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sábado, 24 de maio de 2025

O Destino de Alessandro Meratti

 


O Destino de Alessandro Meratti


O vento salgado do Adriático cortava a pele de Alessandro Moratti enquanto ele se despedia de sua pequena vila em Vicenza. O sol poente tingia o céu de tons dourados e alaranjados, lançando longas sombras sobre as ruelas de pedra que ele conhecia desde a infância. Seus olhos percorreram a praça da igreja pela última vez, memorizando cada detalhe da fachada barroca que tantas vezes lhe servira de refúgio. Ao seu lado, Maria, sua esposa, segurava firmemente a mão do pequeno Giovanni, que, com apenas seis anos, ainda não compreendia totalmente o que significava aquela despedida.

A decisão de partir para o Brasil não fora fácil, mas a pobreza crescente e os impostos sufocantes tornavam impossível continuar. Seu irmão mais velho, Ernesto, já havia partido um ano antes e lhes escrevera cartas cheias de promessas: terra fértil, um novo começo, oportunidades que jamais encontrariam na Itália. As palavras de Ernesto eram a única esperança a que Alessandro se agarrava.

Venderam o pouco que tinham — a casa de pedra com telhado de terracota, a vaca leiteira e até os móveis que Maria herdara da mãe. O dinheiro arrecadado foi cuidadosamente guardado em um pequeno saco de couro costurado à cinta de Alessandro. A travessia do Atlântico seria longa e dura, mas ele estava determinado.

Na manhã seguinte, embarcaram em um trem que os levaria até Gênova. Chegaram ao  raiar do dia, com uma neblina típica daquela época do ano. Cansados pelo fato de nao terem podido dormir a noite devido as inúmeras paradas que o trem fazia para receber mais passageiros, emigrantes como eles em direção ao tão sonhado Brasil, um mundo novo repleto de expectativas. O porto fervilhava de emigrantes. Homens, mulheres e crianças, todos amontoados com baús e trouxas de pano. O cheiro de maresia misturava-se ao suor e ao medo. Alessandro segurou Maria e Giovanni com força quando subiram a prancha de embarque. O navio, imenso e escuro, parecia um monstro de ferro prestes a devorá-los.

A vida a bordo do Conte Verde revelou-se um pesadelo. O espaço reservado aos passageiros de terceira classe era úmido, mal ventilado e fétido. O ar era pesado de excrementos humanos e comida estragada. Ratos corriam entre os colchões de palha. Maria tentava manter Giovanni limpo e alimentado, mas a água potável era racionada e os alimentos de péssima qualidade faziam com que o menino enfraquecesse a cada dia. A febre começou na segunda semana de viagem, e Alessandro temia que Giovanni não sobrevivesse à travessia.

Todas as noites, ele subia ao convés para respirar o ar fresco e observar as estrelas, tentando imaginar como seria a nova vida no Brasil. Ele repetia mentalmente as palavras de Ernesto: terra fértil, novas oportunidades, um futuro melhor. Mas, ao ouvir os gritos de dor dos passageiros enfermos e os corpos envoltos em lençóis sendo lançados ao mar, ele se perguntava se havia cometido um erro.

Após quarenta e dois dias de tormenta, avistaram terra. O porto de Rio Grande era um caos de gente, baús, carroças e animais. Homens de trajes escuros gritavam ordens em um idioma desconhecido. Alessandro, exausto, mas esperançoso, segurou a mão de Maria com firmeza. A verdadeira jornada apenas começava.

Foram alojados temporariamente por 12 dias em um grande barracão de madeira não beneficiada, com pouca privacidade, junto a dezenas de outras famílias de emigrantes como eles e que tinham destino comum. Aguardavam a ordem de embarque nos pequenos navios fluviais que os deixariam próximo ao seu destino. Uma vez iniciada a longa viagem entraram na Lagoa dos Patos, depois se dirigiram a foz do rio Caí, pelo qual percorreram muitos quilômetros rio acima até chegarem a São Sebastião do Caí onde havia um porto onde desembarcavam. Depois de um dia de descanso, o grande grupo de imigrantes italianos, acompanhados pelos funcionários e guias do governo brasileiro, rumavam a pé ou em grandes carroças puxadas por bois, até o local onde se encontravam os lotes de terra a eles destinadas. Chuvas tropicais deixavam a estreita estrada intransitável. Cada passo era um teste de resistência. O caminho estava intransitável e assim os guias optaram por um trajeto alternativo passando pela Colonia Dona Isabel. 

Quando finalmente chegaram a esta colônia, foram recebidos por Ernesto, que chorou ao ver o irmão. O reencontro foi breve, pois ainda restava uma jornada de mais dois dias até a Colonia Conde D´Eu. Em uma grande carroça, cruzaram matas densas e trilhas enlameadas até o pequeno lote que lhes fora concedido. O terreno era enorme, mas muito íngreme, coberto de vegetação cerrada e pedras. Alessandro viu Maria olhar ao redor, seu rosto carregado de cansaço e desilusão. Ele mesmo sentiu o peso da realidade esmagando suas expectativas.

Os primeiros meses foram brutais. Construíram um barraco de madeira, coberto com folhas de palmeira, e dormiram sobre palha. O frio das noites serranas os fazia tremer. O trabalho na terra exigia um esforço descomunal: primeiro, era preciso derrubar árvores, queimar troncos, remover pedras. O ar cheirava a fumaça e suor. Giovanni, agora mais forte, ajudava no que podia, mas ainda era um menino.

Alessandro plantou milho e feijão, mais tarde criou porcos e galinhas. Com o tempo, aprendeu a lidar com a terra, a negociar com os poucos comerciantes que passavam pela região e a aceitar a dura realidade da vida de colono. Em noites de saudade, olhava para o céu estrelado, lembrando-se da sua terra natal. Muitas vezes, sonhava em voltar, mas sabia que a Itália que deixara para trás não existia mais para ele.

Os anos passaram. A Colonia Conde D´Eu Alfredo Chaves cresceu, os colonos prosperaram e a antiga colonia passou a ser Garibaldi. Alessandro e Maria tiveram mais filhos. Suas mãos ficaram calejadas, suas costas curvadas, mas seus corações estavam cheios de orgulho. Haviam construído um lar em meio à selva.

No entardecer de um dia qualquer, sentado à porta de sua grande casa de madeira, Alessandro observou Giovanni, agora um jovem forte, ajudando a construir a casa de um vizinho. Sorriu. O sonho de um futuro melhor não fora em vão.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

Um Novo Começo na Colônia Conde d’Eu


Um Novo Começo em Garibaldi: 

a Antiga Colônia Conde d’Eu


A manhã clara de setembro de 1919 trouxe a Giuseppe Denato a promessa de um novo começo. O céu límpido do porto de Rio Grande parecia um presságio para a nova etapa que sua família iniciava no Brasil. Apenas um ano havia se passado desde o fim da Grande Guerra, da qual Giuseppe carregava marcas indeléveis, tanto no corpo quanto na alma. Um acidente durante suas atividades na retaguarda o deixara com uma leve claudicação na perna direita, mas não apagou sua determinação. A visão de uma Itália devastada, assolada pela fome e pelo desemprego, fez com que ele buscasse terras mais férteis, onde seu conhecimento como enólogo pudesse florescer.

Giuseppe nascera em 1889, em Vittorio Veneto, no coração da província de Treviso, uma região de colinas ondulantes onde a vitivinicultura era mais que um ofício; era uma herança. Seu pai, Matteo Denato, era um homem austero e meticuloso, apaixonado pelo cultivo de uvas brancas como a Glera, usadas na produção do aclamado espumante Prosecco, e pela robusta Raboso, símbolo de resistência. Giuseppe herdou não apenas o gosto pelo vinho, mas a disciplina necessária para produzi-lo.

Depois de se formar como enólogo na conceituada Escola de Enologia de Conegliano, Giuseppe despontou como um dos jovens mais promissores de sua geração. Casou-se com Beatrice, sua amiga de infância, e logo o casal teve seu primeiro filho, Matteo, nomeado em homenagem ao avô. A vida parecia seguir um curso próspero até que a guerra redirecionou seus passos. A convocação em 1918 o afastou da tranquilidade de seus vinhedos, mas não o impediu de sonhar.

A travessia transatlântica rumo ao Brasil foi dura, marcada por noites mal dormidas e incertezas, mas o olhar determinado de Giuseppe mantinha a família unida. No pequeno barco a vapor que os levou de Rio Grande a Porto Alegre, ele já se imaginava entre os vinhedos. Durante as duas semanas que passou na efervescente capital gaúcha, Giuseppe reuniu informações sobre as colônias italianas ao norte.

A chegada a Garibaldi, antiga Colônia Conde d’Eu, trouxe uma mescla de encanto e desafio. O denso verde da mata atlântica e a topografia irregular exigiriam mais do que conhecimento técnico; exigiriam coragem. Giuseppe adquiriu uma porção de terras que exigia desbravamento intenso, mas ele não recuou. Com as ferramentas simples que tinha e a ajuda dos vizinhos, iniciou o árduo trabalho de limpar o terreno.

Maria, sua esposa, tornou-se uma força essencial no projeto. Enquanto cuidava da casa e dos filhos, ela se dedicava a aprender as nuances da cultura local e a organizar os primeiros experimentos de vinificação. Seu pragmatismo era o contrapeso perfeito para o espírito visionário de Giuseppe. Em 1921, nasceu Anna, a primeira filha do casal em terras brasileiras, um símbolo da nova vida que começavam a construir.

As videiras importadas da Itália começaram a se adaptar ao clima ameno da serra. Giuseppe aplicou técnicas inovadoras de poda e irrigação, e sua primeira safra, em 1924, produziu um vinho que conquistou os moradores locais. A pequena cooperativa que ele ajudou a formar não apenas aumentou a produção, mas também fortaleceu os laços entre os colonos.

O crescimento foi rápido. Em 1930, o "Vinho Denato" já era conhecido em Porto Alegre e além. Giuseppe tornou-se uma figura de respeito na comunidade, mas nunca se esqueceu de suas origens. Ele organizava encontros para compartilhar técnicas, incentivava a educação dos jovens e lembrava a todos que a verdadeira riqueza estava na terra e na união entre as pessoas.

O legado de Giuseppe Denato vai além das garrafas de vinho que carregam seu nome. Ele simboliza a resiliência e a coragem de uma geração que cruzou oceanos em busca de um futuro melhor, enfrentando adversidades com determinação e transformando sonhos em realidade. A Serra Gaúcha, hoje uma potência vinícola, é um testemunho vivo dessa história de perseverança.


Nota do Autor

"Um Novo Começo em Garibaldi: a Antiga Colônia Conde d’Eu" é uma narrativa inspirada pelos eventos reais da imigração italiana para o Brasil no final do século XIX e início do século XX. Essa migração foi impulsionada por fatores como a crise econômica, a fome e a instabilidade política na Itália, bem como pela promessa de novas oportunidades em terras férteis no outro lado do Atlântico.

A Colônia Conde d’Eu, estabelecida em 1870 na Serra Gaúcha, foi uma das primeiras áreas de colonização italiana no Rio Grande do Sul. Posteriormente renomeada Garibaldi, em homenagem ao herói da unificação italiana Giuseppe Garibaldi, a região tornou-se um dos mais importantes polos vitivinícolas do Brasil. Os imigrantes italianos trouxeram consigo conhecimentos agrícolas, tradições culturais e, sobretudo, a paixão pela vinicultura, que transformaram a paisagem econômica e cultural local.

A história de Giuseppe Denato reflete os desafios enfrentados por esses pioneiros: o desbravamento de terras cobertas por mata virgem, o isolamento inicial e as dificuldades em adaptar técnicas europeias ao novo ambiente. Porém, como muitos outros, Giuseppe encontrou na união comunitária e na resiliência uma maneira de prosperar.

Embora fictício, o enredo baseia-se em elementos históricos e busca retratar, com fidelidade, o espírito empreendedor e a contribuição dos imigrantes italianos para o desenvolvimento do sul do Brasil. É uma homenagem à coragem e ao legado cultural dessas famílias, cujas histórias continuam a ecoar nas tradições e nos vinhedos da Serra Gaúcha.

Piazzetta

terça-feira, 15 de abril de 2025

Un Novo Scomìnsio a Garibaldi: la Vècia Colónia Conde d’Eu


Un Novo Scomìnsio a Garibaldi: 

la Vècia Colónia Conde d’Eu


La matina ciara de setembre del 1919 ghe la ga portà a Giuseppe Denato la promessa de un novo scomìnsio. El celo lìmpido del porto de Rio Grande pareva un segno bon per la nova etapa che la so famèia gavea da intraprender in Brasil. Solo un ano gavea passà da la fine de la Gran Guerra, da che Giuseppe portava stigme indelèbili, tanto ´ntel corpo come ´nte l’ánima. Un insidente durante le so atività de retrovia el lo gavea lassà con un sopegar a la gamba destra, ma gnente la ga podù smorsar la so determinassion. La vision de una Itàlia devastà, distruta da la fame e dal disempiego, el lo ga portà a sercar altre tere fèrtili, ndove el so cognossensa come enòlogo podesse fiorir.

Giuseppe lu el zera nato ´ntel 1889, a Vittorio Veneto, ´ntel cuore de la provìnsia de Treviso, una region de colìne ondulà ndove la vitivinicultura la zera pì de un mestier: la zera un’eredità. El so pare, Matteo Denato, lu el zera un òmo austero e meticoloso, apassionà del coltivo de le ue bianche, come la Glera, usà per far el famoso spumante Prosecco, e de la robusta casta Raboso, sìmbolo de resistensa. Giuseppe el gavèa eredità no solo el gusto par el vin, ma anca la dissiplina necessària per farlo.

Dopo èsserse diplomà come enòlogo a la prestigiosa Scuola d’Enologia de Conegliano, Giuseppe el se gavea distinguì come un dei zòvani pì prometenti de la so generassion. Sposà Beatrice, la so amica de infansia, e presto el par el ga avù el so primo fiol, Matteo, che el ghe dà el nome in onor del nono. La vita pareva ndar ben, fin che la guera el lo ga portà via dai so vigneti tranquili. Ma no gnente el lo gavea stacar dal so sònio.

La traversia transatlàntica verso el Brasil la zera stà dura, piena de noti sensa dormir e tante incertese, ma l’òcio determinà de Giuseppe el mantegneva la famèia unida. Sul pìcolo vapor che li ga portà da Rio Grande a Porto Alegre, el se imaginava zà trà i vigneti. Durante le due setimane che el ga passà a la sità animà de Porto Alegre, Giuseppe el ga racolto informassion su le colónie italiane al nord.

L’arivada a Garibaldi, vècia Colònia Conde d’Eu, la ga portà un misto de meravèia e sfide. El verde intenso de la mata atlàntica e la topografia iregular i volea pì che tènica: i volea coraio. Giuseppe el ga comprà un tòco de tère che volea un desboscamento intensivo, ma lu no el se è mai tirà indrio. Con le poche ferramente che gavea e l’aiuto dei vissin, el ga intrapreso el lavor duro de preparar el teren.

Maria, la so sposa, la ze diventà ´na forsa essenssial ´nte’l proieto. Mentre la se ocupava de la casa e dei fiòi, anca la se ga dedicà a imparar le sfumature de la cultura local e a organisà i primi esperimenti de vinificassion. El so pragmatismo el zera el contrapeso perfeto al spìrito visionàrio de Giuseppe. Ntel 1921 la ze nassesta Anna, la prima fiola de la copia in tère brasialian, sìmbolo de la nova vita che i gavea scominsià.

Le viti importà da l’Itàlia le se ga adaptà al clima temperà de la region de Garibaldi. Giuseppe el ga aplicà tèniche inovative de potatura e irrigassion, e la so prima racolta, ´ntel 1924, la ga produre un vin che el ga conquistà i abitanti locai. La pìcola cooperativa che el gavea aiutà a formar no el ga solo aumentà la produssion, ma anca rinforsà i legami trà i coloni.

El progresso el ze stà ràpido. Ntel 1930, el “Vin Denato” el zera zà conossù a Porto Alegre e oltre. Giuseppe el zè stà diventà ´na figura de rispeto in comunità, ma no el se ga mai scordà de le so origini. Organisava incontri per condivìder tèniche, el ga insentivà l’educassion dei zòvani e el ricordava a tuti che la vera richesa la ze stà ´nte la tèra e l’union trà le persone.

El lassà de Giuseppe Denato el va oltre le bote de vin che porta el so nome. Lu el ze sìmbolo de la resistensa e del coraio de una generassion che la ga atraversà l’oceano in serca de un futuro meior, afrontando le adversità con determinassion e trasformando i so sòni in realtà. La Serra Gaúcha, che incò la ze ´na potènsa vinícola, la testimónio viva de sta stòria de perseveransa.

Nota del Autor

"Novo Scomìsio a Garibaldi: la Vècia Colónia Conde d’Eu" la ze na stòria inspirà dai eventi veri de l'imigrassion italiana in Brasile a la fin del sècolo XIX e al scomìnsio del sècolo XX. Sta imigrassion la ze stà impulsionà da cause come la crisi económica, la fame e l'instabilità polìtica in Itàlia, e anca da la promessa de nova oportunità in tere fèrtili da l'altra banda del Atlàntico.

La Colónia Conde d’Eu, fondata nel 1870 su la Serra Gaúcha, la ze stà ´na de le prime area de colonisassion italiana ´ntel Rio Grande do Sul. Dopo, ciamà Garibaldi in onore del eroe de la unificassion italiana Giuseppe Garibaldi, l'àrea la ze diventà uno dei pì importante centri vitivinìcoli del Brasile. I imigranti italiani i ga portà con lori savéri agrícoli, tradission culturai e, sopratuto, la passion par la vinicultura, che ga trasformà la vista e la cultura económica local.

La stòria de Giuseppe Denato la riflete i sfidi afrontà da sti pionieri: el desbravar de rimòvere coperte de foresta vèrgine, l'isolamento inissial e le dificoltà de adaptar le tèniche europee al novo ambiente. Ma, come tanti altri, Giuseppe el ga catà ´ntel senso de comunità e ´ntela resiliensa la strada par prosperar.

Anca se fitìssia, la trama la se basa su elementi stòrici e la sérca de rifletar con fedeltà el spìrito impreditoriale e la contribussion dei imigranti italiani al desvolvimento del sud del Brasile. Ze na onoransa al coraio e al legà culturale de ste famèie, le cui stòrie le continua a risuonar inte le tradission e ´ntei vigneti de la Serra Gaúcha.

Piazzetta


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Raízes de Esperança



O ano era 1875, e a Itália, bela em suas paisagens, estava ferida por crises econômicas e sociais. A pequena vila de Montebello, na região de Vêneto, sentia os efeitos dessa realidade. Era uma terra de vinhedos antigos, mas a promessa de prosperidade já não mais sustentava suas gentes.
Giuseppe, um homem de trinta e cinco anos, de olhar firme e mãos calejadas pelo trabalho na terra, decidiu que era hora de partir. Ao lado de sua esposa, Maria, e seus dois filhos, Enzo, de oito anos, e Sofia, de cinco, Giuseppe tomou a difícil decisão de deixar sua terra natal. Seus pais o aconselharam a ser corajoso, a confiar no futuro, mas as palavras pesavam como chumbo em seu coração.
A travessia do Atlântico foi longa e dolorosa. A bordo de um navio abarrotado de sonhos e incertezas, a família enfrentou tempestades e o medo do desconhecido. Giuseppe passava as noites acordado, segurando a mão de Maria, enquanto ela consolava as crianças, que choravam de saudade e fome. O futuro parecia uma promessa distante, mas a fé os mantinha de pé.
Quando finalmente avistaram terra, após meses de viagem, a família estava exausta. O Brasil os recebeu com um calor que contrastava com o frio que sentiam em suas almas. Chegaram, depois de mais algumas semanas de viagem, à Colônia Conde d’Eu, um pequeno aglomerado de barracos de madeira e terra batida, cercado por uma densa mata virgem. Giuseppe olhou para aquele cenário com uma mistura de alívio e desespero. Era terra nova, mas o trabalho seria árduo.
Giuseppe logo se pôs a trabalhar. Ele e os outros colonos desbravavam a mata, abrindo caminho para as futuras plantações de parreiras cujas mudas haviam trazido da cidade natal. A terra era fértil, mas o isolamento era cruel. As distâncias entre as casas eram enormes, e o silêncio da mata parecia engolir os sons da vida. A saudade da Itália, dos pais, dos amigos, era uma dor constante no peito de Giuseppe e Maria.
As noites eram frias, e o vento assobiava nas frestas das casas mal construídas. Os filhos sentiam falta das brincadeiras no pátio da velha casa em Montebello, agora substituído por um mundo de incertezas. Mas Giuseppe e Maria continuavam a lutar, dia após dia, acreditando que estavam construindo um futuro melhor para seus filhos.
Depois de anos de trabalho duro, finalmente chegou o momento da primeira colheita. Giuseppe sentiu um orgulho imenso ao olhar para as vinhas carregadas de uvas maduras. Ele sabia que aquele era o começo de uma nova vida para sua família. Com a ajuda de outros colonos, começaram a produzir o vinho, seguindo as técnicas que haviam aprendido na Itália.
O primeiro vinho produzido na colônia foi um marco. Era um vinho simples, mas carregado de significados. Para Giuseppe, cada gota daquele líquido representava o suor de seu trabalho, as lágrimas de sua esposa, e a esperança de seus filhos. Quando o vinho ficou pronto, os colonos se reuniram para celebrar. Era uma noite estrelada, e as risadas ecoaram pela colônia, afastando a solidão e a tristeza que tantas vezes os haviam visitado.
Naquela noite, Giuseppe brindou com os outros colonos, olhando para Maria e os filhos. Ele sabia que ainda havia muito a fazer, mas pela primeira vez desde que chegara ao Brasil, sentiu que haviam encontrado seu lugar no mundo.
Os anos passaram, e a colônia começou a crescer. Novos imigrantes chegaram, trazendo consigo novas esperanças e desafios. As casas de madeira foram substituídas por construções mais sólidas, e as plantações se expandiram. Mas com o progresso, vieram também os desafios.
As doenças eram uma ameaça constante. A febre e a malária ceifaram vidas, e os médicos eram raros na região. Maria se dedicou a cuidar dos doentes, usando os conhecimentos de ervas que havia aprendido com sua avó na Itália. Ela se tornou uma referência na comunidade, uma mulher de força e compaixão que todos respeitavam.
Sofia, agora uma jovem mulher, ajudava a mãe no cuidado dos doentes, enquanto Enzo seguia os passos do pai na vinícola. O vinho produzido por Giuseppe começou a ganhar fama na região, e ele sonhava em um dia ver seu nome associado aos melhores vinhos do Brasil.
Mas os tempos de dificuldade não haviam terminado. Uma praga devastadora atingiu as vinhas, ameaçando destruir tudo o que haviam construído. Giuseppe lutou com todas as suas forças para salvar as plantações, mas o futuro parecia incerto. A família se uniu ainda mais, enfrentando as adversidades com coragem e determinação.
Após anos de luta, o progresso finalmente chegou à colônia Conde d’Eu. As estradas foram abertas, facilitando o transporte dos vinhos para outras regiões do Brasil. Giuseppe, com sua visão e determinação, decidiu investir na produção de espumantes, uma bebida que começava a ganhar popularidade no país.
A primeira produção de espumante foi um sucesso. O espumante de Giuseppe se tornou conhecido em todo o Brasil, e a colônia começou a prosperar. A família se tornou uma referência na produção de vinhos e espumantes, e Giuseppe viu seu sonho se realizar.
Enzo, agora um homem feito, assumiu a responsabilidade pela vinícola, trazendo novas ideias e técnicas que aprendeu em suas viagens pela Itália. Sofia se casou com um imigrante italiano, também envolvido na produção de vinhos, e juntos começaram uma nova família.
Maria, sempre ao lado de Giuseppe, viu seus filhos crescerem e prosperarem, e sentiu que todos os sacrifícios haviam valido a pena. Ela e Giuseppe envelheceram juntos, olhando para as colinas cobertas de vinhedos, sabendo que haviam construído algo duradouro, algo que passaria para as próximas gerações.
O ano era 1900, e a colônia Conde d’Eu, agora conhecida como Garibaldi, havia se transformado em um próspero município. As ruas eram repletas de vida, e as cantinas de vinho eram famosas em todo o Brasil. O espumante produzido pela família de Giuseppe era apreciado em festas e celebrações, um símbolo do sucesso dos imigrantes italianos que haviam desbravado aquela terra desconhecida.
Giuseppe, agora com sessenta anos, olhava para tudo o que haviam conquistado com um misto de orgulho e nostalgia. Ele sabia que, sem a coragem de partir, sem a força de sua esposa, sem a determinação de seus filhos, nada daquilo teria sido possível. O nome de sua família estava gravado na história de Garibaldi, e ele sabia que seu legado perduraria.
Em uma noite estrelada, muito parecida com aquela primeira colheita, Giuseppe reuniu sua família e os amigos mais próximos para um brinde. Eles ergueram suas taças, cheias do espumante que havia se tornado o orgulho de Garibaldi, e brindaram ao futuro. Um futuro que, apesar das dificuldades, prometia ser brilhante, como as estrelas que iluminavam o céu acima da colônia.
Garibaldi, a capital brasileira do espumante, é hoje um símbolo de perseverança e sucesso. Os descendentes dos imigrantes italianos continuam a produzir vinhos e espumantes de renome, mantendo viva a tradição que Giuseppe e sua família começaram há mais de um século.
As vinícolas de Garibaldi são um legado da coragem daqueles que, em 1875, decidiram deixar tudo para trás em busca de uma nova vida. E em cada garrafa de espumante, em cada taça erguida, vive a história de uma família que construiu, com amor e suor, um novo lar no sul do Brasil.



sábado, 15 de janeiro de 2022

Os Imigrantes Italianos na Colônia Conde d'Eu atual Garibaldi

 

Imigrantes na Hospedaria da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, em finais do século XIX

Em 1870 o governo imperial criou a Colônia Conde d'Eu, atual município de Garibaldi, localizado na Serra Gaúcha e que abrigou um grande número de imigrantes italianos.

Desde o ano de 1878 a Colônia Conde d'Eu passou a contar com o auxílio da Società Italiana di Mutuo Soccorso Stella D'Italia, formada por sócios italianos, que criou um refúgio seguro, um espaço favorável para atuação dos imigrantes, congregando-os em um ambiente associativo onde podiam cultuar suas crenças e costumes.




A partir de 1880 com o incremento da imigração italiana no Rio Grande do Sul, o número de assentados foi aumentando gradativamente. Entre os anos de 1875 e 1914 o estado gaúcho recebeu um número aproximado de 80.000 imigrantes italianos, que fugindo da miséria cada vez maior na Itália, se transferiram definitivamente para o Brasil, atraídos pelas perspectivas de construir uma vida melhor. 




Além da intensa propaganda, que nem sempre primava pela honestidade, feita pelos inúmeros recrutadores a serviço das companhias contratantes de mão de obra com o governo do Império do Brasil, também tiveram um papel muito importante de atração de novos imigrantes, foram as cartas convite enviadas pelos primeiros aqui chegados para os seus amigos e parentes que tinham permanecido na Itália.    

Nessas cartas os pioneiros enalteciam o clima do Rio Grande do Sul, muito parecido com aquele do norte da Itália, a fertilidade do solo e a grande facilidade para obtenção de lotes de terra. 

Essas cartas, principalmente, enfatizavam a felicidade de terem finalmente se tornado proprietários de terras. Não precisavam mais obedecer a um patrão e, principalmente, não tinham mais que dividir as colheitas com o dono da gleba como acontecia na Itália.




O objetivo do governo imperial, e depois aquele da província do Rio Grande do Sul, de trazer imigrantes era o de suprir os grandes centros das necessidades alimentares e abastecer com produtos agrícolas mercado interno do país. 

No entanto, muitos dos imigrantes que aqui chegaram, que se denominavam agricultores, na verdade tinham pouca ou quase nenhuma experiência com as lidas do campo. Eram pequenos artesãos, comerciantes e industriais que aproveitaram aquele momento para obterem a posse da terra. 




Esse fato foi até muito favorável para o rápido desenvolvimento interno das colônias, onde, em pouco tempo, surgiram comércios e pequenas indústrias artesanais.

Do Porto do Rio de Janeiro ou de Santos, onde os imigrantes desembarcavam, aqueles imigrantes cujo destino final era o Rio Grande do Sul, eram embarcados em navios menores até a capital Porto Alegre, onde eram alojados, provisoriamente, em precários barracões de madeira, para esperar a transferencia para as colônias a que estavam destinados: Caxias, Dona Isabel ou Conde d'Eu.




Colocados em pequenas embarcações a vapor navegavam por aproximadamente sete horas, subindo as fortes correntes do rio Caí, até o ponto de desembarque, o qual ficava ainda muito distantes das colônias. Essas deviam ser  alcançadas após aproximadamente três dias de marcha a pé, no lombo de mulas ou carretas de bois, atravessando a densa mata por estreitas estradas e picadas abertas na floresta. 

Chegados no local da colônia ficavam alojados em um outro barracão provisório de madeira, que ficou conhecido por barracão dos imigrantes, até que os lotes fossem devidamente demarcados e distribuídos pelos funcionários representantes do governo.




As condições para se chegar até as colônias eram muito difíceis, os caminhos estreitos e tortuosos. Os lotes demarcados ficavam distantes e os pioneiros precisaram abrir clareiras na mata virgem, abatendo gigantescas árvores, para delimitar uma pequena área a ser cultivada e construir um abrigo bastante precário de pau-a-pique, cobertos por galhos de árvores, folhas de palmeira e grimpa de pinheiros.

Preparada a terra, após a queimada das árvores e galhos, eram plantadas as primeiras roças de milho e feijão, com as sementes recebidas do governo na ocasião da chegada na colônia, juntamente com algumas ferramentas de trabalho. 




Enquanto esperavam pela colheita da primeira safra, os imigrantes sobreviviam da caça de aves e pequenos animais, além da coleta de frutos, as vezes consumiam algum mantimento recebido do governo. Em outras ocasiões compravam algumas provisões com o dinheiro arrecadado com a venda da madeira e, mais raramente, com o soldo do trabalho assalariado permitido, por somente quinze dias ao mês, na abertura de estradas, caminhos ou outras benfeitorias que interessassem a administração.

Os bilhetes do transporte marítimo entre a Europa e o Rio Grande do Sul era financiado pelas autoridades brasileiras. Os lotes e alguns eventuais subsídios como transporte dentro do estado, as despesas com estadias, ferramentas e sementes deveriam ser pagos ao governo em um período de 5 a 10 anos, com um tempo de carência.

O título provisório da terra somente era entregue ao colono imigrante quando este já houvesse quitado pelo menos 20% da dívida e o título definitivo, quando a dívida estivesse totalmente paga. Os imigrantes levavam muito a sério essas dívidas com o governo, pois, as famílias inadimplentes podiam ser expulsas dos seus lotes perdendo todo o trabalho já realizado. Para evitar a perda da terra  toda a família se empenhava no trabalho, até as mulheres e filhos pequenos ajudavam no esforço familiar.

Com o tempo a produção agrícola das colônias aumentou bastante e surgiu um outro problema que dificultava a venda dos produtos colhidos que era a falta de estradas e de comunicação, o  que impedia que as safras fossem escoadas e vendidas devido a falta de contato com as demais regiões.




Os primeiros imigrantes italianos chegaram à Colônia Conde d'Eu em 24 de dezembro de 1875, provenientes da região do Trento, ali encontrando imigrantes prussianos, espanhóis, portugueses e suíços que haviam chegado algum tempo antes. Até o final do século XIX os imigrantes italianos já eram o maior grupo étnico entre os assentados na colônia. 

A Colônia Conde d'Eu foi fundada no ano de 1870 e recebeu este nome em homenagem ao genro do imperador D. Pedro II, casado com a Princesa Isabel. 

Com a chegada das novas levas de imigrantes a colônia experimentou um crescimento acentuado e já em 1878 possuía 3 mil habitantes na sua maioria italianos.




Em 13 de Abril de 1884 a Colônia de Conde d'Eu  foi elevada à categoria de Freguesia de São Pedro e experimentou grande progresso com a construção de estradas e crescimento da área urbana surgindo várias casas de comércio, indústrias, como ferrarias, fábrica de cerveja gasosa, gaitas, pólvora, alguns moinhos sapatarias, alfaiatarias, serrarias, fundição de sinos e o cultivo de videiras. 

Uma das principais características de uma propriedade colonial italiana é o fato que nela todos da família trabalhavam, com as tarefas sendo divididas de acordo com o gênero e idade de cada um dos seus membros. Aos homens cabia o trabalho na agricultura, criação de animais e atividades de comércio da produção. Às mulheres estava destinada as ocupações nas tarefas domésticas e em atividades mais leves na horta, na criação de animais e cuidados com os filhos.

As crianças por sua vez começavam a ajudar os pais em pequenas atividades já à partir dos 6 anos de idade até completarem 15 anos, quando então passavam a trabalhar junto com os adultos. 







sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Padre Bartolomeo Tiecher

Padre Bartolomeo Tiecher




O padre Bartolomeo Tiecher, nascido em Caldonazzo, hoje município da província de Trento, na Região do Trentino Alto Adige, foi o primeiro sacerdote tirolês a emigrar de onde hoje é a Itália, para o Brasil acompanhando 700 pequenos agricultores tiroleses, provenientes da Valsugana (Val Sugana) no ano de 1875. 

Chegou com as primeiras levas de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, acompanhado pelos pais, irmãos e conterrâneos. 

Por saber falar também a língua alemã, foi designado para assumir o posto de Capelão da Colônia Santa Maria da Soledade, no então município de São João de Montenegro, hoje São Vendelino, tomando posse em 23 de dezembro de 1875. 

No dia 21 de Março de 1876 celebrou a 1ª missa na Colônia Conde D'Eu, hoje Garibaldi, na Serra Gaúcha, em um altar improvisado com caixas e baús dos imigrantes, no meio da precária estrada ali existente. 

Como sacerdote exerceu o seu apostolado nas colônias de Conde D'Eu e Dona Isabel onde pela falta de igrejas celebrava as missas ao ar livre e em altares improvisados. Se preocupava muito com o abandono que os imigrantes se encontravam naqueles primeiros anos da chegada ao estado e também com a falta de sacerdotes para dar o atendimento religioso aos imigrantes.

Padre Bartolomeo Tiecher se destacou como naturalista estudando a flora do Rio Grande do Sul.

O sacerdote atuou nas
colônias Conde D’Eu e Dona Isabel
O sacerdote atuou nas
colônias Conde D’Eu e Dona Isabel e celebrava
missas a
o
ar livre
por causa
d
a falta de igreja
s.
P
reocupava
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se
com a
ausência
de auxilio religioso
nas colônias,
devido
à
falta de sacerdotes
,
e
com
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situação de abandono em que os colonos italianos se encontravam durante a fase
pioneira. O Padre Tiecher também se destacou como um naturalista
,
sendo um grande estudioso
da flora rio
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grandense.
Palavras
-
chave

: imigrantes italianos, p
mata