Espaço destinado aos temas referentes principalmente ao Vêneto e a sua grande emigração. Iniciada no final do século XIX até a metade do século XX, este movimento durou quase cem anos e envolveu milhões de homens, mulheres e crianças que, naquele período difícil para toda a Itália, precisaram abandonar suas casas, seus familiares, seus amigos e a sua terra natal em busca de uma vida melhor em lugares desconhecidos do outro lado oceano. Contato com o autor luizcpiazzetta@gmail.com
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
A Jornada dos Imigrantes Italianos ao Brasil
terça-feira, 27 de agosto de 2024
A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS
domingo, 11 de agosto de 2024
Cultura e Tradições Mantidas: O Legado Italiano no Brasil
Cultura e Tradições Mantidas: O Legado Italiano no Brasil
A imigração italiana para o Brasil começou no final do século XIX, trazendo consigo um rico patrimônio de cultura e tradições que se enraizaram profundamente no tecido social brasileiro. Esse processo migratório não apenas contribuiu para transformar o panorama demográfico do país sul-americano, mas também teve um impacto duradouro na sua cultura, economia e estilo de vida. Analisar o legado italiano no Brasil significa compreender uma teia de elementos culturais, religiosos, culinários e linguísticos que continuam a influenciar a sociedade brasileira moderna.
As Raízes da Imigração Italiana
A grande onda de imigração italiana para o Brasil ocorreu entre 1875 e 1914, um período durante o qual cerca de 1,5 milhão de italianos se mudaram para o Brasil. A maioria desses imigrantes vinha das regiões do norte da Itália, especialmente do Vêneto, Lombardia e Trentino-Alto Ádige. Muitos foram atraídos pelas oportunidades oferecidas pela lavoura do café no estado de São Paulo, que na época representava uma das principais atividades econômicas do país.
A Influência Culinária
Um dos aspectos mais evidentes da cultura italiana mantida no Brasil é a culinária. As influências italianas são particularmente fortes nas regiões sulinas do Brasil, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde a população de origem italiana é numerosa. Pratos como a polenta, o risoto e várias preparações de massas tornaram-se parte integrante da cozinha brasileira. As pizzarias são difundidas em todo o país e frequentemente adotam estilos que combinam tradições italianas com ingredientes locais, criando assim uma fusão culinária única.
Festas e Celebrações
As festas tradicionais italianas encontraram um terreno fértil no Brasil, onde são celebradas com entusiasmo e participação comunitária. Uma das festas mais importantes é a "Festa da Uva" em Caxias do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, que celebra a colheita da uva com desfiles, música, danças e, claro, degustações de vinho. Da mesma forma, a "Festa Italiana" de São Paulo atrai milhares de visitantes todos os anos, oferecendo uma experiência imersiva na cultura italiana através de comida, música e espetáculos.
A Língua e a Educação
A língua italiana deixou uma marca significativa no Brasil, especialmente nas comunidades com alta concentração de descendentes de italianos. Muitas escolas oferecem cursos de italiano e existem diversas instituições culturais, como o Circolo Italiano de São Paulo, que promovem a língua e a cultura italiana. Também os dialetos italianos, como o vêneto e o trentino, ainda são falados em algumas comunidades rurais, testemunhando a tenaz conservação das raízes linguísticas.
Arquitetura e Arte
A influência italiana é visível também na arquitetura e na arte. Nas cidades com uma forte presença italiana, como São Paulo e Curitiba, podem-se encontrar edifícios e igrejas construídos segundo estilos arquitetônicos italianos. A arte italiana, além disso, influenciou muitos artistas brasileiros, que adotaram técnicas e estilos aprendidos dos mestres italianos. O Museu de Arte de São Paulo (MASP) abriga numerosas obras de arte italiana, consolidando o vínculo cultural entre os dois países.
Religião e Tradições
A religião católica, trazida pelos imigrantes italianos, reforçou ainda mais sua presença no Brasil. As festas religiosas italianas, como a festa de San Gennaro, são celebradas com grande devoção e participação. Além disso, as procissões e celebrações ligadas aos santos padroeiros das comunidades italianas são momentos de grande importância cultural e espiritual.
O Legado Imaterial
Além dos aspectos tangíveis, o legado italiano inclui também tradições orais, música e danças que foram passadas de geração em geração. A música italiana, das árias operísticas às canções populares, encontrou um lugar no coração dos brasileiros. As danças tradicionais, como a tarantela, são executadas durante as festas comunitárias, mantendo vivas as antigas tradições.
Conclusão
O legado cultural italiano no Brasil é um fenômeno complexo e multifacetado que continua a evoluir. A capacidade dos imigrantes italianos de se adaptarem e se integrarem mantendo suas próprias tradições enriqueceu enormemente o panorama cultural brasileiro. Hoje, quase 150 anos após o início das primeiras grandes ondas migratórias, as tradições italianas permanecem uma parte vibrante e dinâmica da sociedade brasileira, testemunhando a resiliência e a vitalidade da cultura italiana em terra estrangeira.
sexta-feira, 9 de agosto de 2024
São Paulo: Um Epicentro da Imigração Italiana no Brasil
sábado, 27 de julho de 2024
Legado Boari: Uma Saga de Sucesso e Determinação no Brasil
domingo, 14 de julho de 2024
Padre Colbachini na Província do Paraná
A trajetória de Colbacchini na Região de Colonização Italiana do Paraná
Tese de Fábio Luiz Machioski
Pietro Colbacchini, nasceu em Angarano, uma pequena localidade da cidade de Bassano del Grappa, na província vêneta de Vicenza, no dia 11 de setembro de 1845. Foi o décimo terceiro filho, de um total de 17, de Antonio Colbacchini e Angela Zarpellon, um abastado casal pertencente a burguesia do lugar. Aos 3 anos recebeu o sacramento da crisma e aos 8, a primeira comunhão. Também consta que frequentou a escola, concluindo o colegial em 1857. Deste ano até 1862 realizou seus estudos junto aos seminários diocesanos de Vicenza e Padova, e aos 18 anos entrou para a ordem dos jesuítas, junto a qual iniciou o noviciado em novembro de 1863, na cidade de Verona.
Segundo Terragni, nesse período que passou junto a Companhia de Jesus ele adquiriu as características religiosas ultramontanas que marcaram sua atuação junto aos imigrantes italianos no Brasil. Os ensinamentos da congregação jesuíta da época eram pautados em uma “rígida disciplina com uma formação espiritual voltada ao intransigentismo e de indiscutível fidelidade ao Papa em todas as questões religiosas e políticas”. (TERRAGNI, 2016, p. 6.) No entanto, por motivos de doença se retirou por duas vezes dos seus estudos junto a esta ordem religiosa, sendo que a segunda vez foi em definitivo. Porém, a breve permanência na ordem fundada por Inácio de Loyola foi o suficiente para lhe imprimir vários aspectos de sua personalidade empreendedora, independente e autoritária.
Não podendo continuar sua formação religiosa junto aos jesuítas, Pietro Colbacchini retornou ao seminário diocesano de Vicenza onde concluiu os seus estudos e foi ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1869, aos seus 23 anos de idade. Como padre exerceu seus primeiros anos de missão em duas localidades da sua diocese, na Igreja de Santa Corona em Vicenza, e em Cereda, onde permaneceu como pároco até 1883. Desta data em diante se tornou livre dos afazeres paroquiais e se dedicou exclusivamente às missões populares como missionário apostólico, que era o que de fato combinava mais com as suas características religiosas adquiridas durante sua formação jesuítica, apesar de ter se tornado um padre secular.
Esse anseio de ser missionário e não se fixar em uma paróquia é uma das importantes características, que desde já podemos afirmar, estava presente no modelo de organização religiosa que tinha em mente este sacerdote. Com certeza, foi este desprezo à vida paroquial e o desejo de realizar sua missão nas Américas que fez com que Colbacchini decidisse emigrar para socorrer espiritualmente os imigrantes italianos no Brasil. O momento desta decisão, como podemos conferir adiante, é narrado por ele mesmo em uma de suas cartas enviada ao representante da Santa Sé no Brasil, o internúncio apostólico Monsenhor Francesco Spolverini:
No mês de maio de 1884, eu me encontrava em Feltre, pregando na catedral local. Um bondoso sacerdote de Campo di Quero, localidade vizinha, veio até mim apresentando-me diversas cartas recebidas de seus conterrâneos dispersos nas províncias brasileiras do Rio Grande e de Santa Catarina, os quais lhes pediam insistentemente que fosse até eles para lhes dar o auxílio de seu ministério. Cortaram-me o coração os lamentos que, nessas cartas, faziam sobre o abandono em que jaziam tantos desventurados italianos, e o perigo em que se encontravam de perder a fé. Havia muitos anos que eu aspirava à missão italiana no Brasil, contudo, as dificuldades presentes me levaram a suspender a realização desse projeto, e as contínuas ocupações com missões na Itália me tomavam o tempo e as preocupações. As cartas conseguiram sacudir-me e tirar-me qualquer dúvida, e decidi partir o mais rápido possível.(COLBACCHINI a SPOLVERINI, 23 de junho de 1889)
Fica claro, por meio desta carta, que Pietro Colbacchini já planejava há alguns anos emigrar para o Brasil a fim de proteger os imigrantes italianos do ‘perigo de perder a fé’, e que não foi uma decisão de momento. Isso explica porquê ele não se dirigiu às províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina citadas na fonte acima, mas sim para São Paulo, desejando chegar aos italianos que estavam instalados na província do Paraná, que na época pertencia à jurisdição da diocese paulista. Esse desejo é explicitado por ele em uma de suas cartas dirigidas ao padre Domenico Mantese: “Antes mesmo de partir da Itália tinha em mente o Paraná; sabia que lá deviam se encontrar muitos que pertenciam a nossa diocese; o meu desejo esteve sempre voltado para eles”. (COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887.)
Defendemos aqui a ideia de que o referido sacerdote sabia que nos arredores da capital paranaense haviam se instalado imigrantes vênetos provenientes de localidades da região do Brenta, próximas de sua cidade de origem, Bassano del Grappa, e que era para esses conterrâneos que ele tinha um projeto particular de assistência religiosa. Na nossa opinião, esse seu desejo expressa o forte sentimento de pertença regional, uma espécie de veneticidade, sob a qual desejava que os imigrantes construíssem seu processo de identificação etnocultural. Essa hipótese é reforçada no discurso que Colbacchini promove no Brasil a partir de 1885. A começar pela descrição que faz da experiência nas fazendas de Jundiaí, São Paulo, nas quais haviam se estabelecido italianos provenientes da província de Mantova. “Um ano e meio passei lá, com muito incomodo de minha parte, porque seja em relação ao alojamento como também à alimentação, tinha apenas as coisas necessárias, e devia passar a vida com aquela gente rude e difícil que são os Mantovanos”. (COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887.)
Percebemos que Colbacchini possuía um forte sentimento étnico no qual pautava sua prática discursiva para a construção de um processo de identificação cultural dos seus conterrâneos vênetos. Essa ideia é reforçada por esse ser um dos argumentos utilizados por ele, depois que já estava realizando seu trabalho nas colônias italianas dos arredores de Curitiba, em meados de 1886, na tentativa de arregimentar companheiros da diocese de Vicenza para sua missão, como foi com Domenico Mantese para quem escreve:
Estou agora por obter a ordem de erigir uma paróquia em Curitiba para os italianos, onde se poderá tirá-los da dependência do pároco brasileiro do qual não podem esperar outra ajuda senão de gastar muito dinheiro com as taxas de batizados e de matrimônios. Minha intenção seria a de constituir um sacerdote como pároco, e que dois ou três outros o coadjuvassem missionando nas colônias, pois em todas se está construindo igrejas. [...] Venha e prometo que a sua presença será cem vezes mais útil que na sua atual paróquia. (COLBACCHINI a MANTESE, 18 de agosto de 1886)
Nesta carta, percebemos o caráter de independência em relação às paróquias e aos clérigos brasileiros que Colbacchini gostaria de imprimir na organização religiosa que queria implantar. Entretanto a demora na vinda dos padres da diocese de Vicenza, para colaborarem com o projeto de congregação religiosa de Colbacchini, fez com que seu desejo não se concretizasse como o desejado. O fato é que, na mesma época em que ele pensava em fundar um instituto voltado para os vênetos imigrados no Paraná, o bispo de Piacenza, Giovanni Battista Scalabrini, deu início a um projeto análogo, porém, destinado a atender espiritualmente todos os imigrantes italianos nas Américas. A notícia da criação desta nova congregação chegou por meio de uma carta enviada pelo seu correspondente, padre Mantese, em 20 de novembro de 1887, e fez com que Colbacchini aderisse prontamente a esse novo projeto, escrevendo logo à Scalabrini e se colocando a sua disposição como se pode ler logo a seguir:
Eu o último de todos no mérito, tenho o direito de colocar-me entre os primeiros no desejo de fundação desta tão necessária missão. [...] V. Excia. Revma. dignou-se comunicar-me que conta com minha colaboração para a fundação de uma casa central dessa associação de missionários para a América, e eu respondo com todo o coração ao seu desejo, tornando-me seu fiel servo para a vida e para a morte, em prol de uma causa que em tudo corresponde à finalidade pela qual aqui me encontro. (COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de dezembro de 1887.)
Com essa atitude o sacerdote almejava ser legitimado cada vez mais como principal representante da coletividade italiana da região, ao mesmo tempo que induzia os colonos a assumirem uma italianidade pautada na catolicidade ultramontana. Porém, Colbalcchini se deu conta que devia enfrentar frequentes oposições e perseguições, já que nem todos os imigrantes de origem italiana estavam dispostos a se submeter ao seu controle e ao modelo de representação étnica baseado nos moldes do catolicismo ultramontano. Consciente dessa realidade, em meados de 1888, o sacerdote escreveu ao representante da Santa Sé no Brasil:
Entre os nossos, existem os trazidos pelo diabo. Da parte destes, sofri e sofro perseguições de todos os tipos. Combati e venci o ex Agente Consular o Sr. Ernesto Guaita que em discurso público me qualificava como “perigosa ave notívaga” para Curitiba. [...] Agora aqui e ali existem aqueles que me querem morto, ou porque lhes tirei a concubina, ou por ter avisado a polícia das turbulências que inquietavam as colônias. (COLBACCHINI a SPOLVERINI, 24 de maio de 1888.)
Além da luta contra os representantes locais da italianidade nacionalista, que possuíam fortes consonâncias anticlericais herdadas do processo de unificação da Itália, Pietro Colbacchini teve fortes embates com os membros do clero brasileiro. Isso mesmo depois da criação da Capelania Italiana Curada em Curitiba, por meio do decreto episcopal de 14 de fevereiro de 1888, pelo qual o sacerdote foi nomeado oficialmente o diretor espiritual das colônias italianas do Paraná. Na verdade, o padre italiano se indispôs ainda mais com as autoridades locais, sobretudo com os padres que ocuparam o cargo de Vigário Geral Forense, pois entendia que esses barravam o seu projeto. O fato é que o decreto permitia que os imigrantes escolhessem se queriam pertencer ou não a dita capelania, ou seja, podiam optar ser liderados religiosamente e moralmente pelos párocos brasileiros ou por Colbacchini. No entendimento deste último isso comprometia o seu projeto de forjar a italianidade por meio da catolicidade, pois considerava que era “necessário estender a todos os núcleos, ou melhor, a todos os italianos o benefício que estaria limitado a poucos”. (COLBACCHINI a SPOLVERINI, 1889.)
Esses confrontos ideológicos foram os responsáveis pelo afastamento do missionário da região de colonização italiana do Paraná. No âmbito político, sofre vários atentados no ano de 1894 pelo fato de fazer oposição a participação dos imigrantes nas tropas locais que se envolveram nas lutas da Revolução Federalista. Um desses atentados é narrado da seguinte maneira pelo sacerdote:
Na noite de 17 de fevereiro por obra de um indigno italiano, bandido na Itália, coronel das forças revolucionárias, homem perigosíssimo, foram assaltadas as minhas residências do Água Verde e de Santa Felidade, na intenção de me matar, porque eu impedia os Italianos de colocar-se debaixo as bandeiras daquele enganador que se envolveu com a revolução para ter como formar uma orda de assassinos. [...] Dois meses tive que viver escondido em meio ao bosque e defendido por gente armada. As procuras destes assassinos para me encontrar foram contínuas, mas não conseguiram seu objetivo. (COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de maio de 1894.)
Essa perseguição promovida pelos liberais obrigou Colbacchini a deixar sua missão e o fez retornar, mesmo que a contragosto, para Itália. Acreditamos que no pensamento do missionário esse afastamento seria apenas temporário, como fica comprovado pelo pequeno extrato de carta a seguir: “Escrevi hoje mesmo para o Bispo de Curitiba D. José de Barros Camargo, oferecendo-lhe aquilo que posso fazer em favor dos italianos do Paraná...”. (COLBACCHINI a CAVAGNIS, junho de 1896). Mal sabia ele que o seu destino já havia sido decidido, pois os representantes do clero local já haviam escrito ao Internúncio Apostólico da Santa Sé no Brasil afirmando que não desejavam o retorno da figura intransigente do padre italiano para Curitiba: “A respeito do Pe. Colbacchini... segundo tenho ouvido dizer, é bastante orgulhoso e muito independente mesmo a respeito da autoridade eclesiástica. [...] Por minha parte, francamente digo, apreciarei muito que ele não volte”. (DOM JOSÉ BARROS a MONS. GOTTI, 29 de março de 1895.)
Em outra carta lemos ainda: “...por causa do seu gênio inacessível e sumamente orgulhoso, ocupando-se demasiadamente de sua pessoa tornou-se incompatível com quase todas as colônias e também com muitos nacionais... posso acrescentar que os colonos absolutamente não desejam o regresso dele” (PE. ALBERTO GONÇALVES a MONS. GOTTI, 06 de abril de 1895.) Portanto, devido a sua personalidade e sua combatividade ultramontana Colbacchini foi impedido de retomar sua atuação missionária junto aos imigrantes italianos do Paraná, e ao retornar ao Brasil em 1896 será direcionado para a missão escalabriniana.
Créditos
Resumo Tese de Fábio Luiz Machioski
Doutorando em História da UFPr
ANPUB-Brasil - 31º Simpósio Nacional de História
Rio de Janeiro/RJ, 2021
sexta-feira, 21 de junho de 2024
Jornada Perigosa: O Drama da Imigração Italiana nas Américas no Século XIX
No final do século XIX, a imigração em massa italiana para as Américas tornou-se uma séria preocupação devido às condições desumanas nos navios. Superlotação, más condições de higiene e surtos de doenças infecciosas, como cólera, tifo e sarampo, eram enfrentados pelos imigrantes. As autoridades sul-americanas, preocupadas com riscos sanitários, recusavam a entrada de navios europeus, resultando em incidentes dramáticos. A história do navio Matteo Bruzzo, rejeitado a tiros em Montevideo em 1884 após casos de cólera, ilustra a negligência das companhias de navegação. Viagens como a do navio Remo, em 1893, revelam condições desumanas, com alimentos escassos e epidemias, enquanto a falta de regulamentações eficazes contribuiu para incidentes de envenenamento. A saúde precária, superlotação e falta de cuidados médicos adequados tornaram as viagens transatlânticas uma jornada perigosa e angustiante para os imigrantes italianos do século XIX. Além dos perigos óbvios, como cólera e febre amarela, as condições de vida nos navios eram desoladoras. A superlotação nas áreas de terceira classe, destinada aos passageiros com preços mais acessíveis, era extrema. Incidentes como o do navio Carlo Raggio em 1888, com 18 mortes por fome, e do Piroscafo Pará em 1889, com uma epidemia de sarampo que matou 34 pessoas, destacam a extrema vulnerabilidade dos passageiros. As empresas de navegação, mesmo cientes das condições adversas, continuaram a lotar os navios, ignorando os alertas e experiências passadas dos próprios imigrantes. Mesmo com a conscientização na Itália, expressa através de cartas e relatos, as companhias buscavam maximizar os lucros, preenchendo os navios em cada viagem transatlântica. A higiene precária e a falta de cuidados médicos adequados levaram a surtos de difteria, tuberculose e outros males. A história do Piroscafo Remo, em 1893, ilustra a prontidão em descartar doentes para evitar a propagação de epidemias, mesmo quando isso resultou em mortes evitáveis. O retorno dos navios também apresentava desafios, incluindo incidentes de envenenamento devido a más condições de armazenamento de alimentos. Regulamentações de higiene alimentar foram introduzidas em 1890, mas sua eficácia era limitada. A preocupação com epidemias, a superlotação, a má nutrição e a falta de assistência médica eram uma constante para os imigrantes italianos. A despeito dessas dificuldades, alimentados pela esperança de uma vida melhor, eles continuaram a embarcar em navios em direção às Américas, enfrentando incertezas e perigos para tentar construir um futuro mais promissor no Novo Mundo. A experiência dos imigrantes italianos no século XIX, apesar dos desafios e perigos enfrentados nas travessias transatlânticas, era impulsionada por uma mistura de desespero e esperança. Muitos venderam tudo o que tinham para financiar a viagem, enquanto outros partiram na tentativa de se reunir com familiares no Brasil e em outros países das Américas. A notícia devastadora de que, após uma longa jornada em condições desesperadoras, 1.500 pessoas não seriam permitidas no Brasil gerou desânimo e desespero entre os passageiros do Piroscafo Remo. O retorno desses navios após as dificuldades encontradas também foi uma prova da resiliência e força dos imigrantes. Após 70 dias de viagem, incluindo uma parada forçada na ilha de Asinara, na Sardenha, para quarentena, o Piroscafo Remo chegou de volta a Gênova, tendo perdido 96 vidas no percurso. A falta de cuidados médicos adequados e as condições precárias persistiam nas viagens, e as companhias de navegação hesitavam em assumir os custos para melhorar a qualidade dos serviços a bordo. A luta contra epidemias, envenenamentos alimentares e outros males continuava a assombrar os imigrantes que buscavam uma vida melhor do outro lado do oceano. Essa época deixou um legado de coragem e resiliência, pois os imigrantes italianos enfrentaram adversidades inimagináveis em sua busca por oportunidades nas Américas. O preço humano pago durante essas jornadas é uma parte significativa e muitas vezes esquecida da história das migrações. Em uma canção dos imigrantes italianos, reflete a mentalidade daqueles que, apesar das incertezas e perigos, escolheram enfrentar os desafios da travessia oceânica em busca de uma vida melhor. A frase "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte") encapsula a atitude corajosa e otimista que impulsionou esses indivíduos a embarcar em uma jornada incerta. A história dessas migrações é um testemunho da tenacidade humana diante das adversidades. Mesmo diante de condições desumanas, doenças e incertezas, os imigrantes italianos perseveraram, motivados pela esperança de um futuro mais promissor e pelas oportunidades que a América poderia oferecer. Esses relatos históricos também ressaltam as deficiências nos sistemas de saúde e regulamentações de segurança da época, evidenciando a necessidade de melhorias significativas nas condições de viagem e nas práticas das companhias de navegação. O legado dessas experiências contribui para a compreensão da complexidade e das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos durante o século XIX. Hoje, essas histórias servem como um lembrete poderoso do sacrifício, da resiliência e da determinação que moldaram as trajetórias de muitos que buscavam uma vida melhor além das fronteiras de sua terra natal. A imigração italiana para as Américas é uma parte fundamental da narrativa global de migrações, deixando um impacto duradouro na história e na cultura desses países. A coragem demonstrada pelos imigrantes italianos ao enfrentar adversidades inimagináveis durante suas travessias transatlânticas é um testemunho da força do espírito humano diante das circunstâncias mais difíceis. Ao escolherem "Tentiamo la sorte" ("Vamos tentar a sorte"), esses indivíduos não apenas buscaram uma vida melhor para si mesmos, mas também contribuíram para a construção de uma nova narrativa nas Américas. A frase encapsula a resiliência, a coragem e a esperança que guiaram esses pioneiros italianos através de uma jornada incerta em direção a um futuro desconhecido. A história das migrações italianas é marcada por sacrifícios, perdas e triunfos, mas, acima de tudo, é um testemunho da busca incessante por oportunidades e de um desejo inabalável de construir um futuro melhor para as gerações vindouras. Essa herança, embora muitas vezes esquecida, é uma parte vital da história das Américas, enriquecendo a tapeçaria cultural dessas nações e destacando a extraordinária resiliência daqueles que ousaram tentar a sorte em terras distantes.
domingo, 26 de maio de 2024
Raízes de Esperança: A Odisseia dos Bottarello
segunda-feira, 8 de abril de 2024
A Influência Italiana na Colonização de Santa Catarina
terça-feira, 26 de março de 2024
Jornada de uma Família de Imigrantes da Lombardia aos Cafezais de São Paulo