terça-feira, 29 de setembro de 2020

Alguns Aspectos da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul


A maior parte dos imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul eram procedentes do norte da Itália, onde trabalhavam como agricultores meeiros, em terras arrendadas de grandes proprietários rurais. Muitos deles também eram artesãos e quase nenhum donos de suas terras. Ao chegarem ao seu destino,  depois de muitos dias de extenuante caminhada, por estradas que não passavam de estreitas trilhas abertas no meio do mato, passando por regiões acidentadas, sozinhos e desamparados, isolados no meio do nada, rodeados de animais e florestas de árvores gigantes que jamais tinham visto, constataram, com incredulidade, uma situação muito diferente daquela que tinham prometido, lá na Itália, pelos recrutadores da companhia de emigração, contratada pelo governo imperial brasileiro. 

Aqui na Província do Rio Grande do Sul, literalmente, tudo estava por ser feito, desde a casa para abrigar a família até as primeiras roças, passando antes de tudo pelo árduo trabalho de abater a grande quantidade de  árvores da nova propriedade para preparar as primeiras roças. A prometida ajuda oficial do governo não foi tão consistente como desejavam e nos primeiros anos na colônia as famílias para sobreviverem  tiveram de trabalhar exaustivamente de sol a sol. 

Apesar de todo sofrimento que passaram e das dificuldades que tinham encontrado na nova pátria,  ainda assim estavam contentes, a terra era muito fértil, o clima ameno, tinham bastante água e acima de tudo estavam trabalhando na sua própria terra. O sonho da propriedade estava sendo realizado e o fantasma da fome tinha sido deixado para trás. 

As primeiras colheitas se mostraram muito boas e o excedente de produção comercializado até em cidades distantes, gerando uma renda para as famílias. 



Construíram inicialmente um rústico abrigo provisório para se repararem da chuva e do frio, usando pedaços de pau e pedras, cobertos por sapé e outras folhas de árvores encontradas na região. Passados mais alguns anos começaram a construir a suas casa usando tábuas de madeira usadas na parte superior e grandes pedras para o tradicional porão. 
A casa rústica era quase sempre dividida em uma cozinha grande, uma sala, um ou dois quartos no andar superior e um sótão usado como depósito. No porão ficava a cantina doméstica que também era usado como depósito de ferramentas. Ao lado da casa ficava uma pequena horta, um pequeno paiol, o chiqueiro e um galinheiro. Devido ao perigo de incêndio que a cozinha representava, pois o fogo ficava sempre aceso, ela costumava ficar em um espaço separado da casa, como um apêndice separado. Com a melhoria das condições financeiras das famílias, as casas eram ampliadas ou reconstruídas, os cômodos pequenos e rústico do início, davam lugar a instalações maiores, muitas vezes com ornamentos externos e internos. Os imigrantes italianos permaneciam nessas casas por diversas gerações, sendo comum os filhos casados ficarem morando com os pais. Muitas vezes isso se devia pela falta de lotes nas colônias, as quais cresciam rapidamente com a constante chegada de novos imigrantes. Os filhos casados agora tinham que adquirir lotes de terra em outras colônias, bem mais distantes das famílias, seguindo em direção ao norte do estado. Com isso a expansão das colônias era uma realidade e novos núcleos de imigrantes iam surgindo, os quais deram origem a maioria dos município gaúchos. 

Oriundos de regiões italianas diferentes, muitos grupos mal chegavam a se compreender mutuamente, e os conflitos políticos e ideológicos que haviam trazido da Europa, especialmente aqueles liberais, republicanos e maçons contra os católicos, monarquistas e tradicionalistas, continuaram exercendo influência no Brasil, com o resultado de se verificarem ondas de protestos e conflitos violentos em várias comunidades. Contudo, a grande maioria professava uma fé católica vigorosa, que em alguns locais, contribuiu para acirrar conflitos com as autoridades laicas, geralmente ligadas à maçonaria e ao Partido Republicano Rio-Grandense, por outro lado serviu como um poderoso elo unificador entre os grupos divergentes, que se caracterizaram por uma forte tendência ao associativismo. 
Na vida rural, em particular, a religião exercia uma influência central nos costumes e mesmo na organização do cotidiano, e uma das principais queixas nos primeiros tempos foi a escassez de padres, obrigando a muitos leigos assumirem funções pastorais e até litúrgicas. Em todos os travessões (divisões nas colônias) foram erguidas capelas, que além de suas atribuições sagradas também funcionavam como pontos de referência geográfica e centros de convívio e assembleia comunitária. As festas do santo padroeiro da capela, do Natal e do Ano Novo, da Páscoa e outros dias santos, costumavam reunir toda a comunidade do travessão. As capelas em muitos casos suscitaram a formação de novos centros de urbanização em seu redor, surgindo uma profusão de pequenas vilas e aglomerados edificados entre as colônias. Geralmente ligados à administração das capelas e apoiados pelo poder público, emergiam os primeiros líderes comunitários, encarregados de resolver conflitos, organizar ações coletivas, encaminhar as queixas às autoridades e assessorar os padres quando em visita, já que as capelas não possuíam sacerdote residente. Foi também a religião que ensejou as primeiras expressões artísticas, cultivando canções e hinos sacros e favorecendo a produção de estatuária de culto, pinturas e marcenaria de estilo para adorno dos templos. Seus mais antigos exemplos são naturalmente bastante rústicos, devido à precariedade do meio. As festas profanas eram os filós, reuniões onde as famílias se encontravam em uma das casas ou em um salão comunitário para cantar, comer e trocar experiências e memórias, além de envolverem atividades lúdicas e competições esportivas.
No início do século XX a zona colonial havia estabelecido uma próspera atividade econômica, tornando-se um dos principais centros produtores do estado. Embora muito diversificada, a produção era liderada pelas vinícolas, que a esta altura eram em conjunto o maior produtor de vinho do Brasil, tendo ganhado muitos prêmios nacionais e internacionais. Mas o setor do vinho vivia numa crise crônica e os lucros eram oscilantes. Nesta época foi feita uma experiência de cooperativismo em larga escala sob a égide do técnico italiano Giuseppe Paternó, convidado pelo governo estadual, a fim de melhorar a qualidade do produto e torná-lo mais competitivo, combater as falsificações e os intermediários, diversificar a produção com castas finas e intensificar a troca de experiências entre os produtores, mas ela acabou fracassando.
Apesar do expressivo sucesso da produção rural, com o passar dos anos outros problemas começaram a avultar. Os italianos geralmente transferiam toda a terra para um dos filhos, geralmente o mais novo, que iria cuidar dos pais na velhice. Às vezes os lotes eram divididos entre os irmãos, mas seu tamanho pequeno logo colocou um impedimento para divisões sucessivas. Os deserdados precisavam partir em busca de outras colocações, iniciando um grande êxodo populacional para novas colônias que iam surgindo ou para outros estados. A desestabilização do modo de vida rural se acentuou no entre-guerras, quando a cultura italiana foi reprimida pelo programa nacionalista de Getúlio Vargas e o sistema de produção regional passou a se concentrar na indústria e no comércio. Os investimentos escoavam principalmente para as cidades, já em rápido crescimento, aumentando os problemas no campo, cujos artigos — incluindo os artesanatos — sofriam crescente concorrência de importados e industrializados e passavam a ficar dependentes de intermediários para seu escoamento. Boa parte daqueles filhos sem terra e sem futuro definido acabou se refugiando nas cidades e se tornando parte do proletariado operário e comerciário. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta 
Erechim RS










sábado, 26 de setembro de 2020

Italianos em Erechim no Ano do Cinquentenário da Imigração 1875 - 1925


Erechim já fez parte de Passo Fundo e habitado somente por alguns fugitivos da justiça que, aproveitando das densas florestas existentes, se escondiam da lei nas vizinhanças das barrancas do Rio Uruguai.

No ano de 1908 o governo do estado resolveu colonizar essas terras despovoadas e rapidamente chegaram grandes número de  pessoas provenientes de diversos municípios agrícolas do estado e também imigrantes vindos do exterior. 


Para dirigir a recém criada Comissão de Terras e Colonização foi nomeado o Dr. Severiano de Almeida, à partir de então Erechim foi elevada a categoria de 8º distrito de Passo Fundo. Nessa época foi dato início a demarcação dos lotes coloniais na margem direita do Rio dos Índios, onde hoje se encontra o município de Erechim, a 5 Km da estação do mesmo nome. O atual município de Erechim nessa época Boa Vista, possuía os seguintes distritos: Boa Vista (ex Paiol Grande) sede do município; Erechim (antiga sede da colônia); Marcelino Ramos (última estação de trem no estado da linha S. Paulo/ Rio Grande do Sul); Erebango (ramo ferroviário que atravessando Quatro Irmãos vai em direção a Nonoai, no município de Palmeira das Missões); Barro (atual Gaurama); 13 de Maio (atual Áurea); Rio Novo (atual Aratiba) e centros menores como: Capo-Erê, Viadutos - ambas pequenas estações de trem da linha São Paulo - Rio Grande,  Floresta (ainda não era distrito e depois Barão de Cotegipe), Nova Itália (depois Severiano de Almeida), Três Arroios (nessa época ainda não era distrito), Rio Toldo (a estrada entre Boa Vista e Erechim), Formiga (mais tarde Getúlio Vargas) e 7 de Setembro (na estrada entre Erechim e Sananduva). A população em 1925 ultrapassava 40 mil habitantes predominando os descendentes de imigrantes italianos, seguidos por poloneses e alemães. 



Indústria 

Os principais industriais na época eram: Dal Molin, Sciullo & Cia, Saule Pagnoncelli & F.º com refinarias de banha, Giuseppe Bonaldo e Cia. marcenaria, Bottega & Cia comércio de madeiras, Bortolo Balvedi com fábrica  de bebidas, Mottin com fábrica de chapéus, Luigi Longo, Cesarino Galli e Irmãos Menta  com ferrarias, Virginio Biolo, Demetrio Molon & Cia,  Firmino Ricardi com moinhos, Guerino Casambó com moagem de café. 


Comércio 

Os principais comerciantes em 1925: 

No 1º Distrito, Boa Vista (ex Paiol Grande): Saulle Pagnoncelli & F.º, Achille Caleffi & Cia, Batista Grando, Emilio Grando, Luigi Fossati, F. Giovanni Massignan, Attilio Assoni, Santo Graziotin, Luigi Lise, Achille Grando, Valentino Berto, Umberto Vicari, Antonio Deboni, Antonio Tomaselli, Pietro Bonin, Irmãos Zambonato, Pietro Guerri, quase todos no 1º Distrito Boa Vista (ex Paiol Grande).

No 2º Distrito Erechim, a antiga sede da colônia: Ricardo Bordignon, Giuseppe Troglio, F. A. Scussel & Cia, Giacomo Manin, Luigi Piccoli, Guido Giacomozzi e Irmãos, Domenico Donida, Antonio Ascari, Giuseppe Zanardo, Andrea Mafassoni, Gabriele Robinot. 

No 3º Distrito, Marcelino Ramos: Saule Pagnoncelli (sucursal) Angelo Locatelli, Floriano Zordoni, Guerino Maito, Beniamino Fontana, Domenico Bonetto, Formighieri e Irmãos, Redenzio F. Zordan, Allegreti (refinaria de banha e fábrica de conservas) Giuseppe Scaramocin (ferraria a vapor) 

No 5º Distrito, Barro (Gaurama): Pedro Lunardi e Irmão, Giuseppe Spon, Giovanni Sponchiado, Giovanni Bordignon, Antonio Lunardi, Irmãos De Pario.

No 6º Distrito, 13 de Maio: Antonio Bos.

No 7º Distrito, Rio Novo (Aratiba): Grazetto & Cia, Luigi Poletto.

Serrarias 

No 1º Distrito, Boa Vista: Achille Caleffi & Cia, Angelo Emilio Grando e Irmãos, Achille Grando, Domenico Dal Pasquale, Angelo Cappelletto, Giovanni Rizzon, Luigi Michelon & Cia, Caleffi Scipione, Umberto Vicari, Agostino Passello, Paolo Dal Bianco, Biolo Capra & Cia, Giuseppe Mecca, Giovanni Morosini, milioni Argenta & Filhos, Vescovi e Meneghetti, Andrea Maggione, Attilio Assani, Grando e Pedrollo, Emilio Zanin, Carlo De Moliner, Giovanni Balvedi, Enrico Barbieri, Irmãos Badalotti, Pietro Bottega e Piazza, Virginio Dell'Igna & Cia, Antonio Valin, Pietro Giaretta, Amadio Mariga & Cia, Angelo Poletto, Bevilacqua Ferrazzo, Meneguzzo, Smaniotto. 

No 2º Distrito, Erechim, antiga sede da colônia: Gabriele Balbinotti, Antonio Pertile, Angelo Dall'Agnol, Antonio Pilloni & Cia, Tranquilo De Carli, Ermenegildo Vescovi, Lorenzoni, Bordignon e muitos outros.

No 3º Distrito Marcelino Ramos: Allegretti & Cia, Antonio Brancher, Angelo Brancher, Stefano Bonet.

No 4º Distrito Erebango: Emilio Noal, Giuseppe Pizzotto.

No 5º Distrito Barro (Gaurama): Giovanni Bordignon, Antonio Serena, Pietro Lunardi & Filho, Lunardi Barbieri, Giovanni Zoter & Cia. 

No 6º Distrito 13 de Maio: Antonio Lunardi 

No 7º Distrito Rio Novo (Aratiba): Giovanni Bellani 


Profissionais 

1- Fotógrafos: Vittorio Lazarotto, Giovanni Antonini, Edoardo                                                                        Macchiavelli 

2- Sapateiros: Eugenio Isoton, Giuseppe Incerti, Achille Tomaselli 

3- Cortumes: Giulio Trombini, Aurelio Caldart, Achille Tomaselli, Antonio Tomaselli 

4- Alfaiates: Ismaele Pezzini, Guglielmo Pezzana, Alberto Incerti 

5- Carpinteiros: Alberto Parenti, Giuseppe Cervelin, Giuseppe Alberici, Giuseppe Pigozzo, Francesco Pigozzo, Silvio Viero, Francesco Provenzano, Giuseppe Bortolazzo, Domenico Della Costa, Giulio Valmorbida


Bancos 

1- Banco Pelotense 

2- Banco da Província do Rio Grande do Sul 

3- Banco Nacional do Comércio


Nota

Este relato é um resumo do capítulo referente a Erechim, de autoria de Carlo Mantovani, e faz parte do álbum comemorativo do Cinquentenário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul, publicado no mesmo ano de 1925, constando de dois volumes.

Em uma obra tão extensa, certamente a mais completa já publicada mostrando a pujança da imigração italiana no estado, existe a possibilidade de que tenham sido, involuntariamente, omitidas algumas pessoas, fato que não desmerece este importante documento. 

Lembro também que neste ano de 1925, Erechim, então Boa Vista, tinha apenas 7 anos de existência como município. Mesmo assim já podemos constatar a importância e a força dos imigrantes italianos, e de seus descendentes, aqui instalados e razão de serem incluídos neste blog. 

Esta obra se reveste de grande importância histórica pelo relato da formação da cidade, desde os seus primeiros anos. É um importante registro daqueles italianos e seus descendentes que escolheram esta cidade para viver,  os quais, unidos com os demais imigrantes, de tantas outras nacionalidades que aqui chegaram, contribuíram para o progresso da grande Erechim.  

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta 
Erechim RS














quinta-feira, 24 de setembro de 2020

As Crianças nas Antigas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul




Nos primeiros anos após a chegada, quando da ocupação do lote destinado à família, as crianças também tinham que trabalhar duramente para tornar aquele pedaço de terra cultivável. Começavam a trabalhar com 5 ou 6 anos de idade e segundo os relatos da maioria daqueles pioneiros, trabalhavam até que o corpo permitia. As famílias dos imigrantes nem sempre dispunham das ferramentas adequadas para os trabalhos de limpeza do terreno para a semeadura das primeiras safras. Na maior parte das crianças não tiveram acesso a escolas, pois essas, mesmo mais tarde, quando apareceram, geralmente ficavam a dezenas de quilômetros de distância e para lá chegarem deviam caminhar por estreitas picadas, cercadas pelo mato denso. Em muitos casos, a ausência à escola deveu-se à opção familiar pela priorização do uso do trabalho da criança em detrimento da sua formação escolar institucional. Em outros a não existência de escolas disponíveis ou próximas às comunidades. Também é possível que a própria criança agisse no sentido de afastar a escola de seu horizonte, já que esta muitas vezes representava privação de liberdade. O contrário também é possível, a escola poderia ser considerada uma alternativa ao trabalho junto à família, garantindo outras opções de inserção profissional futura que não as atividades ligadas à agricultura ou outros tipos de trabalho braçal. Essa distância da escola foi sentida pelas crianças filhas de imigrantes italianos, especialmente aquelas das primeiras gerações no Brasil. A escolarização das crianças e, principalmente, a dos jovens também encontrava resistência no meio dos próprios imigrantes, pois significava a perda de braços necessários para o trabalho na lavoura. 





A educação formal dos filhos não foi uma preocupação para muitos imigrantes e seus descendentes, camponeses, boa parte deles também analfabetos, ou mesmo entre os que viviam nas cidades, onde existiam mais escolas. Absorvidos pelo trabalho e preocupados em sobreviver e poupar, não se empenhavam muito com essa educação. Mas, por outro lado, também houve casos de pais que não pouparam esforços para se alfabetizarem e alfabetizarem seus filhos, por perceberem a importância da educação para melhorar a vida e inserção no mercado de trabalho. 

Em todas as famílias, os filhos já à partir dos 5 ou 6 anos de idade deviam ajudar os pais nos serviços da casa e da roça. As famílias eram geralmente numerosas e as filhas mais velhas ajudavam a mãe a cuidar dos irmãos menores, ajudar nos serviços da casa eram tarefas delegadas principalmente às meninas. Para as meninas e meninos levar comida para a roça, cuidar da horta e tratar dos animais, participar da colheita e ajudar na lavoura de subsistência eram os trabalhos a que se dedicavam as crianças nas pequenas propriedades rurais. Até anos mais tarde, mesmo quando viviam nas cidades, tampouco as crianças eram isentas do trabalho. Nas unidades artesanais e comerciais de propriedade da família, o mundo do trabalho também envolvia a todos desde pequenos. 



No início não tinham brinquedos como objetos elaborados especificamente para as crianças brincarem. O lazer entre as crianças imigrantes e nas filhas de imigrantes são pouco frequentes em documentos que não sejam relatos orais. Por mais que elas dedicassem boa parte do tempo ao trabalho, os folguedos, brinquedos e brincadeiras dos pequenos sempre estiveram presentes nas memórias de infância. As crianças brincavam pouco pela necessidade que tinham de trabalhar, mas, brincavam. As brincadeiras sempre fizeram parte da infância de todas as crianças, tanto aquelas da primeira, como da segunda geração de imigrantes no Rio Grande do Sul, uns com mais e outros com menos tempo dedicado para elas. O trabalho sempre foi parte do cotidiano da vida das crianças filhas de imigrantes e não como uma situação extraordinária, era uma necessidade da família. A família promovia ou autorizava o trabalho das crianças, e a renda gerada por elas era incorporada ao orçamento familiar.




As crianças sempre trabalharam no início do povoamento, na derrubada das matas e na procura de alimentos, nas lavouras e na criação de animais, realizaram tarefas domésticas, trabalharam nas serrarias, moinhos e outros mais, distribuídos pela região, nas oficinas diversas que fabricavam utensílios e nas primeiras fábricas. 

O momento do casamento, junto ao da saída dos filhos para trabalhar fora de casa e quando os pais chegam à velhice e passam aos cuidados dos filhos, são os três momentos de maior intensidade de conflitos entre as gerações. A grande incidência de conflitos no momento do casamento está claramente ligada ao problema da transferência de propriedade entre as gerações e ao fato dos filhos adolescentes e adultos contribuírem com a renda familiar. A saída de casa de um filho desestabilizaria a economia familiar. Tal como o casamento, a saída dos filhos de casa para trabalhar fora é um evento do ciclo familiar que afeta o poder dos pais sobre eles e era motivo de conflitos. A obediência aos pais e aos mais velhos era ensinada com muito rigor e as faltas punidas com surras, quase sempre com varas nas pernas. Os castigos eram frequentes para algumas delas e para outras foram quase inexistentes. O respeito para com os mais velhos era garantido por punições e castigos. A economia das famílias italianas na região colonial Rio Grande do Sul sempre foi sustentada pelos braços dos seus familiares. Assim, quanto mais numerosa era a família, mais braços ela teria na produção e, portanto, mais força para a transformação do trabalho em riqueza. A maioria das famílias não podia abrir mão do trabalho infantil nos variados setores da economia familiar. 

Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS











segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A Religiosidade do Imigrante nas Colônias Italianas do Sul do Brasil


As colônias agrícolas que se estabeleceram nos estados do sul do Brasil, representaram um transplante bem sucedido da civilização camponesa. No estado do Rio Grande do Sul, as colônias agrícolas formadas por italianos conseguiram, em poucos anos, se firmarem como verdadeiras áreas agrícolas. Os imigrantes, chegados ao seus destinos, após jornadas longas e exaustivas, eram deixados sozinhos no meio do nada, cercados de florestas, com pouca comida, munidos de alguns poucos utensílios de trabalho, ainda sem uma moradia para abrigar a família e sem qualquer tipo de assistência médica, assim como também  ocorria para toda a população rural brasileira da época. Nessas colônias os emigrantes italianos transferiram seu patrimônio de conhecimentos e habilidades técnicas profissionais, as quais constituíram a espinha dorsal do desenvolvimento futuro daqueles territórios, a partir do equilíbrio entre o desejo de manter a originalidade cultural do país de origem e a necessidade de adaptação às condições econômicas e sociais do ambiente na nova Pátria. 


Apesar de se sentirem muito contentes com a realização do sonho da propriedade que estava finalmente se realizando, sofriam desde o primeiro momento da chegada, com o distanciamento e a falta do conforto religioso que estavam habituados. A quase totalidade dos imigrantes eram católicos e quando estavam na Itália eram cumpridores assíduos das obrigações religiosas, especialmente, a freqüência à missa dominical e a participação dos sacramentos obrigatórios como batismo, confissão, comunhão e matrimônio. Essa adesão às normas da igreja era completada pela participação das principais atividades litúrgicas e a observação do descanso dominical. Nos primeiros anos na nova pátria isso não mais existia e se transformava em motivo de angústia para todos. A 
religiosidade sempre era para eles a fonte de energia, não só para ajudar superar as adversidades da vida, mas também para definir todo processo de desenvolvimento das suas atividades sociais, culturais e econômicas. Era a crença baseada em sólidos conhecimentos da doutrina cristã e na vivência convicta das práticas religiosas. A religião católica, de fato, acompanhava aquele imigrante pioneiro desde o berço e assim a grande maioria deles não colocava em dúvida seu pertencimento à Igreja católica. Para minimizar a falta que sentiam do conforto religioso, nos primeiros anos da chegada, era compensada pela récita do terço diário no ambiente familiar, especialmente antes de dormir. Já instalados em suas colônias, nos momentos mais difíceis, os imigrantes apelavam invariavelmente para a proteção divina. Quando sentiam saudades da pátria, da terra natal, dos familiares e amigos que lá deixaram, ou mesmo, de tudo aquilo que recordava o seu vilarejo; quando sentiam a solidão, o sofrimento ao enfrentar um novo  desconhecido mundo; quando surgiam conflitos familiares, doenças ou frustrações nos negócios, suas mentes se dirigiam, em especial, a Nossa Senhora e aos Santos de sua devoção. A Igreja, para o imigrante italiano, era a referência primeira de sua vida. Nela estavam concentrados todos os seus projetos. A Igreja, para eles, num primeiro sentido, tinha o mesmo que de religião. Num segundo sentido, igreja era o prédio onde se reuniam para rezar. Tanto a igreja, como religião, quanto a igreja, como local de oração, completavam-se. As práticas religiosas encontrariam sua plena realização no interior de um local consagrado, que podia ser capitel, oratório, capela, igreja, catedral ou santuário. A Igreja constituiu, de maneira visível, junto com a propriedade e a família, o tripé da vida social dos imigrantes. Para eles três eram acontecimentos fundamentais de cada pessoa, o nascimento, o casamento e o falecimento. O nascimento era o batismo. O casamento era a cerimônia religiosa. O falecimento era o momento de receber os últimos confortos da religião. Para os primeiros imigrantes a preocupação maior sempre foi com o batismo e o casamento religioso, pois, aquele civil poderia ser feito mais tarde, por questões legais e direito dos filhos. No caso de falecimento se preocupavam antes de tudo com a falta de um padre para celebrar os rituais fúnebres.

Assim uma das mais urgentes providências que ocorria aos primeiros imigrantes, era a construção de um local para as práticas religiosas e a solicitação de um padre às autoridades, tanto eclesiásticas quanto governamentais. Desde o início da colonização, estes imigrantes privados de toda a assistência religiosa, pediam sacerdotes para viver no meio deles, partilhar sua vida e guardar viva, nos seus corações, a fé, que despertava neles tantas recordações da pátria distante

Nos primeiros anos, devido as dificuldades encontradas para suprir a grande falta de padres ordenados, os imigrantes pioneiros recorreram ao que então se denominava padre leigo, o qual  chegou a ter  enorme importância, pelo trabalho desenvolvido entre eles para manter viva a fé e preservar as práticas religiosas. Em todas as colônias, sempre havia um regente das atividades litúrgicas. A este se passou a chamá-lo de padre leigo. Ele não era uma indicação do clero regular, mas sim, uma escolha espontânea da comunidade. Cada uma delas tinha os seus critérios para os escolher, mas, em geral, sempre se exigia que soubessem ler e escrever, e fossem exemplo de valores morais e religiosos. Geralmente eram pessoas que já haviam exercido a função de sacristão em sua paróquia de origem, ou haviam participado de um coral de igreja, ou ainda tivesse sido ajudante em cerimônias litúrgicas da semana santa e do canto das vésperas na Itália. A eles era atribuída a regência de todas as funções litúrgicas, como recitar o terço aos domingos à tarde e ensinar o catecismo da primeira comunhão, batizar recém nascidos em perigo de morte, conduzir os ritos fúnebres. Quanto maior a capacidade do padre leigo, mais solenes eram as celebrações, em certos casos, eles vestiam os paramentos e celebravam partes da missa, que, para os imigrantes, tinha tanto valor e obrigatoriedade como as missas verdadeiras. A maioria dos padres leigos eram homens valorosos que exerciam suas funções de um modo muito correto, com fé e piedade. Em nenhum momento os padres leigos pretenderam ocupar o lugar dos padres ordenados. Assim mesmo, não faltaram mais tarde o surgimento de conflitos, geralmente por falta de compreensão de muitos sacerdotes e bispos. 

O padre sempre foi o mais poderoso elemento de ordem, moralidade e estabilidade social para os emigrantes, os quais, mais tarde, puderam constatar que a vida deles apesar de seu enorme prestígio junto aos colonos, nem sempre era fácil. Desde o início tiveram que enfrentar grandes desafios, em parte, muito semelhantes a de todos os imigrantes. Primeiro precisavam se adaptar ao novo mundo. Uma das grandes dificuldades que os primeiros padres tiveram que enfrentar, foi a falta de quase tudo para exercer sua missão. A começar pelas precárias condições de realizar as celebrações, em especial, a santa missa. As igrejas eram bem poucas e muito precárias. Os paramentos e os objetos sacros ou eram deficientes ou inexistentes. O meio de locomoção, na melhor das hipóteses, era o cavalo. As precárias estradas eram péssimas e nos períodos de chuvas se transformavam em atoleiros quase intransponíveis. Não existiam pontes. As distâncias a percorrer eram infinitas. A força, para enfrentarem todas essas adversidades, provinha da  acolhida sempre carinhosa das comunidades, sedenta das benções divinas, e, em especial, pela sua satisfação de levar uma palavra de conforto a tanta gente desprotegida. Uma outra dificuldade apareceu um pouco mais tarde, no enfrentamento com grupos anti clericais. Esses aconteceram em diferentes localidades, com maior ou menor intensidade. Não podemos esquecer que os padres, como os imigrantes, sofriam também com o isolamento. Para encontrar um colega precisava vencer grandes distâncias. Também o convívio com pessoas de menos cultura agravava muito essa solidão. 

Diante da insuficiência de padres disponíveis do clero secular, tanto brasileiro quanto estrangeiro, a solução foi apelar para as ordens religiosas. Os Capuchinhos, chegaram no Rio Grande do Sul em 1896, embora de origem francesa, se integraram perfeitamente com os imigrantes italianos, tanto que no ano seguinte já receberam a primeira turma de filhos de imigrantes. A primeira casa de formação da ordem foi em Garibaldi e logo em  seguida foi fundada a de Flores da Cunha, com total aprovação dos moradores. Na seqüência foram fundadas várias outras, geralmente, com apoio das comunidades. Foram chamados de “frati”, pelos imigrantes, para distingui-los dos “preti”. No mesmo ano, 1896, chegou a Congregação dos Missionários de São Carlos, conhecidos por Carlistas ou Scalabrinianos, organizados pelo visionário ex bispo de Piacenza, Monsenhor Scalabrini, que tiveram sua  atuação  junto aos imigrantes italianos. Por outro lado, os Franciscanos e os Jesuítas se instalaram, preferencialmente,  nas colônias de imigrantes alemães. 

Dom Giovanni Battista Scalabrini, nascido em 1839 e falecido em 1905, foi bispo de Piacenza, e o primeiro a perceber o grave problema humanitário provocado pelas emigrações em massa. Dom Scalabrini, não só levantou sua voz para denunciar os abusos, mas tomou medidas concretas para intervir em favor dos emigrantes, abandonados pelos governos do país de origem e da pátria adotiva. Por isso foi autorizado pela Igreja a intervir junto aos políticos e aos governos. Entretanto, sabia que sozinho pouco podia fazer, o que o levou a fundar duas Congregações para ajudá-lo, a dos Missionários de São Carlos Borromeo e a da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo. Mais conhecidas como Irmãs Carlistas ou Scalabrinianas. Dom Scalabrin estimulava os seus padres para o atendimento, não só espiritual, mas também na defesa dos direitos básicos dos imigrantes junto aos poderes públicos. Nos seus estudos preparatórios que realizavam no seminário, ainda na Itália, aprendiam também diversos ofícios e habilidades práticas que se mostraram de grande valia quando já estavam atuando junto as várias comunidades italianas, assentadas na imensidão de florestas, onde faltava tudo.

Podemos imaginar a importância e a maneira como nas primeiras colônias foram, aos poucos, surgindo os oratórios, as pequenas capelas e igrejas. Esses momentos envolveram toda a comunidade de imigrantes, que entre as primeiras atividades teve que se unir e decidir o local de construção e os nomes a serem dados aquelas casas de culto, a que santo ela deveria ser dedicada não raro depois de duros confrontos, entre aqueles que lembravam dos santos de devoção nas suas antigas vilas e cidades de origem.  Nas colônias italianas a capela e mais para a frente a pequena igreja, era o grande ponto de atração. A reza do terço, aos domingos à tarde, não era apenas uma liturgia quase obrigatória em substituição à missa, mas também um atrativo para as atividades de lazer. O jogo de bochas, a mora e o baralho eram os jogos dos homens. As cantorias poderiam animar a tarde dominical. As mulheres passavam horas conversando. A criançada brincava nos arredores. As moças passeavam em grupos, na expectativa de encontrar um pretendente, talvez até  vindo de uma outra comunidade vizinha. A igreja, como organização religiosa e social, substituía o papel do Estado. Os imigrantes eram antes de tudo cidadãos da Igreja, mais do que do Estado.  Foi graças a Igreja que eles preencheram o vazio encontrado na pátria adotiva, estruturando o tempo e o espaço numa singular civilização ítalo sulriograndese. A igreja, como templo, era o centro da paisagem religiosa, social e cultural do imigrante italiano no Rio Grande do Sul. Colocada sempre em lugar topograficamente elevado, além de apontar para os valores do alto, ela era referência para todos. Em torno dela foram crescendo os aglomerados urbanos. Entretanto, ainda sentiam falta de uma coisa e a paisagem dos imigrantes só ficou completa com os sinos e o campanário. Os sinos, certamente, tiveram um sentido quase tão importante quanto a Igreja, O campanário era um complemento para as igrejas e capelas, onde a arquitetura não previa torres. Para a compra dos sinos, geralmente, o padre fazia  diversas coletas e festas para arrecadar o dinheiro necessário para importá-los da Itália. Quando, mais de um ano após, eles finalmente chegavam a comunidade fazia feriado para recebe-los. No dia da inauguração a festa era ainda maior,  a multidão aguardava comovida e recolhida. Quando os sinos receberam ordem de repicar, numa harmonia poderosa e nova, o povo  emocionado, silencioso escutava como se estivesse no momento da consagração. Acontecia então o fiel transplante da terra natal. Agora sim, podiam reviver o ambiente da vida italiana que tinham deixado para trás, reacendendo as suas esperanças acima de tudo. o repique dos sinos significava, a quebra da solidão e do silêncio, ambos tão assustadores, que até então os massacrava. 

A Igreja, no ponto geográfico mais nobre da colônia, o campanário, ou as torres, e os sinos, preenchendo o vazio com suas badaladas, transplantaram, em solo gaúcho, o ambiente afetivo e familiar dos vilarejos de origem. Agora o cenário estava montado para a segunda fase dos ideais ítalo religiosos dos imigrantes, as celebrações litúrgicas conforme os padrões das solenidades, praticados nas melhores igrejas e catedrais italianas. Nas capelas, a paisagem era a mesma, embora mais simples. O sino, ainda que pequeno, e num campanário improvisado, convocava a todos para a reza do terço que, dependendo das condições da comunidade, adquiria maior solenidade através das cantorias. 

Em toda colônia italiana quatro datas mereciam ser celebradas com todos os recursos litúrgicos possíveis. A solene celebração da missa, preferivelmente oficiada “in terço”, ou seja o celebrante, o diácono e subdiácono, e cantada em latim, era o centro das festividades. As solenidades litúrgicas principais aconteciam na Páscoa, com dois momentos mais significativos: a Sexta Feira Santa, que concentrava as maiores atenções dos fiéis, e o Domingo da Ressureição. O segundo momento de maior participação estava dividido entre a festa de Corpus Christi e a Sagra, a festa do padroeiro da igreja ou capela. Finalmente o Natal, com a tradicional Missa do Galo e o presépio, sempre momentos especiais para as famílias de imigrantes aproveitarem para usarem as roupas novas que tinham confeccionado. 

A contribuição dada à igreja brasileira pela italiana foi muito positiva, a julgar principalmente pela produtividade da igreja local, como evidenciado pela considerável expansão de vocações e obras religiosas nos assentamentos de imigrantes europeus. O grande apego à Igreja, por parte das famílias dos imigrantes, e o desenvolvimento das congregações masculinas e femininas, tanto que nos primeiros vinte anos do século XX a maioria dos alunos dos seminários de Porto Alegre eram de origem alemã ou italiana.


Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS

sábado, 19 de setembro de 2020

Breve Relato da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul



Entre 1870 e 1872, o governo imperial decidiu povoar áreas da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com o objetivo de ocupar vazios do território na sua porção mais meridional e de intensificar a produção de alimentos para abastecer as cidades. A Serra Gaúcha foi escolhida em parte pela sua localização, também mais próxima da capital e haver transporte para escoar a produção através dos rios. Outro fator foi que aqui já existirem outros núcleos de imigrantes, sobretudo alemães, que chegaram muitos anos antes e que estavam progredindo bastante.  



O projeto de imigração italiana no Rio Grande do Sul começou com a criação de três núcleos colonizadores, Conde d'Eu, atual município de Garibaldi, Dona Isabel que viria se tornar Bento Gonçalves e Caxias do Sul. Com o rápido crescimento dessas colônias com a chegada de novas levas de imigrantes, foram então criados novos núcleos para recebê-los, assim em 1880 surgiram as colônias italianas de Antônio Prado e Alfredo Chaves, atual Veranópolis e em 1892 a colônia de Guaporé. Durante o período de 1875 a 1914, o governo imperial brasileiro trouxe oficialmente quase 100 mil italianos para a serra gaúcha. 



Em 20 de maio de 1875, os primeiros italianos chegaram ao atual município de Farroupilha. Inaugurou-se então o primeiro ciclo imigratório italiano em solo gaúcho, o qual durou até 1914. Os primeiros imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul provinham sobretudo das regiões da Lombardia, Vêneto e Trento, sendo que estes eram chamados de tiroleses. O pico máximo da imigração italiana no Rio Grande do Sul foi alcançado entre os anos de 1884 e 1894, quando chegaram cerca de 60 mil imigrantes, número que foi diminuindo a partir de então, com o cancelamento do subsídio as passagens transoceânicas por parte governo republicano. As primeiras colônias imperiais foram:

1874 Colônia Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (Garibaldi)
1875 Colônia Fundos de Nova Palmira (Caxias do Sul)
1877 Silveira Martins, próximo a Santa Maria, a 4* Colônia
1881 Colônia Maciel (próximo a Pelotas)
1884 Colônia Álvaro Chaves (Veranópolis)
1885 São Marcos e Antônio Prado 



Com o tempo foram sendo criadas outras mais, localizadas mais ao norte do estado.
Os imigrantes ao chegarem, desembarcavam  no porto do Rio de Janeiro, e após um período de quarentena internados na Ilha das Flores, trocavam de navio e se dirigiam ao sul com destino ao porto de Rio Grande, seguindo depois pela Lagoa dos Patos até Porto Alegre. Na capital permaneciam alojados, por semanas ou mesmo até meses, em barracões construídos para esse fim, até que os seus lotes fossem demarcados. 


Nesse período deviam prestar trabalho compulsório na abertura de estradas. Finalmente, recebiam do governo a ordem de se deslocarem para os seu lotes de terra, localizados mais para o interior do estado. Para lá chegarem deviam ainda percorrer muitos quilômetros rio acima. Usavam pequenos barcos fluviais seguindo alguns rios, como o Caí, até locais próximos das colônias demarcadas, onde seriam finalmente assentados. Após o trajeto embarcados, eles passavam a se deslocar por terra, a pé ou grandes carroças puxadas por bois, através de estreitas picadas, cercadas por densas florestas povoadas por animais desconhecidos para eles, os quais emitiam gritos e sons guturais que os amedrontava bastante, principalmente à noite. Esses animais eram principalmente grandes bandos de papagaios e de  agitados e barulhentos bugios. Durante o trajeto precisavam em muitas ocasiões subir por morros e atravessar alguns cursos de água. Chegados finalmente na colônia, ficavam alojados em precários barracões com áreas comuns até conhecerem o lote que tinha sido destinado a cada um. Dali, após o descanso, os chefe de família ainda precisavam se embrenhar pelo mato, acompanhados por funcionários do governo, até o local onde estava o seu lote de terra, fixado pela administração da colônia. Nesse momento, amedrontados se davam conta que estavam no meio do nada, que ali estava o lote de sua propriedade, pelo qual tinham enfrentado toda essa longa viagem. Cada família era então deixada por conta própria, sem um abrigo para escapar do frio ou da chuva, dos animais ferozes que os cercavam, os quais  incessantemente davam o sinal das suas presenças. Eram deixados sozinhos com a pouca comida fornecida, as sementes para plantarem a primeira roça, algumas ferramentas agrárias entregues pelo governo na chegada em Porto Alegre, ainda no barracão. Esse material consistia basicamente foice, machado,  enxada, pá, facão e faca. Era tudo que eles tinham, mas, apesar de tudo, geralmente, estavam contentes pois agora iriam trabalhar na terra que os pertencia. 


As providências mais urgentes eram a derrubada do mato, a construção de um pequeno barraco como abrigo e preparar a terra para o plantio da primeira safra, a qual somente seria colhida muitos meses depois, se as condições do clima fossem favoráveis. Para complementar aqueles poucos mantimentos recebidas do governo, procuravam obter a carne da caça de aves e pequenos animais existentes, abundantes naquela época. Também, logo aprenderam com os mestiços e índios que pela região passavam, a usar o pinhão como alimento. 


Com muito trabalho as antigas colônias rapidamente progrediram e deram origem aos ricos municípios da Serra Gaúcha. Uma grande maioria desses imigrantes eram analfabetos, mas, não ignorantes, já traziam dentro de si a cultura milenar dos suas províncias de origem na Itália e a arte inata de fazer negócios. A antiga arte de comprar e vender, o fazer comércio, sempre esteve presente nas veias da maioria dos imigrantes, herança de um povo com muita história. 


Católicos fervorosos, na sua grande maioria, fizeram ao redor da igreja o centro da vida religiosa e social da colônia e das cidades que formaram. Os italianos exerceram grande influência na cultura do Rio Grande do Sul. Berço das vocações, milhares de freiras e padres tiveram uma grande participação na instrução religiosa e laica do estado.
Para o Brasil trouxeram a cultura do vinho, cuja comercialização permitiu acumular capitais que posteriormente se tornaram importantes indústrias.

Dr. Luiz Carlos Piazzetta 
Erechim RS




quinta-feira, 17 de setembro de 2020

As Remessas de Dinheiro que Fizeram a Itália

Entre os últimos anos do século XIX e as primeiras décadas do século XX, as remessas regulares de dinheiro para os parentes que haviam ficado na Itália, feitas pelos seus milhares de emigrantes, desempenharam um papel fundamental na história econômica italiana, atuando como uma espécie de alavanca para a industrialização do país. 

É justamente neste período que as remessas assumem um papel fundamental na história econômica italiana, em particular durante a fase de decolagem industrial durante a era Giolitti. Este foi um momento muito delicado para a Itália que nessa época chegava atrasada à industrialização e muitas vezes precisava importar bens e capitais, mas ainda não conseguia garantir exportações de igual valor, tendo assim um grande déficit na balança de pagamentos. 


Este fenômeno migratório massivo, além de funcionar uma válvula de escape para o crescente superávit populacional e as consequentes tensões sociais, contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento da economia italiana. Por um lado, porque as remessas dos emigrantes vinham cobrir naqueles anos mais da metade da parte ativa da balança de pagamentos e isso permitia fazer face à importação de matérias-primas e bens de capital essenciais às necessidades cada vez maiores da produção industrial. Também por outro lado, as numerosas comunidades de emigrantes, uma vez fixadas nos países de destino, abriram ou ampliaram as portas dos mercados locais para as exportações italianas, de alimentos a têxteis.

 Inicialmente essas remessas regulares chegavam à Itália por vale postal, mas os correios só podiam ser  encontrados nas cidades maiores e muitas vezes estavam ausentes nos centros de mineração e nas longínquas colônias onde os emigrantes estavam fixados. Na dificuldade desses emigrantes acessarem os correios também se somava a difícil comunicação, pois, a grande maioria deles era composta de pessoas que só se comunicavam nos seus dialetos de origem. Para o grosso das remessas, outros canais também foram usados: às vezes as cédulas de dinheiro eram tão somente fechadas em envelopes de cartas, e enviadas pelo correio como no caso daqueles emigrantes que chegaram ao Brasil. Em outros casos se utilizaram de pequenos e pouco confiáveis bancos italianos para efetuarem as remessas de valores. Nos Estados Unidos muitas foram as queixas de abusos e fraudes nessas remessas, sendo que o assunto chegou a ser tratado na imprensa, a qual chamou a atenção das autoridades do governo americano. Mas também havia muitos bancos honestos que operavam  na  intermediação dessas remessas. A lei de fevereiro de 1901 interveio precisamente para proteger as economias dos emigrantes e facilitar o influxo de remessas para a Itália. Essa intervenção legislativa pretendia certamente proteger os emigrantes e as suas poupanças, mas principalmente encorajar a chegada de remessas, tão importantes para a economia italiana da época. 


Podemos concluir que as remessas dos emigrantes são um recurso fundamental para os países mais pobres, ainda que no caso da Itália, entre o final do século XIX e o início do século XX, o efeito sobre a economia tenha sido bem maior, relevante mesmo, na medida em que chegou a acontecer em um momento importante para a economia do país, que caminhava para sua verdadeira revolução industrial. 

A importância para a Itália dessas remessas regulares feitas pelos emigrantes pode muito bem ser avaliada pelas palavras de um ministro, ao se referir sobre o assunto, em seu discurso no parlamento italiano: "As remessas regulares de valores enviadas do exterior pelos nossos emigrantes se constituem em um verdadeiro rio de ouro". 


Dr. Luiz Carlos Piazzetta

Erechim RS




terça-feira, 15 de setembro de 2020

A Arte de Curar sem Médicos nas Colônias Italianas no Sul do Brasil


A vida nas colônias italianas no Rio Grande do Sul era muito dura, principalmente nos primeiros anos da chegada dos imigrantes. Quando finalmente puderam construir as primeiras casas, essas ficavam muito distantes umas das outras. Estavam no meio de uma densa floresta, com uma pequena roça entorno da casa e não havia estradas, somente caminhos estreitos, cercados pela escuridão da mata e os gritos dos animais que a povoavam. 


Os lotes eram formados por imensas áreas de terra, com montes, precipícios e às vezes até pequenos rios. Os vizinhos só se encontravam quando transitavam por meio desses caminhos, que eram então chamados de linhas. A cidade mais próxima, geralmente, ficava a muitos quilômetros de distância e precisavam de horas para chegar até lá. Ao mesmo tempo que as distâncias eram muito grandes, as estradas eram de péssima qualidade ou mesmo  inexistentes nos primeiros anos, os recursos médicos disponíveis eram escassos. 

Os poucos médicos que existiam, sobretudo  nos primeiros anos na nova pátria, só poderiam ser encontrados em apenas algumas cidades maiores, sempre muito distantes das colônias.  Para fazer frente a essa dramática situação se desenvolveu uma medicina doméstica, baseada em conhecimentos empíricos alguns trazidos da Itália e muitos outros adquiridos ao longo do tempo, com as populações nativas locais, como os mestiços e os  índios. O uso de plantas medicinais foi largamente utilizado pelos imigrantes italianos, existindo  então uma erva para cada tipo de doença e o conhecimento desta arte era exercido  por  algumas pessoas geralmente mulheres, aquelas de mais idade. Nesse contesto, aos poucos, foram aparecendo importantes figuras para as colônias, como as parteiras, também conhecidas pelos colonos como comadres ou cegonhas, muitas das quais já traziam consigo uma experiência familiar de várias gerações atendendo as mulheres no período da gravidez e nos partos. À  elas cabia orientar a futura mãe nos cuidados de higiene pré natal e assisti-la no momento do parto. Atendiam na casa das parturientes e se deslocavam a pé  por grandes distâncias,  mais tarde iam à cavalo, independente do tempo que fazia. Eram conhecidas por todos e algumas delas alcançaram grande fama que se perpetuou por muitos anos.

Outro personagem importante nas colônias eram os arrumadores de ossos, procurados por muitos até nos dias de hoje, eram conhecidos na zona colonial italiana, como os "giusta ossi". Esta arte já era de muito tempo um "mestieri" tradicional na Itália, cujo conhecimento geralmente era transmitido de pai para filho, como uma espécie de herança. Os arrumadores de ossos, quase sempre homens, mas, também existiram diversas mulheres que exerciam esta atividade, tinham a função de recompor e imobilizar fraturas, curar entorses e distensões musculares, usando diversas técnicas de manipulação, massagens executadas com movimentos firmes de suas mãos e aplicação local de calor e remédios naturais, em forma de emplastros. 


Uma outra figura muito requisitada, com fama até nos dias de hoje, são as benzedeiras, que usando um conhecimento empírico, adquirido principalmente dos caboclos locais ou mesmo dos índios, que conviviam entorno das colônias,  procuravam curar as doenças e minimizar as dores, estimulando a auto sugestão do doente, em um ambiente místico de ladainhas, rezas, banhos de infusão de ervas, chás e defumações. No início essas mulheres, mas também alguns homens, eram, geralmente, caboclos mestiços, ou ainda negros, escravos libertos, que moravam vizinhos às pequenas vilas, perto das colônias de imigrantes. Com o tempo os próprios emigrantes foram aprendendo e desenvolvendo essa arte e eles mesmos passaram a exercer esse trabalho.  


Dr. Luiz Carlos Piazzetta

Erechim RS





segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Imigração Italiana no Estado de São Paulo


Quando, nos últimos 20 anos do século XIX, as autoridades imperiais do Brasil pensaram em trazer milhares de imigrantes italianos o fizeram com vários objetivos visando o progresso do grande império. Alguns desses objetivos são hoje em dia muito polêmicos e causam certo desconforto em algumas áreas. Dentre os objetivos principais podemos citar dois, que são consenso entre os historiadores, e foram responsáveis diretos pelo crescimento da economia do Brasil. O primeiro foi aquele implementado na Província de São Paulo no qual os imigrantes italianos seriam contratados para trabalhar em determinada fazenda de café, morando nas terras da fazenda nas casas antes ocupadas pelos escravos. Foi apenas uma substituição de mão de obra sem se importarem, com raras exceções, com a criação de colônias de imigrantes como aconteceu no Sul do Brasil, onde o imigrante ficava dono da terra e o objetivo era, além de preencher os espaços vazios existentes, criar condições de melhoria do abastecimento de produtos alimentares derivados do campo, localizados próximas, ou com fácil acesso por rios e mais tarde por estradas, para as grandes cidades. 


Com a abolição da escravidão, que durava desde o período do Brasil colônia, as grandes plantações de café, de províncias economicamente importantes como São Paulo, ficaram desconfortavelmente desprovidas da mão de obra barata representada pelos milhares de escravos negros que até então tinham sido a força motriz da economia. 


O primeiro objetivo do Império Brasileiro foi procurar na Europa países disponíveis que passavam por severas dificuldades econômicas. Nesses seria mais fácil contratar os trabalhadores braçais que tanto precisava e por um custo muito barato, proporcionalmente, somente um pouco mais alto que os investimentos em escravos. Nesse período histórico a Itália era ainda um país muito jovem, pois, somente surgiu como uma nação unificada na segunda metade do século XIX. Nesse época a jovem nação italiana estava passando por uma série de dificuldades econômicas, que vinham desde as várias guerras de libertação, passando por aquelas necessárias para a unificação e formação do Reino da Itália. Também a Itália era um país muito atrasado que ainda não participava da grande revolução industrial que já estava presente em outros países europeus, como a Inglaterra, a Alemanha e a França. O grande aumento populacional de toda a Europa, ocorrido nesse período, decorrente da melhoria das condições de higiene e o aumento da perspectiva de vida média do povo, agravavam sobremaneira a situação. A agricultura da Itália dessa época era bastante atrasada, em algumas regiões ainda praticada como nos tempos medievais e não aguentou a concorrência dos produtos importados dos Estados Unidos, na época já despontando como um dos maiores produtores rurais.



O desemprego no campo era muito grande, atingindo inicialmente os camponeses e os pequenos proprietários rurais das zonas montanhosas, locais onde desde muitos séculos era praticada uma agricultura precária, somente, de subsistência,  e os artesãos que também constituíam uma grande parte da população. O desemprego foi aumentando rapidamente, atingindo as planícies italianas, que tinham terras mais férteis, deixando na miséria milhões de italianos das pequenas cidades do norte ao sul. A fome rondava a casa da maioria desses desempregados, que no desespero se agarravam as novas notícias da emigração. 


A pressão exercida pelos grandes proprietários rurais da Província de São Paulo apressou a decisão das autoridades imperiais e pouco tempo depois os primeiros grupos de imigrantes italianos já chegavam ao Porto de Santos. Ali eram recebidos pelos capatazes dos fazendeiros que os haviam contratado. De Santos, inicialmente em comboios de carros de bois e depois pela estrada de ferro,  subiam a Serra do Mar, em direção as terras no interior do estado a que estavam destinados.   


Os contratos que eles assinaram na Itália os prendia por muitos anos aos fazendeiros proprietários das terras. Os colonos eram contratados na Europa e trazidos para as fazendas de café. Tinham sua viagem paga, assim como o transporte até as fazendas. Essas despesas, entretanto, pelo contrato que tinham assinado, entravam como adiantamento feito ao colono pelo proprietário, assim como, igualmente, lhe era adiantado o necessário à sua manutenção, até que ele pudesse se sustentar. A cada família deveria ser atribuída uma porção de cafeeiros, na proporção da sua capacidade de cultivar, colher e beneficiar. Aos colonos também era facultado o plantio, em certos locais pré-determinados pelo fazendeiro, dos mantimentos necessários ao seu sustento. Vendido o café, o fazendeiro era obrigado a entregar ao colono metade do lucro líquido. Sobre as despesas feitas pelo fazendeiro em adiantamento aos colonos, eram cobrados 6% de juros, a contar da data do adiantamento e aplicando-se na sua amortização, pelo menos, metade dos seus lucros anuais. O colono, além de ser obrigado a cultivar e manter o café, não podia abandonar a fazenda sem ter previamente comunicado por escrito a sua intenção de retirar-se, e só o poderia fazer após saldar todos os seus compromissos. 



O descontentamento por parte dos colonos era o sistema de contas, feito para deduzir sua parcela de lucro sobre a produção de café obtida. Rezavam os contratos que, vendido o café, caberia ao colono a metade do seu lucro líquido; porém, na maior parte das vezes, os colonos sentiam-se roubados. Com o intuito de reduzir esse tipo de queixa, acabou-se por estabelecer o pagamento ao colono de um preço fixo por alqueire cultivado ou para outras fórmulas, em geral baseadas num sistema de salários. Esse último sistema parece ter-se revelado mais adequado, naquela época, do que o sistema de parceria. Mesmo nos melhores tempos, o trabalho de um colono de café era muito penoso. Os fazendeiros mantinham um controle estrito sobre a rotina diária dos trabalhadores. Os cuidados médicos não existiam e quando eram extremamente necessários, custava muito caro. Poucas escolas eram mantidas para colonos. Em muitos casos, sofriam violência física, recebiam salários reduzidos por multas e tinham que pagar preços exorbitantes por gêneros essenciais nos armazéns das fazendas.



Em fins da década de 1920, com a proporção do imposto de exportação de café caindo na receita do Estado e as fontes não-subsidiadas de trabalhadores crescendo, o colapso da economia internacional atingiu São Paulo duramente logo após o término do programa subsidiado. Como resultado, os cafezais mais velhos foram abandonados, ocorrendo, conseqüentemente, uma retração na necessidade de mão-de-obra, gerando uma diminuição no fluxo de imigrantes e fazendo com que a economia regional entrasse num período de retração. A classe dos grandes proprietários de fazendas, os produtores de café, com muito raras exceções, estava acostumada até então de lidar com os pobres escravos africanos, que aceitavam quase tudo com muita resignação e certo grau de estoicismo, teve agora de se adaptar com os trabalhadores italianos recém chegados mais experientes, um povo orgulhoso, determinado e por sua vez, também muito mais contestador. As relações de trabalho dos imigrantes italianos com os seus patrões proprietários das terras, sempre foi muito conflituosa. Multas por supostos descumprimentos dos contratos, provocações, dispensas por justa causa eram pretextos que os proprietários das fazendas encontravam para diminuir o ganho do trabalhador. Ocorria também que a fazenda com freqüência era um enclave de jurisdição particular, onde o fazendeiro agia como juiz e fazia cumprir as leis com a ajuda de pistoleiros. Outras causas de conflitos se davam por roubos nas medidas de café, e casos de espancamentos, assassinatos, estupros e perseguições eram comuns. Os imigrantes estavam à mercê dos proprietários das fazendas, e estar subordinados a tais homens não era o mais feliz dos destinos, principalmente porque a estrutura da vida rural restringia-se ao poder que os fazendeiros exerciam sobre os seus colonos. Os casos de protestos dos trabalhadores do café expressavam-se nas exigências de salários ou greves. As reclamações iam se difundindo pelas casas das colônias, pelas vendas, e se espalhavam por toda a fazenda causando grande inquietação, principalmente no começo da colheita do café, período em que os fazendeiros estavam mais vulneráveis. Às vezes obtinham sucesso, às vezes fracassavam. Mas as reclamações não passavam do espaço circunscrito a cada fazenda e tinham curta duração, pois os contatos com o mundo fora da fazenda eram estritamente vigiados. Em favor deles estava somente o consulado, o único recurso que os trabalhadores agrícolas estrangeiros tinham para não serem lesados. Diante de tantos obstáculos, os imigrantes se deslocavam seguidamente para outras fazendas ou para os centros urbanos e muitos desistiam do sonho americano e repatriavam, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Nas fazendas de café geralmente os imigrantes não tinham opção e até já tinham assinar os contratos de trabalho estabelecidos pelos fazendeiros. Eles podiam escolher entre quatro formas de contrato, considerando que o café obedecia a várias etapas, particulares a cada uma delas. A primeira etapa correspondia à derrubada para a formação ou ampliação das fazendas, realizada pelos trabalhadores por turma, contratados por um empreiteiro sem vínculos à fazenda. Esses trabalhadores recebiam um salário mensal ou trimestral, casa e comida. 

O serviço compunha-se da derrubada e queimada das florestas. A segunda etapa compreendia a formação do cafezal convencionalmente chamada de empreitada no Estado de São Paulo. O trabalho nesta etapa referia-se à abertura de covas, já previamente marcadas para plantar o café e manter o terreno limpo durante quatro anos. No decorrer do período era permitido plantar milho e feijão no espaço entre as fileiras do cafezal. O pagamento, nesse tipo de contrato, diferia de acordo com as possibilidades financeiras do imigrante. Quem dispunha de um capital e podia arcar com todas as despesas da empreitada, inclusive a contratação de outros empregados e a derrubada da floresta, recebia uma soma em dinheiro correspondente ao número de pés de café entregues ao fim do contrato, ficava com todo o lucro obtido na venda do excedente de cereais e o lucro da primeira safra do café. Mas, para o empreiteiro que não possuía capital para cobrir todas as despesas, o que era mais comum, recebia apenas uma parte da primeira colheita do café. Os imigrantes também podiam optar pelo contrato colônico, o chamado sistema de colonato ou ainda trabalhar como camarada. O colonato constituía-se numa relação de trabalho essencialmente familiar, na qual, pelo contrato colônico, cada família recebia um número determinado de pés de café que eram cultivados durante o contrato de um ano, incluindo quatro a seis limpezas por ano para manter os cafezais sempre livres de ervas; o cuidado com as mudas para o caso de alguma substituição de cafezais mortos; amontoamento do cisco na preparação para colheita; e o espalhamento do cisco após a colheita. Em geral, eram responsáveis pela manutenção das árvores e, no momento apropriado, pela colheita. Também constava do contrato alguns serviços não restituídos que eram realizados na fazenda quando requisitados, por exemplo, reparar cercas, construir estradas, cuidar dos pastos etc. Os pés de café eram dispostos em filas, no meio das quais os colonos tinham o direito de cultivar outros produtos, em geral, milho e feijão. Em caso de cafezais velhos, o colono recebia um pedaço de terra em separado para plantar os seus cereais. Quanto às tarefas realizadas pelos camaradas, de acordo com o contrato de trabalho, correspondiam ao beneficiamento do café; colheita; abertura de caminhos e estradas; conserto de pontes, prédios e cercas; entre outras. Os salários eram pagos por dia ou por mês. Desde o começo, o confronto entre os interesses econômicos por parte dos fazendeiros e, por outro lado, a resistência dos trabalhadores às imposições destes causaram situações permeadas por conflitos e tensões. Na verdade, os fazendeiros não mediam esforços para reprimir e impor um rígido controle, visto que a experiência que haviam tido no período da escravidão lhes dava plena consciência de que era fundamental ter um controle efetivo sobre os trabalhadores. Um outro fator que pode explicar o certo grau de animosidade e desentendimento entre os imigrantes italianos foi o fato que diferente do que aconteceu na imigração no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, a maior uniformidade quanto a região de origem do imigrante, que eram na maioria do norte e nordeste da Itália: vênetos, lombardos e trentinos. Também importantíssimo foi o fato que nessas colônias do sul terem criado, pelos próprios imigrantes, uma nova língua para se comunicarem entre si, pois, a maioria não conhecia a língua italiana e se comunicavam somente através dos seus dialetos regionais, alguns muito diferentes uns dos outros. Os casamentos entre imigrantes italianos de várias procedências regionais impulsionou a necessidade e a difusão da nova língua da imigração representada pelo Talian. Trata-se de uma língua e não dialeto, pois, é formada por expressões da língua dessas várias regiões italianas sobre uma base do dialeto Vêneto, devido qua a predominância era de imigrantes vênetos. Mais tarde, na evolução natural de qualquer língua, sofreu alguma influência de palavras portuguesas que foram incorporadas, após uma certa italianização dos termos. Nas fazenda paulistas parecia que não havia apenas uma só emigração de italianos, onde todos se confraternizariam na qualidade de oriundos do mesmo país, mas, sim de pessoas originárias da península itálica sem necessariamente forte identidade comum. Inclusive a língua que se constituiu em um grande obstáculo na comunicação entre os empregados das fazendas. Com tudo isso as primeiras deserções começaram a aparecer e as famílias, depois de quitarem os seus débitos com o proprietário da fazenda, passaram a se colocar por conta própria, nas pequenas vilas e cidades que já estavam surgindo no interior paulista. Os que primeiro deixavam as fazendas foram aqueles que tinham conseguido algum economizar algum dinheiro, ou possuíam alguma habilidade profissional, geralmente trazida da Itália, tais como os artesãos e aqueles que se estabeleciam em lotes nas periferias das cidades, ganhando a vida com a venda de produtos agrícolas, conseguidos de pequenas roças e, mais tarde, como empregados de fábricas que começavam a se estabelecer na região. Ainda muito pouco estudada, houve também em São Paulo, mas em bem menores proporções, uma política de fixação dos imigrantes na terra, parecida com a ocorrida no Sul, a partir da venda de lotes nos chamados Núcleos Coloniais. Alguns destes núcleos que se destacaram na compra de lotes pelos italianos são os de São Caetano (São Caetano do Sul), Quiririm (Taubaté), Santa Olímpia e Santana (Piracicaba), Barão de Jundiaí (Jundiaí), Sabaúna (Mogi das Cruzes), Piaguí (Guaratinguetá), Cascalho (Cordeirópolis), Canas (Canas), Pariquera-Açú (Pariquera-Açú), Antônio Prado (Ribeirão Preto), entre outros. Mais tarde, já na metade do século XX, com a descoberta das férteis terras do norte do Paraná, muitos daqueles imigrantes ou seus descendentes, que tinham trabalhado com o café no interior de São Paulo, adquiriam grandes lotes de terras e continuaram com as plantações de café. Como curiosidade, essas ricas terras vermelhas, propícias para a cultura do café, são denominadas de terras roxas, isso porque em italiano se dizia "terra rossa".




Dr. Luiz Carlos Piazzetta

Erechim RS