domingo, 30 de abril de 2023

Enfrentando as Tormentas: A Jornada dos Emigrantes Italianos Rumo ao Brasil

 


Tempestade em Alto Mar


Era o ano de 1876, um período de muita tribulação e incertezas que tanto caracterizaram este século. Como um verdadeiro êxodo, milhares de italianos estavam deixando a sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil, dando início a uma grande corrida para os países da América. Entre esses emigrantes, estava a família Rosteggo, naturais de um pequeno e esquecido município do interior da província de Treviso, na região do Veneto, que embarcou no navio a vapor Speranza, um velho cargueiro que até então somente fazia o transporte de carvão, adaptado os seus grandes porões para o transporte de passageiros, rumo ao novo mundo. A família era composta pelo casal Giovanni Battista e Giulia Rosteggo e seis filhos menores, além da sogra do GioBatta,  viúva, na faixa de setenta anos. A viagem prometia ser longa e desafiadora, mas eles estavam determinados a chegar ao seu destino. A vida na Itália estava muito difícil e não apresentava sinais que um dia pudesse melhorar. Giovanni e Giulia pensavam em um futuro melhor para os filhos e uma vida menos  sofrida para eles. O imenso e rico Brasil, que eles somente tinham ouvido falar, com sua imensidão de terras, onde centenas de fazendas estavam precisando de trabalhadores, era uma esperança para eles. Aproveitaram as vantagens oferecidas pelo governo imperial brasileiro que incluía passagens grátis e transporte, até o local de trabalho, para as famílias que quisessem emigrar.
O Speranza, de nome tão sugestivo, partiu do porto de Gênova, na Itália, em um dia ensolarado. Era um barco lento, muito velho, sofrendo para se manter flutuando com o peso da carga humana que transportava, como quase sempre acontecia nas viagens de todas as companhias italiana de navegação, ultrapassando os limites estabelecidos pelas autoridades portuárias de Gênova, mas isso ninguém parecia se importar, nem mesmo em conferir o número exato de embarcados. Os Rosteggo que haviam chegado em Gênova há mais de uma semana, seguindo as instruções recebidas do desonesto agente de viagens, o qual certamente também ganhava comissão dos donos de estalagens e pequenos restaurantes da zona portuária. Ficaram instalados em uma mal cuidada e superlotada pensão, localizada em uma estreita e pouco iluminada rua nas vizinhanças do porto, obrigados a gastar uma grande parte dos poucos recursos que tinham conseguido economizar para usar na nova terra. No dia da partida, com lágrimas nos olhos, mas com a esperança de um futuro melhor, seguiram em fila a multidão de várias centenas de passageiros, que também iriam embarcar, até a escada suspensa fixada na lateral do navio. Dezenas de funcionários da companhia de navegação e do porto, corriam por todos os lados transportando grandes caixotes de madeira para dentro do navio enquanto no convés a tripulação agitada se preparava para o embarque dos passageiros. Com uma série de graves apitos, que serviam como aviso final para o embarque, o grande navio calmamente se afastou do cais, deixando para trás aquela Itália que, para eles,  tinha se comportado menos como uma mãe carinhosa e mais como uma malvada madrasta. Durante os primeiros dias de viagem, tudo correu bem. Os passageiros, todos emigrantes italianos se acostumaram com a rotina a bordo do navio, dividindo os apertados espaços com pessoas provenientes de diversas regiões do país. O navio fez uma parada programada no porto de Nápoles, onde subiram a bordo mais de 400 outros emigrantes do sul da Itália que também tinham o Brasil como destino. Agora o navio estava superlotado e não cabia mais ninguém.
No entanto, a calmaria das primeiras semanas de viagem logo seria interrompida por uma tempestade terrível, que se seguiu no meio da tarde, de um dia muito quente e abafado, quando estavam cruzando a linha do Equador. Enquanto o céu rapidamente se escurecia com grossas e pesadas nuvens, os ventos aumentaram e as ondas ficaram mais altas, batendo forte no casco e balançando violentamente o navio. Os Rusteggo  se seguraram aos corrimãos e aos móveis que estavam fixados no assoalho, para não caírem no chão. O barulho contínuo dos trovões e as pancadas das fortes ondas eram ensurdecedores e o mar parecia querer engolir o navio. A tempestade durou várias horas e os passageiros tiveram que se agarrar para não serem jogados para fora do navio. A comida não pode ser servida e a água começou a ser racionada. Muitos dos passageiros passaram mal com fortes  vômitos devido ao frenético balanço do navio. A esperança de sobreviver a essa tempestade parecia estar cada vez mais distante.
Mas, mesmo diante de todas as dificuldades, aquele grupo de quase mil emigrantes italianos a bordo, mantiveram a esperança de chegar ao Brasil. Eles rezaram para os seus santos de devoção e pediram forças para suportar a tempestade. Em meio às orações e às lágrimas, os Rosteggo se uniram aos demais passageiros em um coro de esperança e fé.
Finalmente, a tempestade começou a diminuir e uma tímida lua começou a iluminar a noite. Os passageiros puderam sair dos alojamentos e sentir o cheiro do mar no tombadilho ainda molhado pelas altas ondas. O navio havia sobrevivido à tempestade e a esperança voltou a se renovar nos corações dos passageiros, a sua totalidade composta por emigrantes italianos.
Após mais alguns dias de tempo bom, finalmente avistaram a costa brasileira. Mais dois dias de navegação, já perto do porto, a emoção tomou conta de todos os passageiros, que aguardavam ansiosamente a hora de desembarcar. Os Rosteggo avistaram a cidade do Rio de Janeiro ao longe, com os lindos morros cercados por uma vegetação exuberante e não puderam conter as lágrimas de felicidade.
Ao desembarcarem no porto do Rio de Janeiro, a família Rusteggo e os demais imigrantes foram recebidos pelos funcionários do porto para a conferência dos seus documentos e depois foram encaminhados para a inspeção médica rotineira na Hospedaria de Imigrantes. Eles se abraçaram, cantaram e dançaram em agradecimento por sobreviverem à viagem apesar daquela grande tempestade. Como não tinha ocorrido qualquer problema médico durante a travessia, as autoridades sanitárias brasileiras os liberaram e os encaminharam para os alojamentos, onde ficariam hospedados até chegar a hora de serem conduzidos para os locais a eles destinados e, então, se instalarem definitivamente no país. Depois de alguns dias ainda na hospedaria, no porto do Rio de Janeiro, quase todos os passageiros foram novamente embarcados, em outro navio, para viagem até o Porto de Santos, pois tinham como destino o estado de São Paulo. Após desembarcados tiveram que subir a Serra do Mar até a capital do estado, em trem até a estação e em carroções até a Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo. Neste local ficaram hospedados à espera que os representantes das fazendas de café, que os tinham contratado, viessem buscá-los. Aproveitaram o tempo para regularizar documentos e fazer contatos. Da hospedaria até a sede da fazenda a viagem foi feita de trem, sempre acompanhados pelos funcionários das fazendas e por centenas de outros imigrantes italianos como eles que tinham o mesmo destino, as plantações de café.
A família Rosteggo começou a vida no Brasil com muita dificuldade, mas com muita determinação. Eles trabalharam duro para conseguir garantir o sustento da família. Aos poucos alguns aprenderam a língua portuguesa e se adaptaram aos costumes do novo país. Mas a esperança de uma vida melhor sempre esteve presente em seus corações. 
Depois de quase seis anos vivendo e trabalhando duro na fazenda de café a família conseguiu reunir algumas economias e adquirir um pequeno sítio na zona rural, de uma pequena cidade vizinha à fazenda, também no interior do estado de São Paulo. Durante aqueles quase seis anos trabalhando como empregados na plantação de café da Fazenda Cipó conseguiam no pouco tempo privado que lhes sobrava, plantar nas faixas de terra a eles reservada pelo dono da fazenda, para produzirem seu próprio alimento e a sobra venderem na cidade, uma forma de assim conseguir fazer alguma economia. A esposa de Giovanni com a mãe e as duas filhas mais velhas eram bastante espertas e econômicas, faziam doces, salgados, compotas, sabão em casa para vender, além de criarem galinhas, cujos ovos eram negociados nas cidades próximas e até na própria fazenda. O dinheiro que ganhavam ficava separado, reservado para comprar algum lote de terra para eles ao deixarem a fazenda. O trabalho árduo era recompensado com o sorriso dos clientes satisfeitos e com o dinheiro que ajudava a sustentar a família. 
Ao longo dos anos, os filhos cresceram e se tornaram brasileiros de coração. Eles aprenderam a valorizar a cultura e as tradições do Brasil, sem esquecerem as suas raízes italianas. Os Rosteggo também nunca esqueceram a tempestade que enfrentaram durante a travessia no navio Speranza, como também nunca esqueceram a esperança que os guiou até o novo mundo.
A história da família Rosteggo se tornou uma das muitas histórias de imigrantes que enfrentaram desafios para construir uma nova vida no Brasil. Eles ajudaram a construir o país com o seu trabalho e a sua determinação. Hoje, muitos brasileiros descendem de italianos que enfrentaram a tempestade no navio Speranza e que nunca perderam a fé em uma vida melhor.

Nota: os nomes citados são fictícios


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS