quarta-feira, 24 de junho de 2020

Imigração Italiana e a Questão Racial


A questão racial foi decisiva na política imigratória brasileira. O imigrante ideal teria que ser agricultor e, mais do que isso, branco e que emigrava com a família. Neste momento, imigrante virou sinônimo de europeu, pois negros e mestiços foram automaticamente excluídos dos projetos de colonização baseados na distribuição de terras. Nos contratos firmados por agenciadores, os imigrantes eram selecionados de acordo com suas origens regionais (o que indicava que a categoria genérica de "europeu" não era absoluta ou exclusiva). Como exemplo, no decreto 5.663, de 1873, celebrado pelo governo imperial com Joaquim Caetano Pinto Júnior, no topo da lista apareciam alemães e austríacos, portugueses e espanhóis foram excluídos, mas incluía bascos e italianos do Norte. Porém, a política imperial quase sempre não se prendia a escolhas minuciosas da região de origem, sendo o europeu genérico o alvo preferido da política imigrantista. Por muitas décadas os alemães permaneceram no topo da preferência entre os imigrantes, por sua "índole" e seu "pendor" agrícola. A situação se alterou no final do século XIX, quando cresceu a corrente contrária à imigração alemã, devido à formação de quistos germânicos no sul do Brasil, que não se assimilavam dentro da sociedade brasileira, o que passou a ser considerado uma ameaça. 
Recorrer à imigração de trabalhadores africanos foi uma ideia prontamente descartada pois, para a elite, isso representaria um reestabelecimento do tráfico negreiro e um aumento da "africanização" do Brasil. O grande número de negros e mestiços, majoritários na população brasileira, causava preocupação entre a elite. Chineses, indianos e outros asiáticos também foram excluídos uma vez que, ao lado dos africanos e dos índios, eram considerados pertencentes às "raças inferiores", em um momento em que as ideias de eugenia racial tinham grande prestígio no pensamento científico. O decreto 528, de 1890 foi explícito ao restringir a entrada no Brasil de "indígenas da Ásia e da África". 
O privilégio concedido aos europeus também não era irrestrito, uma vez que criminosos, mendigos, vagabundos, portadores de doenças contagiosas, inválidos, velhos, ciganos, ativistas políticos, refugiados, etc, eram listados como "indesejáveis". Os alemães também passaram a figurar na lista dos "indesejáveis", devido à sua tendência à não assimilação. Neste momento, a questão da "latinidade" ganhou força, uma vez que o governo pretendia formar um crisol de raças, que se misturaria, fundindo-se e assimilando imigrantes e descendentes, alcançando uma meta que seria uma totalidade inequivocamente brasileira. No pensamento da elite, se formaria no Brasil um povo mestiço, mas onde deveriam predominar as características da raça branca, diluindo a presença das "raças consideradas então como inferiores". 
Assim, italianos, portugueses (e, às vezes, espanhóis), pelo fato de serem povos de cultura latina, próxima à matriz luso-brasileira, apareciam como os imigrantes preferenciais, provavelmente com ênfase nos italianos, pois também havia um certo sentimento antilusitano, inclusive nos meios intelectuais. Assim, a política migratória brasileira privilegiou italianos e portugueses, considerados "assimiláveis", tratou com reservas alemães e japoneses (pois os consideravam menos propensos à assimilação) e excluiu por completo africanos e asiáticos (a restrição à migração de asiáticos só foi revogada em 1907, pouco antes da chegada dos primeiros imigrantes japoneses).

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

terça-feira, 23 de junho de 2020

Imigração Vêneta em Sāo Bernardo do Campo - Estado de São Paulo




Quando a primeira leva de imigrantes italianos chegou ao Núcleo Colonial São Bernardo, em julho de 1877, o estado italiano unificado era uma realidade muito recente, surgida em 20 de setembro de 1870, quando o exército italiano, sob o comando do antigo rei da Sardenha, Vítor Emanuel II, tomou a cidade de Roma, último território remanescente dos Estados Pontifícios – administrados temporalmente pelo próprio papa. Os recém chegados vinham de regiões que durante muitos séculos fizeram parte de estados distintos, com realidades políticas, econômicas, étnicas e linguísticas diversas.  No entanto, estas áreas tinham raízes históricas e culturais em comum, e, também, uma tradicional ligação com um modo de vida predominantemente rural, que vinha se desarticulando há muitas décadas e cuja crise se agravara severamente com a chegada do estado e do capitalismo moderno, causando um intenso movimento migratório, que alcançaria proporções dramáticas nas últimas duas décadas do século XIX (1). Em São Bernardo, 55 % dos emigrados italianos para o núcleo colonial, entre 1877 e 1889, tinham como origem a região do Vêneto (5), que durante séculos compôs a parte central do território da histórica “Sereníssima República de Veneza”, cujas origens remontam à alta Idade Média, e que desapareceu em 1797, com a ocupação do exército revolucionário francês.  Em 1815, a região passou a ser tutelada pela Áustria, e apenas em 1866 foi finalmente anexada ao moderno estado italiano.  Era uma área muito pobre, pouco industrializada, onde as atividades rurais ainda utilizavam técnicas agrícolas arcaicas e pouco produtivas. Os pequenos produtores do Vêneto sofreram duramente com a concorrência de produtos estrangeiros (3) e com o aumento dos impostos (4), duas consequências das reformas fiscais e alfandegárias levadas a cabo pelo novo governo.  O descontentamento com a política se devia também a razões culturais, uma vez que a fé católica era muito forte e arraigada no Vêneto, e a Igreja, através do Papa Pio IX - que se declarou prisioneiro do novo governo, inicialmente não reconheceu o estado italiano (5), chegando mesmo, em 1876, a proibir a participação dos católicos nas eleições.   Entre todas estas razões para migração acrescentavam-se ainda epidemias, crescimento populacional e escassez de terras adequadas à agricultura.  Em São Bernardo, entre 1877 e 1889, os imigrantes do Vêneto se instalaram  sobretudo nas áreas dos atuais bairros Alves Dias, Assunção, Demarchi, Batistini, Rio Grande e Centro,  onde dedicaram-se principalmente à agricultura, com destaque para a produção de uva e vinho. A região do Vêneto é dividida em sete províncias, entre as quais, a de Treviso é a que mais enviou imigrantes para a cidade. De lá vieram as famílias Modolin, Rinaldi, Canever (para o Bairro Centro); Viezzer, Costa, Barducco, Bitolo (para os bairros Rudge Ramos e Paulicéia); Valério, Secol, Sacilotto, Delabarba, Zardo (para o B. Alves Dias);  Bellon, Zanata, Serraglia, Dal Molin, Damo ( para os bairros Demarchi e Batistini); Stangorlini, Breda, Pessotti (B. Assunção);  Piccoli (B. Montanhão);   Gianotti, Finco e Zaia (B. Rio Grande). Da província de Veneza vieram os Miele, os Corazza, os Canever, Mania e Orso (B. Centro); Zamengo (Bairros Planalto e Rudge Ramos); Rocco (B. Alves Dias); Camollese e Novi (B. Demarchi e Batistini); Bassani (B. Assunção); Zanella (B. Rio Grande); Da província de Vicenza, vieram os Basso (Rio Grande), os Frada (B. Planalto) e os Storti (B. Assunção). De Rovigo, vieram Bernardinelli e Crescini (B. Rio Grande); Montagna (B. Centro). De Verona vieram os Ballotin, os Tosi e os Dusi, fixando-se nos atuais bairros do Rio Grande e Centro. Da província de Belluno são os sobrenomes Rech, Boff e Scopel, todos provenientes do mesmo município - Seren Del Grappa – e que aqui se estabeleceram nos bairros Centro e Assunção. Da atual região do Friul-Veneza Julia, que historicamente esteve anexada ao Vêneto, vieram as famílias Demarchi, Batistini (Estabelecidas aproximadamente na área dos atuais bairros homônimos), Zechetti (Rudge Ramos), Marcusi (Rio grande) e D’Alessio (Centro) (6). A pobreza que fez estas famílias deixarem a Itália, por muito tempo ainda esteve presente na vida da maioria delas em São Bernardo, ainda que, possivelmente, de maneira atenuada. Apenas a partir do período do pós-guerra (iniciado em 1945), é que, devido a diversos fatores, grande parte destas famílias pode vivenciar condições sócio-econômicas substancialmente melhores. Imagem - > Da esq. p/ dir: A imigrante vêneta Vitória Delabarba Sacilotto, sua filha Theodora Sacilotto, e Theodora Delabarba Zaia, provavelmente sua irmã. São Bernardo, por volta da metade do século XX.  Três sobrenomes vênetos provenientes do pequeno município de Fontanelle - Treviso. Publicado em Orsi, Itamir e PAIVA, Eddy C. Famílias Ilustres e Tradicionais de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, Edições Memória Nacional, 1994. v. 2. p. 127. 


Notas.

(1) Cf. Davis, John A. (E). The Short Oxford History of Italy. The Nineteenth Century. p.235 -239
(2) Cf. Agazzi, Constantino. Das regiões Lombarda e Vêneta ao núcleo colonial S. Bernardo. Acompanhando o imigrante italiano. Tese de mestrado em História Social. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1974. p. 67. 
(3) Cf. Davis, John A. (E). The Short Oxford History of Italy. The Nineteenth Century. p.239.
(4) Cf. Villa, Deliso. História Esquecida. Fundação Pró-Memória. São Caetano do Sul, 2000. p. 59
(5) Cf. Villa, Deliso. História Esquecida. Fundação Pró-Memória. São Caetano do Sul, 2000. p. 62
(6) Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo. Também foram consultados: 
-  FamilySearch. Portal eletrônico de pesquisa genealógica mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias.                    (https://www.familysearch.org/pt)
      - Gomes, Fábio. Origem das Famílias de São Bernardo do Campo - Famílias Tradicionais e Ilustres.  São Paulo, EDICON, 2005. 3 v. 
      - Orsi, Itamir e PAIVA, Eddy C. Famílias Ilustres e Tradicionais de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, Edições Memória Nacional, 1994. v.  2.  
      - Orsi, Itamir. “Famílias Ilustres e Tradicionais - São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, Edições Preservação da Memória Nacional, 1990. v. 1.
- Rodrigues, Artur. Sem título.  Estudos genealógicos não publicados. O Sr. Artur Rodrigues é genealogista e colaborador do Centro de Memória de S.B.C.
                   - O mapeamento diz respeito apenas aos imigrantes italianos vênetos estabelecidos e registrados no Núcleo Colonial S.B. entre 1877 e 1889, sendo que, ainda assim, a lista não é exaustiva, existindo outras famílias para as quais não foi possível determinar a província ou o sobrenome precisamente.  
Pesquisa e acervo: Centro de Memória de S. B. C/ Secretaria de Cultura e Juventude/PMSBC.