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sábado, 12 de outubro de 2024

Raízes Além-Mar: A Saga de uma Família Italiana em Busca de Prosperidade no Brasil




Em 1898, no final do século XX, a família de Francesco e Maddalena ainda enfrentava as condições de vida cada vez mais precárias no sul da Itália. A inflação e o desemprego minavam os rendimentos, enquanto por toda parte, as conversas giravam em torno da ideia de emigrar, de buscar um novo lar além das fronteiras italianas. Muitos milhares de compatriotas já tinham partido para diversos destinos na própria Europa e ou mais freqüentemente para as Américas. Francesco, carpinteiro habilidoso, notou que as oportunidades de emprego minguavam, e as adversidades econômicas tornavam-se cada vez mais difíceis de suportar. Guiado pela esperança de oferecer um futuro mais promissor a sua esposa e dois filhos, enfrentou a difícil decisão de buscar novas oportunidades do outro lado do oceano, no Brasil.
A família partiu de Capranica, na província de Viterbo, com destino ao Brasil. Lucca, então com 17 anos, acompanhava seu pai, enquanto seu irmão Giovanni, de 16 anos também seguia na jornada em busca de uma vida mais promissora. Venderam o único hectare de terra e alguns poucos bens que possuíam para financiar a viagem e alimentar os sonhos de prosperidade nas terras sul-americanas.
Ao chegarem ao Brasil, a realidade se mostrou desafiadora. O pai de Lucca, mesmo sendo um carpinteiro qualificado, encontrou dificuldades para conseguir trabalho que garantisse o sustento adequado para a família. Diante dessa situação, os dois irmãos ingressaram no mercado de trabalho. Lucca tornou-se empregado em um bar, enquanto Giovanni conseguiu uma posição em um pequeno hotel, cuidando da recepção e da manutenção.
A residência da família, situada na periferia de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, oferecia aluguéis mais acessíveis. No entanto, quase toda a renda de Lucca e seu irmão era consumida pelo aluguel da modesta casa de três quartos, sala e cozinha.
O anseio de um dia retornar à Itália, mesmo diante da escassez financeira, perdurava constantemente nos pensamentos de Francesco e Maddalena. Lucca, por outro lado, encontrou conforto nos braços de Rosalia, uma jovem da Calábria, que havia chegado ao Brasil cinco anos antes. Ela trabalhava como funcionária de uma pequena tecelagem, uma ocupação modesta, mas que trazia esperanças de um futuro melhor para o casal.
A vida no Brasil tornou-se uma montanha-russa de desafios, esperanças e trabalho árduo. Lucca e seu irmão Giovanni, incansáveis na busca por uma vida melhor, mantinham-se firmes em seus empregos. Sonhavam com o dia em que as circunstâncias permitiriam a Lucca abrir o seu próprio negócio, um símbolo dos esforços e aspirações de uma família que, apesar das adversidades, persistia na busca por um futuro mais promissor nas terras sul-americanas.
Com o passar dos anos, a família cresceu. Lucca e Rosalia tiveram três filhos: Enzo, Giulio e Isabella, nomes que remetiam às suas raízes italianas. A cada desafio enfrentado, a família fortalecia seus laços, e as crianças cresceram em meio a histórias de coragem e perseverança, carregando consigo a herança e a esperança de um futuro promissor.
Francesco faleceu repentinamente em 1942, encontrando seu descanso em Ribeirão Preto, enquanto Maddalena seguiu o mesmo caminho quatro anos depois, na mesma cidade, com quase 90 anos de vida. Giovanni, que sempre se mostrou como um hábil comerciante, teve a sorte no casamento, ao unir-se a Elena, uma jovem nascida no Brasil. Professora primária, filha única de uma abastada família de comerciantes italianos da Sicília, ela trouxe uma nova perspectiva à vida de Giovanni. Juntos, construíram uma família robusta, com quatro filhos - Attilio, Luigi, Lorenzo e Leonardo. Após a súbita morte do sogro, Giovanni assumiu os negócios, ascendendo ao cargo de gerente das diversas casas de comércio dele. Percebendo a importância do envolvimento familiar, trouxe seu irmão Lucca para também integrar-se aos empreendimentos. Juntos, enfrentaram os desafios do mundo dos negócios, honrando o legado e fortalecendo os laços familiares na empreitada comercial.
Com o decorrer dos anos, os descendentes dedicaram-se aos estudos, assumiram as rédeas e perpetuaram os negócios comerciais inaugurados por seu avô siciliano, dando forma ao próximo capítulo da saga familiar.







sábado, 28 de setembro de 2024

Os Sonhos dos Emigrantes


 

Os Sonhos dos Emigrantes

A névoa suave da manhã cobria o porto de Gênova, onde o navio Esperança estava ancorado, preparando-se para zarpar rumo ao Brasil. Entre as sombras e os raios de sol que timidamente cortavam a neblina, um grupo de famílias italianas se reunia, carregando nas mãos não apenas malas, mas também o peso de seus sonhos e expectativas. Cada um dos emigrantes trazia em seus olhos o reflexo de um futuro idealizado, uma terra onde a fome, a miséria e as incertezas seriam substituídas pela abundância e pela dignidade.

Giuseppe Rossi, um agricultor de trinta anos, apertava a mão de sua esposa, Maria, enquanto seus dois filhos, Luigi e Clara, olhavam curiosos para o gigante de madeira que logo os levaria para uma nova vida. Giuseppe nascera e crescera na pequena aldeia de Castelfranco Veneto, onde o solo agora infértil e a falta de trabalho tornaram insuportável a luta diária pela sobrevivência. Em noites de insônia, ele frequentemente ouvia histórias de brasileiros prósperos que haviam sido contadas por viajantes e padres, promessas de uma terra onde tudo crescia, onde o trabalho era recompensado e onde os filhos poderiam sonhar sem limites.

A bordo do Esperança, os dias se arrastavam. A brisa do mar, que inicialmente era um alívio para os emigrantes, tornara-se uma constante lembrança da distância que crescia entre eles e a Itália. As noites eram preenchidas por cantos tristes, lamentos que ecoavam no porão do navio, onde os passageiros de terceira classe estavam confinados. Mas mesmo em meio às dificuldades da viagem, o sonho do Brasil permanecia vivo, alimentado pelas histórias que circulavam entre as famílias.

A primeira visão do Rio Grande do Sul foi uma miragem distante. O litoral recortado, com suas montanhas verdes e florestas densas, parecia prometer tudo o que haviam esperado. Giuseppe apertou a mão de Maria com força, e ambos trocaram um olhar cheio de esperança. “Aqui, construiremos uma nova vida”, pensou ele, certo de que aquela era a terra onde seus filhos cresceriam com dignidade e fartura.

A realidade, porém, era menos indulgente do que as histórias contadas na Itália. Assim que desembarcaram em Porto Alegre, foram direcionados para uma colônia na serra gaúcha, onde a promessa de terras férteis os aguardava. Mas ao chegar, os Rossi se depararam com uma floresta impenetrável, onde o solo virgem ainda clamava por ser desbravado. As árvores gigantescas precisavam ser derrubadas, os troncos arrastados, e os campos preparados para o plantio. As primeiras semanas foram de exaustão física e mental. O isolamento era total; a família mais próxima vivia a quilômetros de distância, e o médico mais próximo estava a dias de viagem.

Mas Giuseppe não desanimou. Ao lado de Maria, que nunca deixava de sorrir, mesmo nas horas mais difíceis, ele começou a trabalhar. As mãos calejadas, acostumadas à terra seca da Itália, aprenderam a lidar com o barro e as pedras do novo mundo. Luigi e Clara, ainda crianças, também ajudavam como podiam, colhendo frutas silvestres e aprendendo com os imigrantes vizinhos a língua portuguesa.

O primeiro inverno no Brasil foi uma prova de fogo. O frio, que eles nunca imaginariam encontrar tão ao sul, adentrava pelas frestas da madeira mal encaixada da pequena casa que haviam construído. Muitos dos imigrantes sucumbiram às doenças, à solidão e ao desespero. Giuseppe temia que sua própria família fosse também tragada por essa onda de sofrimento. Mas a fé em Deus e o amor que compartilhavam os mantiveram fortes.

Então, na primavera seguinte, o milagre aconteceu. A primeira colheita, ainda que modesta, encheu seus corações de alegria. O trigo dourado, que dançava ao vento, simbolizava não apenas o sustento físico, mas a concretização de um sonho. Os Rossi, como muitos outros, haviam finalmente encontrado seu lugar na nova terra. E com o trigo e o milho, vieram as parreiras, os vinhedos, o pão e o vinho, símbolos de uma cultura que não haviam abandonado, mas adaptado e enraizado naquele solo distante.

Os anos passaram, e as colônias italianas na serra gaúcha floresceram. Cidades como Caxias do Sul e Bento Gonçalves surgiram, erguidas pelo trabalho árduo dos imigrantes. Giuseppe, já com os cabelos grisalhos, olhava para seus filhos crescidos, agora donos de suas próprias terras, e sentia o coração aquecer. A Itália estava longe, em outro continente, mas o Brasil se tornara a sua pátria, onde seus netos cresceriam, falando português e italiano, carregando no sangue a força e a resiliência dos primeiros colonos.

No final, os sonhos dos emigrantes italianos não foram apenas expectativas de uma vida melhor; tornaram-se a realidade de um novo começo, uma nova cultura, e um novo Brasil. Giuseppe, Maria e seus descendentes são testemunhas vivas de que, mesmo em meio às dificuldades e aos desafios, a fé e o trabalho podem transformar a terra estrangeira em um lar, onde os sonhos são plantados e colhidos, geração após geração.



segunda-feira, 16 de setembro de 2024

A Jornada dos Imigrantes Italianos ao Brasil




A Jornada dos Imigrantes Italianos ao Brasil

O sol mal começava a despontar no horizonte quando Giovanni acordou sua esposa, Maria, e os dois filhos, Pietro e Antonella. O dia havia chegado. Partiriam de sua pequena aldeia no interior da Itália em direção ao Brasil. A jornada seria longa e cheia de incertezas, mas a esperança de uma vida melhor alimentava seus corações. Naquela manhã, o aroma do pão fresco misturava-se ao silêncio pesado da despedida. Os pais de Maria, já velhos e debilitados, sabiam que nunca mais veriam a filha. Os olhos marejados de Giovanni, no entanto, não podiam fraquejar.
Após dois dias de viagem a pé, de carroça e finalmente o trem, a família finalmente chegou ao porto de Gênova. O cenário era caótico. Centenas de famílias, todas com os mesmos sonhos e temores, aguardavam o momento para embarcar. Amontoados ao relento, sentados como podiam, nas ruas próximas ao cais, sobraçando sacos, malas de papelão e caixotes com seus poucos pertences. Giovanni olhou para o imenso vapor que os levaria, um monstro de ferro fumegante que parecia engolir vidas e histórias em seu porão. Maria segurou firme a mão do marido, e ele retribuiu com um sorriso tênue, embora o medo os corroesse por dentro.
O porão onde foram alocados estava abarrotado de gente. O ar era abafado, a umidade, sufocante, e o cheiro da desesperança impregnava o ambiente. Antonella, de apenas três anos, chorava sem cessar, amedrontada pelo barulho e pela escuridão. Pietro, aos oito, mostrava-se forte como o pai, mas em seus olhos Giovanni via um medo infantil que ele mesmo tentava esconder.
A primeira semana de viagem foi especialmente dura. O constante balanço do navio deixava todos mareados e a maioria dos passageiros não conseguia segurar o vomito. A comida era escassa e de má qualidade, o enorme espaço para dormir, com seus desconfortáveis catres e beliches, distribuídos em longas filas, onde a privacidade era quase inexistente. As noites eram passadas em vigília, entre cochilos inquietos, enquanto os gemidos dos doentes ecoavam pelos corredores. Surtos de piolho começaram a se espalhar e, como uma praga invisível, o sarampo logo começou a acometer as crianças. Maria temia por Antonella. A menina, tão frágil, já demonstrava sinais de febre, e Giovanni sabia que a medicina a bordo era quase nenhuma.
O vento que soprava nas noites de tormenta parecia carregar consigo o lamento dos que haviam perdido seus entes queridos. A cada manhã, novos corpos eram envolvidos em lençóis e lançados ao mar, em cerimônias rápidas e silenciosas. A visão desses sacrifícios alimentava a angústia de todos os passageiros. As orações eram constantes, como se a fé pudesse afastar o destino cruel que parecia espreitar a cada esquina do navio.
Certa noite, quando Antonella já respirava com dificuldade, Maria pegou a pequena nos braços e começou a cantar uma antiga canção que sua mãe lhe ensinara. A melodia ecoou pelo porão, tocando o coração de outros imigrantes que, um a um, começaram a entoar canções de suas aldeias. O canto trouxe uma sensação de paz temporária, um consolo nas longas noites de incerteza.
Finalmente, após quase trinta dias no mar, as colinas do Brasil surgiram no horizonte. A visão era um alívio para os que haviam sobrevivido. Antonella, ainda frágil, havia resistido à febre, mas seus olhos brilhavam ao ver as novas terras. Pietro, excitado, falava sem parar sobre o que encontrariam na “terra prometida”. Giovanni, com um misto de alívio e apreensão, segurava Maria pela cintura, sabendo que o pior havia passado, mas ciente de que novos desafios os aguardavam.
O desembarque no porto do Rio de Janeiro foi caótico. O calor tropical, a umidade e o cheiro forte das matas surpreenderam a todos. Os imigrantes, ainda atordoados pela longa travessia, foram levados para a Hospedaria dos Imigrantes. Ali, conheceriam seu destino. A ansiedade no olhar de Giovanni e Maria era palpável. Logo descobriram que seriam enviados para uma colônia italiana chamada Caxias, distante mais de 1500 quilômetros no sul do país.
Os dias seguintes foram preenchidos por uma nova viagem pelo mar, dessa vez, embarcados em outro navio menor, que só fazia viagens na costa brasileira, rumo ao Rio Grande do Sul onde ficava a grande colônia. Depois de alguns dias chegaram ao porto di Rio Grande onde ficaram hospedados em um grande alojamento coletivo, de madeira e telhas de barro, sem muita privacidade. Ali ficaram por mais de uma semana a espera dos barcos fluviais que os levariam pela grande Lagoa dos Patos até a foz do rio Jacuí em Porto Alegre, a capital do estado. Não desembarcaram e com o mesmo barco a vapor seguiram rio acima até São Sebastião do Caí, onde terminava a viagem pelo rio. Ainda faltava muito chão a ser percorrido para chegar ao destino final. Deveriam agora seguir a pé ou em enormes carroças puxadas por bois, onde acomodavam as mulheres grávidas, idosos, crianças pequenas e a bagagem de todo o grupo.
O caminho, na verdade uma mera picada, era tortuoso, passando através de florestas densas e montanhas imponentes. Dela vinham gritos de animais desconhecidos que assustavam o recém-chegados. As carroças avançavam lentamente, e a saudade da Itália crescia a cada passo. Giovanni tentava manter o ânimo da família contando histórias sobre as aventuras que viveriam em sua nova terra, mas o cansaço era implacável.
Ao chegarem à Colônia Caxias, o cenário era desolador. As terras prometidas eram vastas, mas selvagens, cobertas de mata virgem. Não havia estradas, nem vizinhos próximos. Apenas a natureza imponente e, ao longe, outras famílias de imigrantes que, como eles, começavam a desbravar aquele novo mundo. Giovanni e Maria foram apresentados ao terreno que lhes fora destinado, uma extensão de terra densa que precisaria ser desmatada antes que pudessem plantar o primeiro grão. Passaram a noite acomodados no interior do oco de uma grande árvore que lhes forneceu abrigo e calor.
O trabalho árduo começou no dia seguinte. Giovanni, com a ajuda de Pietro, derrubava as árvores, enquanto Maria cuidava de Antonella e preparava o terreno para o plantio. Mas o que mais impressionava era sua resiliência. Ao final de cada dia, apesar do cansaço físico, ela ainda encontrava forças para manter em ordem aquele amontoado de paus e folhas que chamavam de casa, cozinhar e ajudar o marido na lavoura.
Os dias transformaram-se em semanas, e as semanas, em meses. A vida na colônia era um constante desafio. O isolamento, as doenças e a falta de recursos tornavam tudo mais difícil. Mas Maria nunca reclamava. Seus olhos, embora marcados pelo cansaço, continuavam brilhando com a esperança de um futuro melhor para os filhos. Sabia que, finalmente, apesar de todo o sofrimento que passaram, estavam agora trabalhando na própria terra. Tinham agora uma enorme propriedade para plantar, repleta de grossas árvores e até de um pequeno rio, o maior sonho de muitas gerações da sua família. Trabalhavam no era deles, não precisavam mais dividir a maior parte das colheitas com o senhor dono das terras.
A primeira colheita foi modesta, mas suficiente para alimentar a família. Giovanni, com o semblante aliviado, agradeceu aos céus pelo sustento. Mas sabia que precisariam de mais para sobreviver. Enquanto ele e Pietro trabalhavam arduamente na lavoura, Maria os acompanhava em todas as atividades pesadas da roça, dividindo o peso do trabalho com o marido. Além disso, ela preparava as refeições, cuidava da casa, dos filhos e dos animais. À noite, quando todos finalmente descansavam, Maria ainda estava ocupada, remendando roupas ou confeccionando chapéus, sem nunca parar de trabalhar.
Aos poucos, as outras famílias da colônia começaram a formar uma comunidade. Aos domingos, reuniam-se para missas improvisadas e momentos de convivência. Maria era respeitada por todos, não apenas pela força com que enfrentava o trabalho diário, mas também pela generosidade com que acolhia os novos imigrantes que chegavam. Seu sorriso, ainda que tímido, trazia conforto e esperança.
Os anos passaram, e a família prosperou. Pietro tornou-se um jovem forte e decidido, enquanto Antonella, já crescida, ajudava a mãe nos afazeres da casa e na lavoura. Giovanni, agora com alguns cabelos grisalhos, olhava para suas terras com orgulho. A transformação que haviam feito era fruto de um trabalho incansável, de sacrifícios inimagináveis.
Certa tarde, enquanto observavam o pôr do sol sobre os campos que haviam cultivado, Giovanni abraçou Maria com ternura. "Conseguimos", disse ele, com os olhos cheios de lágrimas. Ela sorriu, silenciosa, sabendo que a jornada ainda não havia terminado, mas que, juntos, haviam superado os maiores desafios de suas vidas.
Naquela noite, a família reuniu-se ao redor da mesa, como tantas outras vezes, mas com um sentimento diferente. A Itália, agora uma lembrança distante, havia sido trocada por uma nova pátria, uma terra que os acolhera com desafios, mas também com promessas de um futuro melhor. A saga dos imigrantes italianos estava apenas começando, e Maria sabia que as futuras gerações colheriam os frutos do seu sacrifício.
Com o tempo, as dificuldades começaram a se dissipar à medida que a Colônia Caxias se desenvolvia. As terras antes cobertas de mato virgem foram transformadas em campos produtivos, e as pequenas casas de madeira começaram a formar um vilarejo coeso. Giovanni e Maria tornaram-se figuras centrais na comunidade, não apenas pela contribuição direta ao desenvolvimento das terras, mas também pelo espírito de solidariedade e cooperação que promoveram.
Os filhos de Giovanni e Maria cresceram e prosperaram. Pietro, agora um jovem adulto, dedicava-se com afinco aos parreirais, desenvolvendo técnicas de cultivo que ajudavam a aumentar a produção de vinho que eram enviados para todo o país. Antonella, por sua vez, casou-se com um jovem agricultor também morador no local, de família vizinha, com a mesma origem dela e construiu sua própria família, perpetuando os valores e tradições que seus pais lhe ensinaram.
Maria, apesar dos anos de trabalho extenuante, encontrava tempo para transmitir suas memórias e histórias às novas gerações. Ela falava sobre a vida na Itália, a dura travessia e os sacrifícios que a família fez para construir uma nova vida. Suas histórias eram passadas para os filhos e netos, que ouviam com reverência a jornada que havia moldado a vida da família.
A influência de Maria e Giovanni na colônia era palpável. A escola local foi batizada em homenagem aos primeiros imigrantes, e a pequena igreja, onde antes rezavam em meio à dificuldade, tornou-se um símbolo de esperança e fé para todos. A dedicação de Maria ao cuidado dos outros e a força de Giovanni no trabalho diário eram lembradas com admiração por todos que conheceram sua história.
Os eventos da comunidade, como festas de colheita e celebrações religiosas, tornaram-se momentos de reunião e alegria. A música tradicional italiana voltou a ser ouvida nos eventos sociais, unindo todos em um sentimento de identidade e pertencimento. As canções que uma vez foram entoadas no porão do navio ressoavam agora nas festas da colônia, simbolizando a jornada e a perseverança.
A prosperidade da Colônia Caxias também trouxe novos desafios. O crescimento populacional levou à necessidade de mais infraestrutura, e Giovanni e outros líderes comunitários trabalharam incansavelmente para garantir que a colônia continuasse a se expandir e a prosperar. Maria, enquanto isso, ajudava a organizar eventos comunitários e iniciativas de bem-estar, sempre com um sorriso acolhedor e um coração generoso.
À medida que envelheciam, Giovanni e Maria observaram com orgulho o legado que haviam construído. Eles se aposentaram em uma pequena casa que construíram com suas próprias mãos, cercada por um jardim exuberante que Maria cultivava com carinho. A casa, repleta de memórias e fotografias, tornou-se um lugar de encontro para a família e amigos.
Os netos de Giovanni e Maria cresceram cercados pelo amor e pelas histórias de seus avós. Eles ouviam com atenção os relatos da travessia e do estabelecimento na colônia, entendendo o valor do sacrifício e da resiliência. Esses relatos formavam a base de uma identidade familiar sólida, ancorada na história e na perseverança.
A última festa de colheita que Maria e Giovanni participaram foi um evento memorável. A colônia estava vibrante, cheia de música, risos e danças. Em um discurso emocionado, Giovanni fez um brinde à memória dos que haviam falecido e ao futuro promissor da nova geração. Maria, com lágrimas nos olhos, agradeceu a todos por manter viva a chama da esperança e da solidariedade que haviam trazido da Itália.
No fim da vida, Giovanni e Maria encontraram paz e satisfação, sabendo que haviam cumprido sua missão de transformar uma terra desconhecida em um lar vibrante e próspero. O legado deles perduraria através das gerações que continuariam a construir sobre as fundações que haviam estabelecido.
Em seus últimos dias, Maria e Giovanni sentaram-se à sombra da grande árvore que haviam plantado juntos no jardim de sua casa. Observavam os netos brincando e os filhos trabalhando, sentindo-se contentes com a vida que haviam construído. Eles sorriam, sabendo que a jornada, com todas as suas dificuldades e alegrias, havia valido a pena.
E assim, a saga dos imigrantes italianos na Colônia Caxias tornou-se uma história de triunfo e resiliência, um testemunho do poder do espírito humano e da força da esperança. A cada nova geração, a memória de Giovanni e Maria continuaria a inspirar e a lembrar a todos que, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, a perseverança e a união podem transformar o impossível em realidade.


domingo, 15 de setembro de 2024

As Mãos que Sustentam o Amanhã

 


As Mãos que Sustentam o Amanhã


As colônias italianas do sul do Brasil, fincadas nas terras virgens da Serra Gaúcha, não eram apenas fruto do trabalho dos homens, que desbravavam a mata e aravam o solo. As mulheres, com suas mãos calejadas e almas resilientes, eram o alicerce invisível, o pilar silencioso que sustentava o futuro. Carmela, uma dessas mulheres, de olhos que refletiam a dor da distância e o brilho da esperança, se tornara o próprio símbolo desse sacrifício, dessa entrega total que mantinha as engrenagens da vida colonial girando.

Desde que haviam deixado a pequena aldeia na província de Veneto, a jornada de Carmela fora um exercício constante de adaptação e renúncia. No navio que os trouxe ao Brasil, perdera a mãe para o mar agitado, mas não derramou uma lágrima. Sabia que sua responsabilidade era maior do que o luto; era a força motriz de sua família. Ao chegar à colônia, o peso da nova vida recaiu sobre seus ombros sem pedir licença. Seu marido, Pietro, enfrentava o trabalho pesado na terra, mas Carmela, com seu ventre crescendo a cada estação, cuidava de tudo o que ficava para trás – a casa, os filhos, os animais e, quando necessário, também o campo.

Carmela acordava antes do sol. Com o primeiro cantar dos galos, já se encontrava na cozinha, preparando o pão para o dia. Seus filhos ainda dormiam, encolhidos sob mantas puídas, e Pietro saíra antes dela para os campos. Seus pés descalços, movendo-se no chão de terra batida, faziam um leve ruído que apenas ela notava. As tarefas domésticas pareciam intermináveis: o fogo que nunca podia apagar, o leite que tinha de ser fervido, o porco que necessitava de atenção. Mas era o campo que a chamava insistentemente.

Lá, ao lado do marido, o trabalho braçal não distinguia gêneros. A enxada pesava em suas mãos tanto quanto na de Pietro. Cada sulco aberto no solo parecia roubar um pouco de suas forças, mas ela mantinha o ritmo. Não era apenas o corpo que se curvava ao peso das tarefas; sua mente também carregava o fardo invisível das responsabilidades. Era ela quem pensava nos filhos, que mais tarde iriam correr entre as fileiras de milho, brincando como se o mundo fosse eterno e imutável.

Quando a primeira filha, Teresa, nasceu, Carmela sentiu o corpo esgotado, mas seu espírito se encheu de uma força nova. Ali, no meio das dores do parto e da alegria do nascimento, ela compreendeu que ser mulher naquela colônia era ser ponte entre o passado e o futuro. A maternidade não era uma escolha; era um dever. Teresa, como seus outros filhos, aprenderia desde cedo a partilhar das responsabilidades da vida colonial. Carmela, porém, não via isso como algo imposto. Para ela, era a essência da existência, o ciclo contínuo de dar e nutrir, que mantinha a roda da vida em movimento.

A vida seguia esse ritmo inexorável. Entre as estações de plantio e colheita, o nascimento de novos filhos e as perdas que a colônia impunha, Carmela ia esculpindo, dia após dia, uma existência de sacrifício e perseverança. Pietro, por vezes, se perdia em reflexões silenciosas, observando o quanto a esposa carregava, não apenas em suas costas, mas no coração. Ele sabia que, sem ela, não teriam chegado até ali. Não havia medalhas para ela, nenhum reconhecimento público. Havia apenas o respeito silencioso de quem compreendia o verdadeiro peso de sua jornada.

Com o passar dos anos, o rosto de Carmela endureceu. As rugas que surgiam ao redor dos olhos não eram apenas sinais da idade, mas testemunhas das longas jornadas, da dor de enterrar amigos e de ver filhos adoecerem. Ainda assim, havia em seu semblante uma serenidade inabalável, como se ela soubesse que sua missão era maior do que qualquer sofrimento. Seus filhos cresciam fortes, e a colônia prosperava lentamente, com cada casa erguendo-se do solo como se brotasse das mãos calejadas das mulheres que ali viviam.

Ao cair da noite, depois de um longo dia de trabalho, Carmela reunia os filhos ao redor da lareira. Contava histórias da Itália, da vida que um dia havia deixado para trás, não com nostalgia, mas com um olhar de gratidão por ter encontrado um novo lar. Embora o Brasil fosse uma terra de desafios, era também o lugar onde ela havia criado raízes. Cada pedaço de madeira que alimentava o fogo parecia ressoar com a lembrança dos antepassados, e o calor que emanava aquecia não só o corpo, mas a alma de sua família.

Nas festas da colônia, as mulheres, vestidas com seus trajes simples, sorriam e dançavam ao som das antigas canções italianas. Por um breve momento, esqueciam-se das durezas do cotidiano. Mas, mesmo nesses momentos de alegria, os olhos de Carmela sempre se voltavam para os campos, para as responsabilidades que aguardavam o amanhecer. Ela sabia que, ao contrário dos homens, que podiam descansar ao final do trabalho braçal, seu labor continuava. A casa nunca ficava em silêncio, os filhos nunca paravam de exigir cuidados.

Os anos se passaram, e Carmela viu seus filhos se tornarem adultos. Alguns casaram-se e estabeleceram suas próprias famílias, outros partiram em busca de novas oportunidades. A colônia continuava a se expandir, e com ela, o legado das mulheres que a construíram. Agora, com os cabelos grisalhos e os ossos cansados, Carmela podia olhar para trás e ver tudo o que havia construído. Mas, ainda assim, o trabalho não terminava. Continuava a cuidar da casa, a ajudar os filhos e netos, a transmitir suas histórias e valores.

Olhando para o horizonte, onde o sol se punha atrás das colinas, Carmela compreendia que sua vida era a de tantas outras mulheres que haviam se sacrificado em silêncio. Não havia monumentos erigidos em sua homenagem, mas as colheitas, as casas e as famílias eram a prova viva de sua dedicação. Ela sabia que o futuro, embora incerto, seria moldado pelas mãos fortes e invisíveis das mulheres imigrantes. Essas mãos que, sem alarde, ergueram o sonho de um novo mundo em terras distantes.

A colônia prosperava, mas Carmela e tantas outras mulheres continuavam a ser as forças motrizes invisíveis. Enquanto os homens eram celebrados por suas conquistas, elas eram as sombras por trás do sucesso, as que garantiam que tudo funcionasse, que o lar fosse sempre um refúgio seguro. E assim, silenciosamente, elas deixaram sua marca indelével na história das colônias italianas.



quarta-feira, 20 de março de 2024

Família de Francesco Piazzetta: Uma História de Superação e Perseverança

Igreja Sagrado Coração de Jesus (Água Verde) em 1910


Francesco Piazzetta, nascido em Pederobba, filho de Giuseppe Piazzetta e Caterina Franco, viúvo há três anos de Maria Augusta Verri, natural da cidade vizinha de Segusino, com a ajuda de seus cinco filhos, se preparou durante meses para a grande mudança que os levaria ao Novo Mundo. Vendeu a antiga casa de dois andares na "contrada Ghetto" em Pederobba, onde a família vivia, e todos os seus poucos bens, conseguindo juntar uma pequena economia que seria usada para iniciar a vida na nova pátria. Foi à prefeitura e obteve os passaportes para todos poderem deixar o país. Comprou passagens para o navio Adria, que partiria de Gênova no mês de dezembro, e se despediu dos amigos e da família que ficaram para trás. No último mês de 1890, Francesco Piazzetta, aos 51 anos de idade, nascido em 1839 em Fener, no município vizinho de Alano di Piave, província de Belluno, finalmente deixou a Itália e emigrou para o Brasil com seus quatro filhos - Giovanni Battista, Noè, Colomba e Augusta. A filha mais velha, Giovanna Antonia (Piazzetta) Viviani, ficaria para trás, pois já era casada e tinha sua própria família. No entanto, eles não sabiam que nunca mais veriam a querida Giovanella, como era chamada na família. Ela, junto com sua família, alguns anos depois também teve que partir em emigração e escolheu a França como destino. A jornada de Francesco Piazzetta, aos 51 anos de idade, e de seus quatro filhos menores, todos nascidos em Pederobba, Giovanni Battista, Noè, Colomba e Augusta, para o Brasil, começou na estação ferroviária de Cornuda, uma pequena cidade situada na região do Veneto, na Itália, a cerca de 8 km de Pederobba e ainda percorrida pela ferrovia que leva trens de Belluno. Eles partiram com antecedência e a pé, em uma tarde úmida e fria do início de dezembro, cada um levando consigo uma mala com roupas e alguns pequenos sacos de mantimentos preparados em casa para enfrentar a longa viagem de trem. Francesco e seus filhos chegaram à estação ferroviária em silêncio durante todo o percurso, muito preocupados e nervosos, mas cheios de expectativas, ansiosos para embarcar em sua jornada para o porto de Gênova. Apesar da preocupação com o desconhecido, Francesco estava entusiasmado com a ideia de deixar a Itália e começar uma nova vida em um país estrangeiro, mas ao mesmo tempo todos estavam muito tristes por deixar sua terra natal e as pessoas que amavam. A estação ferroviária de Cornuda era muito pequena, assim como a cidade em si, pouco movimentada naquela hora do dia, com uma ampla plataforma bem construída de onde os passageiros embarcavam nos trens. Francesco e seus filhos se sentaram em um banco de madeira na sala de espera espartana, esperando a chegada do trem que os levaria a Gênova e observando as poucas pessoas ao seu redor, muitas das quais conhecidas, emigrantes como eles. Alguns pareciam nervosos com a viagem e a separação, enquanto outros pareciam calmos e pensativos, aguardando sua vez. Finalmente, pouco depois das oito horas da noite, o trem chegou pontualmente e eles puderam embarcar no vagão que os levaria a Gênova. Encontraram seus lugares e se acomodaram, observando pelas janelas as paisagens que passavam. O trem passou por Ferrara, Bolonha, onde fez uma parada mais longa, seguindo então para Modena e Parma. Durante o trajeto, conseguiram ver apenas brevemente os vilarejos, as cidades e os campos verdes, com poucas folhas amarelas restantes devido à chegada do inverno. Esta era a primeira viagem deles de trem e nunca tinham estado tão longe de casa. Durante a viagem, conversaram um pouco, com o pai explicando aos filhos suas expectativas para a nova vida no Brasil e compartilharam suas preocupações e medos. Francesco explicou aos seus filhos que a viagem seria difícil, especialmente a de navio, através da imensidão do oceano, que nenhum deles conhecia, mas que eles deveriam ser fortes e corajosos. Ele também disse que a vida no Brasil seria muito diferente da vida na Itália, mas que eles se adaptariam em breve e teriam sucesso. Dormiram pouco, mal acomodados em assentos desconfortáveis da classe econômica. Após treze horas de viagem, o trem finalmente chegou à estação ferroviária de Gênova, fazendo muito barulho enquanto parava para permitir que mais passageiros embarcassem, quase sempre famílias de emigrantes como eles, que estavam deixando a Itália. Pensaram que talvez alguns deles tivessem o mesmo destino e viajariam no mesmo navio. Francesco e seus filhos desceram do trem entre o barulho e a agitação da cidade portuária naquela manhã cedo. O porto era enorme, com barcos e grandes navios ancorados em todas as direções. Eles procuraram e avistaram imediatamente o navio Adria, que não era um dos maiores, que os levaria ao Brasil, e sentiram imediatamente uma mistura de emoções. Curiosamente, caminharam pelo porto, observando dezenas de estivadores com seus carrinhos se movendo rapidamente, transportando grandes caixas de mercadorias. O Adria já estava atracado no cais e ouviram os gritos dos marinheiros que se preparavam para a viagem. Quando chegou a hora da partida no final da tarde, eles finalmente se dirigiram ao portão de embarque do navio que os levaria ao Novo Mundo e, com determinação, depois de entregar suas bagagens, passagens e passaportes, verificados tanto pelos funcionários do porto quanto pelos da companhia de navegação, subiram pela longa escada inclinada, sustentada por cordas grossas, ao lado do navio, e embarcaram sem muitos problemas. Os alojamentos eram bastante pequenos, com corredores estreitos, e eles teriam que compartilhar a cabine com outros passageiros, sem muita privacidade, mas ainda assim estavam felizes por estarem a bordo, ansiosos para começar a grande aventura. A viagem pelo mar seria longa e desafiadora, mas estavam determinados a alcançar o tão sonhado destino, o Brasil. Com um longo e grave apito, o Adria começou a se afastar lentamente do cais e gradualmente viram a costa italiana desaparecer no horizonte, provocando um frio na barriga. A cada dia, eles se aproximavam mais do Novo Mundo e das oportunidades que ele oferecia. Finalmente, após algumas semanas no mar, sem incidentes, eles chegaram ao porto do Rio de Janeiro, no Brasil. Desembarcaram e foram recebidos pelos funcionários do porto e levados ao Albergue dos Imigrantes, onde, após exame médico de rotina, foram acomodados aguardando o próximo pequeno barco que os levaria ao destino escolhido, o porto de Paranaguá no estado do Paraná. Depois de alguns dias de espera, finalmente receberam o aviso de embarque, desta vez em um pequeno barco chamado Rio Negro, que os levaria, junto com centenas de outros imigrantes italianos, de Rio de Janeiro a Paranaguá, mas o barco continuaria a viagem até Rio Grande do Sul. Eles haviam deixado a Itália, um país com sérios problemas econômicos, em busca de uma vida melhor no Brasil, e esperavam que essa nova terra lhes oferecesse novas oportunidades. De Paranaguá, seguiram para Curitiba, percorrendo a subida da Serra do Mar até Curitiba, ao longo do espetacular percurso ferroviário inaugurado apenas cinco anos antes. Foi uma viagem de algumas horas, com duas ou três paradas, cheia de paisagens deslumbrantes de uma floresta tropical intocada, com várias pontes de ferro e abismos profundos, já que Curitiba está a quase 1000 metros acima do nível do mar. Na capital do Paraná, com as economias trazidas da Itália, arrecadadas com a venda da casa e de alguns outros bens, Francesco comprou um terreno com uma pequena casa de madeira, na ainda nova colônia Dantas, onde já moravam desde o seu estabelecimento, apenas dois anos antes, várias outras famílias de imigrantes provenientes da região do Veneto como eles, algumas até conhecidas e parentes. Ele esperava que seus filhos pudessem ter acesso à educação e que ele pudesse encontrar trabalho como carpinteiro, o que garantiria uma vida mais confortável. Francesco estava determinado a construir uma nova vida na cidade e quando chegaram à Colônia Dantas, ficaram surpresos com o clima fantástico e com o progresso da capital paranaense. Era realmente um Novo Mundo, o que Francesco sempre sonhara. A cidade era rica e organizada, bem desenvolvida para a época, com muitos recursos e oportunidades de trabalho. Com o tempo, Francesco e seus filhos se adaptaram à vida na Colônia Dantas, que progredia rapidamente e, devido à proximidade com a capital, estava se tornando cada vez mais um bairro populoso, como de fato aconteceu alguns anos depois, quando foi chamada de Água Verde. Rapidamente fizeram amizade com outras famílias italianas residentes na área e se estabeleceram definitivamente na comunidade, participando ativamente de eventos sociais e atividades comunitárias locais, como a construção da nova igreja. Francesco, habilidoso carpinteiro e entalhador, logo encontrou trabalho, abrindo uma pequena oficina com o filho mais velho, enquanto os mais jovens começavam a frequentar a escola. Embora a vida ainda reservasse grandes desafios, Francesco e seus filhos estavam felizes por terem tomado a decisão de emigrar para o Brasil. Sentiam que lá tinham muitas mais oportunidades, que estavam no caminho certo para uma vida melhor neste grande país. Francesco Piazzetta faleceu em 30 de novembro de 1922, em Curitiba, aos 83 anos de idade, deixando os quatro filhos, todos já casados, e também vários netos. 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Imigração Italiana no Brasil: Impactos e Desafios

 



A partir do final da década de 1870, a emigração italiana para o Brasil passou a adquirir contornos mais definidos e ganhar proporções consideráveis, culminando em um fenômeno de massa. Este movimento exerceu um papel decisivo no crescimento demográfico do país sul americano. Os italianos desempenharam um papel crucial no processo de modernização do Brasil contemporâneo, contribuindo ativamente para o desenvolvimento da economia de exportação, da industrialização e dos processos de politização e nacionalização das massas. Muitos deles, especialmente os mais empreendedores, deixaram o campo, onde inicialmente se estabeleceram, para se aventurar nos setores de serviços, comércio e varejo, impulsionando significativamente o rápido desenvolvimento das cidades brasileiras. Entretanto, o caminho para alcançar esse status foi repleto de desafios, ilusões e desilusões, esperanças e desistências, saudades e uma inabalável determinação.
Mas o que motivou o governo brasileiro a acolher tantos imigrantes italianos e quais expectativas trouxeram um número tão expressivo deles para o vasto e distante Brasil? O território brasileiro sempre apresentou uma dicotomia marcante: de um lado, riquezas naturais abundantes, como ouro, diamantes e minerais; do outro, uma escassez extrema de mão de obra, capaz apenas de atender às necessidades básicas. Os colonizadores portugueses, que dominavam a vasta colônia, buscaram resolver esse problema trazendo milhares de escravos da África. Inicialmente, essa mão de obra escrava foi fundamental para a extração de madeira nobre e para sustentar a indústria açucareira. Posteriormente, foi empregada na criação de gado e, mais tarde ainda, na exploração das minas de ouro e diamantes. O Brasil se apresentava, assim, como um tesouro imenso que carecia de mãos para explorá-lo plenamente.
Com o advento do cultivo do café, a partir de 1840, o Brasil passou a dominar o mercado mundial. No entanto, essa prosperidade estava intrinsecamente ligada à mão de obra escrava. Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil enfrentou uma grave crise de mão de obra, uma vez que os ex-escravos não estavam mais dispostos a trabalhar para seus antigos senhores. Para um país constantemente às voltas com a escassez de mão de obra, esse foi um verdadeiro desafio. Alguns anos antes da promulgação da Lei Áurea, pela princesa Isabel, os grande produtores rurais de cana remanescentes e os cafeicultores viram no crescimento do movimento abolicionista, com a aprovação do parlamento de diversas leis que favoreciam os escravos, como Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários, começaram a pensar em utilizar trabalho assalariado em suas lavouras, o que para o Brasil era uma grande novidade na época, aproveitando o excedente de mão de obra nos países europeus que passavam por uma superpopulação e desemprego.
Diante desse cenário, o governo brasileiro vislumbrou na Itália uma possível solução para o problema. Acreditava-se que os italianos, especialmente aqueles das regiões do Vêneto que tinham preferencia, por serem pacíficos, brancos, católicos e conhecidos por sua diligência e respeito ao trabalho, poderiam suprir a demanda por trabalhadores e, ao mesmo tempo, contribuir para "clarear" uma raça considerada "muito escura" pelas autoridades imperiais. Assim, na segunda metade do século XIX, o governo brasileiro começou a promover ativamente a imigração italiana, oferecendo viagens gratuitas e promessas de terras para cultivo.
Os camponeses italianos, muitos dos quais enfrentavam condições de vida miseráveis e sem perspectivas de melhoria, viram na oferta do governo brasileiro uma oportunidade de escapar da pobreza e construir uma vida melhor para si e suas famílias. No entanto, o caminho rumo a essa nova vida foi marcado por desafios e dificuldades. Ao chegarem ao Brasil, muitos foram enviados para áreas selvagens e insalubres, onde substituíram os escravos libertos nas grandes fazendas de café.
A vida nessas fazendas e também nas colônias não foi fácil, especialmente após o entusiasmo inicial se dissipar e os imigrantes perceberem as duras realidades que teriam que enfrentar, como a falta de amparo religioso pela falta de igrejas e padres, a escassa e, em muitas áreas do Rio Grande do Sul inexistente assistência médica, a falta de educação, o isolamento e os diversos conflitos com os povos indígenas locais. Nas fazendas de café, a situação era ainda mais difícil, com exploração no preço dos alimentos fornecidos no armazém da fazenda, no preço pago pelo trabalho que muitas vezes sofriam diminuição de valores combinados, violência física, abusos sexuais e condições de vida deploráveis nos casebres a eles destinados, uma vez a senzala dos antigos escravos. Os proprietários das grandes fazendas e seus capatazes, não estavam acostumados a lidar com pessoas livres e tratavam os imigrantes italianos com brutalidade, da mesma forma como antes faziam com os indefesos escravos. Isso foi motivo de inúmeras desavenças, algumas graves, que necessitaram intervenção da polícia, como as ocorridas no interior de São Paulo.  
Apesar de todas essas adversidades, os italianos aos poucos conseguiram se estabelecer em diversos setores da economia brasileira, contribuindo para a modernização do país. A século e meio após a chegada dos primeiros imigrantes italianos ao Brasil, seu legado ainda é lembrado com afeto, admiração e reconhecimento, testemunhando a importância e a influência dessa comunidade na história e na cultura brasileira.



sábado, 14 de outubro de 2023

Carta da Desesperança: Uma Jornada Angustiante Rumo ao Desconhecido


 



Querida esposa e filhos,


Espero que estas palavras cheguem a vocês com a esperança de que estejam bem, enquanto minha pena registra as angústias e sofrimentos desta travessia. Estamos apinhados no navio como pássaros em uma gaiola, e o lamento dos que sofrem enche o ar. Um jovem de apenas 4 anos nos deixou, uma bela criança bem nutrida, e outros 9 estão gravemente doentes.
A desesperança reina a bordo, com clamores e lágrimas. Cerca de 103 chefes de família, incluindo eu, decidimos não embarcar em um navio à vela, mas exigir um navio a vapor, conforme acordado no contrato, ou o reembolso do dinheiro pago. Em Marselha, surgiram traidores entre nós, e quase 100 pessoas os cercaram, desejando vingar a traição.
Neste momento, estou indeciso se devo seguir para a América ou voltar para casa, pois não posso aceitar uma travessia tão longa em um navio à vela. A dureza do pão é como ferro, e sua imutabilidade apenas acrescenta às nossas aflições. Enquanto isso, nossa partida é incerta.
Amaldiçoo o dia em que decidi empreender esta viagem e confiar nesses mercadores de carne humana. A emigração continua, e aqueles que a perseguem são impelidos por um amor pelo desconhecido, em busca de traições, escravidão e dor, até mesmo enfrentando a morte.
Com o coração aflito, compartilho as dolorosas notícias e sofrimentos. Que estes dias passem rapidamente, nos reunindo em breve em uma terra melhor.

Com carinho,
Attilio



domingo, 2 de julho de 2023

A Emocionante Jornada da Família de Francesco Piazzetta: Uma História de Superação e Perseverança

Igreja Sagrado Coração de Jesus (Água Verde) em 1910


Francesco Piazzetta, já viúvo a três anos de Maria Augusta Verri, natural da vizinha cidade de Segusino, com a ajuda dos cinco filhos, se prepararam durante meses para a grande mudança que os levaria para o Novo Mundo. Vendeu a antiga casa de dois pisos na  "contrada Ghetto" em Pederobba, onde a família morava e todos os seus poucos bens, conseguindo juntar uma pequena economia que seria usada para iniciar a vida na nova pátria. Foi até a prefeitura e providenciou os passaportes para todos poderem deixar o país. Comprou as passagens para o navio Adria que partiria de Gênova no mês de dezembro e se despediram dos amigos e familiares que ficaram para trás. 
No último mês de 1890, Francesco Piazzetta, com 51 anos, nascido no ano de 1839 na localidade Fener, no vizinho município de Alano di Piave, província de Belluno, finalmente deixou a Itália e emigrou para o Brasil com seus quatro filhos - Giovanni Battista, Noè, Colomba e Augusta. A filha primogênita, Giovanna Antonia (Piazzetta)  Viviani, ficaria para trás, pois já estava casada e tinha sua própria família. Não sabiam, porém, que nunca mais veriam a querida Giovanella, apelido como era chamada em família. Ela junto com a sua família alguns anos mais tarde também precisou partir em emigração e o país escolhido foi a França.
A viagem de Francesco Piazzetta, que então estava com a idade de 51 anos e seus quatro filhos menores, todos nascidos em Pederobba, Giovanni Battista, Noè, Colomba e Augusta, para o Brasil começou na estação ferroviária de Cornuda, uma pequena cidadezinha localizada na região de Veneto, na Itália, a cerca de 8 km de Pederobba e por onde passa até hoje a linha férrea com os trens que vem de Belluno. 
Partiram com bastante antecedência e a pé, em uma tarde úmida e fria do início de dezembro, cada um carregando uma mala com roupas e alguns pequenos sacos com mantimentos preparados em casa para enfrentar a longa viagem de trem.
Francesco e seus filhos chegaram à estação de trem calados durante todo o trajeto, muito preocupados e nervosos, mas, cheios de expectativa, ansiosos para embarcar em sua jornada rumo ao porto de Gênova. Apesar da preocupação com o desconhecido Francesco estava animado com a ideia de deixar a Itália e começar uma nova vida em um país estrangeiro, mas, por outro lado, todos também estavam muito tristes em deixarem sua terra natal e as pessoas que amavam.
A estação ferroviária de Cornuda era bem pequena, tal como a própria cidade, pouco movimentada aquela hora do dia, com uma ampla plataforma bem construída por onde os passageiros embarcavam nos trens. Francesco e os filhos se sentaram em um banco de madeira, na espartana sala de espera, aguardando a chegada do trem que os levaria até o porto de Gênova e observaram as poucas pessoas ao seu redor, muitos deles conhecidos, emigrantes como eles. Alguns demonstravam o nervosismo com a viagem e a separação, enquanto outros aparentavam estar calmos e pensativos, aguardando a sua vez.
Finalmente, pouco depois das vinte horas, o trem chegou com pontualidade e assim puderam embarcar no vagão que os levaria até Gênova. Eles encontraram seus assentos e se acomodaram, observando pela janela as paisagens que passavam. O trem passou por Ferrara, Bologna onde nesta cidade fez uma parada mais longa seguindo para Modena e Parma. No trajeto pouco puderam ver dos vilarejos, cidades e campos verdes, com as poucas folhas amareladas que sobraram pela chegada do inverno. Esta era a primeira viagem de trem que faziam e jamais tinham estado assim tão longe de casa.
Durante a viagem, eles conversaram um pouco, com o pai explicando aos filhos sobre suas expectativas para a nova vida no Brasil e compartilharam suas preocupações e medos. Francesco explicou aos seus filhos que a viagem seria difícil, principalmente aquela de navio, através do grande oceano, que nenhum deles conhecia, mas que eles deveriam ser fortes e corajosos. Ele também lhes disse que a vida no Brasil seria bastante diferente da vida na Itália, mas, que eles logo se adaptariam e seriam bem-sucedidos. Pouco dormiram, mal acomodados que estavam nos desconfortáveis bancos da classe econômica.
Após treze horas de viagem, o trem finalmente chegou à estação ferroviária de Gênova, passando por dezenas de estações onde, fazendo grande rumor, parava para receber mais passageiros, quase sempre famílias de emigrantes como eles, que também estavam deixando a Itália. Pensaram consigo mesmo que talvez alguns tivessem o idêntico destino deles e viajassem no mesmo navio.
Francesco e seus filhos desembarcaram do trem sendo recebidos pelo barulho e agitação da cidade portuária naquele começo de manhã. O porto era enorme, com barcos e grandes navios ancorados em todas as direções. Procuraram e logo avistaram ao longe o navio Adria, que não era dos maiores, o qual os levaria ao Brasil e sentiram imediatamente uma mistura de emoções.
Com curiosidade caminharam pelo porto, observando as dezenas de carregadores com seus carrinhos de mão, se deslocando apressados, levando grandes caixotes de mercadorias. O Adria já estava ancorado no cais e dele ouviam ordens sendo repassadas aos gritos, desde o seu tombadilho e também viram o corre-corre agitado dos marinheiros preparando o navio para a viagem. Quando no final da tarde a hora da partida chegou eles finalmente se dirigiram para o portão de embarque do navio que os levaria para o Novo Mundo e, resolutamente, após entregarem suas bagagens, os bilhetes e seus passaportes, conferidos tanto por parte dos funcionários do porto como aqueles da companhia de navegação, subiram pela longa escada inclinada, sustentada por grossas cordas, ao lado do navio, e embarcaram sem maiores problemas. Os alojamentos eram bem pequenos, corredores apertados e deviam dividir o aposento com outros passageiros, sem muita privacidade, mas, apesar de tudo eles estavam felizes por estarem a bordo, ansiosos pelo início da grande aventura.
A viagem pelo mar seria longa e desafiadora, mas eles estavam determinados a chegar ao tão sonhado destino, o Brasil. Com um longo e grave apito o Adria começou a se afastar lentamente do cais e gradualmente observaram a costa italiana desaparecer no horizonte provocando um frio nas suas barrigas. A cada dia, eles se aproximavam mais do novo mundo e das oportunidades que ele oferecia.
Finalmente, depois de algumas semanas no mar, sem quaisquer incidentes, eles finalmente chegaram ao porto do Rio de Janeiro, no Brasil. Desembarcaram sendo recebidos por funcionários portuários e encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes onde, após o exame médico rotineiro, foram abrigados para esperar pelo outro navio menor que os levaria para o destino escolhido, o porto de Paranaguá no estado do Paraná. Depois de uns dias de espera finalmente chegou o aviso para embarcarem novamente, desta vez em um navio menor chamado Rio Negro que os levaria, com centenas de outros imigrantes italianos, do Rio de Janeiro para a cidade de Paranaguá, no Paraná, mas o navio continuaria viagem para o Rio Grande do Sul.
Eles haviam deixado a Itália, um país atrasado e com graves problemas econômicos, em busca de uma vida melhor no Brasil e esperavam que essa nova terra lhes oferecesse novas oportunidades.
De Paranaguá seguiram para Curitiba, fazendo o trajeto de subida da Serra do Mar até Curitiba, pela espetacular estrada de ferro inaugurada apenas cinco anos antes. Foi uma viagem de poucas horas, com duas ou três paradas, repleta de paisagens deslumbrantes de uma floresta tropical intacta, com diversas pontes de ferro e profundos precipícios, pois, Curitiba está a quase 1000 metros acima do mar. 
Na capital paranaense, com as economias trazidas da Itália, arrecadadas com a venda da casa e de alguns outros pertences, Francesco comprou um lote de terra com uma pequena casa de madeira, na ainda nova colônia Dantas, onde já moravam desde a sua inauguração, a apenas dois anos, várias outras famílias de imigrantes provenientes da região do Vêneto como eles, alguns até conhecidos e meio aparentados. Ele esperava que seus filhos tivessem acesso à educação e que ele pudesse encontrar trabalho como marceneiro, que lhes proporcionasse uma vida mais confortável. Francesco estava determinado a fazer uma nova vida na cidade e quando chegaram à Colônia Dantas, ficaram surpresos com o ótimo clima e progresso da capital paranaense. Era realmente um novo mundo, aquilo que Francesco sempre sonhara. A cidade era rica e organizada, bem desenvolvida para a época, com muitos recursos e disponibilidade de trabalhos. 
Com o tempo, Francesco e seus filhos se adaptaram à vida na Colônia Dantas, a qual progredia rapidamente e pela contiguidade com a capital estava se tornando a cada dia com aspecto de um populoso bairro, o que de fato veio acontecer alguns anos depois, quando passou a ser chamada de Água Verde. Eles logo fizeram amizade com outras famílias italianas moradoras no local e se estabeleceram definitivamente na comunidade se envolvendo e participando ativamente de eventos sociais e atividades comunitárias do local, como a construção da nova igreja. Francesco, bom carpinteiro e entalhador, logo encontrou trabalho, montando uma pequena oficina com o filho mais velho e os menores começaram a frequentar a escola. Embora a vida ainda reservasse grandes desafios, Francesco e os filhos estavam felizes por tomarem a decisão de emigrar para o Brasil. Sentiam terem ali muito mais oportunidades, que estavam no caminho certo para uma vida melhor neste grande país. Francesco Piazzetta faleceu em 30 de novembro de 1922, em Curitiba, com a idade de oitenta e três anos, deixando os quatro filhos, todos já casados, e também vários netos.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS










quarta-feira, 19 de abril de 2023

A Saga de Um Casal de Imigrantes Italianos na Colônia Caxias

 




No final do século XIX, muitas famílias italianas emigraram para o Brasil em busca de melhores oportunidades de vida. Entre elas, estava a família de Francesco e Augusta, que vieram da região do Veneto e se estabeleceram na colônia Caxias do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, em 1878. A jornada foi longa e difícil, durando 40 dias entre o mar e em terra. Eles eram dois pobres camponeses, mas corajosos, que decidiram deixar sua terra natal, na Itália, em busca de uma vida melhor na América do Sul. Eles haviam ouvido falar do Brasil e de suas terras férteis, onde os imigrantes eram bem-vindos e poderiam prosperar. Depois de muitas conversas e planejamento, eles finalmente embarcaram em uma longa jornada, que durou quase cinquenta dias, até chegarem à Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul. Durante a longa viagem, Francesco e Augusta fizeram amizade com outros imigrantes, que também estavam a caminho da mesma colônia. A maioria deles eram italianos como eles, mas havia também alguns poucos alemães. Eles compartilharam histórias e experiências, tornando a viagem menos solitária e mais emocionante. Quando finalmente chegaram na Colônia Caxias, a terra parecia diferente de tudo o que tinham visto antes. As montanhas ao redor eram majestosas, a vegetação era densa e exuberante e o clima era um pouco diferente. Eles, e todo o grupo, foram recebidos pelos funcionários da colônia e por outros imigrantes que já estavam estabelecidos, que os ajudaram a encontrar o seu pedaço de terra e construir a sua nova casa. O casal teve que trabalhar duro para sobreviver nos primeiros anos. Eles desmataram uma parte do terreno e ali, após a queima das árvores, plantaram um pouco de trigo, milho, feijão e outros vegetais como todos os outros imigrantes na região. Começaram a criar alguns animais, como porcos e galinhas, para terem carne fresca e ovos. Pietro e Sofia, seus filhos, ajudavam nas tarefas diárias, mas também iam à escola no período da manhã para aprender a ler e escrever. A vida na colônia não era fácil, mas eles eram cercados de pessoas amigas e trabalhadoras. Eles participavam de festas e celebrações na igreja, onde se encontravam com outros imigrantes e trocavam experiências. Lentamente aprenderam a falar algumas palavras em português e a se comunicar com os brasileiros locais, mas entre os imigrantes italianos só falavam o talian, uma língua criada nas colônias italianas do Rio Grande do Sul para se comunicarem entre eles. Nos anos seguintes, a colônia cresceu e se desenvolveu. Mais imigrantes chegaram, e a terra foi ficando mais produtiva. Francesco e Augusta  conseguiram comprar mais terras ao lado da que já possuíam  e expandiram seus negócios. Pietro e Sofia cresceram e se casaram com os filhos de outros imigrantes italianos da região. Por volta do final do século, a família de Francesco e Augusta já era uma das mais prósperas da colônia. Eles tinham uma grande plantação de milho, um bom número de vacas e criação de suínos, até chegaram a construir uma pequena fábrica de queijo. Com muito amor eles ainda mantinham suas antigas tradições italianas. O casal havia se adaptado muito pouco à cultura brasileira e a língua do país, o português, jamais conseguiram falar direito e sempre carregado com muito sotaque italiano. A vida na colônia não era fácil, mas eles haviam conseguido construir uma vida feliz e satisfatória.


Texto de um livro de contos de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS