terça-feira, 28 de novembro de 2023

O Legado do Cônego Estanislau Pollon: Líder e Visionário em Barão de Cotegipe

 



 O Legado do Cônego Estanislau Pollon: Líder e Visionário em Barão de Cotegipe 


A longa permanência do cônego Estanislau Pollon em Cotegipe, como pároco, foi de fundamental importância para o destino daquela distante e quase esquecida vila, que tempos atrás já foi chamada de Floresta, um dos distritos de Erechim. Realmente, ele foi o motor propulsor que conseguiu impulsionar o antigo distrito de Floresta, criando as condições para a sua emancipação, transformando-se no município de Barão de Cotegipe. Sua inconteste liderança ia muito além das atividades meramente religiosas e paroquiais, desempenhadas com inteligência e tenacidade, estendendo-se a várias outras áreas, como saúde, educação, política, bem-estar social e lazer.

Quando ainda não existia energia elétrica no povoado, ele foi o criador e incentivador de uma pequena usina de força, com gerador movido por queda de água, que naquele tempo dava conta do atendimento à cidadezinha e algumas poucas propriedades rurais. Incentivou e, com muita luta, criou o hospital São Vicente de Paulo, uma construção bastante grande para a época, trazendo de Curitiba, para administrá-lo, as Irmãs de Caridade da Ordem das Vicentinas. Também foi através de sua visão e liderança a criação do Colégio Cristo Rei, entidade de ensino médio para alunos de ambos os sexos, assim como o conceituado internato, ambos administrados pela mesma ordem das Irmãs Vicentinas, escola de referência por onde passaram centenas e centenas de jovens provenientes de todo o Alto Uruguai, e mesmo de municípios mais distantes, como os de Santa Catarina.

Idealizou e construiu a grande Igreja de Nossa Senhora do Rosário, imensa construção mesmo para os padrões atuais, localizada em frente à avenida principal da cidade, com duas altas torres e tendo no seu interior uma comprida nave. Também foi sua a criação do enorme ginásio de esportes do município, construído em local da própria paróquia, ao lado da Igreja Matriz, o qual logo se tornou o espaço ideal para grandes festas e apresentações culturais na cidade, além de um concorrido campo de futebol de salão.

De personalidade forte e centralizadora, conquistou o respeito e a amizade da maioria da população, mas, como todo líder, também a antipatia de alguns poucos invejosos do seu carisma e sucesso empreendedor. Desde minha chegada à cidade, em 1º de setembro de 1969, tive nele um grande amigo e aliado, tanto social quanto profissionalmente. Sempre tive nele um grande apoiador do meu trabalho que desempenhava no hospital. Muitas vezes fui seu confidente nos assuntos financeiros e outros de cunho profissional.

Assim que cheguei, então solteiro, sem conhecer ninguém, ele foi a pessoa com quem mais me relacionei no primeiro ano na cidade. Uma vez por semana, sempre à noite, ele me esperava para conversar ou jogar algum jogo, em sua residência, a espaçosa Casa Paroquial, construção sólida de dois pisos e inúmeros aposentos. Seu jogo favorito era uma espécie de arremesso de pequenos discos de madeira com os do adversário, com o objetivo de jogá-los em uma espécie de caçapa no final da mesa. Aprendi com facilidade, e sempre jogávamos algumas partidas enquanto conversávamos, tomando um chá com bolachas ou apreciando um licor caseiro que o cônego tivesse ganho de algum paroquiano, sempre servidos pela sua atenciosa perpétua.

Acompanhei a fase final de construção e acabamento do ginásio de esportes, especialmente a compra da madeira de lei para o piso; se não me engano, ele optou pelo Tarumã, uma madeira muito dura e pesada. Todos os domingos, depois da última missa, ele passava lá no hospital, onde eu morava na época, para me pegar com sua velha caminhonete, e íamos visitar alguma capela que estava em festa pelo dia do seu padroeiro. Para mim, essas saídas dominicais eram muito gratificantes após uma dura semana, atolado em trabalho e preocupações.

Em todas essas ocasiões, eu participava da missa por ele oficiada e logo após ele me apresentava à comunidade ali reunida, o que muito me ajudou a conhecer com mais profundidade a sociedade local. Durante o trajeto da viagem, para essas afastadas capelas, tínhamos oportunidade de conversar muito francamente sobre todos os tipos de assuntos. Essas viagens também serviram para consolidar ainda mais a amizade entre nós.

Em um sábado, recebi o convite para acompanhá-lo até a casa de uns seus parentes, que moravam em Áurea, então distrito do município de Gaurama. A viagem era longa para a época e toda ela percorrida em estrada de chão batido, a chamada batinga. Como em todo aquele distrito, na casa não havia luz elétrica e sim uma luz fraca proveniente de dois pequenos lampiões a querosene. Foi lá que ele tentou me pregar uma peça. Para o jantar, tivemos uma saborosa sopa com macarrão, de cor escura. Falavam entre eles quase que só em polonês. Ninguém me esclareceu o que era aquilo. Eu também não conhecia as tradições polonesas para poder antever aonde queriam chegar. Terminada a refeição, o cônego perguntou se eu havia gostado daquele prato típico, o que prontamente respondi afirmativamente, tanto que o repeti duas vezes. Com um largo sorriso nos lábios, ele e seus familiares contaram que aquele prato se chamava czarnina e era feito com sangue de pato, daí aquela coloração bastante escura. Ficaram muito contentes, principalmente a dona da casa e cozinheira, que eu, uma visita de origem italiana, tivesse gostado daquele prato típico deles.

Em outra ocasião, numa tarde muito quente de verão, no meio da semana, talvez fosse um feriado (não recordo bem), o cônego me telefonou convidando para um passeio até a barragem da usina elétrica, para um banho de rio. Quando chegou com sua inseparável camioneta, estava acompanhado por dois jovens padres poloneses, seus hóspedes na casa canônica. O local onde ficava a barragem da usina elétrica, então já desativada, era gramado e bastante arborizado, um verdadeiro oásis no meio daquele sol abrasador. O cônego e os padres tiraram suas batinas e outras roupas, ficando apenas de calção de banho, e mergulharam naquela água limpa e fresca. Eu resolvi não entrar na água, pois estava com gripe. O cônego e os padres pareciam três garotos de colégio, alegres, nadando e saltando sem descanso das bordas da represa. No final da tarde, retornamos para Cotegipe.

Eram nessas oportunidades, que podíamos conhecer mais claramente as duas faces da personalidade do cônego: uma austera, sisuda e de poucas palavras, que usava no seu dia a dia de trabalho, e a outra bastante alegre, extrovertida e brincalhona, quando na intimidade com amigos, longe dos seus tantos deveres. Como seu médico particular acompanhei o desenrolar da sua doença e o longo período de sofrimento que se seguiu, especialmente nos seus últimos anos de vida, sempre enfrentado com muito otimismo, coragem, fé e resignação. Lembro que quando retornou de Santa Maria, onde se submeteu a um grande tratamento, não se cansava de me dizer: “A gente não é ninguém longe da nossa casa”.

A figura do cônego Estanislau Pollon destaca-se como um verdadeiro líder e visionário que, além de suas responsabilidades religiosas, desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento e na transformação da vila de Floresta em Barão de Cotegipe. Seu legado vai além das construções materiais, abrangendo a promoção da educação, saúde e bem-estar social. A dualidade de sua personalidade, entre a seriedade no trabalho e a jovialidade na intimidade, demonstra a riqueza de suas contribuições para a comunidade. Este  artigo destaca momentos marcantes que revelam não apenas sua liderança, mas também a conexão e amizade que cultivou com aqueles ao seu redor. O título "O Legado do Cônego Estanislau Pollon: Líder e Visionário em Barão de Cotegipe", ressalta a importância e a influência duradoura desse grande líder na história da região.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS


A Saga Italiana nas Fazendas de Café de São Paulo: Uma História de Determinação e Sucesso

Imigrantes Italianos na Colheita do Café no início do século XX


Os Imigrantes Italianos nas Fazendas de Café de São Paulo


Com o início da imigração subsidiada, nos anos 1884 até 1886, milhares de imigrantes europeus, especialmente, italianos foram introduzidos no estado de São Paulo, dando início a criação de um mercado de trabalho livre no Brasil. 

Com os movimentos abolicionistas cada vez fortes, a proibição de trazer novos escravos e, logo depois, com a abolição da escravidão no país, com a Lei Áurea, o trabalhador europeu foi trazido para substituir aquela mão de obra escravizada, tão necessária para o surgimento da cultura cafeeira paulista e sua expansão para outros estados do Brasil.

Milhares de italianos do norte da Itália, a sua maioria composta por imigrantes originários da região do Vêneto, foram assentados pelo interior do estado, nas grandes fazendas de café.

Desde início os grandes produtores de café deram preferência em trazer esses trabalhadores acompanhados de suas famílias. Eram assentados nas grandes fazendas de café, empregandos no sistema de relação trabalhista conhecido como colonato. Daí surgiu o termo colono, a denominação dada a esses trabalhadores.


Colonos italianos na colheita do café em 1910


O colono era uma espécie de trabalhador que não trabalhava isoladamente em sim era inserido com todo o seu núcleo familiar. Quando então o fazendeiro contratava o colono estava na verdade contratando toda a sua família, com o seu chefe passando a ser o responsável na execução das tarefas diárias que deviam desempenhar. 

Devido a proporcionalidade, os imigrantes que tivessem famílias maiores levavam vantagem sobre aquelas que tinham poucos membros, pois, poderiam cuidar de um maior número de pés de café e assim conseguirem permissão para usar uma maior extensão de terra para cultivar. Os ganhos dessas grandes famílias com os excedentes comercializados seriam maiores e teriam maiores chances de melhoria social. Assim ter uma família grande era uma estratégia do colono para aos poucos melhorar as suas condições de vida.

O colono era assim ao mesmo tempo um empregado assalariado, um trabalhador de subsistência, pois devia plantar para suprir a alimentação para a família, era também um produtor, um negociante de produtos agrícolas e um consumidor. 

O colono e sua família estavam responsáveis pela limpeza do cafezal, da colheita do grão, do plantio de alimentos e também, podiam ser convocados para outros serviços da fazenda, os quais, conforme o seu contrato, podiam ser remunerados ou não. 

Conforme o acerto que tinham com o fazendeiro, o colono recebia como pagamento pelo serviço de limpeza, um valor fixo em dinheiro, valor esse proporcional a cada mil pés de café que estivessem ao seu cuidado, isso por 3 a 5 vezes ao ano. 


Imigrantes Italianos trabalhando na Colheita do café no início do século XX



Na safra o colono recebia uma quantia em dinheiro, proporcional ao volume de grãos de café colhidos.

O colono podia usufruir de moradia gratuita e do uso de outras benfeitorias da fazenda. Plantava milho, arroz e feijão em locais determinados pelo fazendeiro e podia manter uma pequena horta ao redor de casa, criar alguns animais pequenos, como aves e porcos, e utilizar do pasto para umas poucas vacas e cavalos. 

Essa produção independente fornecia o alimento para a sua família e o excedente era vendido ao fazendeiro ou nas vilas e cidades mais próximas da fazenda. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS