terça-feira, 29 de setembro de 2020

Alguns Aspectos da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul


A maior parte dos imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul eram procedentes do norte da Itália, onde trabalhavam como agricultores meeiros, em terras arrendadas de grandes proprietários rurais. Muitos deles também eram artesãos e quase nenhum donos de suas terras. Ao chegarem ao seu destino,  depois de muitos dias de extenuante caminhada, por estradas que não passavam de estreitas trilhas abertas no meio do mato, passando por regiões acidentadas, sozinhos e desamparados, isolados no meio do nada, rodeados de animais e florestas de árvores gigantes que jamais tinham visto, constataram, com incredulidade, uma situação muito diferente daquela que tinham prometido, lá na Itália, pelos recrutadores da companhia de emigração, contratada pelo governo imperial brasileiro. 

Aqui na Província do Rio Grande do Sul, literalmente, tudo estava por ser feito, desde a casa para abrigar a família até as primeiras roças, passando antes de tudo pelo árduo trabalho de abater a grande quantidade de  árvores da nova propriedade para preparar as primeiras roças. A prometida ajuda oficial do governo não foi tão consistente como desejavam e nos primeiros anos na colônia as famílias para sobreviverem  tiveram de trabalhar exaustivamente de sol a sol. 

Apesar de todo sofrimento que passaram e das dificuldades que tinham encontrado na nova pátria,  ainda assim estavam contentes, a terra era muito fértil, o clima ameno, tinham bastante água e acima de tudo estavam trabalhando na sua própria terra. O sonho da propriedade estava sendo realizado e o fantasma da fome tinha sido deixado para trás. 

As primeiras colheitas se mostraram muito boas e o excedente de produção comercializado até em cidades distantes, gerando uma renda para as famílias. 



Construíram inicialmente um rústico abrigo provisório para se repararem da chuva e do frio, usando pedaços de pau e pedras, cobertos por sapé e outras folhas de árvores encontradas na região. Passados mais alguns anos começaram a construir a suas casa usando tábuas de madeira usadas na parte superior e grandes pedras para o tradicional porão. 
A casa rústica era quase sempre dividida em uma cozinha grande, uma sala, um ou dois quartos no andar superior e um sótão usado como depósito. No porão ficava a cantina doméstica que também era usado como depósito de ferramentas. Ao lado da casa ficava uma pequena horta, um pequeno paiol, o chiqueiro e um galinheiro. Devido ao perigo de incêndio que a cozinha representava, pois o fogo ficava sempre aceso, ela costumava ficar em um espaço separado da casa, como um apêndice separado. Com a melhoria das condições financeiras das famílias, as casas eram ampliadas ou reconstruídas, os cômodos pequenos e rústico do início, davam lugar a instalações maiores, muitas vezes com ornamentos externos e internos. Os imigrantes italianos permaneciam nessas casas por diversas gerações, sendo comum os filhos casados ficarem morando com os pais. Muitas vezes isso se devia pela falta de lotes nas colônias, as quais cresciam rapidamente com a constante chegada de novos imigrantes. Os filhos casados agora tinham que adquirir lotes de terra em outras colônias, bem mais distantes das famílias, seguindo em direção ao norte do estado. Com isso a expansão das colônias era uma realidade e novos núcleos de imigrantes iam surgindo, os quais deram origem a maioria dos município gaúchos. 

Oriundos de regiões italianas diferentes, muitos grupos mal chegavam a se compreender mutuamente, e os conflitos políticos e ideológicos que haviam trazido da Europa, especialmente aqueles liberais, republicanos e maçons contra os católicos, monarquistas e tradicionalistas, continuaram exercendo influência no Brasil, com o resultado de se verificarem ondas de protestos e conflitos violentos em várias comunidades. Contudo, a grande maioria professava uma fé católica vigorosa, que em alguns locais, contribuiu para acirrar conflitos com as autoridades laicas, geralmente ligadas à maçonaria e ao Partido Republicano Rio-Grandense, por outro lado serviu como um poderoso elo unificador entre os grupos divergentes, que se caracterizaram por uma forte tendência ao associativismo. 
Na vida rural, em particular, a religião exercia uma influência central nos costumes e mesmo na organização do cotidiano, e uma das principais queixas nos primeiros tempos foi a escassez de padres, obrigando a muitos leigos assumirem funções pastorais e até litúrgicas. Em todos os travessões (divisões nas colônias) foram erguidas capelas, que além de suas atribuições sagradas também funcionavam como pontos de referência geográfica e centros de convívio e assembleia comunitária. As festas do santo padroeiro da capela, do Natal e do Ano Novo, da Páscoa e outros dias santos, costumavam reunir toda a comunidade do travessão. As capelas em muitos casos suscitaram a formação de novos centros de urbanização em seu redor, surgindo uma profusão de pequenas vilas e aglomerados edificados entre as colônias. Geralmente ligados à administração das capelas e apoiados pelo poder público, emergiam os primeiros líderes comunitários, encarregados de resolver conflitos, organizar ações coletivas, encaminhar as queixas às autoridades e assessorar os padres quando em visita, já que as capelas não possuíam sacerdote residente. Foi também a religião que ensejou as primeiras expressões artísticas, cultivando canções e hinos sacros e favorecendo a produção de estatuária de culto, pinturas e marcenaria de estilo para adorno dos templos. Seus mais antigos exemplos são naturalmente bastante rústicos, devido à precariedade do meio. As festas profanas eram os filós, reuniões onde as famílias se encontravam em uma das casas ou em um salão comunitário para cantar, comer e trocar experiências e memórias, além de envolverem atividades lúdicas e competições esportivas.
No início do século XX a zona colonial havia estabelecido uma próspera atividade econômica, tornando-se um dos principais centros produtores do estado. Embora muito diversificada, a produção era liderada pelas vinícolas, que a esta altura eram em conjunto o maior produtor de vinho do Brasil, tendo ganhado muitos prêmios nacionais e internacionais. Mas o setor do vinho vivia numa crise crônica e os lucros eram oscilantes. Nesta época foi feita uma experiência de cooperativismo em larga escala sob a égide do técnico italiano Giuseppe Paternó, convidado pelo governo estadual, a fim de melhorar a qualidade do produto e torná-lo mais competitivo, combater as falsificações e os intermediários, diversificar a produção com castas finas e intensificar a troca de experiências entre os produtores, mas ela acabou fracassando.
Apesar do expressivo sucesso da produção rural, com o passar dos anos outros problemas começaram a avultar. Os italianos geralmente transferiam toda a terra para um dos filhos, geralmente o mais novo, que iria cuidar dos pais na velhice. Às vezes os lotes eram divididos entre os irmãos, mas seu tamanho pequeno logo colocou um impedimento para divisões sucessivas. Os deserdados precisavam partir em busca de outras colocações, iniciando um grande êxodo populacional para novas colônias que iam surgindo ou para outros estados. A desestabilização do modo de vida rural se acentuou no entre-guerras, quando a cultura italiana foi reprimida pelo programa nacionalista de Getúlio Vargas e o sistema de produção regional passou a se concentrar na indústria e no comércio. Os investimentos escoavam principalmente para as cidades, já em rápido crescimento, aumentando os problemas no campo, cujos artigos — incluindo os artesanatos — sofriam crescente concorrência de importados e industrializados e passavam a ficar dependentes de intermediários para seu escoamento. Boa parte daqueles filhos sem terra e sem futuro definido acabou se refugiando nas cidades e se tornando parte do proletariado operário e comerciário. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta 
Erechim RS