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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

A Jornada de Enrico Secchi

 


A Jornada de Enrico Secchi

Coragem e Esperança em Terras Distantes

Enrico Secchi nasceu em 1848, no comune de Concordia sulla Secchia, um pacato vilarejo encravado nas planícies férteis da província de Modena, na região da Emilia-Romagna. A paisagem era marcada por campos que pareciam se estender até o horizonte, pontuados por vinhedos e árvores que murmuravam com o vento. Apesar da beleza bucólica, a vida ali era dura. Os anos que se seguiram à unificação italiana trouxeram mais desafios do que soluções: impostos elevados, terras insuficientes e a sombra constante da pobreza corroíam o espírito dos camponeses.

Enrico cresceu em uma casa simples, feita de tijolos envelhecidos pelo tempo, onde os dias eram longos e o trabalho, exaustivo. Seu pai, Giuseppe, sonhava em herdar terras maiores, mas foi consumido pela realidade de dívidas e colheitas incertas. Sua mãe, Maria, cuidava da casa e dos filhos com mãos calejadas, mas amorosas, enquanto alimentava os sonhos de um futuro melhor para a família. Aos 27 anos, Enrico era um homem magro, mas robusto, com olhos castanhos que refletiam tanto cansaço quanto determinação. Ele havia escutado, nas tavernas do vilarejo e nos sermões da igreja, histórias de um lugar distante chamado Brasil, onde terras férteis eram distribuídas a quem estivesse disposto a cultivá-las. Era uma promessa quase impossível de ignorar. O medo do desconhecido rivalizava com a miséria do cotidiano, e logo, o chamado da aventura falou mais alto. Quando decidiu partir, Enrico empacotou poucos pertences: um par de botas gastas, algumas mudas de roupa, uma foto de família e um pequeno caderno de capa dura. Este caderno, que inicialmente seria usado para anotar despesas e planos de cultivo, logo se tornaria um diário íntimo, onde ele registraria as alegrias e as dores de sua jornada. Antes de embarcar, escreveu na primeira página, com letras tremidas:

“Deixo minha terra não por escolha, mas por necessidade. Que este caderno guarde minha história, para que um dia meus filhos saibam de onde vieram.”

Em novembro de 1875, Enrico embarcou em Gênova, a bordo de um vapor abarrotado de homens, mulheres e crianças, todos carregando sonhos e temores. Ao se afastar do porto, viu pela última vez as colinas que moldaram sua infância desaparecerem no horizonte. Enquanto a Itália ficava para trás, uma nova vida, cheia de incertezas e possibilidades, se descortinava diante dele.

Primeiras Impressões

Na primeira carta enviada à família, ainda durante a travessia, Enrico tentava capturar a essência do que sentia diante da vastidão do Atlântico. A caneta tremia em sua mão enquanto descrevia um mundo que parecia infinito, como se o mar fosse um espelho das incertezas em seu coração.

“A água se estende até onde os olhos podem alcançar, uma imensidão azul que nos faz pequenos e insignificantes. Quando o sol se põe, o horizonte parece arder em chamas, e as estrelas, mais brilhantes do que jamais vi na Itália, tornam-se nosso único consolo. É um espetáculo grandioso, mas também assustador. Rezo todas as noites pelo destino que nos espera, mas confesso, caro pai, que o medo é um companheiro constante nesta jornada.”

Ele continuava, revelando as conversas e os sentimentos que permeavam os dias a bordo:

“No convés, somos uma mistura de vozes, línguas e histórias. Alguns falam de fortuna – promessas de terras onde o solo é tão fértil que basta jogar uma semente para que nasça uma árvore. Outros, porém, murmuram sobre desespero – viagens anteriores onde muitos sucumbiram à doença antes mesmo de avistar terra firme. Estamos todos em busca de algo maior do que aquilo que deixamos para trás, mas ninguém sabe ao certo o que encontraremos ao chegar. Às vezes, a dúvida me consome: será que estamos apenas fugindo de uma miséria para encontrar outra?”

Enrico encerrava a carta com uma nota de esperança, talvez mais para si mesmo do que para quem a receberia:

“E, no entanto, enquanto o navio balança sobre as ondas, sinto uma pequena fagulha de coragem. Não somos apenas passageiros; somos sonhadores, lutadores, pioneiros. Por mais vasto que seja este oceano, acredito que há algo aguardando por nós do outro lado. Continuem rezando por mim, como eu rezo por vocês, e prometo que trarei notícias melhores na próxima vez que escrever.”

Essa carta, dobrada com cuidado e guardada para ser enviada na primeira oportunidade, era um reflexo sincero do homem que Enrico estava se tornando: alguém moldado não apenas pelas dificuldades, mas também por uma fé inabalável no futuro. Ao chegar à colônia de Porto Real, no interior do Rio de Janeiro, encontrou terras inexploradas e um cotidiano que misturava esperança e labuta incessante. Ele narra com detalhes os primeiros meses:

“As terras são vastas e férteis, mas o trabalho é árduo. Cultivamos a cana-de-açúcar com o suor de nossas mãos e aguardamos que as promessas de ajuda do governo se concretizem. Ainda assim, há algo de libertador em plantar algo que, um dia, será apenas nosso.”

A Criação da Usina

A demora na chegada de uma usina de açúcar quase comprometeu a primeira safra de cana, lançando a colônia em uma atmosfera de inquietação e desânimo. Enrico descreveu em seu diário os dias de espera como uma tortura silenciosa:

“Os campos estavam prontos, as folhas verdes da cana balançavam sob o sol intenso, mas em nossos corações, a preocupação crescia como erva daninha. Cada dia que passava sem uma solução parecia um golpe contra nosso trabalho árduo. Alguns colonos começaram a falar em abandonar as terras, enquanto outros, mais obstinados, se reuniam para discutir alternativas.”

A comunidade, determinada a não perder o fruto de meses de esforço, mobilizou-se com energia renovada. Escreveram cartas, enviaram emissários e pressionaram a administração da colônia. A resposta chegou quando tudo parecia perdido. Enrico relata o momento com alívio e entusiasmo:

“Quando soubemos que um engenheiro viria do Rio de Janeiro, foi como se um peso tivesse sido retirado de nossos ombros. Ele chegou com uma máquina simples, rudimentar, mas cheia de promessas. No centro da colônia, sob o sol escaldante, erguemos uma estrutura coberta com telhas de zinco. Era uma construção modesta, mas para nós, parecia um templo dedicado à esperança.”

Ele continuou descrevendo o renascimento da colônia:

“A máquina foi montada com pressa, mas funcionava como uma orquestra que acabara de ser afinada. Logo, o ar estava impregnado com o aroma adocicado do mosto fermentando em grandes tinas. Era um cheiro que nos embriagava não apenas pelo que representava, mas pelo que significava: a transformação do que poderia ter sido um fracasso em uma vitória.”

A aguardente, produto da engenhoca improvisada, tornou-se símbolo de resiliência e superação:

“Naquela noite, bebemos o primeiro gole de aguardente como se fosse um cálice sagrado. Cada gota era um lembrete de que, apesar das dificuldades, éramos capazes de encontrar soluções e seguir em frente. A colônia, que antes estava mergulhada em ansiedade, ganhou um novo fôlego. Pela primeira vez, senti que éramos mais do que sobreviventes – éramos construtores de um futuro.”

Esse episódio marcou um ponto de virada na história da colônia. A improvisação e o espírito coletivo não apenas salvaram a safra, mas solidificaram os laços entre os colonos, preparando-os para os desafios que ainda estavam por vir.

Visitas Ilustres

Porto Real não era apenas um refúgio para os colonos que buscavam recomeçar suas vidas em terras distantes; ocasionalmente, transformava-se em um palco de eventos que enchiam os habitantes de orgulho e esperança. Enrico registrou com detalhes um desses momentos memoráveis: a visita do Imperador Dom Pedro II e a celebração de uma missa conduzida pelo carismático Frei Luigi di Piazza.

“A notícia da visita de Sua Majestade espalhou-se como fogo em campo seco. Todos nós, colonos, largamos nossos afazeres e nos reunimos para preparar a recepção. Ergueram-se arcos decorativos à entrada da colônia, adornados com folhagens frescas e ferramentas agrícolas reluzentes, símbolo de nosso trabalho árduo. Cada detalhe parecia uma tentativa de mostrar que, apesar das dificuldades, éramos dignos daquela visita ilustre.”

Quando o cortejo imperial chegou, um silêncio reverente tomou conta da multidão reunida. Enrico descreveu sua primeira impressão do Imperador com admiração:

“Dom Pedro II é um homem de porte majestoso, mas com uma serenidade que nos cativou a todos. Ao descer de sua carruagem, cumprimentou-nos com um olhar atento, como se quisesse absorver cada detalhe de nossas histórias e rostos. Quando lhe contamos sobre nossas lutas e conquistas, ele falou com uma voz firme e compassiva, dizendo que nossa resiliência era um exemplo de coragem e determinação. Aquelas palavras, vindas do próprio soberano, foram como um bálsamo para nossos espíritos cansados.”

A celebração culminou na missa conduzida por Frei Luigi di Piazza, um missionário capuchinho que havia conquistado o respeito e a devoção dos colonos. Enrico relatou a cerimônia com emoção palpável:

“Frei Luigi vestia uma túnica simples, mas suas palavras carregavam um peso que parecia transcender o tempo e o espaço. Ao celebrar a missa, ele falou de perseverança, de fé e de comunidade. Por um breve momento, parecia que as paredes daquela capela improvisada desapareciam, e estávamos de volta à Itália, na pequena igreja onde tantos de nós haviam sido batizados.”

Ele concluiu o relato com um tom de gratidão e esperança:

“A visita do Imperador e as bênçãos de Frei Luigi nos trouxeram mais do que reconhecimento; trouxeram uma renovação de forças. Foi um lembrete poderoso de que, embora estivéssemos longe de nossa terra natal, não estávamos esquecidos, nem por Deus, nem pelos homens. Saí daquela missa com a certeza de que, por mais difíceis que fossem os dias à frente, encontraríamos uma maneira de perseverar.”

Aquele evento permaneceu gravado na memória da colônia, não apenas como um marco de sua história, mas como uma fonte duradoura de inspiração para todos que testemunharam aquele dia inesquecível.

O Papel da Comunidade

A força de Porto Real estava em sua união. Enrico descreveu com orgulho o esforço coletivo para receber as autoridades:

“Reunimo-nos em minha casa, decidimos erguer arcos decorados com folhagens e ferramentas de cultivo. Era nossa maneira de mostrar ao mundo que, apesar das adversidades, éramos um povo unido e determinado.”

Reflexões Finais

Anos mais tarde, já com as mãos marcadas pelo tempo e os cabelos tingidos de prata, Enrico escreveu em uma das últimas páginas de seu diário, refletindo sobre a extraordinária jornada que havia vivido. Suas palavras, gravadas com caligrafia agora um pouco trêmula, eram um testemunho de sua resiliência e de tudo o que havia aprendido:

“A vida aqui nunca foi fácil. Cada pedaço de terra cultivada exigiu mais do que apenas esforço físico; exigiu sacrifício, perseverança e, sobretudo, fé. Cada colheita foi uma vitória que comemorávamos com humildade, conscientes de que a próxima safra poderia nos testar novamente. Cada lágrima derramada nos dias difíceis foi uma lembrança do que deixamos para trás, mas também uma ponte para o que construímos aqui. E cada riso compartilhado com meus filhos e netos foi um presente que o destino me concedeu por ter ousado atravessar o oceano.”

Enrico fez uma pausa para reler suas palavras antes de continuar. As memórias de sua infância em Concordia sulla Secchia misturavam-se com as imagens dos campos verdejantes de Porto Real. Ele sabia que havia algo de eterno naquilo que havia deixado para trás, mas também reconhecia o valor do que havia conquistado:

“Sinto saudades da Itália – das vozes familiares, dos sinos da igreja ao amanhecer, das vinhas que se estendiam até onde a vista alcançava. Mas não há arrependimento em meu coração. A terra que encontrei aqui, que cultivei com minhas próprias mãos, tornou-se mais do que meu sustento; tornou-se minha casa. Aqui, onde os sonhos de um jovem imigrante ganharam forma, onde minhas raízes se aprofundaram e minha família floresceu, encontrei algo que jamais poderia ter imaginado: um novo lar.”

Ele concluiu com uma reflexão que parecia encapsular toda a sua filosofia de vida:

“Talvez não seja o destino que define o homem, mas sua capacidade de seguir em frente. Olhar para o horizonte, mesmo quando ele parece inatingível, e dar um passo após o outro, mesmo que com medo. Foi isso que aprendi. Foi isso que me manteve vivo, e é isso que espero que minha família jamais esqueça.”

Aquela última página de seu diário, cuidadosamente escrita, tornou-se não apenas um registro de sua trajetória, mas um legado para as gerações futuras – um lembrete de que coragem, determinação e fé podem transformar qualquer terra estrangeira em um lugar que se possa chamar de lar.

Nota do Autor

Enrico Secchi é um personagem fictício, mas suas experiências são profundamente inspiradas nas histórias reais de milhares de imigrantes italianos que, no século XIX, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Cada detalhe de sua jornada, desde os campos de Concordia sulla Secchia até os canaviais de Porto Real, reflete a coragem e o espírito de luta daqueles que enfrentaram o desconhecido, movidos pela esperança de recomeçar. O trecho apresentado faz parte do livro A Jornada de Enrico Secchi, uma narrativa que mescla ficção e realidade histórica para retratar os desafios, sacrifícios e conquistas dos pioneiros italianos que ajudaram a moldar a identidade de muitas comunidades no Brasil. Por meio das cartas e reflexões de Enrico, busquei capturar a essência de uma época marcada por sonhos grandiosos e obstáculos imensos.
Embora os eventos descritos tenham sido adaptados e romantizados, eles são baseados em relatos históricos e documentos que testemunham a difícil adaptação desses imigrantes a uma terra distante e cheia de contrastes. Desde a travessia pelo Atlântico, repleta de incertezas, até as lutas para tornar as terras férteis habitáveis, cada aspecto da vida de Enrico foi pensado para homenagear a resiliência, o espírito comunitário e a profunda fé que sustentaram essas famílias.
Mais do que uma história individual, A Jornada de Enrico Secchi é um tributo coletivo. É um lembrete de que, em cada pedaço de terra cultivada, em cada comunidade erguida, estão as marcas indeléveis de pessoas comuns que realizaram feitos extraordinários. Espero que os leitores encontrem em Enrico não apenas um personagem, mas um símbolo de todos aqueles que ousaram sonhar e lutar por uma vida melhor, mesmo quando o destino parecia incerto.
Este livro é, portanto, uma ponte entre o passado e o presente, uma tentativa de manter vivas as memórias daqueles que cruzaram oceanos e enfrentaram adversidades para construir um futuro que, para muitos de nós, é agora um presente. Que suas histórias nos inspirem a valorizar o que temos e a honrar as raízes que nos trouxeram até aqui.
Dr. Luz C. B. Piazzetta

domingo, 7 de setembro de 2025

El Destin de Sofia


El Destin de Sofia 

Sofia Bellini la ze nassesta el 3 de aprile del 1867, a Montecassino, ‘na bea località piantà in meso ai coli de la provìnsia de Frosinone, ´nte la region del Lazio, al sentro-sud de l’Itàlia. Ghe zera un posto ndove l’odor de le ulive se mescolava con i canti lontan dei osei, e el tempo pareva ´ndar al passo de la vita contadina. Terza de sinque fiòi de Vittorio e Lucia Bellini, Sofia la ze cressesta in ‘na casa sèmplice de piera, ndove i muri pareva contar stòrie de generassion che gavea laorà duro par cavar sostegno da la tera.

Vittorio, un omo con le man rovinà, calegà e el sguardo lontan, el portava el peso de le speranse de un mondo in cambiamento. Come tanti de quei tempi, el gavea messo fede ´nte l’unificassion italiana, pensando che un paese unito el ghe portasse prosperità a le comunità contadin. Ma i ani dopo l’unificassion i ze stà crudele con i contadin. Le tasse pì alte, i cambiamenti de le polìtiche agràrie e la concorensa dei grande latifondi i gavea rendesto la vita a Montecassino na lota cotidiana.

Lucia, par conto so, la zera el cuor de la famèia. Picenina de statura, ma granda de determinassion, lei mandava avanti la casa con ´na mèscola de autorità e teneressa. Lei fasea el magnar con maestria, trasformando quel poco che ghe zera in piati che scaldava no solo la pansa ma anca l’ànima. Sofia e i so fradèi i gavea piantà drento de lori le radise de la speransa, contandoghe stòrie de tempi mèio e soniando in silénsio un futuro pì pròspero.

Le tere che i Bellini coltivava, però, le zera sempre meno generose. Le pràtiche agrìcole vècie e i teren spossà i gavea costreto Vittorio a laorar dal sórgere al tramonto, mentre Lucia e i fiòi i faseva quel che podéa. La vigna, che prima gavea promesso boni racolti, la rendeva meno ogni ano, e le ulive, resistenti come i stessi Bellini, le scominsiava a sofrire con le malatie che devastava la region.

Malgrado le fatiche, Sofia la cresseva curiosa e determinà. Mentre i fradèi pì veci, Pietro e Giovanni, i gavea preso el peso del laoro in campo, e i pì pìcoli, Caterina e Mario, i gavea ancora la spensieratessa de l’infànsia, Sofia la gavea momenti par guardar oltre i coli. La fasea pianser ascoltar le stòrie dei viandanti che passava par la zona, ndando verso Roma o altri posti pì richi. Ogni raconto ghe sveiava el desidèrio de scoprire quel che ghe zera oltre la monotonia de Montecassino.

Con el tempo, el malcontento de la famèia el ze diventà evidente. I Bellini no i zera i soli a sentir el peso de la povertà cressente; in tuta la zona, intere famèie le gavea lassà le pròprie tere par imbarcarse su navi verso posti scognossesti, in serca de ´na vita mèio. Sofia, anca così zòvene, la gavea scominsià a capir che la so picolina contrà forse no la zera abastansa grande par contegner i so soni.

Drento ‘sta atmosfera de incertesse, Sofia la gavea scominsià a formar el so carater. Ogni dificoltà che la so famèia la gavea afrontà, la gavea raforsà la so resistensa. E benché i so piè i gavea restà ben piantà su la tera àrida de Montecassino, la so mente la gavea già viaia verso posti lontan, dove la soniava un futuro che la so tera natale no pareva capace de regalar.

Fin da picinina, Sofia la mostrava ‘na curiosità viva e un spìrito inquieto che la fasea diversa da le altre creature de Montecassino. Mentre i so fradèi pareva rasegnà a le rotine del campo, Sofia la gavea vóia de qualcosa de pì, un futuro che podesse ofrirghe pì de la fadiga infinita e del vaevien sensa fin de le racolte. Sta scintila no la sfugìo a la Signora Teresa, la maestra de la scola rural, ´na dona de mesa età con ´na passione quasi testarda par insegnar, anca´nte le condision pì difìssili.

La scola la zera poco pì de ´na stansa sèmplice con muri de piera grise, qualche banco de legno consumà e ´na lavagna che parea vècia come el stesso paese. I mesi i zera pochi, ma questo no fermava la Signora Teresa dal inspirar i so studenti. Quando Sofia la ga scominsià a frequentar, Teresa la se gave sùito conto che ghe gera qualcosa de espessial in ´sta toseta. Sofia la gavea ´na abilità natural par scriver e ´na fassilità sorprendente con i nùmari, distinguendose in matemàtica in modo che pochi a Montecassino podéa imaginar.

Malgrado l’entusiasmo de la maestra, studiar zera un lusso che la realtà no permetea. A dòdese ani, quando le altre creature podéa ancora soniar mondi lontan, Sofia la ga dovù lassar la scola. El campo la ciamava, e la famèia gavea bisogno de ogni man disponìbile. El momento el ze sta duro par lei. Lassar i libri e le lesioni no volea dir solo perder el contato con el imparar, ma anca rinunsiar, anca se par poco, al sònio de un futuro diverso.

La nova rotina zera pesante. Sofia la scominsiava la zornada prima che nassesse el sole, aiutando la mama a racolier l’ua e le ulive. El laoro in campo el ghe chiedeva forsa, resistensa e ´na pasiensa che solo la vita contadina podéa insegnar. Quando no zera ´nte la tera, la se dedicava a curar i so fradèi pì picoleti, Caterina e Mario, assicurandoghe qualcosa da magnar e che no se ficasse ´ntei pastici mentre Lucia e Vittorio laorava.

Anca in ´sto cenàrio de privassion, Sofia la trovava i modo par nutrir la so mente inquieta. ´Ntei rari momenti de pausa, la trovava refùgio in un vècio libro de conti che la Signora Teresa ghe gavea prestà prima che lei lassiasse la scola. Lei leseva ogni parola con cura, assimilando stòrie che la ghe portava in posti lontan e realtà pì prometenti. Qualche olta, a la luse tremolante de ´na candea, la scriveva pensieri e idèie su pesi de carta che so pupà el riussiva a trovar. Le so parole le rivelava ´na ánima che, anca se zòvane, la scominsiava già a capir la duressa de la vita e a soniar qualcosa de pì de quel che i so oci podéa vardar.

Pian pianin, Sofia la ga capìo che el saper, anca quelo aquisito ´nte i pochi momenti de letura, el podéa èsser ´na arma potente. Se no podéa ´ndar a scola, la trovava altri modi par imparar. Lei scominsiava a ascoltar con atenssion le stòrie dei visin e dei viaianti che passava par Montecassino, assorbendo ogni informassion come ´na spugna. Ogni detàlio che lei imparava diventava ´na piera in pì ´nte la costrussion de un futuro che ancora no la sapeva come rasiunser, ma che lei la credeva possìbile.

Sta determinassion la ga colpì no solo la so famèia, ma anca altre persone de la comunità. "Sta toseta la ga el fogo ´ntei oci", el ga deto un mercante che passava par la vila. Sta frase no la ga dimenticà Vittorio, che, anca se i so soni i zera sta schiassà da la realtà, el scominsiava a vardar in Sofia ‘na speransa par i Bellini. Ma par Sofia, la speransa la zera solo el scomìnsio. Lei volea de pì de un sònio.

Con el passar dei ani, la situassion a Montecassino la ze sta peiorà sensa pietà. Le tere, già sfrutà da generassion de cultivassion, le ga scominsià a render sempre de meno. Le vigne, el vanto de la region, le ze sta devastà da ´na malatia che ga lassià le vigne stèrili e i campi coerti de folie morte, un panorama desolante che pareva rifleter el stesso spìrito dei contadin. La produssion de oio, che una olta el zera bastansa par pagar le tasse e assicurar un sustento modesto, la ze se diventà scarsa, incapase de competer con i grandi piantassion de le region pì riche.

Par la famèia Bellini, la crise zera ´na tempesta perfeta de adversità. ´Ntel 1884, un inverno rìgido el ze vegnesto come el colpo final. El fredo taliente el ze entrà tra le crepe de le finestre de la casa e el ze penetrà fin ´ntei ossi, portando con se la fame. Le scorte de vìveri le zera insufissienti, e comprar alimenti el ze diventà un lusso impossìbile. Lucia la fasea miràcoli in cusina, tirando avanti con el poco che gavea, ma anca la so creatività la ze sta schiassà da la scarsità. Le creature le se ga amalà, e la preocupassion la ga segnà rughe ancor pì profonde sul viso de Vittorio.

Zera durante ‘na note de febraro, mentre el vento ululava fora e la famèia la se scaldava torno al  fogon, che Vittorio el ga deciso qualcosa che l’gavaria cambià par sempre el destin dei Bellini. El gavea sentì stòrie de un posto lontan, el Brasile, ndove tere fèrtili le aspetea chi gavea vóia de laorarle. Zera ´na tera pien de promesse, diséa i mercanti, ndove el governo brasilian el gavea oferto oportunità ai emigranti par rifar la so vita.

Lucia la gavea ascoltà la proposta in silénsio, ma i oci pien de làgreme i mostrava el peso de le so emossion. Lei la capiva cosa volea dir: lassar tuto quel che conosséa, tuto quel che ghe zera caro, e partir verso lo scognossesto. No zera solo un càmbio de paese; zera un distaco da le radise, un adio a Montecassino, con la so cesa sentenària, i campi che gavea sostentà la famèia par generassion, e anca le tombe dei so antenati.

“Ze l’ùnica strada, Lucia,” el ga dito Vittorio con un tono grave, la vose pien de ´na fermesa che el no sentiva sempre. “Qua no gavemo futuro. In Brasile, forse podaremo rescominsiar.”

Sofia, che gavea 17 ani, la gavea ascoltà la conversa da lontan, ma le so man le gavea smesso de laorar su el ricamo. L’idea de partir la ghe fasea paura, ma al stesso tempo la ghe scaldava ´na fiameta de essitassion. Anca se la gavea amore par la so tera natale, lei la capia, pì de tanti, che Montecassino no ghe podéa ofrire altro che na vita de privassion. El Brasile, con le so stòrie de tere vaste e oportunità, el parea un posto ndove la so inquietudine e determinassion le podéa fiorir.

I mesi dopo i ze sta ´na confusion de preparativi e adii. Vittorio el gavea vendù quel poco che gavea par pagar el viaio. La comunità, benché abituà a vardar famèie che partia in serca de ´na vita mèio, la gavea salutà i Bellini con tristessa. El ùltimo zorno, mentre le campane de la cesa de Montecassino le suonava lontan, Sofia la gavea vardà indrio ´na ùltima olta. I coli che lei gavea conossesto così ben adesso i pareva piceni, lontan, quasi ireali.

Su un bastimento pien de altri italiani che anca lori sercava un novo scomìnsio, Sofia la gavea sentì el peso de l’incertessa, ma anca un filo de speransa. El mar vasto e infinito el zera al stesso tempo sìmbolo de separassion e de possibilità infinite. Lei la sapeva che la so vita no saria mai pì la stessa, ma, par la prima olta, lei scominsiava a creder che questo podesse èsser qualcosa de bon.

La Zornada Verso lo Scognossesto

I Bellini i ze partì dal porto de Nàpoli el 17 de febraro del 1885, in meso a ´na multitùdine de altre famèie italiane spinte da la necessità e da la speransa. El vapor Conte d’Abruzzi el zera uno dei tanti bastimenti destinà a portar emigranti in Brasile, la so strutura robusta in contrasto con le fràgili speranse dei passegieri. Par i Bellini, l’imbarco el zera un misto de solievo e disperassion: solievo par lassar indrio la fame e el fredo de Montecassino, ma disperassion par afrontar lo scognossesto, savendo che no ghe zera garanzie né de sucesso né de sopravivensa.

La traversia, che doveva èsser un pasàgio verso un novo scomìnsio, la ze diventà presto ´na prova. I fondi del bastimento, in terza classe ndove viasava i passegieri pì pòveri, i zera scuri, sofocanti e infestà de sorzi. L’ària la zera pesà, pien de umidità e de l’odor de corpi strachi e malà. El magnar, quando el vegniva distribuì, el zera poco e de qualità dubitosa. L’aqua potàbile la zera un ben raro, e le liti par essa no zera insòlite.

´Ntei primi zorni de navigassion, le malatie le gavea scominsià a difonderse tra i passegieri. El morbilo e la febre tifòide, fomentà da le condission insalubri, i se propagava con velocità spaventosa. El rumor de tossi e pianti de creature malà el se sentiva par i coridoi, mentre i genitori i provava disperadamente a curar i so fiòi con i pochi mesi disponìbili. Par Sofia, che adesso gavea 18 ani, la situassion la gavea tirà fora ´na forsa che ne anca lei sapeva de gaver.

Sofia la gavea assumì el rolo de ´na infermiera improvisà, usando la poca esperiensa aquisì aiutando la mama con i fradèi a Montecassino. Lei la netava l’alogio, lei dava aqua e lei consolava le creature, inclusi i so fradèi. Zera un laoro stracante e spesso ingrato, ma Sofia la no se fasea superar da la fadiga. Par lei, curar i altri zera pì che ´na tarefa; zera ´na forma par mantegnerse umana in meso al caos.

Tra i malà ghe zera Lorenzo, de solo 2 ani, el picinin dei Bellini. Sofia la se curava de lu con dedission espessial, tegnendoghe la man durante le longhe note mentre che el combatea contro la febre. Ma, nonostante tute le cure, Lorenzo no lo ga sopravivesto. La so morte la ga segnà profondo la famèia. Vittorio, un omo che raramente dimostrava emossion, el ze stà visto pianser in silénsio su la proa del bastimento, mentre Lucia la pareva de gaver invecià ani in poche ore. Par Sofia, la pèrdita de Lorenzo la zera un colpo che la ga reso ancora pì determinà a sopraviver e trovar qualcosa che giustificasse quel sacrifìssio.

Dopo 30 zorni de mare e soferenza, el Conte d’Abruzzi el ze finalmente arivà al porto de Santos. El sbarco zera un misto de solievo e tristessa. I Bellini i zera strachi, disidratà e devastà emossionalmente, ma anca consapèvoli che lì, su ‘sta tera lontana, scominsiava un novo capìtolo de la so vita.

La Luta par Sopraviver

A la Fazenda Pedrinhas, i Bellini i ga ricevù un loto de tera che pareva più ´na selva che un posto ndove scominsiar na nova vita. El teren zera sircondà da àlberi densi con radisi che pareva se agrapà a la tera come se i zera le guardian de un mondo intocà. Par Vittorio, che faticava a nasconder la so desilusion, che gera ´na condana a un laoro sensa fin. Le poche feramenta che i gavea ricevù le zera rudimentai, e ogni colpo de scure pareva solo ´na grafiada su la vastità verde.

I primi mesi i ze stai brutà. L’umidità constante la impregnava robe, muri e pulmoni, mentre malatie tropicai come la malaria e la febre zalda colpiva la colónia. I inseti zera ´na peste contìnua, pisicando de zorno e ronsando de note, impedindo el sònio. Le creature zera pien de segni rossi, e Sofia spesso fasea impiastri improvisà con erbe che gavea imparà a usar dai visin. I animai selvadeghi, anca se rari da vardar, i lassiava segni de la so presensa: trace torno a la cabana e rugido lontan durante le ore pìcole, fasendo che ogni rumore ´nte l’erba zera un ricordo constante de l’isolamento.

Le note zera particularmente difìssili. Sensa luse elètrica, el scuro pareva esmagante, ´na presensa fìsica che siorcondava la pìcola cabana de legno. Durante ´ste lunghe ore, i sospiri de Vittorio riempiva el spasso. El se domandava a vose alta se el gavea fato un sbàlio mortal a portar la so famèia così lontan, in un posto ndove la tera pareva tanto ostile quanto el ciel de l’Itàlia. Lucia, anca se straca, la zera el pilar silensioso, tegnendo uniti i fiòi e cercando de calmar el marito.

Ma Sofia, anca sentindo el peso de le dificoltà, la se rifiutava de ceder a la disperassion. Determinà a trasformar el caos in oportunità, lei la ga scominsià a avicinarse ai altri emigranti de la colónia. Presto, la ga capìo che l’arma pì forte contro le aversità la zera el sapere. Con un quaderno consumà che la gavea portà da l’Itàlia, la ga scominsià a imparar el portoghese ascoltando i visin e ripetendo le parole a vose alta, praticando finché la léngoa la ghe ze sembrava meno straniera.

La so curiosità natural e la so abilità con i nùmari presto le ga fato notar. I pochi mercanti locai, che ga scontrà dificoltà a gestir i conti, i ga scominsià a sercar Sofia. Lei i aiutava a calcular i pressi, registrar i dèbiti e pianificar le spese. In poco tempo, la ze sta diventà indispensàbile. I genitori, vardando l’utilità de la so inteligensa, i ga sustegnù la so inisiativa, anca quando el laoro in campo el gavea bisogno de lei.

Sofia la gavea notà che tante creature de la colónia le zera sensa alcun tipo de istrussion. Con el consenso dei genitori e l’aiuto de na visina che zera anca lei emigrante e gavea un po’ de educassion, la ga scominsià a organizar ´na pìcola scola. El posto el zera improvisà, una radura fra i àlbari con banchi fati de tronchi cascà, ma zera un inìsio. Le creature, tante dele quali òrfane de speransa, le vegnia curiose e ansiose, portando ´na luse ´ntei zorni de Sofia. Insegnar gavea dato a lei un scopo, e la so determinassion la ga inspirà altri coloni a contribuir, donando tempo o materiai.

Par Sofia, ogni passo in avanti, anca el pì picin, zera ´na vitòria contro el destino che pareva implacàbile par la so famèia. La selva ancora li siorcondava, scura e imponente, ma adesso la sentiva che, drento quel verde inpenetràbile, ghe zera una promessa de vita. E, sora tuto, lei credeva che, anca in meso a le adversità, la volontà e el laoro duro podéa vèrde la strada a un futuro pì prometente.

La Construssion de un Futuro

Int el 1891, Sofia Bellini la ga incontrà in Marco Fioretti, un zòvane fàvero italiano con un spìrito intraprendente, un compagno no solo par la vita, ma anca par i so soni. Marco el zera conossùo par la so abilità a laorar el fero con precision e forsa, e la so fama ´ntela colónia la cresséa con el passar del tempo, visto che el produsea ogeti indispensàbili par la sopravivensa dei emigranti. Lori i se ga sposà in una serimónia semplice, tegnuda ´ntela cesa improvisà de la colónia, soto un ciel cargà che pareva benedir l’union con ´na pioveta dolse.

Dopo el matrimónio, Sofia e Marco i ga scominsià a soniar oltre la sopravivensa cotidiana. Vardando la cressente domanda de materiai de construssion mentre la colónia se espandeva, i ga deciso de sverde ´na pìcola fornasa, la Fioretti & Bellini. El posto scielto zera visin a un fiumeto, dove la tera rossa de bona qualità la zera abondante. Marco el se gavea dedicà a costruir el forno de muratura, usando el so sapere de fàvero par disegnar ´na strutura eficiente, mentre Sofia la organisava el laoro, le finanse e le tratative con i contadin locai.

La fornasa presto la ze diventà un pilastro de la comunità. Le tègole e i matoni, lavorà a man e coti con precision, i zera robusti e acessibili, permetendo ai coloni de costruir case pì sòlide rispeto a le cabane de legno. Marco el passéa le zornade al forno, supervisionando ogni fase del processo, mentre Sofia la se curava de le relassion comerssiai. La so abilità con el portoghese e la matemàtica la ga fato de lei ´na negosiatora respetà, assicurando acordi vantagiosi e fidelità dei clienti.

Con el tempo, i ze prosperà. La pìcola fornasa la ze diventà un’atività de mèdia dimension, dando lavoro ad altri emigranti e promovendo el svilupo locae. Sofia e Marco i ga avuto tre fiòi, che i ze cressiuti sani in meso al progresso de la colònia. Sofia la gavea cura che lori i frequentasse la scola che ela gavea contribuito a fondar ani prima. Benchè l’educassion la zera bàsica, lei credeva fermamente che el sapere zera la chiave par un futuro pì luminoso.

´Ntel 1902, un marco significante el ze stà ragiunto ´ntela colònia: l’inaugurassion dela prima cesa de muratura, sìmbolo de la fede e dela resiliensa dei emigranti. I matoni de la Fioretti & Bellini i zera presenti in ogni muro, un testimonio silensioso del contributo de Sofia e Marco al crèsser de la comunità. Durante la cerimónia, Sofia la ze stà ciamà su l’altar dal prete locae e riconossiuda publicamente par el so rolo ´ntela crèssita de la colónia. Con le làgreme ´ntei oci, lei la ga ringrasià in portoghese, la so vose mescolandose al calor dei aplausi e al orgòlio coletivo dei coloni.

Sta cesa no zera solo un edifìcio; la zera un monumento a la forsa de volontà, ala union e ai sacrifìssi de tante famèie come i Bellini. Sofia, che un zorno gavea vardà solo incertesse ´ntela selva, adesso lei vardava el futuro in ogni muro ereto, in ogni creatura che imparava a scriver, e ´ntel sbrilocar ´ntei oci dei so fiòi, che portava la promessa che la so zornada no zera stà in vano.

Lassà e Memòrie

Sofia Bellini Fioretti, ´na dona la cui vita se ze intressià con la stòria de ‘na comunità, la ze vivesto fin ai 78 ani, lassando `na eredità che la ga trassendè le figure pì respetà de Pedrinhas, conossù no solo par la so lideransa, ma anca par la compassion e la determinassion che le ga plasmà el destino de tanti intorno a lei.

´Ntei ultimi ani de la so vita, Sofia la se gavea dedicà a scriver le so memòrie su quaderni sèmplici, rilegà con cuoio invecià, ndove la so caligrafia ferma la dava vita a le stòrie de lota e superassion de ‘na generassion. No zera solo ricordi personai; zera cronache de un pòpolo che gavea traversà osseani in serca de un futuro mèio. Lei la scrivea de i primi zorni de angòscia e dùbio, dei momenti de perdita e disperassion, ma anca de la forsa che la gavea trovà ´ntel laoro insieme, ´nte l’amor par la so famèia e ´nte la fede che i li sosteneva.

I so quaderni i narava la zornada da Montecassino, la vila de coline verdi che lei no gavea mai desmentegà, fin al core de la colónia che lei gavea contribuito a costruir. I riportava i detali de le piaghe che gavea devastà l’Itàlia, de la lunga traversia sul Conte d’Abruzzi, e de le note insone dei primi mesi in tera brasilian. Ma, sopra tuto, le so parole le risuonava de speransa, la stessa speransa che gavea inspirà i so fiòi a studiar, i so visin a resister, e la so comunità a cresser.

Quando Sofia la ze morta, ´ntel 1945, la so scomparsa la ze stà sentì come ‘na perdita coletiva. La pìcola cesa de muratura, che ani prima zera sta costruì con i matoni de la Fioretti & Bellini, la se ze riempi de amissi, parenti e conossesti. Durante el funerale, el prete el gavea leto un passàgio de le so memòrie, descrivendo come el coraio de un indivìduo el podesse influensar generassion. “No zera solo la mama de la so famèia, ma la mama de la nostra comunità,” el ga dichiarà, con la vose emosionà.

Oggi, el nome de Sofia el decora la scola che lei gavea fondà, adesso ´na istitussion de insegno riconossiù par qualità e tradission. La Scola Sofia Bellini Fioretti la ze un sìmbolo del spirito inquebrantavel che el ga trasformà i soni in realtà. Al’entrata, ´na stàtua in bronzo la rafigura Sofia con un quaderno in una man e ´na creatura par l’altra, rapresentando la so dedission a l’educassion e al futuro. ´Ntel salon prinssipal, i ze esposti i so quaderni originai, conservà come un testimónio de la so vision.

L’influensa de Sofia la continua anca incòi. Stòrici, insegnanti e anca i discendenti dei primi coloni i studia i so scriti, inspirà da la so narativa de resiliensa. Par tanti, la so stòria la ze un ricordo che, anca ´nte le situassion pì averse, la determinassion e el laoro duro i podar costruir legadi che i dura oltre el tempo. E in ogni aula, in ogni libro verto e in ogni maton alsà, la presensa de Sofia Bellini Fioretti la resta viva.

Nota de l’Autore

La stòria de Sofia Bellini Fioretti la ze ‘na òpera de fission ispirà da le traietòrie reai de miliaia de emigranti italiani che, a la fine del XIX sècolo, i ga lassà le so tera in serca de speransa su la tera brasilian. Benchè i eventi e i personagi presenti in sto raconto i sia inventà, lori i rapresenta le esperiense, le lote e le conquiste de omi e done che i ga afrontà icognossesto con coraio e resiliensa. L’emigrassion italiana in Brasil la ze sta segnà da sfide imensi: l’adaptassion a un clima tropical, el disboscamento de foreste de mata atlántica, le condission precàrie de laoro e abitassion, e la nostalgia eterna de i paesagi e le persone lassà indrio. Tutavia, la ze anca ‘na stòria de superassion e progresso, con le comunità italiane che le ga contribu significativamente a la formasione culturae, económica e sossial del paese.

In crear Sofia e la so zornada, mi go sercà de render omaio no solo ai pionieri che i ga costruì nove vile, ma anca a quei che, come lei, i ga valorisà l’educassion, l’union comunitària e el laoro come strumenti par trasformar le aversità in oportunità. Sofia la ze ‘na figura fitìssia, ma l’ánima che la incarna la ze real. Lei vive ´nte le famèie che i ga piantà radise su tere scognossesta, ´ntei fiòi e ´ntei nipoti che i ze prosperà, e ´nte le comunità che le contìnua a fiorir, portando avanti el lassà dei so antepassà.

Che sto raconto te ricordi la forsa che ghe ze ´ntei nostri pròpie sfidi e l’importansa de preservar e selebrar le stòrie de chi che se vegnù prima de noialtri.

Con gratitùdine e rispeto,

Dr. Piazzetta

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Settimo Manfrino – Entre as Dolomitas e os Cafezais

 


Settimo Manfrino

Entre as Dolomitas e os Cafezais


Settimo Manfrino nasceu em 1870, em Sappade, uma pequena localidade encravada nas Dolomitas, no comune de Falcade, província de Belluno. Era o sétimo filho de Masueto e Giuseppina, batizado com um nome que carregava tanto a marca da numerosa família quanto o peso da esperança de sobrevivência em uma terra dura. Ali, os campos eram estreitos, pedregosos, de cultivo ingrato. O trigo rareava, o centeio crescia baixo e os invernos cobriam tudo com neve densa, que transformava as montanhas num espetáculo belo e cruel. As casas de pedra lutavam contra o frio que descia noite após noite a temperaturas que congelavam até as fontes.

A vida era trabalho incessante e ganhos mínimos. Nos últimos anos, a instabilidade climática havia trazido ainda mais dificuldades. Colheitas já escassas se tornaram quase inexistentes. Os celeiros, outrora modestos mas suficientes, agora guardavam apenas restos. O pão de cada dia vinha misturado com batata e farinha de castanha, numa luta contra a fome. O pai, envelhecido pelo peso da enxada e das dívidas, sabia que os filhos não teriam futuro ali.

Foi Giuseppe, o primogênito, quem primeiro tomou a decisão: partir para o Brasil, onde, diziam, as terras eram fartas e o trabalho garantido. A notícia correu pelas encostas como um murmúrio de esperança. Settimo, ainda rapaz de dezessete anos, sem laços de matrimônio, aceitou seguir o irmão. Deixaria para trás a paisagem familiar das montanhas, o cemitério dos antepassados, a pequena igreja de Falcade onde fora batizado.

Em 1887, atravessaram a Itália em trem até o porto de Gênova, levando um baú de madeira e duas pequenas malas de couro, pão seco, queijo curado e as lembranças de uma vida inteira. No navio, uma travessia longa e penosa até Santos trouxe febres, enjoos e a saudade da terra natal. Mas ao pisarem no cais paulista, não houve tempo para contemplações. Junto de outras vinte famílias de emigrantes italianos, embarcaram no trem da Mogiana. O percurso pelos campos tropicais, sob um sol abrasador, mostrou um mundo radicalmente oposto às neves das Dolomitas.

Ribeirão Preto, destino final, era uma terra de horizontes planos, marcados por fileiras intermináveis de cafeeiros. A fazenda que os acolheu, imensa e isolada, impunha regras severas. Contratados por quatro anos, substituíam a mão de obra escrava recém-liberta. Logo compreenderam a realidade: a distância até a cidade tornava impossível buscar auxílio em caso de doença, e quando recebiam seus pagamentos, os colonos eram obrigados a deixar grande parte deles no armazém da própria fazenda, que, por ser o único existente, praticava preços elevados. 

Settimo, ainda franzino e sem a experiência do irmão, conheceu logo o peso do trabalho. As jornadas começavam antes do sol nascer e terminavam quando a lua já brilhava sobre os cafezais. O calor lhe queimava a pele, as mãos se cobriam de calos, e os pés, acostumados a trilhas de montanha, sangravam nos sulcos da terra vermelha. A fazenda era um universo fechado: não existiam médicos, remédios eram luxo, e a solidão corroía a todos.

Apesar disso, o jovem guardava uma força silenciosa. Ao lado de Giuseppe, de Chiara e dos sobrinhos — os meninos Lorenzo e Paolo, e a pequena Bianca —, sustentava-se na ideia de futuro. Aprendeu a manejar a enxada, a colher os grãos maduros, a suportar as longas fileiras sob o sol impiedoso.

Os anos no Brasil moldaram Settimo. Aos poucos, perdeu o aspecto de rapaz e se fez homem, com o corpo marcado pela labuta. Guardava, entretanto, um olhar profundo, herança das montanhas que o viram nascer. Cada dia resistido era também um tributo aos que haviam ficado em Sappade.

Quando o contrato de quatro anos terminou, a família não tinha muito mais que dívidas e fadiga. Mas Settimo já não era o mesmo. A miséria de Falcade havia ficado para trás, e diante dele se abria um novo caminho. Permaneceria no Brasil, na esperança de conquistar um pedaço de terra próprio, onde pudesse finalmente plantar não apenas para sobreviver, mas para viver.

A história de Settimo Manfrino confundia-se com a de milhares de italianos que trocaram as montanhas da Europa pelos cafezais do Brasil. Entre a beleza congelada das Dolomitas e a vastidão quente do interior paulista, sua vida se inscreveu como um testemunho da dureza e da perseverança de uma geração que buscou nos horizontes distantes aquilo que sua pátria não pôde oferecer.

Quando o contrato na fazenda expirou, Settimo Manfrino tinha pouco mais de vinte anos. Não possuía quase nada além das roupas gastas, algumas moedas mal guardadas e o corpo endurecido pelo esforço. Mas possuía também algo que não tinha ao deixar as Dolomitas: a certeza de que o Brasil seria sua pátria definitiva. Voltar não fazia parte de seus pensamentos.

Giuseppe, mais cauteloso, permaneceu na fazenda, aceitando novo contrato. Tinha mulher e filhos para sustentar, não podia arriscar. Settimo, livre de responsabilidades familiares, arriscou o passo seguinte. Juntou-se a outros colonos solteiros que haviam decidido tentar a sorte nos arredores das pequenas vilas que cresciam ao redor dos trilhos da Mogiana.

Foi trabalhar como meeiro em uma pequena plantações da região. Plantava milho e feijão trabalhando sem descanso, movido pela lembrança de sua terra natal, onde os campos pedregosos nunca lhe permitiram sonhar com algo além da sobrevivência. Ali, no interior paulista, a terra parecia infinita, vermelha e fértil, esperando apenas a persistência de quem a cultivasse.

Aos poucos, formou uma rede de amizades com outros imigrantes: vênetos, lombardos, piemonteses, cada um carregando seu sotaque e suas histórias de miséria deixadas para trás. Juntos construíam capelas improvisadas, partilhavam as festas religiosas, ajudavam-se nas colheitas. O Brasil os moldava, mas a Itália permanecia em seus gestos, na língua misturada e nas comidas que preparavam.

Em 1893, já com vinte e três anos, Settimo conseguiu sozinho arrendar um pequeno pedaço de terra. Foi o início de sua independência. O contrato era precário, mas para ele simbolizava vitória. O solo respondia ao esforço, e colheitas regulares lhe garantiam não apenas o sustento, mas algum lucro. Guardava cada moeda com disciplina, sonhando em comprar a própria gleba.

O tempo, no entanto, não era generoso. Febres tropicais rondavam os colonos. Muitos tombaram sem jamais ver cumprido o sonho de possuir terras. Settimo resistiu, ainda que debilitado em algumas temporadas. A lembrança da carta que lera em Ribeirão Preto — avisando sobre a falta de médicos e a solidão das fazendas — se confirmava ano após ano. Mas havia também uma energia nova, uma sensação de que aquele sacrifício poderia finalmente romper o ciclo de pobreza herdado.

No início da década de 1890, reencontrou a família do irmão Giuseppe. As crianças haviam crescido, Bianca já se tornava moça. A vida seguia dura para eles, ainda presos a contratos de fazenda, mas também sonhando com um futuro independente. A união entre as duas famílias tornou-se ainda mais forte. Juntos, arrendavam terras maiores, trocavam dias de trabalho, ajudavam-se a resistir às crises.

Foi nesse período que Settimo conheceu a filha de outro imigrante vêneto, vinda de Treviso. O casamento lhe trouxe estabilidade e, pouco depois, filhos que nasceram já em solo brasileiro. A vida mudava de rumo: da condição de colono sem nada, transformava-se em pequeno agricultor.

Em 1898, após mais de dez anos no Brasil, Settimo conseguiu comprar suas primeiras braças de terra, pagando com a economia de colheitas passadas. Era pouco, mas para ele equivalia a uma conquista histórica. Sobre o lote ergueu uma casa simples de madeira, coberta com telhas de barro que comprara na vila próxima. Ao redor, cercou o quintal, plantou frutas, levantou um pequeno galinheiro.

Os anos seguintes consolidaram a transformação. Settimo já não era apenas o rapaz de dezessete anos que chegara perdido e atônito à fazenda de Ribeirão Preto. Tornara-se um homem de respeito, conhecido entre os vizinhos pela coragem e pelo silêncio. Seus filhos corriam pelos cafezais, falando já mais português que o vêneto dos pais, sinal de que uma nova geração se enraizava naquela terra distante das montanhas dolomitas.

A memória da Itália permanecia como uma sombra distante. O frio de Sappade, as neves que cobriam os telhados, os campos estreitos e inférteis já não eram lembrados com dor, mas com uma melancolia suave. A vida agora estava no Brasil, e a terra vermelha, conquistada com suor e esperança, era a pátria real que ele escolhera.

Settimo Manfrino encerrou o século XIX como proprietário de seu próprio pedaço de mundo. Ainda pequeno, ainda modesto, mas conquistado com a dignidade de quem, ao atravessar o oceano, não levou consigo mais que o desejo de sobreviver.

O século XX encontrou Settimo Manfrino já como um homem feito, dono de um pequeno lote que conquistara com suor e disciplina. A casa de madeira, simples, tornara-se ponto de referência para vizinhos e parentes. O quintal era vivo: galinhas ciscavam soltas, pés de laranja e de goiaba cresciam junto ao cercado, e a horta fornecia milho verde, mandioca e feijão. O café, espalhado em linhas retas pelo terreno, começava a produzir com regularidade, transformando-se na base da renda familiar.

Sua esposa, mulher de temperamento firme, cuidava da casa e dos filhos, impondo uma ordem que lembrava a rigidez das vilas italianas. O sotaque vêneto ainda dominava dentro de casa, mas fora dela os filhos se adaptavam ao português, à escola improvisada na capela e ao convívio com outras famílias, algumas italianas, outras de imigrantes espanhóis e até de libertos que haviam recebido lotes pequenos.

Os filhos de Settimo cresceram entre as fileiras de café e os campos de milho. Aprendiam desde cedo a capinar, colher e transportar. Mas também traziam novidades: a leitura, ensinada por professores itinerantes, e a curiosidade pelo mundo além da colônia. Um deles sonhava em ser comerciante, outro falava em estudar na cidade, e a menina, ainda pequena, repetia o desejo de ser professora. Settimo observava essas mudanças com uma mistura de orgulho e estranheza. Na sua juventude, ninguém tivera escolha; o destino era apenas sobreviver ao frio e às pedras da montanha. Agora, seus filhos ousavam sonhar com horizontes mais largos.

A vida no interior paulista seguia dura, mas o tempo começava a recompensar os colonos. As ferrovias avançavam, as vilas cresciam, e o café transformava-se em ouro verde. Settimo, que começara como colono sem nada, agora vendia parte de sua produção a compradores que chegavam de trem, carregando o café em sacas até Santos. Cada safra bem-sucedida lhe permitia ampliar o lote, comprar ferramentas melhores e garantir uma reserva contra os anos ruins.

Por volta de 1910, Settimo já era considerado um pequeno proprietário respeitado. Não era rico, mas estava longe da miséria que marcara sua infância em Sappade. Os vizinhos o procuravam para conselhos, e os mais novos viam nele um exemplo de perseverança. A barba grisalha e o corpo curvado pelo trabalho davam-lhe uma presença austera. Ainda assim, carregava consigo uma serenidade que vinha da consciência de ter vencido a adversidade. 

Com o tempo, a comunidade italiana ao redor se organizou. Construíram igrejas maiores, fundaram sociedades de auxílio mútuo e até pequenas escolas mantidas pelos próprios colonos. As festas religiosas, como a de São José, reuniam famílias inteiras, que levavam vinho caseiro, polenta e queijos produzidos nos quintais. Nessas ocasiões, Settimo sentia novamente a Itália presente, não nas paisagens, mas nas vozes e gestos dos conterrâneos.

Os anos, porém, também cobraram seu preço. Epidemias de gripe e febre amarela rondaram a região. Settimo perdeu amigos, vizinhos e até parentes, lembrando-se sempre do aviso que ouvira décadas antes: as fazendas estavam distantes dos médicos, e muitas vezes a doença levava os mais fortes sem dar chance de resistência. Ele próprio enfrentou febres que o deixaram de cama, mas sobreviveu, sustentado pela robustez construída em anos de labuta.

Ao aproximar-se dos cinquenta anos, via os filhos trilharem caminhos próprios. Um se tornara tropeiro, transportando mercadorias entre vilas; outro abriu uma pequena venda, misturando português e vêneto com clientes brasileiros; a filha mais velha, como sonhara, tornou-se professora numa escola rural. Para Settimo, cada conquista deles era uma prova de que a travessia do oceano não fora em vão.

No fundo da memória, ainda guardava as imagens das Dolomitas cobertas de neve, da aldeia de Sappade onde nascera, dos campos pedregosos que nunca deram sustento. Mas agora essas lembranças não lhe traziam dor. Pelo contrário, davam-lhe a medida da distância percorrida. Do sétimo filho sem herança, condenado a um destino estreito, erguera-se um homem com terra, família e raízes fincadas em outra pátria.

Quando a primeira década do novo século terminou, Settimo Manfrino já podia olhar para trás e reconhecer: sua vida era o retrato de uma geração que abandonara a miséria da Europa para reinventar-se nas planícies tropicais. Não tivera facilidades, não fora poupado da dureza, mas alcançara aquilo que seus pais jamais imaginaram possível: um futuro.

As décadas de 1920 e 1930 trouxeram para Settimo Manfrino o tempo da colheita tardia da vida. Ele já passava dos cinquenta anos, os cabelos grisalhos se confundindo com o pó vermelho da terra, as mãos deformadas pelos calos de décadas de trabalho. Caminhava devagar entre os cafezais, apoiado num bastão, mas sua presença ainda impunha respeito entre os vizinhos. Era um dos colonos mais antigos da região, daqueles que haviam chegado quando Ribeirão Preto ainda não passava de uma promessa e a terra era apenas selva e lavoura bruta.

O café continuava sendo o sustento, mas o mundo ao redor começava a mudar. A ferrovia levava as sacas até Santos, os armazéns das vilas cresciam, e o dinheiro circulava com mais frequência. Alguns imigrantes prosperaram, tornando-se grandes fazendeiros. Settimo permaneceu como pequeno proprietário, fiel à rotina, sem jamais aspirar ao luxo. A ele bastava ter garantido terra para plantar, casa para os filhos e a segurança de que a miséria das Dolomitas não se repetiria em sua linhagem.

Na década de 1920, viu os filhos formarem famílias próprias. A filha professora mudou-se para uma vila maior, onde lecionava para crianças de diferentes origens — filhos de italianos, portugueses, espanhóis e brasileiros pobres. O filho comerciante ampliou sua venda, que já era ponto de encontro de toda a colônia, lugar onde notícias da Itália e do Brasil se misturavam em vozes altas e risadas. O tropeiro, inquieto como sempre, tornou-se carreteiro, transportando mercadorias entre fazendas e cidades. Cada um seguiu seu destino, mas todos retornavam nas festas religiosas e nos domingos de missa, quando a mesa da casa de Settimo voltava a encher-se de vozes e de pão.

O ano de 1929 trouxe um golpe inesperado. A crise econômica mundial derrubou o preço do café. Sacas inteiras foram queimadas ou lançadas fora, e os pequenos produtores viram o valor de sua produção se reduzir a nada. Settimo, já envelhecido, sofreu o impacto, mas resistiu com a mesma tenacidade de sempre. Plantou milho e feijão nos espaços entre os cafezais, garantiu comida antes de pensar em lucro. Os filhos o ajudaram a atravessar os anos difíceis, dividindo recursos e apoiando-se mutuamente. A pobreza ameaçou, mas não venceu.

Com a Revolução de 1930 e a instabilidade política, o interior paulista viveu tempos de tensão. Os colonos ouviam falar de conflitos e de mudanças nas cidades, mas no campo a vida seguia marcada pelo ritmo das colheitas. Settimo já não trabalhava como antes; suas forças haviam diminuído. Passava mais tempo sentado à sombra de um pé de jabuticaba, observando os netos correrem pelo quintal. O sorriso das crianças lhe trazia uma paz que não conhecera na juventude.

Naqueles anos, começou a recordar com mais frequência a aldeia de Sappade. Pedia aos filhos que lhe descrevessem novamente as cartas enviadas por parentes que haviam ficado na Itália. Lia nelas a fome e a guerra que ameaçavam a Europa, e sentia uma estranha mistura de tristeza e alívio. Tristeza por saber que sua terra natal continuava a sofrer; alívio por ter escolhido partir em 1887, garantindo aos seus uma vida diferente.

Ao final da década de 1930, Settimo já não saía mais de casa com frequência. Caminhava pouco, falava menos, mas ainda tinha nos olhos o brilho dos que sabem que venceram a luta essencial da vida. Vivia cercado de filhos e netos, cada um carregando nos gestos uma parte da Itália que ele trouxera consigo.

Quando morreu, por volta de 1938, aos sessenta e oito anos, a comunidade inteira se reuniu. O corpo foi velado na capela erguida pelos imigrantes, e a missa atraiu colonos de todas as redondezas. Muitos o consideravam símbolo de uma geração que atravessara o oceano sem nada e deixara no Brasil raízes profundas. Sua sepultura, simples e de cruz de madeira, foi coberta por coroas de flores trazidas pelos vizinhos e parentes.

Settimo Manfrino partira, mas sua vida já estava impressa no solo vermelho do interior paulista. Os filhos e netos dariam continuidade ao que ele começara, misturando o sangue das Dolomitas ao destino brasileiro. A travessia de 1887, feita por um rapaz franzino de dezessete anos, agora se revelava como o marco fundador de uma nova linhagem. Entre as montanhas pedregosas da Itália e os cafezais do Brasil, Settimo construíra uma ponte eterna.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Os Navios de Lázaro: A Saga de Francesco e Elena


Os Navios de Lázaro: A Saga de Francesco e Elena


No final do século XIX, Francesco Bettine e sua esposa, Elena, viviam em San Vito, uma pacata localidade no município de Altivole, na província de Treviso, região do Vêneto, ao norte da Itália. O lugar, cercado por colinas onduladas e pequenos vinhedos, parecia ser um recanto de tranquilidade, mas a realidade estava longe de ser idílica. A terra que cultivavam, uma pequena parcela herdada de gerações anteriores, era árida e pouco produtiva. As colheitas eram insuficientes para alimentar a família adequadamente, e Francesco passava longas horas tentando arrancar da terra seca o sustento para os filhos, Giulia e Marco, ainda pequenos. Além da pobreza natural da região, os altos impostos cobrados pelos proprietários de terras e pelo governo local tornavam o esforço diário quase inútil. A fome era uma presença constante na casa dos Bettine, um lembrete cruel das limitações que os aprisionavam em um ciclo interminável de miséria. Por anos, Francesco e Elena resistiram, sustentados pela esperança de que as coisas poderiam melhorar. Mas, à medida que os invernos se tornavam mais rigorosos e os barris de farinha esvaziavam cada vez mais rápido, a esperança deu lugar à necessidade.

Quando os primeiros rumores sobre oportunidades no Brasil chegaram a San Vito, trazidos por outros camponeses ou por cartas de parentes já emigrados, o casal viu ali uma saída. Partir significava abandonar tudo o que conheciam, mas também era uma chance de dar aos filhos a vida que eles próprios nunca tiveram. Assim, com o coração dividido entre a dor da despedida e a promessa de um futuro mais digno, decidiram arriscar tudo e cruzar o oceano em busca de uma nova vida.

A jornada começou com uma longa e desconfortável viagem de trem desde a estação mais próxima de San Vito até o porto de Gênova. As pequenas economias que haviam guardado foram gastas na compra de bilhetes de terceira classe, onde os vagões estavam lotados e o cheiro de carvão e suor impregnava o ar. Francesco e Elena mantinham os filhos junto a si, temerosos de que pudessem se perder no caos da viagem.

Ao chegarem a Gênova, a visão do porto era ao mesmo tempo fascinante e assustadora. Era um cenário de confusão: multidões de emigrantes, maltrapilhos e carregando suas vidas em sacos e malas improvisadas, aguardavam instruções. Entre gritos de carregadores e o apito dos navios, a família Bettine foi direcionada para o grande vapor que os levaria ao outro lado do Atlântico: o Sant’Antonio.

O navio, imponente à distância, perdia parte de sua grandiosidade ao se aproximarem. O casco escurecido pela fuligem e a madeira desgastada denunciavam os anos de uso intenso. Conhecido pelos jornais como o “Navio de Lázaro”, ele já havia transportado milhares de emigrantes e ganhara essa alcunha devido à miséria que o acompanhava. Era um símbolo da resiliência de quem partia em busca de uma nova vida, mas também uma lembrança cruel das condições sub-humanas que aguardavam os passageiros.

A bordo, o ambiente era ainda mais opressivo. O porão, onde Francesco e Elena foram alocados com seus filhos, era um espaço apertado e insalubre, iluminado apenas por lâmpadas fracas e mal ventilado. O ar era pesado, carregado de odores de comida estragada, fumaça e corpos amontoados. Muitos dos passageiros já demonstravam sinais de doença: tosses secas ecoavam entre os corredores, e o semblante abatido era quase universal.

Enquanto se acomodavam no pequeno espaço que lhes foi designado, Francesco e Elena trocavam olhares de preocupação, mas também de determinação. Sabiam que a travessia seria um teste cruel, mas cada onda enfrentada, cada dificuldade superada, os aproximaria de um futuro em que seus filhos poderiam crescer com mais dignidade e esperança.

A Travessia

No convés inferior, onde ficavam os passageiros de terceira classe, as condições eram precárias. Francesco e Elena se acomodaram no chão, ao lado de outras famílias, sem espaço para se mover. Nos dias de chuva, todos se espremiam nos corredores apertados, onde o ar se tornava irrespirável. A comida era escassa e mal preparada; muitas vezes, os passageiros comiam de pratos que seguravam no colo, sentados onde podiam. Doenças se espalhavam rapidamente. Durante a segunda semana de viagem, Marco começou a apresentar febre alta e manchas pelo corpo. O médico a bordo, sobrecarregado e sem recursos, diagnosticou sarampo e recomendou apenas repouso. A falta de ventilação e as más condições sanitárias pioraram a saúde do menino.

Tragédia no Mar

Marco não resistiu à doença e faleceu em uma madrugada em que uma tempestade castigava o navio. No porão abafado, iluminado apenas por lâmpadas trêmulas, a presença da morte tornou o ambiente ainda mais sombrio. O som das ondas violentas do lado de fora parecia ecoar a dor dos que, como Francesco e Elena, sofriam perdas irreparáveis durante a travessia.

Na manhã seguinte, enquanto o Sant’Antonio enfrentava o mar revolto, Francesco e Elena tiveram que realizar a despedida mais dolorosa de suas vidas. O corpo de Marco foi envolto em um pedaço de tecido simples, um gesto simbólico para resguardar sua dignidade na morte. Com uma pedra amarrada aos pés para que o pequeno corpo não retornasse à superfície, ele foi preparado para seu destino final.

A cerimônia improvisada foi breve e silenciosa, marcada apenas pelo som das ondas negras e do vento que chicoteava o convés. Quando o corpo foi lançado ao mar, o impacto da água produziu um ruído surdo que ficou gravado na memória de Elena como um símbolo do fim abrupto e cruel da curta vida do filho.

No convés, outros emigrantes observavam com olhares mistos de pesar e resignação. A perda de Marco era um lembrete da fragilidade de todos a bordo e da incerteza que os cercava. Para Francesco e Elena, porém, a dor da despedida era amplificada pela necessidade de seguir em frente, carregando a memória de Marco enquanto enfrentavam os desafios da travessia e buscavam forças para cuidar de Giulia, sua filha sobrevivente.

A Chegada

Após semanas extenuantes a bordo do Sant’Antonio, marcadas por privação, doenças e o luto pela perda de Marco, o vapor finalmente atracou no movimentado porto de Santos, no Brasil. A visão da costa tropical era ao mesmo tempo uma promessa e um enigma para os Bettine. Os morros cobertos de vegetação exuberante e o calor úmido contrastavam com o cenário que haviam deixado no Vêneto.

O desembarque foi tumultuado. Junto com centenas de outros emigrantes, Francesco e Elena enfrentaram a burocracia e as longas filas de inspeção. Após uma breve quarentena, a família foi encaminhada ao destino que lhes havia sido designado: uma colônia agrícola no interior da província. A viagem continuou, desta vez por estradas empoeiradas e apertadas trilhas em carroças, até a região de Alfredo Chaves, um pequeno núcleo de imigrantes italianos situado em terras que começavam a ser desbravadas.

Ao chegarem, os Bettine encontraram um ambiente que parecia promissor à primeira vista. A terra era rica e fértil, muito diferente das parcelas áridas de San Vito, mas o trabalho era árduo. Francesco dedicava-se ao cultivo de café e milho, enquanto Elena cuidava da horta, dos animais e de Giulia, agora a única filha do casal.

Os desafios eram imensos. As longas jornadas de trabalho sob o sol tropical exauriam as forças de todos. Além disso, as doenças tropicais, como malária e febre amarela, eram ameaças constantes, agravadas pela falta de acesso a cuidados médicos adequados. Para Elena, cada nova dificuldade fazia crescer a saudade da terra natal, onde as montanhas e o clima ameno do Vêneto ainda habitavam suas memórias.


Apesar disso, os Bettine não desistiram. Francesco acreditava que a perseverança seria recompensada, e lentamente a família começou a se adaptar à nova realidade. O vínculo com outros imigrantes italianos na colônia trouxe algum alívio, permitindo-lhes compartilhar experiências, tradições e uma língua comum. Alfredo Chaves se tornou, com o tempo, um novo lar – não sem dificuldades, mas com a promessa de um futuro melhor para Giulia e as gerações que viriam.

Com o passar dos anos, a determinação de Francesco e Elena começou a dar frutos. Apesar das adversidades iniciais, a família conseguiu construir uma pequena casa de madeira, simples mas sólida, em meio às colinas férteis de Alfredo Chaves. A casa, com um telhado inclinado coberto de telhas feitas à mão, tornou-se um símbolo do esforço coletivo e da capacidade de adaptação. Era ali que os Bettine encontraram, pela primeira vez em muito tempo, um senso de estabilidade.


A lavoura que antes parecia um sonho distante começou a prosperar. Francesco dedicava-se ao cultivo de café e milho, enquanto Elena administrava uma pequena horta de subsistência que incluía ervas, legumes e frutas tropicais que aprendera a cultivar com outros colonos. O trabalho árduo transformou a terra em uma fonte confiável de sustento para a família, permitindo-lhes escapar, mesmo que parcialmente, da constante ameaça da fome.


Giulia cresceu forte e saudável, ajudando os pais nas tarefas do campo e absorvendo os valores de resiliência e união que moldavam a vida da família. Para ela, o sacrifício dos pais e a memória do irmão Marco tornaram-se inspirações profundas. Embora Marco nunca tivesse a chance de viver plenamente naquela nova terra, sua lembrança era mantida viva em cada conversa e em cada conquista, como um símbolo do preço pago para que a família pudesse recomeçar.


Com o tempo, a pequena propriedade dos Bettine transformou-se em um ponto de referência na comunidade. Apesar das dificuldades, Francesco e Elena se tornaram conhecidos pela generosidade e pelo espírito de colaboração com outros imigrantes. A história deles era contada com reverência, um testemunho de que, mesmo diante das maiores perdas, a coragem e a determinação podiam criar raízes profundas e florescer em solo estrangeiro.

Um Legado de Esperança

Décadas mais tarde, a trajetória dos Bettine não era apenas a história de uma família, mas parte de uma narrativa grandiosa que unia milhões de emigrantes italianos espalhados pelo mundo. Eles foram protagonistas de uma saga épica, marcada por coragem, sacrifício e determinação, que ajudou a moldar a identidade de comunidades inteiras em terras estrangeiras. Os chamados “Navios de Lázaro” — símbolos de sofrimento, perdas e incertezas — também foram veículos de um sonho coletivo: a busca por uma vida mais digna e a promessa de um futuro que justificasse todo o sacrifício.

Para os descendentes de Francesco e Elena, a memória dos antepassados é um patrimônio inestimável, preservado com reverência. Eles reconhecem que o presente confortável que desfrutam hoje só foi possível graças à força de vontade daqueles que enfrentaram mares turbulentos, terras inexploradas e desafios inimagináveis. Essa lembrança não é apenas uma homenagem, mas uma inspiração.

Ao longo das gerações, os valores que guiaram Francesco e Elena foram transmitidos como uma herança invisível, mas poderosa. O espírito de resiliência, a dedicação ao trabalho e a importância da união familiar permanecem como pilares fundamentais. Giulia, que cresceu sob o peso das histórias de sacrifício, tornou-se a matriarca de uma geração que viu Alfredo Chaves transformar-se em uma próspera comunidade.

Hoje, os descendentes dos Bettine mantêm viva a conexão com suas raízes italianas, celebrando tradições, compartilhando histórias e honrando o legado de coragem de seus ancestrais. A saga dos Bettine tornou-se um emblema da jornada de todos os imigrantes que, movidos pela esperança, cruzaram oceanos e enfrentaram adversidades para construir novos começos. Suas vidas provaram que, mesmo em meio à escuridão das maiores dificuldades, a luz do sonho por um futuro melhor pode ser o farol que guia gerações.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Os Sonhos de Gianluca


 

Os Sonhos de Gianluca


Na Itália de 1887, Gianluca Pessina, um jovem agricultor em uma quase esquecida localidade de San Fiorenzo, na Toscana, vivia sob o peso insuportável da fome e da miséria. A terra que outrora pulsava vida, colorida com as tonalidades vibrantes de vinhedos e olivais, havia sido transformada por anos de estiagem implacável. O solo, antes fértil e generoso, agora não passava de um manto de pó estéril, rachado sob o sol abrasador. As colheitas, que em tempos passados garantiam sustento e alguma dignidade, tornaram-se um simulacro miserável de subsistência, mal permitindo à sua família enfrentar os dias.

A modesta propriedade dos Pessina, com seus campos ressequidos e muros de pedra gastas pelo tempo, recobertos por musgos espessos que delineavam os contornos das terras, erguia-se como um silencioso testemunho da decadência, um relicário da luta constante entre a esperança e a ruína. Gianluca percorria os campos diariamente, os olhos fixos no horizonte como se o próprio ato de encarar a vastidão pudesse trazer uma solução mágica para os problemas que os cercavam. Mas os dias se sucediam sem trégua, e o vazio em seus bolsos começava a refletir o vazio crescente no espírito.

Era nesse cenário que os rumores de uma terra distante, a América, ecoavam pelas ruas estreitas de San Fiorenzo. Sussurros escapavam das tabernas e dos mercados, carregados de uma promessa quase sobrenatural. Falavam de um continente onde os campos eram vastos e a terra tão fértil que o esforço humano era recompensado com fartura. Relatavam histórias de camponeses como ele, que deixaram para trás os grilhões da pobreza para se tornarem donos de suas próprias terras, senhores de um destino que parecia inalcançável em solo italiano.

Essas histórias, ora exaltadas com fervor, ora recebidas com ceticismo, chegavam a Gianluca como ventos inesperados, alternando entre a esperança e a dúvida. Ele não sabia ao certo se deveria confiar nessas promessas. Elas soavam como miragens que surgem no deserto, oferecendo um refúgio ilusório. Contudo, havia algo nelas que tocava um fio profundo em seu coração. Era uma esperança que não podia ser ignorada, uma força que se agarrava à alma mesmo quando a mente tentava resistir. Gianluca não sabia se a América era real, se era de fato um Éden ou apenas um sonho coletivo de um povo exausto. Mas a ideia de que poderia haver algo além da miséria cotidiana era poderosa demais para ser sufocada.

Em meio ao pó e à desolação, Gianluca sentia que a esperança era a única coisa que o mantinha em pé. Ela não alimentava seu corpo, mas sustentava sua alma.

Numa manhã de outono, envolta por uma neblina que pairava sobre as colinas de San Fiorenzo, Gianluca tomou a decisão irrevogável que alteraria o curso da história de sua família. Ao lado da esposa, Bianca, ele anunciou que a América não seria apenas um sonho distante, mas um destino concreto. Era uma escolha tanto de coragem quanto de desespero, movida pela necessidade de escapar de uma terra que já não lhes oferecia mais do que privações.

Com determinação silenciosa, Gianluca começou a vender os poucos bens que possuíam. A velha carroça, com seus eixos desgastados e tábuas rangentes, encontrou um comprador na vila vizinha, enquanto as duas galinhas, magras mas ainda valiosas, foram trocadas por algumas moedas e um saco de farinha para sustentar a família até a partida. Cada transação era acompanhada por um misto de alívio e melancolia. Esses objetos, por mais modestos que fossem, representavam anos de esforço e sacrifício, fragmentos de uma vida que agora ficaria para trás.

Com o dinheiro arrecadado, Gianluca caminhou até a agência de emigração mais próxima, localizada em uma cidade a quilômetros de distância. O trajeto foi longo e exaustivo, mas ele voltou com as passagens para o vapor La Spezia, um dos muitos navios que transportavam multidões de italianos em busca de um novo começo. O nome do navio parecia carregar uma promessa silenciosa de esperança e destino, uma ponte entre dois mundos.

Os dias que antecederam a partida foram marcados por uma mistura de ansiedade e nostalgia. Bianca, enquanto organizava os parcos pertences que levariam consigo, lutava contra a angústia de deixar para trás tudo o que conhecia. As paredes simples de sua casa, o cheiro familiar das oliveiras que cercavam o vilarejo, os vizinhos, que eram a sua família estendida e com quem compartilhavam os momentos de alegria e dor — tudo parecia ganhar um peso emocional insuportável. Ao mesmo tempo, o pensamento de um futuro melhor para os dois filhos, Matteo e Sofia, trazia-lhe forças para seguir adiante.

No dia da partida, o pequeno grupo seguiu em silêncio pela estrada de terra que levava à estação ferroviária. Matteo, de cinco anos, carregava uma trouxa contendo seus poucos brinquedos de madeira, enquanto Sofia, ainda no colo de Bianca, olhava ao redor com a curiosidade inocente de quem não entendia o significado daquela jornada. Gianluca, com o semblante marcado pela gravidade da responsabilidade, caminhava à frente, como um líder conduzindo sua família em uma travessia que era ao mesmo tempo física e espiritual.

O embarque no La Spezia, no porto de Gênova, foi um espetáculo caótico de despedidas e esperança. As docas fervilhavam de gente — famílias inteiras, carregando baús, sacos de comida e memórias. O navio, com seu casco escuro e chaminés altas, parecia tanto uma promessa de salvação quanto uma ameaça desconhecida. Gianluca segurava firme a mão de Matteo enquanto ajudava Bianca a subir a rampa de embarque. Cada passo parecia um adeus definitivo à velha vida e um salto para o desconhecido.

Ao cruzar o limiar do navio, o casal sentiu o coração dividido. A dor da partida era uma ferida aberta, alimentada pelo último vislumbre para o local onde possivelmente estavam as colinas de San Fiorenzo, agora apenas uma lembrança difusa nas suas mentes. Mas, à medida que o La Spezia começava a se mover, a promessa de um futuro distante — onde Matteo e Sofia pudessem crescer sem as sombras da fome e da miséria — tornou-se a única âncora de esperança a que podiam se agarrar.

O som das ondas contra o casco do navio misturava-se ao murmúrio constante dos passageiros, criando uma melodia de incerteza e expectativa. Gianluca e Bianca, de mãos dadas, mantinham-se juntos no convés, encarando o vasto mar que os separava de seu destino. A América ainda era um mistério, mas naquele momento, era também a única possibilidade de redenção.


A Travessia

A viagem no porão do La Spezia revelou-se uma verdadeira prova de resistência física e emocional. A escuridão era quase palpável, iluminada apenas por algumas lamparinas trêmulas que lançavam sombras distorcidas nas paredes de madeira. O espaço, exíguo e abafado, abrigava centenas de famílias que dividiam o chão frio com ratos e insetos. O ar era saturado pelo cheiro penetrante de sal, suor e comida estragada, uma mistura que parecia grudar na pele e nos pulmões.

Gianluca se esforçava para manter a sanidade e a esperança. Entre os gemidos de crianças doentes e o murmúrio incessante de preces em vários dialetos, ele concentrava-se em um único objetivo: proteger sua família. Matteo e Sofia, seus filhos, encontraram algum consolo nas histórias que ele contava sobre a nova terra. Mesmo que as palavras fossem pronunciadas em um tom baixo e hesitante, elas criavam um mundo de possibilidades para as crianças. Gianluca falava sobre campos verdejantes e uma colheita generosa, enquanto os olhos atentos de Matteo brilhavam com curiosidade, e Sofia, aninhada nos braços de Bianca, parecia momentaneamente tranquila.

Bianca, por sua vez, dedicava-se a preservar a dignidade da família em meio ao caos. Com uma pequena bacia de lata, ela lavava o rosto das crianças sempre que conseguia reservar um pouco de água limpa. Era um gesto simples, mas carregado de significado: um esforço para relembrar que, apesar das circunstâncias degradantes, ainda eram humanos, ainda possuíam um traço de orgulho que o oceano e a miséria não podiam apagar.

As noites no Atlântico, no entanto, eram implacáveis. Tempestades surgiam sem aviso, trazendo ondas que pareciam erguer o navio apenas para lançá-lo com violência contra o vazio do abismo. Dentro do porão, as pessoas agarravam-se umas às outras, tentando se equilibrar enquanto o navio balançava descontroladamente. O som das águas quebrando contra o casco misturava-se aos gritos de medo e às orações desesperadas.

Certa noite, enquanto o La Spezia enfrentava uma tormenta particularmente feroz, Gianluca ergueu os olhos para o teto de madeira, onde a água infiltrava-se em gotas geladas. O som das ondas parecia ecoar por todo o navio, um rugido constante que deixava claro o poder indomável do oceano. Ele sentia o peso da responsabilidade esmagando seus ombros. Naquele momento, porém, era impossível pensar no futuro — cada minuto exigia toda a sua energia apenas para sobreviver.

Os dias seguintes trouxeram uma calmaria inquietante, como se o mar houvesse exaurido sua fúria. Mesmo assim, a tensão no porão não diminuía. A escassez de comida e água tornava as pessoas mais agitadas. Crianças choravam de fome, e os adultos, com olhares vazios, sentavam-se em silêncio, poupando forças. Gianluca começou a se perguntar se a América realmente existia ou se era apenas uma miragem coletiva que mantinha aqueles passageiros de pé.

Então, um dia, a monotonia da paisagem azul foi quebrada. Um grito veio do convés superior, e logo o rumor se espalhou: terra à vista. Gianluca subiu até o convés com Bianca e os filhos. O vento frio do mar golpeava seus rostos, mas eles mal perceberam. No horizonte, uma linha de terra se desenhava contra o céu cinzento. Não era a imagem idílica que Gianluca imaginara, mas, para ele, representava a sobrevivência, a promessa de que aquela jornada absurda e cruel não fora em vão.

No convés, a atmosfera mudou instantaneamente. Homens choravam em silêncio, as lágrimas traçando linhas claras em rostos encardidos pela fuligem e pela salmoura. Mulheres ajoelhavam-se para rezar, algumas beijando as tábuas do chão como se agradecessem ao próprio navio por tê-las trazido até ali. As crianças, com a curiosidade característica da infância, empurravam-se para tentar ver mais da terra que agora parecia tão próxima, mas ainda inalcançável.

Enquanto o La Spezia avançava lentamente em direção à costa, Gianluca sentiu um alívio que mal conseguia expressar. Ele segurou a mão de Bianca, sentindo a pele áspera e fria contra a sua. Não era a vitória que ele imaginara, mas era um começo. A América os esperava — e, com ela, todas as incertezas e promessas que o futuro podia oferecer.

O Novo Mundo

Nova York era uma colisão de mundos, um vórtice onde esperança e desespero coexistiam. Quando Gianluca e sua família desembarcaram em Ellis Island, foram imediatamente envolvidos por uma atmosfera de tensão e expectativa. As longas filas serpentinas eram um mosaico de rostos exaustos e ansiosos, cada um carregando o peso de um passado difícil e os sonhos de um futuro incerto. Funcionários uniformizados, com olhares clínicos e impassíveis, conduziam os imigrantes por uma série de inspeções. Gianluca sentiu o estômago apertar ao perceber que, para os recém-chegados, a América começava não com acolhimento, mas com um escrutínio implacável.

Os exames médicos foram meticulosos e desumanizantes. Homens, mulheres e crianças eram examinados como mercadorias. Matteo, o filho mais velho, foi retido por um médico que desconfiava de sua febre alta. Bianca apertou os braços do menino com força, os olhos fixos no semblante indiferente do examinador. Cada segundo parecia eterno, até que um aceno brusco permitiu que a família avançasse. Gianluca, aliviado, evitou olhar para os outros imigrantes que não tiveram a mesma sorte, conduzidos para longe com destinos incertos.

A travessia para o continente trouxe um misto de alívio e inquietação. Nova York, com suas ruas movimentadas e arranha-céus em construção, era um espetáculo vertiginoso. Mas não havia tempo para admiração. Gianluca soube, quase imediatamente, que as promessas que haviam alimentado sua jornada eram em grande parte ilusórias. A realidade era crua: empregos eram escassos e mal pagos, e as condições de vida, precárias.

Em Pittsburgh, ele encontrou trabalho como operário em uma fábrica de aço, onde o ambiente era brutal. As fornalhas cuspiam um calor insuportável, e a fuligem enegrecia tudo ao redor, inclusive os pulmões dos trabalhadores. Gianluca suportava jornadas extenuantes, seus músculos protestando sob o peso de barras de metal e ferramentas. O suor escorria em rios por seu rosto, misturando-se com a poeira, e o som incessante de martelos e máquinas era ensurdecedor. Não havia espaço para fraqueza; um ritmo constante era exigido, sob o olhar vigilante de supervisores que tratavam os homens como engrenagens descartáveis de uma máquina gigantesca.

Bianca, por sua vez, encontrou trabalho em um pequeno ateliê de costura, onde mãos habilidosas transformavam tecidos ásperos em roupas finas destinadas a uma elite que ela jamais conheceria. O pagamento era uma miséria, e o trabalho, incessante. Ela costurava até os dedos ficarem dormentes, sentindo cada ponto como uma luta contra o tempo e a fome. A comida era racionada com cuidado, e mesmo assim parecia insuficiente. A escassez, que esperavam deixar para trás na Itália, agora os acompanhava no novo continente.

As noites eram momentos de silêncio pesado, em que os dois raramente trocavam palavras. O cansaço físico e emocional era um fardo que os unia e, ao mesmo tempo, os isolava. Gianluca sentia uma ironia amarga ao refletir sobre sua situação: na Itália, haviam sonhado com a América como uma terra de fartura; agora, lutavam para sobreviver em um lugar onde o trabalho os esmagava e a promessa de abundância se mostrava distante.

Aos domingos, o único dia de folga, Gianluca observava Matteo e Sofia brincando em uma viela atrás da pensão em que viviam. As risadas infantis, embora raras, ofereciam um breve consolo. Mas o barulho de um trem passando ao longe, carregando carvão e aço, era um lembrete constante de que, para eles, o sonho americano ainda não passava de um horizonte inalcançável. Bianca, com o olhar perdido, fazia pães improvisados com farinha barata, sua mente dividida entre a lembrança dos campos de San Fiorenzo e a dura realidade da cidade industrial.

A América, percebeu Gianluca, não era o paraíso prometido, mas um campo de batalha. Cada dia era uma luta para preservar a dignidade, manter a esperança e resistir à tentação de desistir. Enquanto ele olhava para as chaminés da fábrica que se estendiam até o céu, cobertas de fuligem, uma determinação silenciosa crescia dentro dele. Se a América os recebera com portas estreitas, ele estava disposto a forçá-las abertas, um esforço de cada vez.

A Virada

Após dois anos de trabalho implacável e sonhos desvanecidos, a monotonia da luta diária foi rompida por um vislumbre de possibilidade. Gianluca cruzou o caminho de Enrico, um homem cuja presença trazia uma energia peculiar em meio à desolação. Enrico era um imigrante italiano como ele, mas suas palavras eram carregadas de algo raro naquele ambiente opressivo: otimismo. Ele falava sobre o Brasil, um lugar que soava quase mítico. Enrico mencionava as colônias italianas no interior, especialmente na Serra Gaúcha, com um fervor que fazia Gianluca se agarrar a cada detalhe.

Os relatos eram vívidos. Enrico descrevia extensões de terra fértil onde os imigrantes cultivavam vinhedos que prosperavam sob um clima generoso, reminiscente das encostas ensolaradas da Itália. Era uma vida difícil, mas cheia de propósito. Ele falava de famílias que haviam começado do zero e, com o tempo, construíram não apenas sustento, mas também comunidades inteiras, onde o idioma, os costumes e a culinária italianos eram preservados como um tesouro compartilhado. Naquele pedaço de terra distante, parecia possível resgatar algo perdido, algo que o próprio Gianluca mal se permitia sonhar: dignidade.

As palavras de Enrico plantaram uma semente no coração de Gianluca. Ele retornou à pensão carregando consigo uma inquietação crescente. Naquela noite, enquanto a fumaça de uma lamparina tremeluzia no pequeno quarto que compartilhavam, o pensamento não o abandonou. Ele revivia a descrição da Serra Gaúcha, as fileiras de vinhas verdejantes contrastando com o azul do céu, como um eco da Itália, mas em um cenário onde o futuro parecia, enfim, tangível.

A decisão de partir novamente não foi imediata. Gianluca ponderou os riscos com cuidado, pois agora carregava não apenas os próprios sonhos, mas também as esperanças de Bianca, Matteo e Sofia. Ele sabia que a jornada para o Brasil seria tão incerta quanto a que os trouxera à América. O oceano, com suas tempestades impiedosas, precisaria ser cruzado mais uma vez. Além disso, havia o custo. Após anos de trabalho árduo, os dólares economizados eram escassos e valiam cada gota de suor derramado nas fábricas de Pittsburgh e nas horas intermináveis no ateliê de Bianca.

Apesar de tudo, a ideia de permanecer nos Estados Unidos, presos a um ciclo exaustivo que pouco recompensava seus esforços, era insuportável. O desgaste físico e emocional não era apenas uma sombra em seus rostos; era uma presença constante que ameaçava apagar qualquer fagulha de esperança. Gianluca sabia que, se continuassem naquele caminho, a chama que os mantinha em movimento poderia se extinguir.

Com os poucos recursos que tinham, começaram a planejar. Gianluca vendeu os modestos móveis da pensão, enquanto Bianca, determinada, economizava até o último centavo no mercado e nas costuras. O processo era lento e doloroso, cada moeda guardada simbolizando um sacrifício que parecia mais pesado por causa do incerto futuro.

Enfim, o dia chegou. As passagens para o Brasil foram compradas, cada bilhete representando não apenas uma nova jornada, mas um novo capítulo. Quando o vapor que os levaria ao sul atracou no porto, Gianluca sentiu um misto de ansiedade e expectativa. Na plataforma, segurando firmemente a mão de Bianca, ele olhou para o navio. Não era apenas um meio de transporte; era a ponte entre o desespero e a esperança.

Embora a América tivesse lhes ensinado lições duras, Gianluca partia com algo mais valioso: a resiliência que apenas a adversidade pode cultivar. Desta vez, ele prometeu a si mesmo, não deixaria a promessa de um novo mundo permanecer apenas no horizonte.

O Recomeço

Em 1884, após semanas de uma travessia extenuante e dias de estrada por terra, Gianluca e sua família chegaram ao Rio Grande do Sul, ao coração das colônias italianas. A paisagem que os recebia era ao mesmo tempo assustadora e inspiradora: uma vasta extensão de mata fechada, densa e quase impenetrável, que parecia guardar segredos antigos. Para os recém-chegados, no entanto, ela representava algo mais tangível — a promessa de uma nova vida, embora o custo fosse o suor e o sangue derramados na tarefa de transformá-la.

A realidade nas colônias revelou-se rapidamente. Gianluca trocou o calor das fornalhas das fábricas americanas pelo trabalho árduo de abrir caminho em uma terra selvagem. Com o machado em mãos, ele desferia golpes na madeira maciça, cada um reverberando como um desafio à natureza que parecia relutante em ceder. Os cortes nas mãos eram inevitáveis, os calos se multiplicavam, e o cansaço nunca o abandonava. Ainda assim, havia algo de diferente naquele esforço. Pela primeira vez em anos, Gianluca sentia que estava construindo algo que realmente lhe pertencia.

Bianca não ficava atrás. Entre a costura incessante e os cuidados com os filhos, agora três — o pequeno Giuseppe nascera durante a viagem —, ela equilibrava as obrigações domésticas e o apoio ao marido. Seus dias começavam antes do amanhecer, com o fogo aceso no fogão à lenha, e terminavam à luz trêmula de uma lamparina, com agulha e linha em mãos. Embora a carga fosse imensa, Bianca encontrava força no sorriso dos filhos e na visão de Gianluca voltando do trabalho, exausto, mas determinado.

A luta diária era compartilhada por todos na colônia. Os vizinhos, igualmente imigrantes, formavam uma rede de apoio e solidariedade, trocando conhecimentos e ajudando uns aos outros nos momentos mais difíceis. A construção de um sentido de comunidade ajudava a aliviar a saudade da Itália, embora esta nunca abandonasse completamente seus corações. Aos poucos, os italianos transformavam a paisagem, substituindo a floresta por campos cultivados e pequenas vinhas que pareciam promessas verdes contra o fundo marrom da terra revolvida.

O primeiro ano foi o mais árduo, mas também o mais transformador. Sob os cuidados atenciosos de Gianluca, as videiras começaram a brotar, frágeis a princípio, mas resistentes como os que as plantavam. Cada pequena folha que despontava era motivo de celebração discreta, um símbolo de que o esforço não era em vão. A paciência tornou-se a maior virtude, pois a terra, embora generosa, exigia tempo para retribuir o trabalho investido nela.

Quando a primeira colheita finalmente chegou, a emoção tomou conta de Gianluca. Ele observava as uvas penduradas nas vinhas com um misto de orgulho e gratidão, como se cada cacho fosse um testemunho das batalhas que havia enfrentado. O processo de transformação das uvas em vinho foi rudimentar, mas carregado de significado. Enquanto esmagava as frutas com cuidado, Gianluca não pôde deixar de se lembrar das vinícolas da Toscana, de sua infância em San Fiorenzo, onde o aroma do mosto fazia parte da memória coletiva.

O momento culminante chegou ao provar o primeiro vinho. Bianca, segurando um copo simples, levou-o aos lábios com hesitação e, ao sentir o sabor, seus olhos brilharam. Aquele vinho, ainda jovem e imperfeito, carregava algo que nenhuma safra americana ou qualquer terra estrangeira poderia oferecer: a essência de casa, o retorno simbólico a uma identidade que haviam temido perder. Aquele sabor era mais do que um prazer — era uma vitória, um sinal de que haviam começado a reconstruir o que a vida lhes roubara.

Embora a estrada à frente continuasse cheia de desafios, Gianluca e Bianca, pela primeira vez em muitos anos, sentiam que estavam no caminho certo. A colônia tornava-se um reflexo de sua resiliência, e a cada safra, a cada passo adiante, eles se aproximavam de um futuro que, finalmente, parecia estar ao seu alcance.

Epílogo

Os Pessina se consolidaram como pilares de uma nova colônia italiana, onde a terra, embora bruta e indomável, oferecia aos seus habitantes uma chance de renascimento. Gianluca, com o tempo, tornou-se uma figura central na comunidade. Sua experiência nas lutas iniciais fez dele uma fonte de sabedoria para outros imigrantes, que chegavam em busca de orientação e coragem. Ele ensinava a arte de preparar o solo, de cuidar das vinhas jovens, de persistir mesmo diante de frustrações inevitáveis. Em suas mãos calejadas, os novatos encontravam confiança, e em seus olhos, a determinação de quem já atravessara os mais difíceis mares.

Bianca, por sua vez, tornou-se o coração pulsante da colônia. Ela liderava as mulheres na criação de uma rede de apoio que transcendia as barreiras linguísticas e culturais. Costuravam juntas, trocavam receitas, cuidavam das crianças umas das outras, transformando as dificuldades diárias em laços que fortaleciam a comunidade. O pequeno Giuseppe, junto com Matteo e Sofia, cresceu testemunhando o esforço incansável dos pais, absorvendo, quase por osmose, a noção de que o trabalho e a solidariedade eram os pilares de qualquer conquista.

Os anos passaram, e o progresso chegou à colônia. A mata cedeu espaço a vilarejos ordenados, e os vinhedos tornaram-se um marco de prosperidade. As festas comunitárias celebravam não apenas as colheitas, mas a vitória coletiva sobre as adversidades. Gianluca e Bianca viam, com orgulho silencioso, as crianças que antes corriam entre as vinhas se tornarem adultos responsáveis, integrando-se ao ciclo de crescimento da comunidade. As sementes que haviam plantado, tanto no solo quanto no espírito daqueles que os rodeavam, floresceram de formas que eles jamais poderiam imaginar.

Mesmo na velhice, Gianluca nunca abandonou o campo. Embora o corpo já não tivesse a mesma força de outrora, ele se recusava a ser apenas um espectador da vida. Caminhava entre as fileiras de videiras, inspecionando os frutos, orientando com palavras precisas aqueles que agora assumiam as rédeas do trabalho. Ele compreendia que seu legado ia além do vinho ou da terra cultivada; estava na perseverança que havia inspirado, na coragem que ajudara a cultivar.

Bianca, ao seu lado, envelheceu com a mesma graça resiliente que sempre a caracterizara. Mesmo enquanto os cabelos embranqueciam e os passos se tornavam mais lentos, sua presença irradiava a força tranquila de quem nunca se curvou diante das tempestades da vida. As noites eram frequentemente passadas ao redor da lareira, com os netos atentos às histórias que os avós contavam, fascinados pelos relatos de travessias oceânicas, batalhas contra a floresta e a construção de uma nova vida.

Quando o ciclo da vida se completou para Gianluca, ele partiu em paz, cercado por sua família, sua obra mais grandiosa. Os campos que uma vez foram selva agora prosperavam, e as gerações que o sucederam mantinham viva a chama do sonho que ele e Bianca haviam perseguido. As videiras, com suas raízes profundas e galhos robustos, tornaram-se o símbolo duradouro de uma jornada de sacrifício e redenção. A colônia que os Pessina ajudaram a construir tornou-se uma comunidade vibrante, marcada pelo espírito de união e pela força de seus pioneiros.

Nos anos que se seguiram, os descendentes de Gianluca mantiveram viva sua memória. Os vinhos produzidos na terra que ele cultivou eram mais do que uma bebida; eram uma celebração de uma história de coragem, de escolhas difíceis e de sonhos realizados. A cada taça, as pessoas brindavam não apenas à colheita, mas à prova viva de que, mesmo nos momentos mais sombrios, há sempre uma luz para aqueles que ousam acreditar.


Nota do Autor


Embora os personagens e suas histórias sejam frutos da imaginação criativa deste autor, o enredo de Os Sonhos de Gianluca está profundamente enraizado em eventos e contextos históricos rigorosamente pesquisados. A trajetória da imigração italiana no século XIX, as condições duras da vida rural na Itália, a árdua travessia pelo Atlântico, e os desafios enfrentados nas colônias do sul do Brasil refletem a realidade vivida por milhares de famílias.

Este romance busca dar voz e forma à experiência humana por trás dos registros históricos, transformando dados e fatos em uma narrativa vívida que pretende honrar a coragem, a esperança e a resiliência daqueles que ousaram buscar um futuro melhor. Através de uma pesquisa cuidadosa em arquivos, relatos e documentos da época, o autor procurou recriar o ambiente, o espírito e os dilemas que marcaram a vida dos imigrantes, conferindo à ficção uma base sólida na verdade histórica.

Assim, Os Sonhos de Gianluca convida o leitor a mergulhar não apenas em uma saga familiar, mas também no amplo cenário das transformações sociais e humanas que moldaram uma era, preservando a memória daqueles que, mesmo diante das adversidades, nunca desistiram de sonhar.

Dr. Piazzetta