domingo, 4 de fevereiro de 2024

O Mito dos Emigrantes Clandestinos



O mito do antepassado que chegou à América como clandestino em um navio é uma crença muito popular enraizada na ideia de imigrantes se escondendo nas embarcações na esperança de alcançar um destino sem detecção. Quando não há registros oficiais da primeira entrada do antepassado no porto, as famílias muitas vezes atribuem a sua chegada desconhecida como clandestino em algum navio. Contrariando a crença difundida, os clandestinos geralmente foram devidamente documentados em registros e listas de passageiros. Na grande maioria dos casos foram identificados, registrados e documentados, seja em alto mar ou durante o desembarque nos portos. É crucial ressaltar que a persistência da teoria do clandestino nas famílias frequentemente decorre da ausência de registros específicos ou do desconhecimento de outros documentos relacionados à entrada no país. A complexidade dos processos migratórios e a falta de acesso a determinados arquivos podem contribuir para lacunas na compreensão da história familiar. Além disso, a romantização da ideia de imigração clandestina pode ser atribuída ao contexto histórico desafiador enfrentado pelos imigrantes, como fugas da justiça, de conflitos, de obrigações familiares e evasões de compromissos militares. Esses elementos, aliados à tradição oral e à transmissão de histórias ao longo das gerações, desempenham um papel fundamental na construção de uma narrativa familiar única em torno da jornada dos antepassados. Inicialmente, destaca-se que ao abordar a imigração clandestina, não se limitava apenas a indivíduos que partiam para evitar responsabilidades legais ou compromissos militares. Esta categoria incluía também aqueles recrutados por agentes de imigração que operavam à margem da autorização ministerial. Esses indivíduos optavam por emigrar dessa maneira devido aos custos econômicos mais baixos, embora isso implicasse na perda da tutela do estado. A legislação penalizava os recrutadores clandestinos, porém, o próprio imigrante tinha a liberdade de embarcar em um porto estrangeiro, embora abrisse mão dos benefícios associados à proteção do estado. Os principais portos europeus que testemunharam um significativo influxo de imigrantes por meio de operações não autorizadas de companhias de navegação incluíam Le Havre, Marselha, Hamburgo, Antuérpia e Trieste. É importante destacar que Trieste, embora fosse um porto de onde também partiam imigrantes, não fazia parte da Itália naquela época. Essas empresas, que operavam de maneira ilegal, tinham suas sedes na Suíça e na França, contando com investimentos de capitais americanos, franceses e alemães. A ilegalidade residia no modus operandi dessas empresas não autorizadas pelo estado italiano. No entanto, é crucial notar que o estado não exercia controle sobre a saída dos emigrantes. Com o intuito de atrair imigrantes, essas empresas realizavam extensa atividade propagandística em cidades e vilas, prometendo comodidades de viagem a baixo custo, o que, na realidade, não era cumprido e se tornava uma experiência humilhante para os viajantes. É evidente que ocorreu imigração clandestina, desprovida de documentação, contudo, isso se deu sobretudo em direção a países vizinhos, como França e Suíça, onde as fronteiras naturais, vales, montanhas, rios e até mesmo o mar eram familiares aos locais. No entanto, ao embarcar em um navio, a realização dessa prática sem a devida documentação tornava-se uma tarefa desafiadora.

Em decorrência da magnitude dos abusos ocorridos, foi promulgada a primeira lei em 1888, que submeteu as agências de emigração ao controle estatal. Em 1901, surgiu o Commissariato dell'Emigrazione, um órgão dedicado a cuidar da emigração, com a finalidade de conceder licenças aos transportadores, bilhetes a preços fixos, supervisionar os portos de embarque, monitorar as condições de saúde, estabelecer abrigos para os emigrantes e firmar acordos com os países de destino para auxiliar no acolhimento dos recém-chegados. Nesse contexto, entidades privadas, tanto laicas quanto religiosas, emergiram para prestar assistência aos emigrantes. A discussão sobre a legislação trabalhista nos Estados Unidos, considerada discriminatória em relação aos trabalhadores estrangeiros em 1885, a suspensão temporária da emigração para o Brasil, onde muitos emigrantes eram explorados em condições inaceitáveis, e as facilidades no cumprimento das obrigações do Alistamento Militar e na emissão de passaportes também foram integradas às medidas adotadas.