles, o patriarca Tranquilo, pai de Francesco, viúvo e com outros filhos já emigrados para os Estados Unidos, observava o horizonte com olhos cansados, refletindo sobre o passado e temendo o futuro.

Desembarcaram no porto de Santos sob um sol inclemente que parecia derreter os sonhos dos recém-chegados. As promessas feitas pelos agentes de emigração italianos soavam agora distantes e irrealizáveis. Seguiram para o interior de São Paulo, para a região de Ribeirão Preto, onde começaria uma nova etapa de suas vidas. Francesco sentia um misto de temor e determinação ao imaginar o que os esperava. A saudade da terra natal se misturava ao desejo de construir algo que pudesse chamar de seu.

A fazenda Pica Pau, onde foram contratados para trabalhar, era vasta e imponente, com fileiras intermináveis de cafeeiros que se estendiam até onde a vista alcançava. Francesco, acostumado às terras férteis da Emilia Romagna, sabia que o trabalho seria árduo, mas não esperava encontrar condições tão severas. As casas onde seriam alojados, outrora ocupadas pelos escravos recentemente libertos, eram humildes, mal conservadas, e exalavam o cheiro da dor e do sofrimento de seus antigos ocupantes.

Amalia, uma mulher de espírito forte, olhava para seus filhos com uma angústia velada. Sabia que os desafios seriam grandes, mas estava decidida a proteger sua família a qualquer custo. Com as economias que conseguiram juntar com muito esforço, alimentavam a esperança de que um dia poderiam comprar sua própria terra. Porém, a realidade que encontraram era dura e implacável.

O primeiro ano na fazenda foi marcado por um trabalho incessante e desumano. Francesco e Amalia, junto com outras famílias de imigrantes, se levantavam antes do amanhecer e só retornavam ao entardecer, com as mãos calejadas e os corpos exaustos. A colheita do café era feita manualmente, e cada grão colhido representava um pequeno passo em direção ao sonho que os trouxera àquela terra distante. Porém, o suor derramado nos campos parecia não ser suficiente para apagar as dívidas que se acumulavam.

Tranquilo, o pai de Francesco, sentia o peso da idade e da responsabilidade de ter trazido sua família para aquela nova vida. Ele ajudava como podia, mas suas forças já não eram as mesmas. Apesar disso, não reclamava; sabia que cada esforço era necessário para garantir um futuro melhor para seus netos.

O segundo ano trouxe consigo novas dificuldades. As plantações de café, que pareciam prometer riqueza, mostraram-se inclementes. As pragas, as secas e as doenças eram inimigos constantes. O patrão, um homem rígido e sem piedade, exigia cada vez mais dos trabalhadores, oferecendo em troca apenas o mínimo necessário para mantê-los vivos e capazes de trabalhar.

As noites eram momentos de reflexão e medo. Francesco e Amalia conversavam baixinho, planejando estratégias para economizar e sair daquela situação. Sabiam que o contrato não lhes garantia a posse da terra, mas estavam determinados a juntar cada centavo para, um dia, conquistar a liberdade que tanto almejavam. Os filhos, apesar da pouca idade, ajudavam como podiam, e a pequena Giuseppina, mesmo com apenas dois anos, parecia entender o peso da responsabilidade que recaía sobre sua família.

O terceiro ano foi ainda mais desafiador. As esperanças começaram a se esvair, substituídas por uma resignação silenciosa. Amalia, que sempre fora uma mulher otimista, sentia a tristeza se infiltrar em sua alma. Mas, apesar das adversidades, o casal não desistia. Os Buonarotti eram resilientes, e sabiam que o futuro dependia da sua capacidade de resistir às intempéries da vida.

Quando o quarto ano chegou ao fim, Francesco e Amalia fizeram um balanço da situação. Haviam economizado o suficiente para comprar uma pequena propriedade em Santa Rita do Passa Quatro, uma cidadezinha que começava a se formar nas proximidades da fazenda. A decisão de deixar a Pica Pau foi difícil, mas sabiam que permanecer ali significava continuar presos em um ciclo de pobreza e submissão.

A transição para a vida fora da fazenda não foi fácil. A pequena propriedade que adquiriram exigia ainda mais sacrifício, mas pela primeira vez sentiam que estavam trabalhando para si mesmos. Francesco começou a buscar trabalho nas pequenas indústrias que surgiam na cidade, enquanto Amalia, com sua habilidade manual, começou a confeccionar sacos de juta. A ideia de montar uma pequena manufatura tomou forma na mente do casal.

Nos anos seguintes, a família Buonarotti trabalhou incansavelmente para transformar seu pequeno empreendimento em algo mais sólido. Tranquilo, já debilitado pela idade, não deixou de contribuir com sua sabedoria e experiência. Sob sua orientação, Francesco e Amalia aprenderam a lidar com os desafios de empreender em um novo país, em uma nova cultura.

Santa Rita do Passa Quatro crescia lentamente, e com o crescimento da cidade, a pequena manufatura de sacos de juta dos Buonarotti também prosperava. O sucesso que tanto almejavam começou a se concretizar, e pela primeira vez em muitos anos, sentiam que a escolha de emigrar para o Brasil fora a decisão certa. Mas o caminho até ali fora repleto de sacrifícios, dores e desilusões.

Giuseppina, já uma jovem de quinze anos, ajudava na fábrica com uma habilidade nata. Alessandro e Tranquilo, agora adolescentes, mostravam o mesmo espírito trabalhador de seus pais. A família, unida pelo esforço comum, transformou o sonho amargo que um dia os levou a cruzar o oceano em uma realidade mais doce.

Apesar das conquistas, a saudade da Itália nunca os abandonou. Francesco e Amalia, em noites silenciosas, ainda lembravam das colinas de Castelnuovo Rangone, dos parentes que haviam deixado para trás. Mas agora, ao olhar para seus filhos, viam o futuro que haviam construído, um futuro que, apesar de todas as dificuldades, justificava cada lágrima derramada, cada grão de café colhido, cada erva daninha arrancada com as próprias mãos.

E assim, nos campos do café, onde um dia o sonho foi amargo, a família Buonarotti encontrou a força para recomeçar. A nova vida, construída com suor e determinação, era um tributo à coragem daqueles que não temeram os desafios e que, mesmo longe de sua terra natal, conseguiram plantar suas raízes em solo estrangeiro.

domingo, 1 de setembro de 2024

A Emigração Veneta como Ato de Rebeldia

 


A Emigração Veneta como Ato de Rebeldia


A emigração veneta, especialmente a partir de meados do século XIX, pode ser compreendida como uma forma de protesto silencioso, mas potente, contra as injustiças sociais, econômicas e políticas que afligiram essa região da Itália ao longo dos séculos. Para entender esse fenômeno, é fundamental contextualizar o povo veneto dentro da complexa história que se desenrolou após a queda da Sereníssima República de Veneza, uma entidade que, por quase mil anos, havia garantido certa estabilidade e prosperidade ao seu povo.

Com a invasão de Napoleão em 1796 e a subsequente anexação do Vêneto ao Império Austríaco, a vida dos venetos começou a mudar drasticamente. A antiga serenidade da República Veneziana foi substituída pela rigidez e austeridade do domínio austríaco, que, embora garantisse uma relativa segurança, não conseguia mais prover a mesma qualidade de vida. A frase popular "Com a Sereníssima almoçávamos e jantávamos; com Cesco Bepi almoçávamos; com os Savoia, nem almoçávamos, nem jantávamos" expressa com clareza a percepção de um povo que viu sua situação deteriorar-se rapidamente.

Com a unificação da Itália sob a Casa de Savoia, o cenário para os venetos tornou-se ainda mais desolador. A degradação econômica que já se fazia sentir sob o domínio austríaco foi exacerbada pela pressão dos novos impostos e pela instabilidade política do recém-criado Reino da Itália. Os pequenos agricultores, que por gerações haviam vivido como meeiros ou proprietários de pequenas parcelas de terra, viram-se cada vez mais espremidos entre os altos impostos e a necessidade de vender suas terras para sobreviver.

A emigração, nesse contexto, surgiu como uma resposta natural, quase inevitável, para muitos venetos. Incentivada pelas autoridades e muitas vezes também pelos sermões dos padres nas igrejas, que viam na emigração uma forma de evitar um conflito armado iminente, essa fuga em massa não foi apenas uma busca por melhores condições de vida. Foi, sobretudo, um ato de resistência passiva contra os "senhores de terras" que haviam explorado esses trabalhadores por tanto tempo. A expressão "Tasi sempre, Obedire sempre", que havia caracterizado a relação dos venetos com seus patrões e com a Igreja, começou a perder força à medida que esses camponeses decidiram, em grande número, buscar uma nova vida em terras distantes, especialmente nas Américas.

Esse êxodo massivo foi um golpe para a velha ordem social. De repente, aqueles que haviam exercido poder e controle sobre os trabalhadores rurais, se viram sem mão de obra para trabalhar suas terras. Em uma virada irônica do destino, muitos dos antigos proprietários de terras, antes poderosos, foram forçados a sujar as mãos no trabalho duro que antes delegavam, pois não tinham mais quem o fizesse por eles.

Assim, a emigração veneta pode ser vista como uma forma de protesto contra a opressão e a exploração, uma maneira de dizer "basta" a uma situação insustentável. Foi um movimento impulsionado pelo desejo de uma vida melhor, mas também por um sentimento profundo de revolta e de não conformidade com uma realidade que havia se tornado intolerável. Para os venetos, emigrar não foi apenas uma escolha econômica; foi um ato de dignidade e resistência, uma forma de reivindicar o direito de viver com dignidade, mesmo que isso significasse deixar para trás a terra dos antepassados e buscar novos horizontes em lugares desconhecidos.


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Dias de Espera, Noites de Angústia

 



No final do século XIX, a promessa de uma vida melhor nas Américas atraía milhares de italianos, que deixavam suas terras na esperança de um futuro mais próspero. Entre esses, estava o casal Pietro e Maria, agricultores da pequena aldeia de Casale Monferrato, no Piemonte. Como muitos outros, decidiram vender tudo o que tinham para pagar a passagem no vapor que os levaria ao Brasil, onde sonhavam em recomeçar suas vidas.
Em sua aldeia, foram abordados por um agente de viagens que trabalhava para uma companhia de navegação. Ele pintou um quadro idílico do novo mundo, prometendo terras férteis, trabalho abundante e um futuro próspero para eles e seu filho pequeno, Giovanni. Convencidos pelas palavras do agente, Pietro e Maria compraram as passagens, mesmo sabendo que isso significava abrir mão de quase todas as suas economias.
O agente, no entanto, tinha intenções que iam além de vender passagens. Ele marcou a data para que o casal chegasse a Gênova muito antes do necessário, garantindo que eles passassem semanas na cidade antes da partida do navio. Ao chegar ao porto, Pietro e Maria encontraram-se em um cenário caótico: ruas lotadas de famílias como a deles, que aguardavam o embarque para uma nova vida. Com a pouca experiência que tinham do mundo fora de sua aldeia, não estavam preparados para o que os esperava.
Nas proximidades do porto, comerciantes desonestos, em conluio com agentes de viagem, aproveitavam-se da vulnerabilidade dos emigrantes. Os hotéis, pensões e restaurantes locais estavam prontos para explorar até o último centavo daqueles que buscavam abrigo e comida enquanto esperavam pelo embarque. As ruas adjacentes ao cais eram um amontoado de lugares baratos e mal conservados, onde as famílias, já fragilizadas pela longa viagem até o porto, se viam forçadas a gastar suas últimas economias.
Pietro e Maria encontraram refúgio em uma pequena pensão, uma escolha quase que inevitável, dada a situação. Os dias se transformaram em semanas, e a espera tornou-se um tormento. Cada noite passada naquele lugar significava menos dinheiro para recomeçar suas vidas no Brasil. O quarto que alugavam era úmido e frio, as camas duras e desconfortáveis. A comida, vendida a preços exorbitantes, era escassa e de má qualidade. A saúde de Giovanni começou a se deteriorar, agravando ainda mais a angústia do casal.
Nas ruas ao redor do porto, o cenário era ainda mais desolador. Famílias que não tinham dinheiro para pagar por um abrigo se amontoavam nas calçadas, expostas ao frio e à chuva. Crianças famintas vagavam pelas ruas, enquanto seus pais, desesperados, tentavam encontrar alguma forma de garantir a sobrevivência até o dia do embarque. A espera prolongada não era apenas física, mas também emocional; cada dia parecia arrastar-se interminavelmente, e o sonho de uma nova vida começava a desvanecer-se.
Maria, com Giovanni nos braços, passava os dias em preces silenciosas, tentando manter viva a esperança. Pietro, por sua vez, sentia o peso da responsabilidade, sabendo que cada dia que passava os afastava mais do sonho que os levara a deixar sua terra natal. O dinheiro que haviam economizado com tanto esforço agora desaparecia rapidamente, e o medo de não ter nada ao chegar ao Brasil começava a assombrá-los.
Finalmente, o dia do embarque chegou. O porto estava cheio de famílias exaustas, debilitadas pela longa espera. Quando o imponente vapor atracou, houve um misto de alívio e tristeza entre os que estavam prestes a partir. Pietro, segurando Giovanni com uma mão e Maria com a outra, olhou para o navio com o coração apertado. Eles estavam deixando para trás uma terra que os havia visto nascer, mas também uma experiência de sofrimento que marcaria suas vidas para sempre.
Para muitos, o embarque representava a esperança de uma nova vida, mas para outros, como aqueles que não conseguiram pagar pela passagem ou que ficaram sem dinheiro para embarcar, o porto de Gênova se tornaria um símbolo de sonhos destruídos. As ruas ao redor do cais continuaram a testemunhar o sofrimento daqueles que, como Pietro e Maria, foram forçados a enfrentar uma espera cruel, onde a esperança se misturava com a desilusão e a miséria.
Assim, enquanto o vapor partia em direção ao horizonte, levando consigo os sonhos e as últimas economias de tantos emigrantes, o porto de Gênova ficava para trás, um lugar onde muitos deixaram não apenas sua terra natal, mas também uma parte de suas almas, consumidas pela longa e dolorosa espera.


terça-feira, 2 de maio de 2023

A Pelagra e a Pobreza no Veneto do Século XIX: Uma Análise Histórica

Pátio interno da seção feminina do lazareto de Mogliano Veneto

 

A pelagra foi uma doença que atingiu em larga escala a população do Veneto, região do nordeste da Itália, na última metade do século XIX. A doença, que é causada pela deficiência de niacina (vitamina B3) e triptofano, atingia principalmente as camadas mais pobres da população, que não tinham acesso a uma alimentação adequada e sofriam com as condições insalubres em que viviam.

Os primeiros casos de pelagra foram registrados na região do Veneto em meados do século XIX, mas a doença só começou a se tornar um problema de saúde pública a partir da década de 1870, quando os casos se multiplicaram em toda a região. Os sintomas da pelagra incluem irritação na pele, diarreia, demência e, em casos mais graves, coma e morte.

A causa da pelagra só foi descoberta no início do século XX, quando o médico norte-americano Joseph Goldberger realizou uma série de estudos que demonstraram a relação entre a deficiência de niacina e triptofano e a ocorrência da doença. No entanto, na época em que a pelagra se espalhou pelo Veneto, ainda não se sabia o que causava a doença e como tratá-la.

A pelagra teve um impacto devastador na região do Veneto, que enfrentava uma série de desafios socioeconômicos na época. A região havia passado por um período de instabilidade política e econômica, com a unificação da Itália e a abolição do feudalismo, o que levou a um aumento da pobreza e da marginalização social. Além disso, a região sofria com a falta de saneamento básico e de acesso a uma alimentação adequada, o que favorecia a disseminação da doença.

Para combater a pelagra, foram desenvolvidas diversas campanhas de conscientização e de assistência médica na região do Veneto. Os médicos locais começaram a estudar a doença e a identificar as populações mais vulneráveis, como os trabalhadores rurais e os prisioneiros. Foram também criados hospitais e clínicas especializadas no tratamento da pelagra, onde os pacientes recebiam uma alimentação balanceada e suplementos vitamínicos para combater a deficiência de niacina e triptofano.

Com o tempo, as medidas de prevenção e tratamento da pelagra foram aprimoradas e a doença deixou de ser um problema de saúde pública na região do Veneto. No entanto, a história da pelagra na Itália serve como um lembrete dos desafios enfrentados pelas populações mais vulneráveis em momentos de instabilidade social e econômica, e da importância de se investir em políticas públicas de saúde e assistência social para garantir a qualidade de vida da população.





Os profissionais médicos que tratavam da pelagra geralmente tinham experiência no assunto pesquisando e estudando as causas e tratamentos da doença. Eles se dedicavam a tratar os doentes e estudar as três formas da doença para buscar uma cura.
Entre os mais famosos do Veneto estava Luigi Sacco, médico que trabalhava no hospital de Milão e que publicou um estudo sobre a pelagra em 1901. Ele defendia a ideia de que a doença era causada por uma deficiência na dieta, especialmente na ingestão de proteínas.
Outro importante médico que estudava a pelagra foi Cesare Lombroso, médico e antropólogo que tratava a pelagra em Veneza. Ele também defendia a ideia de que a doença era causada por uma deficiência na dieta, mas também argumentava que fatores hereditários podiam contribuir para facilitar o seu surgimento.
Além dos médicos, havia também um grande número de assistentes sociais e auxiliares, que se dedicavam a cuidar dos doentes e ajudar suas famílias. Um exemplo é Maria Montessori, que na época trabalhava como assistente social em Roma e se dedicou a cuidar dos doentes de pelagra.
Os médicos que estudavam a pelagra tiveram um papel importante na luta contra a doença, tanto na identificação das causas da doença quanto na busca por tratamentos eficazes. No entanto, a cura só foi encontrada décadas depois, quando foi descoberto que a pelagra era causada por uma deficiência de niacina, uma vitamina do complexo B.
O lazareto de Mogliano Veneto também foi um importante estabelecimento criado para tratar os doentes de pelagra no Veneto. Localizado na província de Treviso, o lazareto foi fundado em 1904 e chegou a abrigar mais de 800 pacientes.
O estabelecimento contava com uma infraestrutura completa, incluindo dormitórios, salas de atendimento médico, refeitórios, lavanderia e cozinha. Os pacientes eram separados em diferentes alas, de acordo com o grau de gravidade da doença.
O tratamento dos doentes de pelagra no lazareto de Mogliano Veneto incluía a administração de dietas especiais, ricas em proteínas e vitaminas, além do uso de medicamentos e suplementos alimentares. A higiene era rigorosamente monitorada, com o objetivo de evitar a propagação da doença, pois ainda não se sabia muito bem sobre ela.
O lazareto de Mogliano Veneto foi fundamental para conter a propagação da pelagra na região, e contribuiu significativamente para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para a doença. No entanto, foi somente com a descoberta da causa da pelagra e a implementação de políticas públicas de combate à desnutrição que a doença foi erradicada na região.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS



sábado, 3 de março de 2018

Não Esquecer do Arenque Defumado Atado em um Barbante - No scordare dell’aringa affumicata appesa nello spago


No scordare dell’aringa affumicata appesa nello spago

Tra i brevi ricordi del Veneto, rimasti fino oggi nella memoria degli emigranti che si conserva ancora con i suoi discendenti troviamo l´episodio dell´aringa affumicata appesa allo spago sopra la tavola nei pranzi. I più vecchi raccontanno l´episodio per confrontare la povertà endemica patitte dalle famiglie venete nel fin´Ottocento e inizio del Novecento con l´abbondanza e benessere attuale. È una forma d´avvertimento ai giovani d´oggi che non sano cosa sia la necessità. Ci raccontano che dovuto le brutte condizioni, la mancanza di proteine e cibi di qualità hanno propiziato una serie di malattie, tra cui la pelagra, che portavano via tanti persone. L´episodio dell´aringa: quando ci si sedeva a tavola si era sempre in tanti da sfamare e il cibo pochissimo. Allora, si appendeva un´aringa affumicata ad uno spago penzolante sopra il tavolo e ai commensali si serviva la polenta. A sua volta ognuno strofinava la propria fetta di polenta calda sull´aringa, in modo che la polenta cambiasse sapore. Altre versioni ci parlano del salame e anche delle ossa per il brodo che faceva strada tra i vicini, ogni giorno faceva il brodo di una famiglia.


Não esquecer do arenque defumado atado em um barbante

Entre as poucas recordações do Vêneto, permanecem até hoje na memória dos emigrantes e que se conserva entre os seus descendentes encontramos o episódio do arenque defumado atado em um barbante sobre a mesa nas refeições. Os mais velhos contam esse episódio para fazer a comparação da pobreza endêmica sofrida pelas famílias vênetas no final do século XIX e início do século XX com a abundância e bem-estar atual. É uma forma de advertimento aos jovens de hoje que não sabem que coisa seja a necessidade. Nos contavam que devido as péssimas condições, a falta de proteinas e alimentos de qualidade propiciaram uma séria de doenças, entre elas a pelagra, que ceifaram a vida de tantas pessoas. O episódio do arenque defumado: quando se sentavam à mesa estavam sempre em muitos para alimentar e a comida era pouquíssima. Então se amarrava um arenque defumado com um barbante e o pendurava por sobre a mesa enquanto se servia a polenta. Cada um a sua vez esfregava a sua fatia de polenta quente no arenque pendurado, de modo que a polenta mudasse de sabor. Outras vesões nos dizem do salame e também do osso para o caldo, que percorria toda a vizinhança, cada dia fazia o “brodo” de uma família.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS