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sábado, 22 de novembro de 2025

Sob o Céu da Colônia: A Jornada de um Imigrante Italiano (1879)


Sob o Céu da Colônia: A Jornada de um Imigrante Italiano (1879)

I – O Chamado da Fome e da Esperança

No inverno de 1879, Matteo Ferrarin deixou a vila Ramodipalo, comune de Lendinara no Polesine, às margens do grande rio Pó, com a alma coberta de lama e o corpo esgotado de fome. A enchente daquele ano levara as colheitas, o celeiro e a última razão para ficar. Desde o outono, o correio do vilarejo trazia cartas de parentes que haviam partido antes dele — cartas manchadas de saudade e promessas. Falavam de um lugar longínquo chamado Brasil, onde o governo oferecia terras férteis e liberdade.
Matteo não sabia apontar no mapa onde ficava aquele país, mas a palavra “terra” bastou. Vendera o arado e a mula velha para comprar um casaco usado e um bilhete de terceira classe para o navio “Piemonte”, que partiria de Gênova rumo ao Rio de Janeiro. Ao embarcar, não olhou para trás. Quem o visse naquela manhã não veria um homem: veria uma ideia — a esperança encarnada.

II – O Mar e os Mortos

A travessia durou trinta e seis dias. O convés fedia a carvão, suor e desespero. As crianças tossiam até o sangue, os homens dividiam goles de água morna, e as mulheres rezavam. Matteo dormia no chão de madeira, entre cordas e barris. A quase cada amanhecer, o mar recebia um corpo, e o sino do navio soava em lamento.
Certa madrugada, um berço improvisado embalou um recém-nascido enquanto, no mesmo instante, dois homens eram lançados ao oceano envoltos em lençóis. Matteo aprendeu ali a primeira lição do Novo Mundo: a vida e a morte viajavam lado a lado.
Houve um dia, no meio da neblina, em que o vapor pareceu parar sobre as ondas. Do alto do mastro, um marinheiro gritou: “Terra!”. O navio inteiro se levantou. Era o porto do Rio de Janeiro, um cenário de montanhas azuis e luzes refletidas nas águas. Muitos choraram; outros se calaram, incapazes de acreditar que ainda respiravam. Mas para Mattio a viagem deveria continuar com outro navio em direção ao sul.

III – O Sul Prometido

No cais de Rio Grande, Matteo e os demais foram recebidos por funcionários do Império. Deram-lhes pão, água e um pedaço de papel com o nome do destino: “Colônia Dona Isabel, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul”.
Após alguns dias hospedados num grande alojamento de madeira rústica, embarcaram novamente — agora num pequeno vapor chamado Guimarães, que os levaria contra a correnteza do rio Guaíba, na Lagoa dos Patos, e depois pelo rio Caí. O cheiro da água doce, a lentidão do barco, a chuva constante: tudo parecia mais distante do que o mar.
Quando o Guimarães ancorou em Montenegro, a terra firme parecia tremer. Ali terminava o caminho das águas. O resto da jornada seria feito a pé e em grandes carroças puxadas por mulas. As mulheres grávidas e as crianças pequenas iam nas carroças; os homens, como Matteo, abriam picadas na mata com facões fornecidos pelos funcionários da emigração que os acompanhava.

A Colônia Dona Isabel ficava a pouco mais de um dia de viagem de onde desembarcaram. O barro engolia os passos, os mosquitos feriam a pele, e o silêncio da floresta era quebrado apenas pelo estalo dos troncos e o ranger das rodas. À noite, dormiam sob as estrelas — um céu tão escuro e profundo que parecia outro mundo. Matteo passou a chamar aquele caminho de “estrada da provação”.

IV – O Lote 83

Quando finalmente chegaram ao destino, foram levados a uma clareira recém-aberta. Um homem de chapéu e casaco negro — um agrimensor brasileiro — leu uma lista e chamou o nome de cada família. A cada nome, uma estaca de madeira era fincada no chão.
Matteo recebeu o lote número 83. Olhou ao redor: uma colina coberta de mato, pedras, árvores e até um pequeno rio. Nenhum sinal de estrada, de vizinho, de pão. Apenas floresta. O intérprete, um genovês que falava um português arrastado, disse-lhe:
— Tuto ghe ze, tuto ze tuo. Tudo o que há, é teu.
Matteo compreendeu: o Brasil não era a terra prometida, mas o inferno que se devia conquistar com as próprias mãos.

V – A Casa de Troncos

Os meses seguintes foram de solidão e chuva. Matteo construiu uma cabana com troncos e galhos cortados à machado. Dormia sobre folhas secas, comia o que caçava e o que o mato dava. Aprendeu a reconhecer o som das cobras, a cor das frutas e o cheiro das tempestades.
Certa manhã, encontrou um vizinho lombardo, Luigi Bellato, que o ajudou a fazer a cobertura de folhas de palmeiras, Em troca, Matteo ofereceu metade de um porco do mato que havia conseguido caçar em uma arapuca improvisada. Assim nasceu a fraternidade dos esquecidos.
Quando o inverno chegou, o frio da serra quase o matou. Foi então que a solidariedade salvou vidas: mulheres friulanas e tirolesas se reuniram para fazer pão e sopa de pinhões; homens se juntaram para abrir um caminho de terra que ligava os lotes até a sede. Daquela união nasceu a primeira comunidade da colônia Dona Isabel.

VI – A Semente do Futuro

No segundo ano, Matteo abriu o primeiro pedaço de terra para o plantio. Guardava ainda, embrulhados num lenço, os grãos de milho e feijão que trouxera da Itália — a última herança da terra natal. Plantou-os em silêncio, como quem reza.
Quando brotaram os primeiros talos, chorou. Não era só o milho que nascia: era a certeza de que, apesar de tudo, a vida continuava.
Ao redor, outros faziam o mesmo. O som dos machados, das enxadas e das vozes formava uma música áspera, mas bela. Entre os pinheiros e os vales, a colônia começava a existir.

VII – O Homem que Ficou

Matteo envelheceu sem nunca retornar à Itália. O tempo fez dele um colono respeitado, embora pobre. Nas noites de inverno, ao lado do fogo, contava aos recém-chegados a história do navio Guimarães, da floresta e da chuva.
Morreu numa manhã fria, diante do mesmo campo que plantara quarenta anos antes. Sobre sua tumba simples, os filhos escreveram:

“Qui riposa Matteo Ferrarin. Vignesto per sercar tera e el ga trovà el mondo.

Aqui repousa Matteo Ferrarin. Veio buscar terra e encontrou o mundo.

Epílogo

Hoje, onde antes havia mata, há vinhedos, igrejas e estradas. Ninguém se lembra do velho Matteo, mas cada videira que cresce entre as pedras carrega algo do seu suor.
E sob o céu da colônia — o mesmo céu que o recebeu em 1879 — a terra vermelha ainda fala o idioma dos primeiros que a amaram. 

Nota do Autor

Os nomes e alguns detalhes desta narrativa foram alterados para preservar a identidade das famílias envolvidas. No entanto, a história de Matteo Ferrarin é verdadeira — reconstruída a partir de cartas originais escritas por imigrantes italianos do final do século XIX, hoje conservadas no acervo de um museu histórico do Rio Grande do Sul.
Essas cartas, redigidas em dialetos do Vêneto, Friuli e Lombardia, são testemunhos de uma época em que milhões de italianos deixaram a sua terra natal movidos por fome, esperança e fé. Cada linha carrega o peso de um adeus e a força de um recomeço.
A trajetória de Matteo representa a de tantos outros colonos que cruzaram o Atlântico em busca de dignidade, enfrentaram a selva do sul do Brasil e transformaram a dor em herança. Sob o mesmo céu que os acolheu, permanece viva a memória dos que, como ele, vieram procurar terra — e encontraram um novo mundo.
Dr. Luiz C. B. Piazzetta



segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Lorenzo Bigolino: a jornada de um imigrante italiano na terra vermelha de Rio Claro – 1888


Lorenzo Bigolino: a jornada de um imigrante italiano na terra vermelha de Rio Claro – 1888


No início de 1888, Lorenzo Bigolino, um camponês de vinte e oito anos nascido em uma pequena localidade do município de Loria, província de Treviso, tomou a decisão que mudaria o destino de sua família. Os campos que haviam sustentado seus antepassados por gerações já não ofereciam mais do que dívidas e fome. A seca, o preço baixo do trigo e a promessa de terras férteis do outro lado do oceano haviam convencido muitos de seus conterrâneos a partir.

Casado com Olimpia Baldotti, de vinte e cinco anos, e pai de um menino de dois, Angelo, Lorenzo nutria o mesmo sonho inquieto que tomava conta das aldeias do Vêneto: o de começar uma nova vida nas Américas. Olimpia, já grávida do segundo filho, resistira enquanto pôde. As mães e irmãs imploraram que ficasse, mas Lorenzo estava decidido. Um fazendeiro brasileiro, de sobrenome Almeida, havia contratado dezenas de famílias para trabalhar nas plantações de café de Rio Claro, na província de São Paulo. O contrato com duração mínima de quatro anos prometia moradia, sustento e pagamento por produção. Era, diziam, a chance de enriquecer.

O embarque ocorreu no porto de Gênova, sob o frio úmido do final de fevereiro. O vapor, abarrotado de famílias, cheirava a medo e esperança. Durante as semanas seguintes, a travessia foi uma lenta agonia entre enjoo, orações e gritos de crianças. Olimpia deu à luz no oitavo dia de mar revolto. A menina recebeu o nome de Luigia, nascida sob o som grave das ondas batendo contra o casco do navio. Muitos viram nisso um presságio: nascer entre dois mundos era sinal de força e sobrevivência.

Ao chegar ao porto de Santos, a família mal teve tempo de compreender o novo continente. Embarcaram logo num trem que subia as serras íngremes até Campinas e, depois, Rio Claro. O calor era brutal. O ar denso trazia o cheiro doce do café maduro misturado à terra vermelha. A Fazenda Pau Quebrado, destino final, se estendia por colinas intermináveis, onde milhares de pés de café se perdiam até o horizonte.

As promessas feitas ainda na Itália logo se mostraram enganosas. A vida na fazenda era dura e o pagamento escasso. O trabalho começava antes do nascer do sol e terminava quando as sombras já haviam engolido os cafezais. Olimpia, mesmo com o bebê recém-nascido e o pequeno Angelo correndo entre os arbustos, ajudava a colher, lavar e secar os grãos. O calor castigava, e os insetos pareciam brotar da própria pele. O feitor, um homem de olhar frio, controlava com precisão cada saca colhida e cada dívida acumulada no armazém da fazenda.

Durante quase oito anos, Lorenzo e Olimpia resistiram. Muitos companheiros fugiram ou tentaram regressar à Itália, mas as passagens eram caras e os sonhos quebrados. Lorenzo compreendeu cedo que não haveria retorno. As cartas enviadas a Loria tornaram-se cada vez mais curtas, escritas com caligrafia cansada e poucas palavras de consolo. O idioma da terra nova começava a se misturar ao seu, e a lembrança das colinas vênetas se dissolvia lentamente na poeira vermelha do interior paulista.

Com o tempo, as economias começaram a crescer, moeda por moeda, guardadas num pequeno baú de madeira que Lorenzo escondia sob o assoalho da casa. Olimpia costurava roupas para outras famílias e vendia hortaliças cultivadas ao redor da moradia sempre nos dias de folga, carregando os cestos pela estrada até o mercado de Rio Claro. A mulher que havia chegado grávida e exausta tornara-se uma figura firme, moldada pelo sol e pela necessidade.

Em 1896, Lorenzo tomou a decisão mais ousada desde que deixara o Vêneto. Com as economias de anos e um contrato de compra parcelado, adquiriu uma pequena chácara na periferia de Rio Claro. O terreno era irregular, coberto por mato alto e pedras, mas era dele. Nos primeiros tempos, trabalhou em jornada dupla: de dia, nas olarias da cidade, moldando tijolos sob o calor dos fornos; à noite, cuidava do plantio de feijão, milho e hortaliças. Olimpia, incansável, assumia grande parte das tarefas, e as crianças cresciam respirando o cheiro da terra molhada e o som das enxadas.

A pequena chácara se transformou, aos poucos, num símbolo de vitória silenciosa. Nenhum deles jamais voltou à Itália, mas o solo vermelho de Rio Claro tornou-se o chão de uma nova identidade. Lorenzo, agora com os cabelos endurecidos pelo tempo, observava os filhos aprenderem a falar duas línguas — o dialeto dos pais e o português dos vizinhos brasileiros —, percebendo que já pertenciam a outro mundo.

A travessia que começara no cais de Gênova não terminara com o desembarque em Santos, mas continuava todos os dias, na luta silenciosa por dignidade e permanência. Lorenzo compreendeu que emigrar não era apenas partir: era recomeçar, reinventar-se, e aceitar que certas raízes, uma vez arrancadas, jamais voltam a crescer no mesmo solo.

Quando Lorenzo Bigolino fincou o primeiro marco de madeira na chácara recém-comprada, sentiu um misto de triunfo e temor. O terreno, de pouco mais de dois alqueires, se estendia irregular até um pequeno córrego encoberto por taquaras. A terra era áspera, vermelha como sangue seco, mas fértil o bastante para prometer futuro. O contrato fora assinado em prestações longas, quase intermináveis, mas pela primeira vez em muitos anos Lorenzo sentia que o destino estava sob suas próprias mãos.

O primeiro barraco que ergueram mal podia ser chamado de casa. Paredes de barro e varas, telhas irregulares e o chão batido que se tornava lama nas chuvas. Mesmo assim, Olimpia limpava, organizava e rezava diante de um pequeno quadro da Madonna trazido de Loria, agora pendurado sobre a porta. Era o único objeto que restava do passado europeu. Tudo o mais havia sido substituído pelo que o Brasil lhes oferecia: panelas de ferro forjado, enxadas toscas e o som constante dos sapos nas noites abafadas.

Durante o dia, Lorenzo trabalhava na olaria que se erguia nas margens da estrada de ferro. A jornada começava antes do sol nascer, e o calor dos fornos transformava o ar em bruma espessa. Os braços fortes e o corpo magro ganhavam o respeito dos mestres locais, e com o tempo ele passou a receber algumas encomendas particulares de tijolos para as novas construções da cidade. Rio Claro crescia rapidamente. As ruas se expandiam em direção às colônias agrícolas, e o trem que ligava a região a São Paulo trazia não apenas produtos, mas também novos rostos — italianos, espanhóis, portugueses, todos à procura do mesmo sonho.

Enquanto isso, Olimpia transformava a pequena horta em fonte de sustento. Cultivava alfaces, cenouras, repolhos e, mais tarde, tomates que se tornaram famosos entre os fregueses da cidade. Empurrava o carrinho de mão pelas ruas de terra, equilibrando as cestas cobertas por panos brancos. Aprendera a negociar, a sorrir com firmeza, a fazer-se respeitar. Quando o dinheiro escasseava, trocava legumes por sabão ou farinha. O que sobrava era guardado numa pequena caixa de madeira escondida dentro de um buraco na parte assoalhada da moradia, o mesmo tipo de esconderijo onde, anos antes, haviam guardado as moedas que lhes compraram aquele pedaço de chão.

Angelo, o filho mais velho, começava a ajudar o pai na olaria aos nove anos. Suas mãos pequenas moldavam o barro úmido, e o orgulho de Lorenzo ao vê-lo trabalhar era silencioso, mas profundo. Luigia, nascida no mar, crescia robusta, herdeira da coragem da mãe. Era ela quem levava água do poço, cuidava das galinhas e varria o terreiro ao entardecer.

Nos anos seguintes, a fazenda Pau Quebrado, de onde haviam saído, entrou em decadência. Muitos colonos se dispersaram, abrindo pequenas propriedades ou migrando para novas plantações em outras cidades. O tempo da grande escravidão havia terminado, e o trabalho livre tornava-se o alicerce da nova economia do café. Ainda assim, a vida dos imigrantes permanecia precária: contratos incertos, exploração velada e a distância irreversível da pátria.

Lorenzo, com o senso de dever que trazia do Vêneto, mantinha o ritmo implacável de trabalho. O domingo era o único dia em que permitia à família descansar. À sombra de uma mangueira recém-plantada, observava o campo verdejando e imaginava, pela primeira vez, um futuro que não dependesse de outro patrão.

As prestações da chácara foram sendo pagas uma a uma, com o dinheiro do emprego na olaria e das hortaliças. Aos poucos, ergueram uma casa de tijolos queimados, com janelas de madeira e um pequeno forno no quintal. As galinhas multiplicaram-se, o poço foi ampliado, e o terreno, antes inculto, agora produzia o suficiente para alimentar e vender.

Por volta de 1903, Rio Claro já era um centro pulsante de imigrantes. A cidade fervilhava de idiomas e cheiros estrangeiros: o pão de milho dos mineiros, o vinho grosso dos italianos, o azeite trazido pelos espanhóis. Lorenzo via nisso uma espécie de nova Itália, feita não de reinos, mas de sobreviventes. Muitos dos que chegaram após ele procuravam conselhos, e era comum vê-lo orientar recém-chegados sobre onde encontrar trabalho ou como evitar os contratantes desonestos.

A prosperidade, no entanto, vinha acompanhada de uma melancolia sutil. À noite, quando o barulho da cidade se calava e o vento soprava sobre as plantações, Lorenzo pensava nas colinas de Loria, nos sinos da pequena igreja de San Giovanni Battista que já não ouvia há tanto tempo, e na mãe que envelhecera sem vê-lo retornar. Sabia que jamais voltaria. O oceano que os separava não era apenas de água, mas de tempo e de destino.

Ainda assim, havia paz. O que um dia fora apenas sobrevivência transformara-se em vida. A terra vermelha de Rio Claro agora guardava o suor, as lágrimas e as esperanças de uma família que aprendera a pertencer a dois mundos.

Lorenzo Bigolino, o colono que partira sem nada, tornara-se dono do próprio chão. E naquele chão, a nova geração já enraizava o futuro — não mais como estrangeiros, mas como brasileiros de alma italiana.

Os anos passaram sobre a chácara dos Bigolino como o vento que se insinua por entre as folhas maduras do café. Quando o novo século chegou, trazendo luz elétrica e o som distante dos primeiros automóveis, Lorenzo já carregava no corpo o peso de décadas de trabalho. Seus ombros, outrora firmes, agora se curvavam lentamente, como os galhos de uma árvore antiga. As mãos, endurecidas pelo barro e pela enxada, guardavam a memória do esforço e da construção.

A chácara, agora próspera, era o reflexo da disciplina e da obstinação que haviam sustentado aquela família. O terreno fora ampliado, e uma segunda casa se erguia ao lado, destinada aos filhos. Angelo, o primogênito, havia aprendido o ofício do pai e comprou a antiga olaria transformando-a em pequeno negócio. Com tino prático e paciência herdada de Lorenzo, fabricava tijolos e telhas para os novos bairros de Rio Claro, que se expandia com o mesmo vigor dos cafezais.

Luigia, a filha nascida no mar, crescera forte e decidida. Casara-se com um imigrante lombardo e administrava uma pequena venda próxima à linha do trem, onde os trabalhadores compravam farinha, azeite, feijão e o vinho espesso que os italianos produziam em barris improvisados. Sua vida simbolizava uma geração já enraizada no Brasil — filhos de estrangeiros que falavam o português com naturalidade, mas mantinham nas casas o sotaque e os gestos do Vêneto.

Olimpia, que havia deixado a Itália grávida e temerosa, tornara-se a matriarca respeitada da colônia. O rosto sulcado pelo tempo guardava a serenidade das mulheres que conhecem o sentido do sacrifício. Nas manhãs de domingo, vestia-se de preto e acendia velas diante do pequeno altar que ainda conservava a imagem da Madonna trazida de Loria. Aquele quadro, escurecido pela fumaça e pelos anos, era o último elo visível com a terra natal.

Com o passar do tempo, a comunidade italiana de Rio Claro se consolidara. As festas do padroeiro atraíam famílias de longe, os corais entoavam cantos em dialeto, e o vinho novo corria pelas mesas improvisadas sob o barracão da igreja. Havia entre todos um sentimento de conquista silenciosa, como se, após décadas de luta, os imigrantes tivessem finalmente conquistado não apenas o direito de viver, mas o de permanecer.

Para Lorenzo, porém, o triunfo vinha acompanhado de uma nostalgia irredutível. Muitas vezes, sentado à sombra da mangueira que plantara trinta anos antes, observava o pôr do sol tingindo a terra vermelha e recordava as colinas úmidas do Vêneto. Quase não se lembrava mais do rosto dos que deixara para trás, mas o som dos sinos de Loria ainda lhe visitava os sonhos, misturado ao ruído do vento e ao distante apito dos trens.

O tempo o transformara num homem de poucas palavras, mas de olhar sereno. Sabia que o passado havia se dissolvido e que o futuro já pertencia aos filhos e netos. O pequeno Lorenzo, seu neto mais velho, corria pelo terreiro com a mesma energia do avô em juventude, e Lorenzo via nele a prova viva de que a travessia não fora em vão. A herança que deixaria não era apenas a terra conquistada, mas o exemplo de resistência e fé.

Nos últimos anos, sua rotina se tornara simples: acordava cedo, caminhava entre os canteiros, cuidava das árvores frutíferas e observava as galinhas ciscando. O corpo enfraquecia, mas a mente permanecia lúcida, e Lorenzo sentia uma paz discreta ao perceber que tudo o que havia sonhado estava agora diante de si — não em grandeza, mas em permanência.

Quando a doença o alcançou, numa manhã fria de julho, Olimpia permaneceu ao seu lado, segurando-lhe a mão como quem segura o fio da própria vida. Não houve palavras, apenas o silêncio carregado de uma história inteira. Lorenzo partiu serenamente, no mesmo mês em que, quarenta anos antes, deixara o porto de Gênova.

Foi sepultado no cemitério local, sob uma lápide simples de pedra bruta, onde o filho mandou gravar: “Qui riposa Lorenzo Bigolino, lavoratore e padre. La terra che coltivò, ora lo accoglie.”

Olimpia viveu ainda mais alguns anos. Todas as tardes, caminhava até o túmulo e deixava sobre a pedra uma pequena flor colhida no quintal. Dizia que o vento que soprava dali era o mesmo que vinha do mar, e que, de algum modo, levava de volta até Loria as memórias que nunca se perderam.

Com o tempo, a chácara dos Bigolino tornou-se referência na região. As novas gerações, já brasileiras, cresceram ouvindo a história do homem que atravessara o oceano com a mulher grávida e que, sobre a terra estranha, plantara não apenas alimentos, mas raízes.

No silêncio das manhãs de Rio Claro, quando o sol começa a dourar os telhados e a poeira sobe leve das estradas, é como se ainda se pudesse sentir a presença de Lorenzo — o jovem de Loria que acreditou que a coragem podia vencer o destino.

Nota do Autor

Esta narrativa foi construída a partir de fragmentos de cartas autênticas de emigrantes italianos do final do século XIX, especialmente aquelas escritas por trabalhadores que partiram do Vêneto rumo às fazendas de café do interior paulista. Entre essas vozes, destaca-se a correspondência de um imigrante, datada de 1888 e enviada de São Carlos do Pinhal, onde ele descreve com crueza as dificuldades, as ilusões e as esperanças de quem buscava uma vida melhor na América.

Inspirado nesse testemunho real, nasceu a história ficcional de Lorenzo Bigolino, um homem comum que carrega em si o destino de milhares. O que aqui se narra não é apenas a trajetória de uma família, mas o retrato de uma geração inteira — homens e mulheres que abandonaram aldeias, dialetos e tradições seculares para enfrentar o desconhecido em nome da sobrevivência e da dignidade.

A saga dos Bigolino, ambientada em Rio Claro, poderia ter ocorrido em qualquer ponto do interior paulista onde o café moldou o território e a vida. O que se descreve — a viagem transatlântica, o nascimento de uma criança em alto-mar, o trabalho nas fazendas, a lenta conquista de uma chácara e o esforço diário pela autonomia — reflete fielmente o percurso de incontáveis famílias italianas entre 1875 e 1902, anos em que o Brasil se tornou destino preferencial dos que fugiam da pobreza no norte da Itália. Não há heróis nesta história, apenas pessoas.

Lorenzo e Olimpia representam o espírito anônimo e silencioso dos que construíram, com suor e esperança, as bases do Brasil moderno. Suas vitórias não se medem em riqueza, mas em permanência; sua grandeza não está na glória pública, mas na teimosia de permanecer de pé mesmo diante do impossível.

Toda reconstrução literária, ainda que baseada em fatos e documentos, é também um gesto de memória. Recriar as vozes desses imigrantes é uma forma de restituir-lhes a humanidade que o tempo e o anonimato lhes roubaram. A história de Lorenzo Bigolino é, portanto, um tributo a todos os que cruzaram o oceano acreditando que o futuro podia ser semeado com as próprias mãos.

Que esta narrativa ajude o leitor a compreender que, sob cada sobrenome italiano hoje encontrado no interior de São Paulo, há uma travessia semelhante — feita de perda, coragem, e fé no amanhã.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



terça-feira, 27 de agosto de 2024

A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS

 



No final do século XIX, a Itália enfrentava tempos difíceis. A fome, a pobreza e a falta de perspectivas atormentavam as famílias, especialmente no norte do país, na região do Vêneto. Foi em meio a esse cenário que Giovanni e Maria R., um casal de agricultores da pequena vila de Villanova del Ghebbo, na província de Rovigo, decidiram buscar uma nova vida. Com seus oito filhos, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre, rumo ao Brasil.

Giovanni R. era um homem forte e determinado, de mãos calejadas pelo trabalho no campo. Maria, sua esposa, era uma mulher de espírito resiliente, conhecida por sua bondade e dedicação à família. Juntos, enfrentaram anos de dificuldades em Rovigo, mas quando a crise atingiu seu ápice, decidiram que era hora de partir, não queriam deixar como herança para os filhos a mesma miséria em que sempre viveram. Abandonar a terra natal não foi fácil; a despedida da casa onde nasceram e dos amigos de infância trouxe lágrimas e um peso no coração. Mas o desejo de oferecer um futuro melhor para os filhos foi mais forte.

Com uma mala cheia de poucas roupas e muitas esperanças, a família R. embarcou no porto de Gênova rumo ao Brasil. A viagem seria muito longa e cansativa, mas Giovanni e Maria estavam dispostos a enfrentar qualquer adversidade pela promessa de uma vida melhor.

O navio que os levaria ao Brasil era o Ester, uma embarcação repleta de outros imigrantes italianos, todos com histórias semelhantes. Durante a travessia, o casal enfrentou dias de mar agitado, noites sem dormir e o medo constante de doenças que rondavam o navio. Maria cuidava dos filhos com todo o carinho, enquanto Giovanni fazia amizade com outros homens que, como ele, sonhavam com a nova terra.

Os filhos, apesar do desconforto, mantinham o espírito jovem e aventureiro, maravilhados com a imensidão do oceano e as histórias que ouviam dos outros passageiros. A cada dia que passava, a Itália ficava para trás, mas o futuro ainda era incerto.

Após quase dois meses de viagem, finalmente avistaram o porto de Rio Grande, no sul do Brasil. A emoção tomou conta de todos, mas também o temor do desconhecido. Giovanni e Maria sabiam que a jornada estava longe de terminar. Depois de uma breve estadia em Rio Grande, onde ficaram provisoriamente abrigados em barracões de madeira esperando a chegada dos pequenos vapores fluviais, a família R. seguiu para o interior, rumo à Colônia de Silveira Martins, também conhecida como a 4ª Colônia Italiana do Rio Grande do Sul. Seguiram pela Lagoa dos Patos, passando pela capital do estado Porto Alegre e subindo as correntezas do Rio Jacuí até a cidade de Rio Pardo.

O caminho até Silveira Martins foi longo e árduo. A pé e em grandes carroças puxadas por bois, cruzaram estradas de terra, estreitas, verdadeiras picadas, chegando na localidade de Val del Buia, enfrentando o frio das serras e as dificuldades de comunicação com os brasileiros locais. No entanto, cada passo era um passo mais perto de sua nova vida. Após mais quinze dias, finalmente chegaram ao barracão que os abrigaria até a distribuição dos lotes de terra.

Ao chegarem à colônia, foram recebidos por outros italianos que já haviam se estabelecido na região. Giovanni e Maria ficaram impressionados com a beleza da paisagem, mas também perceberam que teriam que recomeçar do zero. O barracão que os abrigou era simples, feito de madeira, mas oferecia abrigo. Com o tempo, construíram uma simples choupana no lote a eles designado e, após roçarem uma pequena parte do terreno, iniciaram o primeiro plantio, como faziam em Rovigo, semeando milho, trigo e plantando algumas mudas de parreiras, que haviam trazido de casa.

Os dias eram longos e o trabalho, extenuante, mas Giovanni e Maria sempre encontravam forças um no outro e na esperança de um futuro melhor para seus filhos. Os oito jovens R. logo se adaptaram à nova vida, ajudando no campo, cuidando dos animais e aprendendo, na medida do possível, a língua portuguesa com algumas crianças locais.

Os primeiros anos foram difíceis. As doenças, a distância da família que ficou na Itália e a saudade dos entes queridos pesavam no coração de Maria. Giovanni, por sua vez, lutava contra o isolamento e a solidão das vastas terras. Mas a comunidade italiana em Silveira Martins era unida, e juntos, enfrentaram as dificuldades.

Com o tempo, a colheita começou a dar frutos, e a família R. começou a prosperar. Giovanni e Maria viram seus filhos crescerem fortes e saudáveis, adaptando-se à nova vida. A fé e a tradição italiana permaneceram vivas em seus corações, e as festas religiosas, como a Festa de San Giuseppe, eram momentos de celebração e lembrança da terra natal.

Décadas depois, a família R. se tornou uma das mais respeitadas na colônia de Silveira Martins. Giovanni e Maria envelheceram vendo seus filhos se casarem, terem filhos e prosperarem. A casa simples se transformou em uma propriedade próspera, e o nome R. passou a ser sinônimo de trabalho árduo e superação.

Giovanni, ao olhar para os campos que agora produziam fartura, lembrava-se dos dias em Rovigo, das mãos calejadas e das noites em que ele e Maria se preocupavam com o futuro. A Itália ainda estava em seu coração, mas ele sabia que o Brasil havia se tornado sua verdadeira casa.

Maria, por sua vez, mantinha viva a memória de sua terra natal através das histórias que contava aos netos, das canções italianas que cantava nas noites frias e da comida que preparava com tanto carinho. O sabor da polenta, do pão caseiro e do vinho feito em casa trazia um pouco da Itália para a nova geração.

Giovanni e Maria R., como muitos outros imigrantes italianos, foram pioneiros que ajudaram a construir o Rio Grande do Sul. Suas vidas foram marcadas pela saudade, pelo sacrifício e pela superação, mas também pelo amor, pela fé e pela esperança.

A história da família R. é a história de milhares de italianos que encontraram no Brasil uma nova pátria, sem nunca esquecer suas raízes. Hoje, seus descendentes mantêm vivas as tradições italianas, celebrando a cultura que Giovanni e Maria trouxeram consigo e que floresceu em solo brasileiro.


quarta-feira, 13 de março de 2024

La storia di Rosalia: dalla Sicilia al Brasile - Una storia di lotta e superamento.


 

Rosalia era già una signora di sessant'anni quando suo genero, Donato, sposato con sua figlia minore, Giuditta, decise di emigrare, seguendo il destino di migliaia di altri contadini in tutto il paese. Nella casa dell'ultima figlia, aveva trovato rifugio subito dopo la prematura morte del marito in un incidente sul lavoro cinque anni prima. L'Italia era ancora un paese molto giovane, appena unificato nell'allora chiamato Regno d'Italia, e stava affrontando gravi difficoltà economiche. Il Sud, dove vivevano, era stato devastato da diversi anni di guerre e convulsioni sociali, non essendo più un luogo adatto per crescere una famiglia. La mancanza di lavoro, il sottoccupazione e la fame già minacciavano molte case del piccolo villaggio nell'entroterra siciliano. Donato e Giuditta, sposati da circa dodici anni, avevano sei figli, tutti di età inferiore agli undici anni. Rosalia e il suo defunto marito Giacomo, a loro volta, avevano avuto quattro figlie, tutte ora sposate e viventi negli Stati Uniti, dove si erano trasferite alcuni anni prima. Erano distanti l'una dall'altra, in città diverse. Rosalia manteneva un contatto regolare con loro attraverso lettere e sapeva che tutte stavano bene, avevano numerosi figli, tutti sani e alcuni già frequentavano le scuole americane. Rosalia era radicata nel suo piccolo villaggio, dove era conosciuta e stimata da tutti, ma ora non aveva altra scelta se non seguire la figlia più giovane in Brasile, destinazione scelta dalla coppia, per aiutarla a prendersi cura dei sei nipoti. Il genero e la figlia erano stati assunti, così come centinaia di altre famiglie connazionali, per lavorare in una grande piantagione di caffè nell'entroterra di San Paolo, nella regione di Ribeirão Preto. Dopo molti giorni di viaggio in nave, arrivarono al porto di Santos e da lì fino a un luogo di Ribeirão Preto, non molto lontano dalla fattoria, il tragitto fino a lì fu fatto in treno. La grande piantagione di caffè apparteneva a un unico proprietario, che aveva il titolo di Barone e, ai tempi della schiavitù, aveva avuto più di seicento schiavi. Fu proprio in una casa piuttosto umile di questi ex lavoratori che la famiglia di Rosalia fu alloggiata. In realtà, era una vecchia baracca, con il pavimento di terra battuta e le pareti di fango che delimitavano quattro piccole stanze con finestre. Alcuni mobili rustici completavano l'arredamento. Nonostante fossero poveri in Italia, ciò che trovarono in quella fattoria lasciò tutti molto scoraggiati. Si resero conto che avevano smesso di lavorare per un padrone di terra in Italia per dipendere da un altro padrone in un altro paese. Il marito di Giuditta aveva firmato un contratto di lavoro di quattro anni, per avere diritto al passaggio gratuito e a tutti i trasferimenti dall'Italia fino alla fattoria. Questo contratto, che includeva tutti i membri della famiglia, specificava che dovevano occuparsi della pulizia di mille piante di caffè, dovevano anche aiutare nella raccolta e nel trasporto dei chicchi di caffè fino alle grandi aree di essiccazione. Avevano il permesso di coltivare un piccolo orto e di allevare alcuni piccoli animali intorno alla casa. Venivano svegliati molto presto ogni mattina, con il suono di una grande campana non lontano dalla casa di uno dei caporali. Dovevano camminare a piedi per alcuni chilometri, salendo e scendendo per le colline tra lunghe file di piante di caffè, fino al luogo dove, alle sei del mattino, iniziavano a lavorare. Il pranzo e a volte l'acqua dovevano portarli da casa. Avevano una breve pausa di mezz'ora per consumare il pasto all'ombra di una pianta di caffè. Poiché la fattoria era lontana da qualsiasi città, il proprietario manteneva un grande magazzino per rifornire i suoi dipendenti. Di solito, i prezzi erano molto più alti rispetto a quelli praticati nel commercio delle città. Quando arrivava il giorno del pagamento, gli immigrati si rendevano conto che erano stati effettuati molti sconti con una riduzione dei valori che avrebbero dovuto ricevere. Aggiungendo la precarietà delle strutture dove erano stati allocati, questa procedura li scontentava molto, ma, vincolati a un contratto che favoriva solo il padrone, non potevano abbandonare la proprietà. Un immigrato poteva lasciare la fattoria solo dopo il periodo concordato di quattro anni e solo dopo aver saldato tutti i debiti contratti con il padrone, pena dover rimborsare al proprietario tutte le spese di viaggio della famiglia, cosa impossibile per loro. A queste spese, spesso, si aggiungevano i costi dei medici, dei farmaci o delle ospedalizzazioni, che il padrone pagava e poi scontava dai loro dipendenti. Donato e Giuditta compravano nel magazzino della fattoria solo il necessario e facevano ogni sforzo per non contrarre debiti, al fine di poter un giorno lasciare la fattoria, ma questo era ancora lontano dall'accadere. 
Rosalia, nella sua giovinezza, aveva imparato dalla sua nonna paterna, una rinomata guaritrice, l'arte di curare malattie e ferite usando tisane, pozioni e impacchi di erbe raccolte dalla natura. Anche dalla sua nonna aveva imparato l'arte di "aggiustare ossa" e anche di far nascere bambini, non solo nel suo villaggio, ma anche in quelli più vicini. Aveva il dono naturale di curare gli ammalati con le sue erbe e questo lo dimostròcentinaia di volte negli anni in cui visse nella fattoria. Molti immigrati residenti nella grande proprietà si rivolgevano alla vecchia Rosalia per curare i loro mali, alleviare le loro sofferenze, cucire le loro ferite o persino ridurre le loro fratture. Lei vedeva in questa attività una sorta di sacerdozio donato da Dio e, per questo, non chiedeva mai compensi per i suoi servizi, ma accettava donazioni e regali dai suoi pazienti, che costituivano una vera fonte di sostentamento per la famiglia. Nella fattoria viveva ancora una vecchia schiava, che aveva sempre esercitato questa professione di guaritrice, ma ora, con quasi cent'anni, malata e non potendo più vedere chiaramente né camminare, non aveva più la capacità di curare nessuno. Rosalia, nei suoi pochi momenti liberi, la visitava spesso e con lei imparava a riconoscere le centinaia di erbe brasiliane, le loro proprietà e indicazioni terapeutiche, aggiungendo così alle conoscenze che aveva portato dall'Italia. La giovane moglie di uno dei caporali, che comprendeva anche abbastanza l'italiano, faceva da interprete tra Rosalia e la vecchia guaritrice.
Piano piano, la famiglia risparmiava e metteva da parte tutto il denaro che riusciva a guadagnare per la tanto agognata libertà. Le domeniche, dopo la messa nella cappella della fattoria, e anche quando riuscivano a ottenere un po' di riposo, andavano a piedi fino alla piccola città di Ribeirão Preto, la più vicina alla fattoria. Durante queste visite, fecero diversi amici nella località, immigrati come loro, che li aiutarono con molte informazioni preziose. Oltre ad acquistare le cose che mancavano a prezzi migliori, evitando il magazzino della fattoria, approfittavano per sondare i prezzi dei terreni in vendita, specialmente quelli più grandi e un po' più distanti dal centro. Fu così che, un giorno, quando erano già trascorsi quattro anni dall'arrivo nella fattoria, Rosalia, che sapeva leggere e scrivere, molto comunicativa e astuta, venne a sapere attraverso un'amica, che si faceva curare da lei, di un affare unico, una piccola tenuta con una casa ottima e un bellissimo boschetto, non molto distante dal centro della città. Il proprietario, un immigrato italiano, voleva venderla per tornare in Italia, poiché sua moglie non sopportava più stare in Brasile lontano dai suoi parenti. Il prezzo e le condizioni di pagamento erano molto invitanti e rientravano perfettamente nei risparmi della famiglia. Donato e Giuditta, venuti a conoscenza della cosa, non persero tempo, chiesero il permesso di assentarsi per un giorno dalla fattoria, cosa che non fu negata dal caporale, purché fosse scalato dal salario. Andarono a Ribeirão Preto e chiusero l'acquisto della tenuta, pagando quasi tutto in contanti e il resto in due rate. Dopo due mesi, in una mattina soleggiata, lasciarono definitivamente la fattoria dopo essersi congedati dagli amici e dal caporale generale.
Si stabilirono a Ribeirão Preto e la prima cosa che Donato fece fu trovare un lavoro che potesse garantire il sostentamento della famiglia. Analfabeta, trovò un impiego adeguato nei gruppi di riparazione della rete ferroviaria, con possibilità di miglioramento di posizione e salario nel corso degli anni. Accettò con gioia l'opportunità e lavorò per tutta la vita nella rete ferroviaria, raggiungendo infine la posizione di capo generale dei gruppi di manutenzione. Giuditta, abile sarta fin da bambina e una delle figlie più grandi, aprì un salone di sartoria e riparazioni nella propria casa. Col tempo, la clientela aumentò e il nome di Giuditta e sua figlia Maria Augusta divennero sinonimi di buona sartoria a Ribeirão Preto, cucendo per l'alta società locale. Rosalia continuò il suo lavoro di levatrice e guaritrice, diventando una rinomata guaritrice e aggiustatrice di ossa, molto richiesta tra i membri della grande comunità italiana della regione, ma non solo, persino giocatori di squadre di calcio la cercavano spesso. Con il suo lavoro serio riuscì ad attirare persino l'alta società locale che la cercava in massa. Quando la nonna Rosalia, come era conosciuta, morì, ormai quasi novantenne, ebbe uno dei più grandi funerali mai visti a Ribeirão Preto. In vita, tra le varie onorificenze, ricevette il titolo di cittadina onoraria. Dopo la morte, il suo nome fu dato a una delle strade della città e a una piccola piazza, vicino alla casa dove aveva vissuto, sulla quale fu eretto un bellissimo busto in bronzo, che la ritraeva perfettamente, un omaggio da parte del comune per i servizi importanti resi. La sua tomba divenne presto un luogo di pellegrinaggio durante tutto l'anno e, in occasione dei defunti, è ancora oggi piena di fiori e candele, ricevendo una vera e propria folla di ammiratori che formano lunghe file per omaggiarla con una preghiera.



terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Nascimento a Bordo

 

Navio Principe de Asturias


Após uma longa e angustiante viagem de trem, durante a qual poucos passageiros conseguiram dormir, em um trajeto repleto de paradas nas inúmeras estações ao longo de todo o percurso, ocasião em que outras famílias de emigrantes, assim como eles, foram se juntando nos vários vagões da composição. Finalmente, chegaram à estação da cidade de Gênova, a última etapa em terras italianas, antes de se aventurarem, não sem grandes preocupações, nas águas do desconhecido oceano. Ainda estava muito escuro, numa madrugada fria de final de inverno. Enquanto se esforçava para vislumbrar a cidade que ainda se escondia na forte neblina matinal, que encobria quase totalmente a cidade e parte do porto, Cesco, como era carinhosamente chamado pelos pais e seus doze irmãos e irmãs que havia deixado na antiga casa paterna, percebeu com o coração apertado que a decisão tomada alguns meses antes, juntamente com sua jovem esposa Maria, não tinha mais volta. Estava realmente apreensivo, com muito medo da longa travessia, principalmente com o que o destino reservara para eles, mas, ao mesmo tempo, feliz com a decisão tomada e com as perspectivas de uma nova vida no tão sonhado Brasil, o distante "el Dorado" da América.
Maria, apesar de seu avançado estado de gravidez, também não conseguira dormir quase nada durante a viagem, pois Betina, a primogênita de pouco mais de um ano, deitava-se entre suas pernas. Sua família desaprovava a mudança para o exterior naquela situação, justamente por causa da gravidez, pois ela poderia passar mal e ter o bebê no navio.
Maria era a terceira filha de um casal de camponeses, naturais de um pequeno município localizado quase na divisa das províncias de Treviso com Belluno, que em outros tempos já havia conhecido uma importância maior. Maria e todos os seus irmãos nasceram em uma pequena vila do município de Quero. Além das duas irmãs mais velhas, já casadas, Maria tinha outros quatro irmãos homens, todos mais jovens. Na antiga casa, além dos pais e irmãos, moravam também os avós, já com idade avançada, mas ainda gozando de boa saúde e úteis nos trabalhos do campo.
Ao casar, Maria passou a morar na casa dos pais de Cesco no município de Alano di Piave, distante cerca de 15 km da sua casa paterna. Francesco e sua esposa Maria tinham a mesma idade, 22 anos, e já estavam casados há dois anos. Ele era o primogênito de um casal de pequenos trabalhadores rurais sem terra, que tiveram oito filhos, sendo cinco homens e três mulheres. O pai de Cesco era um empregado rural diarista, trabalhava na propriedade de uma família com passado nobre, que morava na cidade de Treviso. Ambas as famílias eram muito pobres, mas, apesar das dificuldades, sempre conseguiram alimentar bem todos os filhos.
As oportunidades de trabalho no meio rural existiam há séculos. A economia italiana, especialmente no caso deles, no Veneto, sempre foi baseada na agricultura, a qual, infelizmente, não conseguiu se modernizar na velocidade necessária para suprir a população sempre crescente do novo país. O novo reino também demorou muito tempo para se industrializar e acompanhar o progresso de outras nações europeias. Essa situação de atraso crônico da Itália, agravada após a unificação e a criação do reino da Itália, foi o impulso que levou milhões de italianos a buscarem fora do país o sustento diário. O desemprego nas zonas rurais aumentou consideravelmente, e a fome começou a aparecer em muitas regiões do país, especialmente nas zonas montanhosas, as primeiras a cogitarem deixar definitivamente a Itália.
A partir de 1875, não suportando mais a situação, ocorreu uma grande debandada de italianos para o exterior, a qual só arrefeceu com o início da I Grande Guerra, retomando logo após o término do conflito, porém, não mais com o mesmo ímpeto anterior. Em 1890, quando Francesco e Maria embarcaram, milhões de outros italianos, do norte ao sul da península, já tinham deixado definitivamente o país em busca de melhores oportunidades em países distantes do outro lado do oceano, especialmente nos Estados Unidos, Brasil e Argentina. Foi nesse ano que o casal Francesco e Maria, com a pequena Betina, finalmente realizou o sonho de tentar a sorte em um novo país, o Brasil, que tanto tinham ouvido falar através das cartas do tio Masueto, que tinha partido com a família nas primeiras levas de emigrantes.
Deslumbrados com a grande cidade de Gênova, o jovem casal dirigiu-se a uma pequena e barata estalagem, localizada em uma rua vizinha do cais. O embarque estava programado para daqui a dois dias, e na situação em que se encontrava Maria, não poderiam ficar ao relento todo esse tempo. Ainda fazia frio, e as madrugadas eram bastante geladas, especialmente pelo vento que vinha do mar. Apesar do pouco dinheiro que traziam, não havia outra opção para eles.
No dia do embarque, logo cedo, dirigiram-se ao cais onde o navio já estava ancorado. Um grande número de pessoas se amontoava no guichê de embarque, homens carregando grandes sacos e baús com seus pertences, e as mulheres levando os seus filhos. Do convés, ouviam-se ordens gritadas e os marujos correndo pelo tombadilho, ultimando os últimos preparativos para o embarque. No cais, um frenesi desordenado de carroças e carregadores de bagagens ao lado do grande navio a vapor. Subitamente, um longo apito agudo, seguido por dois outros mais graves, anunciava o início da admissão dos passageiros no barco.
Pela longa escada inclinada, encostada ao lado da embarcação, os passageiros subiam ordenadamente em fila, com os bilhetes de viagem e o passaporte nas mãos, as famílias agrupadas entre si, com as crianças pequenas agarradas nas saias das mães. O primeiro contratempo inesperado surgiu ao entrarem no interior do barco, que para eles parecia um verdadeiro monstro que os tinha engolido. Um dos membros da tripulação, com pouca paciência, separava os homens e os meninos maiores de oito anos das mulheres, meninas e crianças pequenas. As acomodações eram separadas por sexo.
Os grandes salões dormitórios, com o teto baixo e sem janelas, localizados nos porões do grande navio, consistiam de várias longas filas de beliches, de duas camas, fixados entre si e no piso. Nas extremidades de cada uma dessas filas, tinham colocado um grande balde de madeira com tampa, que deveria servir como sanitário para os passageiros fazerem as suas necessidades. Não havia muito conforto e nem privacidade. As instalações sanitárias e até mesmo a água eram insuficientes para o grande número de passageiros embarcados. O ambiente nesses dormitórios era quente, úmido e dele exalava um odor insuportável, depois de alguns dias de viagem.
O Matteo Bruzzo zarpou de Gênova em direção ao Porto de Nápoles, levando mais de seiscentos passageiros, a maioria imigrantes venetos e lombardos com destino ao Brasil e Argentina. Em Nápoles, subiram a bordo mais outros quinhentos passageiros, todos emigrantes provenientes de várias províncias do sul da Itália. A lotação, como quase sempre acontecia, já havia ultrapassado o número legal de passageiros permitido pela lei; entretanto, as autoridades portuárias faziam vista grossa e o ilícito se repetia a cada viagem.
Com exceção de algum enjoo e vômitos no início da viagem, Maria estava bem e suportando o duro trabalho de cuidar da Betina, que, amedrontada, exigia mais atenção do que o costume. As refeições servidas a bordo eram até relativamente boas, e tanto Maria como Cesco não tiveram problemas em se adaptar. Tudo ocorria tranquilamente, com a grande embarcação sulcando águas calmas, até quando chegaram próximo à linha do Equador, onde a temperatura era muito mais quente, e o mar começou a ficar mais agitado devido aos fortes ventos.
No final de uma tarde muito quente e abafada, o céu ficou carregado por ameaçadoras nuvens escuras e, de repente, iniciou-se uma grande tempestade, com ventos bastante fortes que faziam a água do mar saltar acima do convés, molhando cadeiras e outros equipamentos ali amarrados. Os passageiros foram proibidos de ficar ali e receberam ordens expressas para se dirigirem aos seus dormitórios. O navio balançava furiosamente, e as grandes ondas produziam um barulho ensurdecedor batendo como martelos no costado do barco. Objetos soltos nos dormitórios eram arremessados, e os passageiros precisavam se segurar para não caírem. A tripulação corria de um lado para o outro verificando todos os cantos do navio para ver se havia alguma infiltração da água do mar. O pânico começou a tomar conta dos passageiros, que tiveram a sensação de que iriam morrer afogados.
Maria, que estava sozinha em um dos dormitórios femininos, junto à filha Betina, ficou muito agitada e com medo, começou a se sentir mal, com enjoo e fortes cólicas na barriga. Ficou na sua cama, agarrada com a filha na esperança de que as dores aliviassem. Entretanto, elas não cessavam; pelo contrário, estavam cada vez mais frequentes. Maria, desesperada, pediu para chamar o marido que, avisado, prontamente correu para encontrá-la. O que os familiares de Maria temiam estava acontecendo; era evidente que as dores do parto haviam começado. O médico de bordo foi chamado, e depois de examiná-la, encaminhou-a diretamente para a enfermaria, tudo isso no meio da gritaria e correria causada pela tempestade, a qual não dava um minuto de trégua, balançando freneticamente o grande navio. Não demorou muito tempo e um forte choro anunciou o nascimento de Tranquilo, o segundo filho do casal Maria e Francisco. Como já estavam em águas brasileiras, o bebê seria registrado com essa nacionalidade.
Maria tinha leite em abundância, e o pequeno recém-nascido tinha um grande apetite. Com exceção do primeiro choro, o bebê era calmo e sossegado, o que corroborou a prévia escolha do nome que os pais fizeram, em homenagem ao pai de Francisco, que tinha este nome, cumprindo-se assim uma antiga tradição vêneta.
Depois de mais três dias, chegaram ao Porto do Rio de Janeiro, desembarcando na Ilha das Flores e sendo levados para a Hospedaria dos Imigrantes, onde foram abrigados por mais alguns dias. Até chegar ao porto, o navio costeiro Rio Negro, que os levaria até o Rio Grande do Sul, a jornada da família de Cesco ainda estava longe de terminar. Centenas de passageiros que viajavam no Matteo Bruzzo não desembarcaram no Rio de Janeiro, seguindo com o mesmo navio para a Argentina, que era seu destino final.
Com a chegada do vapor Rio Negro, Cesco e a família, acompanhados por várias dezenas de outros passageiros, embarcaram novamente, para mais oito dias de viagem até o Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Desembarcaram e foram alojados em grandes barracões de madeira, sem conforto ou privacidade. Deveriam ficar esperando pela chegada dos barcos fluviais, que os levariam rio Caí acima até a colônia Caxias.
Há vários anos, um tio de Cesco havia emigrado com toda a sua família logo no início da fundação da colônia Caxias, alguns anos antes. Pela correspondência que recebiam do tio, ficaram sabendo das grandes oportunidades que ali existiam para aqueles que queriam trabalhar. O tio Mansueto e um sócio tinham uma grande fábrica de carroças naquela colônia, e não foram poucas as vezes que convidava os parentes na Itália para se juntarem a ele. Como Cesco, apesar de jovem, era um bom carpinteiro, esta foi uma das razões do casal ter escolhido a colônia Caxias para viverem. Esperava trabalhar na empresa do tio e, se possível, mais tarde, quando tivesse juntado algum dinheiro, abrir a própria carpintaria.
Depois de quase dez dias de espera naqueles incômodos barracões, finalmente chegou o dia de embarcarem novamente em direção à nova vida. Embarcaram no vapor Garibaldi, um pequeno vapor fluvial, e, seguindo pelo rio Guaíba, atravessaram a Lagoa dos Patos até a cidade de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul. Nesse ponto, desembocavam vários importantes rios que vinham do interior do estado. Tomaram a direção do Rio Caí e começaram a lenta subida de quase dez horas, seguindo contra a forte correnteza, até o Porto Guimarães, na cidade de São Sebastião do Caí, onde então desembarcaram.
Desse porto até a Colônia Caxias, ainda deveriam percorrer um longo trecho pela irregular e acidentada estrada Rio Branco, a pé ou em carroças, levando no colo os dois filhos e os poucos pertences que tinham trazido. Fizeram uma parada para descanso e abastecimento e, no dia seguinte, partiram em direção à grande colônia, seu destino final. Foram recebidos pela família do tio Mansueto, com inúmeros primos que Cesco ainda não conhecia.
Francisco trabalhou duramente por alguns anos na fábrica de carroças do tio, demonstrando grande talento como carpinteiro, sendo elogiado por todos os clientes. Alguns anos mais tarde, já respeitável chefe de família com uma prole de oito filhos, abriu a sua própria oficina, aventurando-se em grandes obras como construções de igrejas e moinhos movidos por água, suas duas especialidades com as quais se tornou famoso e solicitado em toda a região de colonização italiana da Serra Gaúcha.
Tranquilo, o filho mais velho, nascido durante a viagem de navio para o Brasil, desde muito pequeno tinha um especial interesse no trabalho do pai, sempre o acompanhando alegremente como ajudante na oficina e durante suas frequentes viagens. Cresceu ajudando o pai e, logo, do qual aprendeu o ofício e, apesar da pouca idade, se tornou conhecido como um excelente mestre de obras, construtor de grandes obras como igrejas, pavilhões e moinhos coloniais movidos a água e, posteriormente, a eletricidade.



Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

sábado, 22 de abril de 2023

Colônia Nova Itália: Uma Viagem no Tempo pelas Tradições Italianas no Paraná

Igreja da Colônia Nova Itália no Paraná

Era o ano de 1878 e a grande colônia italiana de Nova Itália, o segundo grande experimento oficial de colonização da província, com uma população de mais de oitocentos imigrantes, localizada próximo de Paranaguá, entre as cidades de Antonina e Morretes, no Paraná, estava passando, desde algum tempo, por um período crítico de grande agitação. Desde a sua fundação em 1872, criada às pressas para acolher os imigrantes retirantes da mal sucedida Colônia Alexandra, esse novo assentamento era bem maior, com vários núcleos de povoamento, ainda não tinha mostrado o desenvolvimento e a pujança que as autoridades do governo tanto esperavam. Já de algum tempo as condições de vida na colônia estavam bastante corroídas, tendo já ocorrido diversas reclamações dos imigrantes contra a administração da colônia. Havia uma falta crônica de material para a construção das casas, de sementes, roupas e até de alimentos para os colonos, os quais depois de seis anos ainda dependiam totalmente do estado para praticamente tudo. Diversos abaixo-assinados foram enviados para as autoridades competentes em Curitiba, sem receberem solução adequada. O descontentamento para esta situação era generalizado e cresciam as manifestações de protestos contra a administração da colônia, as quais estavam ficando cada vez mais violentas. Os colonos exigiam do governo a sua transferência para outro local, fazendo valer uma das cláusulas constante nos seus contratos. Por diversas vezes a autoridades provinciais estiveram no local avaliando a situação, prometendo melhorias que acabaram não acontecendo, mas agora os colonos estavam irredutíveis exigindo transferência de local. Na realidade a extensa região que a colônia tinha sido implantada e onde se estabeleceram os diversos núcleos de povoamento da mesma, tinham condições muito diferentes na qualidade do solo. Alguns dos terrenos tinham áreas com possibilidade de algum cultivo e outros eram quase todo de terreno arenoso e alagadiço, impróprios para as culturas pretendidas. Por outro lado, o clima quente, muito úmido e os incômodos insetos típicos da zona litorânea, que tantas doenças causavam, estavam presentes indistintamente neles todos. O contrato oficial assinado pelos colonos com as autoridades brasileiras, estipulava que se eles, por qualquer motivo, não se adaptassem na colônia oferecida, poderiam solicitar ao governo paranaense a transferência para outro local. Os imigrantes italianos que ali tinham sido assentados, estavam preocupados com o seu futuro naquela colônia de clima ruim e terras magras para o cultivo e teimava em não progredir, isso também devido por se encontrar longe de um grande centro consumidor para os seus produtos. Muitos desses colonos já haviam começado a trabalhar como diaristas nas obras de construção da Estrada da Graciosa e da Estrada de Ferro Paranaguá Curitiba, mas o que conseguiam ganhar segundo eles mal dava para sustentar a família.
Cada vez mais a ideia de se transferir para Curitiba tomava corpo, estimulada pelas notícias que chegavam através dos tropeiros, viajantes comerciais ou mesmo em conversas com o pessoal da ferrovia, muitos deles trazidos da capital. Aqueles imigrantes que ainda tinham alguma reserva financeira, trazida da Itália, se adiantaram e por conta própria empreendiam a viagem até Curitiba, comprando em conjunto terrenos em alguns pontos da cidade, tal como a Colônia Santa Felicidade. Curitiba era uma cidade ainda pequena, mas como uma capital de província tinha um futuro muito promissor e isso era fácil de se perceber. As terras em torno da cidade eram de ótima qualidade para qualquer tipo de cultivo e o clima temperado de montanha, quase idêntico aquele da Itália que haviam deixado. A cidade era movimentada e cheia de vida, em franco crescimento, necessitando de muita mão de obra para as suas fábricas e de gêneros alimentícios para alimentar a população que não parava de crescer. Eles sabiam que não seria fácil se adaptar a um novo lugar, mas estavam dispostos a tentar. Então, a maioria decidiu se mudar para Curitiba. O governo provincial, depois de alguma relutância e atraso, finalmente cedeu e liberou a saída dos colonos da Colônia Nova Itália para aqueles que assim desejassem e até ajudou no transporte e na alocação das famílias em diversas outras colônias que estavam sendo criadas entorno da capital. 


Texto 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS