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terça-feira, 27 de agosto de 2024

A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS

 



No final do século XIX, a Itália enfrentava tempos difíceis. A fome, a pobreza e a falta de perspectivas atormentavam as famílias, especialmente no norte do país, na região do Vêneto. Foi em meio a esse cenário que Giovanni e Maria R., um casal de agricultores da pequena vila de Villanova del Ghebbo, na província de Rovigo, decidiram buscar uma nova vida. Com seus oito filhos, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre, rumo ao Brasil.

Giovanni R. era um homem forte e determinado, de mãos calejadas pelo trabalho no campo. Maria, sua esposa, era uma mulher de espírito resiliente, conhecida por sua bondade e dedicação à família. Juntos, enfrentaram anos de dificuldades em Rovigo, mas quando a crise atingiu seu ápice, decidiram que era hora de partir, não queriam deixar como herança para os filhos a mesma miséria em que sempre viveram. Abandonar a terra natal não foi fácil; a despedida da casa onde nasceram e dos amigos de infância trouxe lágrimas e um peso no coração. Mas o desejo de oferecer um futuro melhor para os filhos foi mais forte.

Com uma mala cheia de poucas roupas e muitas esperanças, a família R. embarcou no porto de Gênova rumo ao Brasil. A viagem seria muito longa e cansativa, mas Giovanni e Maria estavam dispostos a enfrentar qualquer adversidade pela promessa de uma vida melhor.

O navio que os levaria ao Brasil era o Ester, uma embarcação repleta de outros imigrantes italianos, todos com histórias semelhantes. Durante a travessia, o casal enfrentou dias de mar agitado, noites sem dormir e o medo constante de doenças que rondavam o navio. Maria cuidava dos filhos com todo o carinho, enquanto Giovanni fazia amizade com outros homens que, como ele, sonhavam com a nova terra.

Os filhos, apesar do desconforto, mantinham o espírito jovem e aventureiro, maravilhados com a imensidão do oceano e as histórias que ouviam dos outros passageiros. A cada dia que passava, a Itália ficava para trás, mas o futuro ainda era incerto.

Após quase dois meses de viagem, finalmente avistaram o porto de Rio Grande, no sul do Brasil. A emoção tomou conta de todos, mas também o temor do desconhecido. Giovanni e Maria sabiam que a jornada estava longe de terminar. Depois de uma breve estadia em Rio Grande, onde ficaram provisoriamente abrigados em barracões de madeira esperando a chegada dos pequenos vapores fluviais, a família R. seguiu para o interior, rumo à Colônia de Silveira Martins, também conhecida como a 4ª Colônia Italiana do Rio Grande do Sul. Seguiram pela Lagoa dos Patos, passando pela capital do estado Porto Alegre e subindo as correntezas do Rio Jacuí até a cidade de Rio Pardo.

O caminho até Silveira Martins foi longo e árduo. A pé e em grandes carroças puxadas por bois, cruzaram estradas de terra, estreitas, verdadeiras picadas, chegando na localidade de Val del Buia, enfrentando o frio das serras e as dificuldades de comunicação com os brasileiros locais. No entanto, cada passo era um passo mais perto de sua nova vida. Após mais quinze dias, finalmente chegaram ao barracão que os abrigaria até a distribuição dos lotes de terra.

Ao chegarem à colônia, foram recebidos por outros italianos que já haviam se estabelecido na região. Giovanni e Maria ficaram impressionados com a beleza da paisagem, mas também perceberam que teriam que recomeçar do zero. O barracão que os abrigou era simples, feito de madeira, mas oferecia abrigo. Com o tempo, construíram uma simples choupana no lote a eles designado e, após roçarem uma pequena parte do terreno, iniciaram o primeiro plantio, como faziam em Rovigo, semeando milho, trigo e plantando algumas mudas de parreiras, que haviam trazido de casa.

Os dias eram longos e o trabalho, extenuante, mas Giovanni e Maria sempre encontravam forças um no outro e na esperança de um futuro melhor para seus filhos. Os oito jovens R. logo se adaptaram à nova vida, ajudando no campo, cuidando dos animais e aprendendo, na medida do possível, a língua portuguesa com algumas crianças locais.

Os primeiros anos foram difíceis. As doenças, a distância da família que ficou na Itália e a saudade dos entes queridos pesavam no coração de Maria. Giovanni, por sua vez, lutava contra o isolamento e a solidão das vastas terras. Mas a comunidade italiana em Silveira Martins era unida, e juntos, enfrentaram as dificuldades.

Com o tempo, a colheita começou a dar frutos, e a família R. começou a prosperar. Giovanni e Maria viram seus filhos crescerem fortes e saudáveis, adaptando-se à nova vida. A fé e a tradição italiana permaneceram vivas em seus corações, e as festas religiosas, como a Festa de San Giuseppe, eram momentos de celebração e lembrança da terra natal.

Décadas depois, a família R. se tornou uma das mais respeitadas na colônia de Silveira Martins. Giovanni e Maria envelheceram vendo seus filhos se casarem, terem filhos e prosperarem. A casa simples se transformou em uma propriedade próspera, e o nome R. passou a ser sinônimo de trabalho árduo e superação.

Giovanni, ao olhar para os campos que agora produziam fartura, lembrava-se dos dias em Rovigo, das mãos calejadas e das noites em que ele e Maria se preocupavam com o futuro. A Itália ainda estava em seu coração, mas ele sabia que o Brasil havia se tornado sua verdadeira casa.

Maria, por sua vez, mantinha viva a memória de sua terra natal através das histórias que contava aos netos, das canções italianas que cantava nas noites frias e da comida que preparava com tanto carinho. O sabor da polenta, do pão caseiro e do vinho feito em casa trazia um pouco da Itália para a nova geração.

Giovanni e Maria R., como muitos outros imigrantes italianos, foram pioneiros que ajudaram a construir o Rio Grande do Sul. Suas vidas foram marcadas pela saudade, pelo sacrifício e pela superação, mas também pelo amor, pela fé e pela esperança.

A história da família R. é a história de milhares de italianos que encontraram no Brasil uma nova pátria, sem nunca esquecer suas raízes. Hoje, seus descendentes mantêm vivas as tradições italianas, celebrando a cultura que Giovanni e Maria trouxeram consigo e que floresceu em solo brasileiro.


sexta-feira, 10 de maio de 2024

Entre Ruínas e Renascimentos: A Jornada de Marietta



No pequeno município de Segusino, situado entre o Monte Grappa e costeando a margem esquerda do Rio Piave, a vida sempre foi tranquila para Marietta e sua numerosa família. Filha de Giacomo e Maria Augusta, Marietta era a terceira de oito irmãos, cercada pelo afeto de sua família e pela presença reconfortante da nona Chiara, que aos 76 anos ainda irradiava sabedoria e amor. No entanto, a paz que conheciam foi abruptamente interrompida com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, que trouxe destruição e desolação à sua querida Segusino. O conflito deixou cicatrizes profundas na terra e na alma dos habitantes locais. Após a guerra, Marietta testemunhou a triste cena de sua comunidade despedaçada, forçada a deixar seus lares em busca de abrigo em cidades ao sul da Itália. Enquanto seus irmãos e irmãs optavam por permanecer nas terras devastadas, Marietta, então com 30 anos, decidiu trilhar um caminho diferente. Com coragem e determinação, Marietta reuniu suas poucas economias, e, com a ajuda preciosa de seus pais e irmãos, adquiriu as passagens de navio. Com o coração cheio de esperança, ela embarcou em uma jornada incerta rumo ao Brasil, buscando um novo começo em terras distantes. Acompanhada por antigos vizinhos, Marietta deixou para trás as ruínas de seu lar e partiu para uma terra promissora, onde os raios do sol pareciam sussurrar promessas de oportunidades e renovação.
Ao chegar ao porto de Santos, Marietta contemplou as vastas possibilidades e desafios que aguardavam sua chegada. Orientada por uma amiga de longa data, que emigrou com os pais e já residia em São Paulo desde os tempos anteriores à guerra, ela tomou o trem em direção à grande cidade, pronta para começar uma nova jornada. Sua amiga a ajudou a encontrar uma pensão não muito cara para morar, proporcionando-lhe um ponto de partida seguro para iniciar sua nova vida na metrópole. 
Com suas habilidades de costura, refinadas pela avó em sua cidade natal, Marietta encontrou uma oportunidade valiosa em uma renomada fábrica de roupas em São Paulo. Seu talento excepcional logo se destacou, tornando-a uma parte indispensável da equipe. Suas mãos habilidosas transformavam tecidos em obras de arte, enquanto ela se integrava harmoniosamente ao ritmo frenético da produção. Determinada a prosperar, Marietta não se contentava apenas com o emprego diurno; à noite, dedicava-se incansavelmente ao seu modesto ateliê na pequena peça, onde costurava e remendava roupas com habilidade e paixão. Cada ponto era uma contribuição para o seu sonho, cada peça restaurada uma pequena vitória. Com determinação inflexível, ela economizava cada centavo, consciente de que cada sacrifício era um investimento em seu futuro brilhante. Mesmo sua máquina de costura era alugada, pois ainda não tinha recursos para adquirir uma própria, mas isso não a detinha em sua busca pela independência e sucesso.
Com o passar dos anos, Marietta ganhou reputação como uma costureira habilidosa, conhecida pela qualidade de seu trabalho. Sua clientela cresceu, e ela finalmente pôde comprar sua própria máquina de costura, um símbolo tangível de sua independência e sucesso. 
No entanto, o destino reservava mais surpresas para Marietta. Aos 40 anos, quando menos esperava, ela encontrou o amor nos braços de Giovanni, um viúvo respeitado na comunidade italiana de São Paulo. Com mais de duas décadas de experiência como comerciante de tecidos, Giovanni compartilhava não apenas a herança italiana de Marietta, mas também a determinação de construir uma vida melhor no Brasil. 
Seis meses após seu primeiro encontro, Marietta e Giovanni se casaram em uma cerimônia simples, mas repleta de amor e esperança. Enquanto os raios dourados do sol se derramavam sobre o jardim onde a cerimônia acontecia, Marietta e Giovanni, rodeados pela fragrância das flores em plena floração, uniram seus destinos em frente aos olhos ternos de seus familiares e amigos. Entre os presentes estavam os três filhos de Giovanni, já adultos e casados, que testemunharam com gratidão e felicidade o novo capítulo na vida de seu amado pai. Com sorrisos radiantes e abraços calorosos, eles celebraram a união de Giovanni e Marietta, reconhecendo a beleza do amor que transcende fronteiras e adversidades. Enquanto a música suave embalava a atmosfera, as vozes dos convidados se uniram em alegres felicitações, ecoando o sentimento de esperança e renovação que permeava o ar. 
Marietta e Giovanni, mãos entrelaçadas e corações repletos de promessas, olharam para o horizonte com otimismo, sabendo que estavam prontos para enfrentar juntos tudo o que o futuro reservava. Com solidariedade e determinação, eles se uniram, fortalecendo-se mutuamente para enfrentar os obstáculos que surgiriam em seu caminho. Além disso, para aumentar a sua alegria, Marietta não hesitou em dividir suas esperanças com sua irmã mais nova, enviando-lhe as passagens para que pudesse se juntar a ela no Brasil e compartilhar os desafios e as alegrias de construir uma nova vida em terras estrangeiras. Assim, a história de Marietta se torna um testemunho de coragem, perseverança e amor, uma jornada que começou entre as ruínas de um passado doloroso e floresceu em um futuro cheio de promessas e felicidade.


quarta-feira, 3 de abril de 2024

A Jornada de Matteo de Assisi para o Brasil

 


Nas montanhas verdejantes que circundavam a pitoresca vila não longe de Assisi, na região da Umbria, a parte central da Itália, nasceu Matteo, filho de Giovanni e Maria. Era uma manhã ainda fria de primavera quando ele veio ao mundo, envolto nas esperanças e nas expectativas de seus pais, que há muito tempo trabalhavam na terra fértil da região.
Desde os primeiros momentos de sua vida, Matteo foi imerso na beleza rústica e na simplicidade da vida campestre. Cresceu entre os campos ondulantes de oliveiras e vinhas, respirando o ar fresco das montanhas e ouvindo os cânticos dos pássaros que pairavam nos céus azuis.
Seu pai, Giovanni, era um mezzadro respeitado na comunidade, um homem que dedicava suas horas ao trabalho árduo nos campos em troca de uma modesta parcela de terra para cultivar. Sua mãe, Maria, era o coração do lar, uma mulher forte e amorosa que cuidava da casa e dos filhos com dedicação inabalável.
Matteo cresceu rodeado pelo calor da família e pela solidariedade dos vizinhos. Na pequena vila natal, próxima de Assisi, onde todos se conheciam pelo nome e compartilhavam alegrias e tristezas, ele encontrou um senso de pertencimento que moldaria sua visão de mundo nos anos seguintes.
Enquanto o tempo passava, Matteo testemunhava as estações mudarem, cada uma trazendo consigo suas próprias bênçãos e desafios. Ele aprendeu com seu pai os segredos da terra, trabalhando lado a lado nos campos desde tenra idade, enquanto absorvia as histórias e os ensinamentos dos mais velhos na vila.
No entanto, mesmo em meio à tranquilidade da região, Matteo não conseguia ignorar as histórias de parentes e amigos que partiram em busca de oportunidades além-mar. A situação economica da Itália no pós guerra impedia o desenvolvimento e a criação de novos postos de trabalho para uma população que crescia nas cidades pelo abandono do campo. Embora seu coração estivesse profundamente enraizado na terra que o viu nascer, ele sabia que o mundo além das montanhas guardava segredos e possibilidades desconhecidas.
E foi assim que, apesar de sua resistência inicial, Matteo se viu confrontado com uma escolha difícil em 1924, quando a Itália ainda estava se recuperando da guerra, uma série de más colheitas e dificuldades financeiras assolaram sua família e muitos outros na vila. A tentação da emigração tornou-se irresistível, e junto com outras famílias da província, Matteo embarcou em uma jornada incerta em direção ao Brasil, deixando para trás as colinas verdejantes e os laços de sangue que o ligavam à sua terra natal.
Após desembarcar no Porto do Rio de Janeiro, Matteo se encontrou diante de uma paisagem completamente diferente daquela que deixara para trás na Itália. As ruas movimentadas, os sons estridentes e a mistura de culturas o deixaram maravilhado e um pouco atordoado. No entanto, ele sabia que ali estava apenas o início de uma nova jornada.
Ao chegar em Santos e subir a Serra do Mar até São Paulo, Matteo contemplou as vastas plantações de café que se estendiam pela região, compreendendo a magnitude da economia cafeeira que impulsionava o estado. Em São Paulo, ficou tentado a se estabelecer na cidade, seduzido pela promessa de oportunidades infinitas, mas o convite de seu amigo de infância o levou a seguir rumo ao interior até Ribeirão Preto.
Ao chegar em Ribeirão Preto, Matteo imergiu profundamente no universo da construção civil. Seu domínio das técnicas de alvenaria, cultivado desde a infância enquanto auxiliava um tio em suas empreitadas, rapidamente o destacou pela destreza e dedicação. Logo, viu-se envolvido em projetos audaciosos e desafiadores, contribuindo para erigir os fundamentos de uma cidade em pleno crescimento.
Enquanto se entregava ao trabalho árduo durante o dia, Matteo mergulhava de corpo e alma na riqueza da cultura brasileira durante suas horas de folga. Determinado a se integrar completamente, ele dedicou-se a aprender o idioma local, imergindo em festas tradicionais e estabelecendo laços de amizade que transcendiam fronteiras. Foi em uma dessas celebrações que o destino o presenteou com Giulia, uma mulher cativante, cujas raízes italianas ecoavam as suas próprias. O amor entre eles floresceu de forma arrebatadora e rápida, guiando-os a decidir, em pouco tempo, unirem-se em matrimônio.
Com Giulia como sua companheira, Matteo descobriu uma fonte renovada de motivação para alcançar o sucesso. Unidos, eles ergueram sua morada e deram vida a uma família. Matteo persistiu em sua jornada na construção civil, eventualmente fundando sua própria empresa, que ascendeu para se tornar uma das mais conceituadas da região. Enquanto isso, Giulia dedicava-se incansavelmente ao lar e aos filhos, espelhando a mesma devoção e amor que ele testemunhara em sua própria mãe.
Ao longo dos anos, Matteo testemunhou o florescimento de Ribeirão Preto diante de seus olhos, como um jardim que desabrochava com o tempo. Novas ruas foram meticulosamente pavimentadas, imponentes arranha-céus ergueram-se majestosos onde outrora se estendiam campos abertos, e a cidade transformou-se em um polo econômico vital na região. Enquanto isso, seus filhos foram criados imersos na rica herança italiana que Matteo trouxera consigo, mas também absorveram avidamente as oportunidades oferecidas pelo Brasil em constante evolução.
Matteo, agora idoso, contempla o passado com um coração transbordando de gratidão pela jornada que o conduziu até este ponto. Ele se regozija com o trabalho árduo que desempenhou, com as memórias preciosas que acumulou ao longo dos anos e com a família que teve a honra de construir ao lado de Giulia. Embora as montanhas verdejantes da Umbria permaneçam como um cenário nostálgico em sua mente, ele reconhece plenamente que encontrou um novo lar, uma nova pátria, e uma vida repleta de realizações e significado no caloroso coração do Brasil.



quarta-feira, 13 de março de 2024

A Jornada de Rosalia: da Sicília ao Brasil - Uma História de Luta e Superação



Rosalia já era uma senhora na casa dos sessenta anos quando seu genro, Donato, casado com sua filha caçula, Giuditta, resolveu emigrar, seguindo o destino dos milhares de outros camponeses por todo o país. Na casa da última filha, tinha encontrado abrigo logo após a morte prematura do marido em um acidente de trabalho cinco anos antes. A Itália ainda era um país muito novo, recém-unificado no agora chamado Reino da Itália, e passava por sérias dificuldades econômicas. O Sul, onde viviam, foi assolado por vários anos de guerras e convulsões sociais, não sendo mais um lugar adequado para criar uma família. A falta de trabalho, o subemprego e a fome já rondavam muitos lares da pequena vila no interior da Sicília. Donato e Giuditta, casados há cerca de doze anos, tinham seis filhos, todos com idades abaixo de onze anos. Rosalia e seu falecido marido Giacomo, por sua vez, haviam tido quatro filhas, todas agora casadas e morando nos Estados Unidos para onde tinham emigrado alguns anos antes. Estavam distantes uma das outras, em cidades diferentes. Rosalia mantinha contato regular com elas através de cartas e sabia que todas estavam bem, que tinham inúmeros filhos, todos saudáveis e alguns já frequentando as escolas americanas.
Rosalia estava enraizada na sua pequena vila, onde era conhecida e estimada por todos, mas agora estava sem outra opção senão seguir a filha mais nova para o Brasil, destino escolhido pelo casal, para ajudá-la a cuidar dos seis netos. O genro e a filha haviam sido contratados, assim como centenas de outras famílias compatriotas, para trabalhar em uma grande fazenda de café no interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto. Depois de muitos dias de viagem de navio, chegaram ao porto de Santos e dali até um local de Ribeirão Preto, não muito distante da fazenda, o trajeto até ali foi feito de trem. A grande plantação de café pertencia a um único proprietário, o qual tinha o título de Barão e, na época da escravidão, havia tido mais de seiscentos escravos. Foi justamente para uma casa bastante humilde desses antigos trabalhadores que a família de Rosalia foi alojada. Na verdade, era um velho casebre, cujo piso de terra batida e paredes de barro delimitavam quatro pequenos aposentos com janelas. Alguns móveis toscos completavam a mobília. Apesar de serem pobres na Itália, o que encontraram naquela fazenda deixou todos muito desanimados. Perceberam que tinham deixado de trabalhar para um dono de terras na Itália para depender de outro patrão em outro país. O marido de Giuditta havia assinado um contrato de trabalho de quatro anos, para ter direito à passagem gratuita e a todos os traslados da Itália até a fazenda. Esse contrato, que incluía todos os membros da família, explicitava que eles ficariam responsáveis pelos cuidados de limpeza de mil pés de café, deviam também ajudar na colheita e transporte dos grãos de café até os grandes terreiros de secagem. Tinham permissão para cultivar uma pequena horta e criar alguns animais pequenos em volta da casa. Eram acordados bem cedo todas as manhãs, com o som de um grande sino que ficava não longe da casa de um dos capatazes. Deviam se dirigir a pé por alguns quilômetros, subindo e descendo ladeiras no meio de longas filas de cafeeiros, até o local onde, às seis horas, iniciavam o trabalho. O almoço e as vezes a água deviam levar de casa. Tinham uma breve pausa de meia hora para fazer a refeição à sombra de algum pé de café. Como a fazenda ficava longe de qualquer cidade, o proprietário mantinha um grande armazém para suprir seus empregados. Geralmente, o preço cobrado era muito mais alto do que os praticados no comércio das cidades. Quando chegavam os dias de pagamento, os imigrantes percebiam que haviam muitos descontos com a diminuição nos valores que deviam receber. Somando a precariedade das instalações onde foram alocados, este procedimento desagradou muito a todos eles, mas, presos a um contrato que só favorecia o patrão, não podiam abandonar a propriedade. Um imigrante só podia deixar a fazenda após o período combinado de quatro anos e ainda após quitar todas as dívidas contraídas com o patrão, sob pena de ter que ressarcir o fazendeiro de todas as despesas de viagem da família, o que para eles era impossível. A essas despesas, muitas vezes, eram somados gastos com médicos, remédios ou internações hospitalares, que o fazendeiro pagava e depois descontava dos seus empregados. Donato e Giuditta compravam no armazém da fazenda somente o estritamente necessário e faziam todo esforço possível para não contraírem dívidas, a fim de um dia poderem deixar a fazenda, mas isso ainda estava longe de acontecer.
Rosalia, em sua juventude, havia aprendido com sua avó paterna, uma reconhecida curandeira, a arte de tratar doenças e ferimentos usando chás, poções e emplastros de ervas recolhidas da natureza. Também com sua avó, aprendeu a arte de "arrumar ossos" e também trazer ao mundo os bebês, não só da sua vila, mas também daquelas mais próximas. Ela tinha o dom natural de curar enfermos com suas ervas e isso pôde demonstrar centenas de vezes nos anos em que morou na fazenda. Muitos imigrantes moradores na grande propriedade recorriam à velha Rosalia para curar seus males, aliviar seus sofrimentos, costurar seus ferimentos ou mesmo reduzir suas fraturas. Ela via nessa sua atividade uma espécie de sacerdócio provido por Deus e, por isso, nunca cobrava pelos seus trabalhos, mas aceitava doações e presentes dos seus pacientes, o que constituía uma verdadeira fonte de recursos para a família. Na fazenda ainda morava morava uma antiga escrava, que sempre tinha exercido este trabalho de curandeira, porém, agora, com quase cem anos de idade, doente sem poder enxergar direito e não podendo mais caminhar, não tinha mais condições de tratar ninguém.  Rosalia, nas suas poucas horas vagas, a visitava com frequência e com ela foi aprendendo a reconhecer as centenas de ervas brasileiras, as suas propriedades e indicações terapêuticas, agregando ao conhecimento que ela tinha trazido da Itália. A jovem esposa de um dos capatazes, que também compreendia bastante de italiano, servia de intérprete entre Rosalia e a velha curandeira.
Aos poucos, a família foi economizando e guardando todo o dinheiro que conseguiam ganhar para a tão sonhada liberdade. Nos domingos após a missa na capela da fazenda, e também quando conseguiam alguma folga, iam a pé até a então pequena cidade de Ribeirão Preto, a mais próxima da fazenda. Nessas visitas, fizeram vários amigos na localidade, imigrantes como eles, que os ajudaram com muitas informações valiosas. Além de comprarem por melhor preço as coisas que faltavam, evitando o armazém da fazenda, aproveitavam para sondar os preços dos terrenos que estavam à venda, especialmente aqueles maiores e um pouco mais afastados do centro. Foi assim que, um dia, quando já haviam se passado quatro anos desde a chegada na fazenda, Rosalia, que sabia ler e escrever, muito comunicativa e astuta, ficou sabendo através de uma amiga, que também se tratava com ela, de um negócio de ocasião, uma pequena chácara com ótima casa e belo arvoredo, não muito afastada do centro da cidade. O proprietário, um imigrante italiano, estava querendo vender para voltar para a Itália, pois sua esposa não aguentava mais ficar no Brasil longe de seus familiares. O preço e as condições de pagamento eram bastante convidativos e cabiam perfeitamente dentro das economias da família. Donato e Giuditta ao saberem não perderam tempo, solicitaram a permissão de se ausentar por um dia da fazenda, o que não foi negado pelo capataz, desde que fosse descontado do pagamento. Foram até Ribeirão Preto e fecharam a compra da chácara, pagando quase todo o valor em dinheiro vivo e o restante em duas prestações. Depois de dois meses, em uma manhã ensolarada, deixaram definitivamente a fazenda após se despedirem dos amigos e do capataz geral.
Estabeleceram-se em Ribeirão Preto e a primeira providência de Donato foi arrumar um trabalho que pudesse garantir o sustento da família. Analfabeto, encontrou um emprego condizente nas turmas de reparo da rede ferroviária, com possibilidades de melhorias de posto e vencimentos com o passar dos anos. Com alegria, aceitou a oportunidade e trabalhou a vida toda na rede ferroviária, no final alcançando o posto de chefe geral das turmas de manutenção. Giuditta, desde menina hábil costureira e uma das filhas mais velhas, abriu um salão de costuras e reparos na própria casa. Com o tempo, a freguesia foi aumentando e o nome de Giuditta e sua filha Maria Augusta tornaram-se sinônimos de boa costura em Ribeirão Preto, costurando para a alta sociedade local. Rosalia continuou com seu trabalho de parteira e de curar os enfermos, se tornou uma afamada curandeira e arrumadora de ossos, muito requisitada pelos membros da grande colônia italiana da região, mas não só, inclusive jogadores de times de futebol a procuravam com frequência. Com seu trabalho sério chegou a atrair até a alta sociedade local que a procurava em massa. Quando nona Rosalia, como era conhecida, faleceu, já com quase noventa anos, teve um dos maiores funerais vistos em Ribeirão Preto. Em vida, entre vária honrarias, recebeu o título de cidadã honorária. Após a morte seu nome foi dado para uma das ruas da cidade e para uma pequena praça, próxima à casa onde viveu, na qual foi erguido um belo busto de bronze, que a retrata com perfeição, uma homenagem da municipalidade pelos importantes serviços prestados. Seu túmulo logo tornou-se local de peregrinação durante todo o ano e, por ocasião de Finados, fica até hoje repleto de flores e velas, recebendo uma verdadeira multidão de admiradores que formam longas filas para homenagea-la com uma oração.


terça-feira, 12 de março de 2024

O Legado de Agostino: da Calábria a Porto Alegre




Agostino nasceu na pequena vila de San Luca, um enclave tranquilo entre as montanhas da província de Catanzaro, na região da Calábria, em 1857. Seu nome, uma homenagem ao seu avô paterno, refletia o orgulho de sua linhagem e o destino que o aguardava.

Desde jovem, Agostino demonstrava um talento excepcional para a arte da construção. Seus dedos ágeis moldavam o barro e a pedra com uma destreza impressionante, aprendendo os segredos do ofício com os anciãos da vila. Seu avô, um renomado pedreiro, deixara um legado de habilidade e excelência que Agostino estava determinado a honrar.
A vida em San Luca seguia seu curso tranquilo, embora fosse evidente uma diminuição sensível no número de construções em toda a região. Até que um dia, uma carta chegou à modesta casa de Agostino, trazendo consigo uma lufada de novas possibilidades e oportunidades. Era uma mensagem do outro lado do oceano, escrita pela mão do tio Carmelo, irmão mais novo de seu pai, que há muitos anos havia deixado a Itália em busca de fortuna no Brasil.
Carmelo, agora estabelecido em Porto Alegre, convidava Agostino e sua família a se juntarem a ele no novo mundo. O motivo era claro: a firma de construção que Carmelo havia fundado estava passando por dificuldades. Seu filho, que havia assumido os negócios, sofrera um acidente fatal, deixando Carmelo sem um sucessor adequado.
O tio via em Agostino não apenas um parente, mas um talento excepcional que poderia revitalizar o negócio familiar. Sua reputação como muratore, ou pedreiro, era conhecida até além das fronteiras da Calábria, e Carmelo não hesitou em fazer o convite, esperançoso de que seu sobrinho pudesse dar continuidade ao legado da família.
Com o coração cheio de esperança e determinação, Agostino e Giovanna decidiram aceitar o convite do tio Carmelo. Em dezembro de 1905, embarcaram em uma jornada rumo ao desconhecido, deixando para trás as colinas da Calábria para trilhar um novo caminho no Brasil.
Ao chegarem em Porto Alegre, foram recebidos de braços abertos pelo tio Carmelo, que os acolheu em sua casa e os ajudou a se estabelecer na cidade. Logo, Agostino encontrou trabalho na firma de construção da família, onde sua habilidade e paixão pela arquitetura brilhavam em cada projeto que realizava.
Os anos se passaram rapidamente, e a família de Agostino floresceu na terra distante. Seus filhos cresceram sob a influência da cultura brasileira, mas nunca esqueceram suas raízes italianas. Alguns seguiram os passos do pai na construção civil, enquanto outros encontraram seus próprios caminhos, mas todos compartilhavam o mesmo espírito de determinação e coragem.
Quando Agostino faleceu, deixou para trás um legado de realizações extraordinárias. Sua vida foi marcada pelo trabalho árduo, pela paixão pela construção e pelo amor incondicional pela família. Seu nome é lembrado com reverência em Porto Alegre, onde as construções que ele deixou para trás são testemunho de sua habilidade e visão. Agostino pode ter nascido na pequena vila de San Luca, mas seu espírito ousado e sua determinação o transformaram em um verdadeiro cidadão do mundo, deixando sua marca indelével na história da cidade que escolheu chamar de lar.




sexta-feira, 8 de março de 2024

Sob o Sol da Esperança



A história de Rosalia e sua família é um intricado bordado, tecido com os fios da perseverança e da resiliência em meio às vicissitudes da vida. Nascida em uma época tumultuada na Itália, Rosalia enfrentou a perda de seu amado marido, Giacomo, e encontrou refúgio nos braços de sua filha Giuditta e seu genro Donato. A decisão de Donato de emigrar para o Brasil, em busca de oportunidades que se esvaíam nas terras sicilianas, lançou a família em uma jornada transatlântica repleta de desafios e descobertas.
Ao desembarcarem no porto de Santos, a vastidão do Brasil se desdobrou diante deles, uma terra de promessas e incertezas. Seguiram os trilhos de ferro até a região de Ribeirão Preto, onde a imponente plantação de café se estendia como um oceano verde sob o sol tropical. A humilde casa de barro e chão de terra batida onde foram alojados refletia a dura realidade da vida dos imigrantes trabalhadores rurais que foram para São Paulo, mas também carregava consigo a esperança de um futuro melhor.
Enquanto Donato e Giuditta mergulhavam no árduo trabalho da plantação, Rosalia se dedicava à cura e ao cuidado dos que buscavam alívio em suas mãos sábias. Com um conhecimento transmitido por gerações, ela se tornou uma figura venerada entre os colonos, uma luz de esperança em meio à escuridão da adversidade. Seu vínculo com a antiga curandeira escrava, uma octogenária que ainda morava na fazenda, apesar das barreiras linguísticas, enriqueceu ainda mais seu repertório das ervas brasileiras e técnicas curativas.
Enquanto os anos passavam na fazenda, a família mantinha viva a chama da esperança, economizando cada centavo em direção à liberdade tão sonhada. Nas jornadas dominicais até Ribeirão Preto, eles estabeleciam laços com outros imigrantes, compartilhando histórias e informações preciosas sobre o mundo além dos cafezais. Foi através dessas conexões que Rosalia descobriu a oportunidade de adquirir a chácara que se tornaria seu refúgio definitivo.
Com determinação e astúcia, Donato e Giuditta selaram o destino da família, erguendo-se das amarras da fazenda e dando o primeiro passo em direção à independência. Em Ribeirão Preto, cada membro da família encontrou seu lugar: Donato, com sua força e perseverança, ascendendo nas fileiras da ferrovia; Giuditta, com sua habilidade na costura, transformando um simples salão em um império da moda local; e Rosalia, a curandeira sábia e compassiva, que continuou a espalhar sua luz curativa pela comunidade.
Quando Rosalia partiu deste mundo, deixou para trás um legado que ecoaria através das gerações. Sua vida de serviço e dedicação foi imortalizada nas ruas de Ribeirão Preto, onde seu nome é reverenciado até os dias de hoje. Seu túmulo, adornado com flores e memórias, é um testemunho do amor e da gratidão daqueles cujas vidas foram tocadas por sua bondade. Assim, a saga de Rosalia e sua família permanece como um testemunho inspirador da força do espírito humano em face das adversidades.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


sábado, 2 de março de 2024

De Mantova ao Espírito Santo: A Notável Jornada de uma Família Pioneira



Giuseppe Montanari, nascido na Província de Mantova em 1841, iniciou uma jornada extraordinária que moldaria não apenas sua vida, mas também a trajetória de uma família resiliente. Casou-se em 1862 com Amélia Benedino, dando início a uma família que, ao longo dos anos, enfrentaria desafios, superaria perdas e construiria uma nova vida em terras distantes.
Com o agravamento cada ano maior da situação econômica na Itália em 1877, Giuseppe e Amélia decidiram embarcar em uma audaciosa empreitada rumo ao Brasil, deixando para trás sua terra natal. Gênova foi o ponto de partida, e após uma viagem de 40 dias, aportaram no Rio de Janeiro. A Hospedaria da Ilha das Flores, em Niterói, foi o primeiro lar temporário, seguido pela Hospedaria da Pedra d’Água em Vitória. Utilizando vários meios de transporte, carroças, canoas de até 16 metros, navegaram pelos rios até Cachoeiro de Santa Leopoldina, passando por Santa Tereza. Junto a outras 15 famílias, estabeleceram-se em um local desabitado, dando início a um pequeno povoamento, que mais tarde se transformaria em uma bela cidade.
A descendência de Giuseppe floresceu no Brasil. Seu filho Antonello, aos 25 anos, uniu-se em matrimônio a Beatrice Mancini. O casal escolheu a região do Vale Verde para construir sua vida, adquirindo e negociando terras. Com doze filhos, Antonio se destacou como um empreendedor visionário. Suas viagens de negócios  até Vitória com uma pequena caravana de burros eram marcadas pela comercialização de produtos únicos, como a pimenta e o açafrão, entre outros, introduzindo um toque italiano nas tradições brasileiras.
O espírito aventureiro de Antonio o levava até locais distantes e perigosos como Taquaral, atravessando densas florestas habitadas por indígenas. Para evitar conflitos, presenteava e cativava os nativos, o que não apenas garantia a  segurança de suas viagens, mas também simbolizava uma troca cultural enriquecedora. 
Contudo, o ardente desejo de Antonio de retornar às suas raízes italianas persistiu como um sonho inalcançado ao longo dos anos. Infelizmente, a oportunidade de revisitar a terra natal, tão ansiada, nunca se materializou. Em um triste desfecho, Antonio faleceu em 1925, carregando consigo a nostalgia de um lar distante que permaneceu apenas nos recantos de sua memória e coração.
A saga da família Montanari é uma narrativa de  perseverança e contribuição para a construção de uma nova vida e uma nova comunidade. Ao deixar um legado que transcende gerações e fronteiras, a família não apenas prosperou no Brasil, mas também incorporou elementos italianos à rica tapeçaria cultural da região. A história de Giuseppe e seus descendentes é um tributo à capacidade humana de enfrentar desafios e florescer em terras estrangeiras, mantendo viva a chama de sua herança em solo brasileiro.




segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Raízes que Florescem: A Saga de Resiliência de Giovanni na Terra Prometida



Giovanni Marco Rossi, um emigrante italiano oriundo de Montecielo, perto de Bréscia, Itália, passou a maior parte da sua vida na Califórnia. Nascido em 24 de agosto de 1896, Giovanni começou a trabalhar como agricultor desde a adolescência. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele prestou serviço militar como técnico, engajado em uma companhia de engenharia, construindo túneis e pontes. Em 1920, juntamente com seu amigo Marco Ferrari, natural do mesmo povoado, decidiu emigrar para os Estados Unidos em busca de melhores oportunidades. Após sua chegada a Nova York em 3 de agosto de 1920, Giovanni se estabeleceu em Lindale, Califórnia, vivendo com seu tio Luigi Cademartori. Graças ao árduo trabalho e à economia, em 1925 Giovanni e Marco conseguiram adquirir 20 acres de terra em Lindale. Inicialmente, enfrentaram desafios como a falta de água, mas engenhosos perfuraram um poço, trouxeram eletricidade e construíram uma modesta casa de madeira. Giovanni e Marco plantaram árvores frutíferas, cultivaram campos, usaram cavalos para o trabalho agrícola e levaram sua produção ao mercado de Stockton. Após um tempo, Marco decide retornar à Itália, deixando toda a propriedade para Giovanni que a adquiriu por um preço justo. Firmemente determinado a se integrar à sociedade americana, Giovanni aprendeu inglês na Escola Secundária de Stockton e obteve a cidadania americana. Ele conheceu Catarina Lombardi, nascida nos Estados Unidos e originária do Vale de Bréscia, na Itália, com quem se casou em 1921. O casal enfrentou os desafios da vida rural na Califórnia, com Catarina dedicando-se ao trabalho agrícola e doméstico. Com o tempo, a família cresceu com o nascimento das filhas Teresa em 1931, Dena em 1935 e Delsie em 1941. Apesar de uma doença e outros desafios, Giovanni continuou a trabalhar a terra com dedicação. Em 1955, Giovanni comprou mais 20 acres de terra e, mesmo doente, continuou a cultivá-los com sucesso. Já em idade avançada, ele alugou a terra, mas continuou a ajudar nas atividades agrícolas. Em 1964, fez uma breve visita a Montecielo com Catarina para rever parentes e amigos. Giovanni Marco Rossi faleceu em 20 de julho de 1978, aos 82 anos, cercado pela família e respeitado pela comunidade. A história de Giovanni reflete a integração social e o sucesso alcançado através do trabalho árduo e respeito pelas tradições italianas em um contexto americano.


terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Pelas Ondas do Providence: A Odisséia de uma Vida


 


Nas áridas terras da localidade de Sferro, município de Paternò, na Sicília, no movimentado ano de 1893, Chiara Bottari viu pela primeira vez a luz do sol. Contudo, seu vilarejo estava impregnado pela sombra da emigração, um fenômeno que marcava profundamente a vida daquela pequena comunidade. As belas colinas foram o cenário de uma infância simples, no seio de uma família humilde de agricultores, proprietários de um pequeno terreno, com pouco menos de um hectare, mas o destino de Chiara estava predestinado a ser tecido em terras além-mar.
Aos 19 anos, solteira e sem uma profissão definida, Chiara sentiu a chamada de seus parentes na América. Foi um convite de uma tia que desencadeou uma reviravolta em sua vida. Ao lado de sua irmã mais velha, Emma, ela decidiu trilhar a estrada da incerteza, embarcando em uma jornada que começou com uma viagem de trem até Nápoles, o movimentado porto de mar do sul da Itália.
O dia 30 de maio de 1913 marcou o início da epopeia das duas irmãs Chiara e Emma. A bordo do navio a vapor Providence, rumavam para Nova York, apresentando-se na entrevista do controle de imigração em Long Island, como duas donas de casa que tinham como destino final a ensolarada Califórnia, do outro lado do país. Emma, irmã de Chiara, conseguiu os bilhetes da viagem enviados pelo marido que já trabalhava nos Estados Unidos, enquanto as passagens de Chiara foram pagas com o dinheiro que sua mãe lhe deu, o qual era o pouco que a família possuía.
O navio não era apenas um meio de transporte para a América; era um elo que unia diversas almas oriundas da mesma província, todas com destino a San Francisco. Lá, vários parentes próximos e amigos esperavam inseri-las no complexo tecido da metrópole californiana.
A vivência americana de Chiara desdobrou-se em um trecho pequeno da Califórnia, entre San Francisco e as áreas rurais circundantes, notórias por suas vastas plantações de frutas. Durante todos esses anos, Chiara desempenhou o papel de supervisora em uma fazenda de pomares, gerenciando a colheita e coordenando a equipe de trabalhadores sazonais. Seu empenho incansável, seja sob o sol escaldante ou durante as épocas de colheita intensa, foi fundamental para angariar cada tostão necessário na construção da vida que ela almejava. Ela desempenhou diferentes funções, juntando cada tostão com suor e sacrifício. No entanto, o emprego estável e o matrimônio pareciam esquivos. O destino, por vezes, reserva caminhos inesperados.
No ano de 1922, com quase 30 anos de idade, Chiara tomou uma decisão audaciosa. Convencida de que seu futuro não encontrava morada na América, despediu-se dos parentes e amigos e embarcou de volta para a Itália. 
Voltando à terra natal, Chiara Bottari uniu-se em matrimônio a um morador local e, com as economias cuidadosamente juntadas, ergueu um lar, entrelaçando assim sua existência com a comunidade que a testemunhou crescer. Dessa união floresceu a dádiva do primeiro filho, Domenico, o primogênito entre os quatro que vieram a compor a família.
A vida de Chiara Bottari atravessou décadas, culminando em seu derradeiro capítulo em 1968. Ela repousa agora no pequeno cemitério de sua cidade natal, junto aos seus pais. Um capítulo escrito com as cores da perseverança e as sombras da incerteza, revelando que, mesmo quando as estradas da vida nos levam além-mar, o coração muitas vezes nos guia de volta ao lugar que chamamos de lar.




terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Entre Lágrimas e Esperança: A Saga da Imigrante Italiana na Colônia Nova Itália


 

Entre Lágrimas e Esperança: 
A Saga da Imigrante Italiana na Colônia Nova Itália


Nos versos que ecoam a voz da história,
Relato a jornada de uma alma forte,
Imigrante italiana, longe de casa,
Em busca de um futuro, de um novo norte.

A dor em seu peito, o desamparo,
Ao desembarcar na colônia distante,
A visão desoladora, um mundo rude,
Onde a luta seria constante.

Os olhos cansados encontravam miséria,
Faltavam alimentos, agasalho, abrigo,
Casas precárias, um lar desolado,
Onde a esperança parecia um castigo.

Insetos invasores, portadores de dor,
Causavam feridas, máculas no corpo,
A pele marcada, a alma abatida,
A mulher imigrante enfrenta o escorço.

Mas em meio ao caos, um raio de luz,
A alegria estampada nos rostos sofridos,
Pois mesmo com as adversidades cruéis,
Chegaram com saúde, corações renascidos.

A força da união, das mãos que se dão,
Na colônia de Nova Itália, em Morretes,
A solidariedade, manto de esperança,
E a mulher imigrante se levanta, se refaz.

Os dias difíceis forjaram sua resiliência,
A raiva se tornou em fervor resistente,
No trabalho árduo, na superação diária,
Ela encontrou a força, foi persistente.

Nos campos verdejantes, com suor e sacrifício,
A mulher imigrante semeou sua nova pátria,
Das terras brasileiras, colheu frutos de glória,
Transformou o deserto em jardim, em sinfonia.

Ainda com marcas do passado,
Mas com olhar de gratidão,
A mulher imigrante, símbolo de luta,
Encontrou no Brasil nova comunhão.

Neste poema, celebro sua coragem,
A dor enfrentada, os sentimentos vividos,
Uma mulher imigrante, exemplo de força,
Que escreveu sua história, mesmo nos tempos mais duros e sofridos.




sábado, 4 de novembro de 2023

Travessia Rumo ao Sonho: Jornadas de Italianos na América do Início do Século XX




Giovanni Moretti, nasceu em 1868, município italiano de Gênova. No final do século XIX, Giovanni Moretti concluiu seus estudos e, seguindo os passos de seu pai comerciante de vinhos e alimentos, decidiu forjar seu destino além das fronteiras familiares. Aos 30 anos, juntando uma regular quantia do patrimônio familiar, Giovanni sentiu o chamado para desbravar a incerteza do outro lado do oceano, também devido às condições adversas da economia italiana, que afetaram significativamente os negócios familiares.
Em 6 de setembro de 1898, ele embarcou em Gênova a bordo do navio La France, com destino a uma nova vida. Com uma quantia substancial além dos 50 dólares necessários para a entrada nos Estados Unidos, Giovanni evitou habilmente a entrevista do Immigration Service. Enquanto seus companheiros de viagem enfrentavam a travessia até Ellis Island, Giovanni desembarcou diretamente em Nova York, trilhando seu caminho em direção à Pensilvânia.
Na Pensilvania, Giovanni encontrou um amigo da família, Marco Russo, um siciliano que havia estabelecido raízes na América desde 1890, gerenciando um próspero negócio de importação e exportação. Com suas economias e uma generosa contribuição de seu pai, Giovanni percebeu a oportunidade de adquirir uma parte do negócio de Marco. Essa decisão não só marcou sua entrada no mundo dos negócios americanos, mas também selou uma parceria que transformaria o destino de ambos em terra estrangeira.
Movido pelo desejo de abraçar plenamente sua nova pátria, Giovanni deu um passo adiante em sua integração. Decidiu se naturalizar americano, simbolizando essa transição vital com a adoção de um novo nome: John More. Essa mudança não foi apenas uma formalidade; era uma declaração de compromisso com sua nova identidade, uma fusão de suas raízes italianas com os horizontes promissores da América. A metamorfose de Giovanni Moretti para John More marcou o início de uma jornada extraordinária em busca do sonho americano. A nova identidade não apenas abre as portas da cidadania para ele, mas o consagra como uma figura respeitada na comunidade ítalo-americana da Filadélfia. John More contribui ativamente para o crescimento da cidade, construindo uma ponte entre suas raízes italianas e o desenvolvimento da América no século XX. Sua história torna-se um exemplo de sucesso, uma narrativa de um italiano que, com coragem e determinação, construiu um futuro do outro lado do oceano, transformando desafios em trampolins para o sucesso em uma nova terra.



sábado, 14 de outubro de 2023

Carta da Desesperança: Uma Jornada Angustiante Rumo ao Desconhecido


 



Querida esposa e filhos,


Espero que estas palavras cheguem a vocês com a esperança de que estejam bem, enquanto minha pena registra as angústias e sofrimentos desta travessia. Estamos apinhados no navio como pássaros em uma gaiola, e o lamento dos que sofrem enche o ar. Um jovem de apenas 4 anos nos deixou, uma bela criança bem nutrida, e outros 9 estão gravemente doentes.
A desesperança reina a bordo, com clamores e lágrimas. Cerca de 103 chefes de família, incluindo eu, decidimos não embarcar em um navio à vela, mas exigir um navio a vapor, conforme acordado no contrato, ou o reembolso do dinheiro pago. Em Marselha, surgiram traidores entre nós, e quase 100 pessoas os cercaram, desejando vingar a traição.
Neste momento, estou indeciso se devo seguir para a América ou voltar para casa, pois não posso aceitar uma travessia tão longa em um navio à vela. A dureza do pão é como ferro, e sua imutabilidade apenas acrescenta às nossas aflições. Enquanto isso, nossa partida é incerta.
Amaldiçoo o dia em que decidi empreender esta viagem e confiar nesses mercadores de carne humana. A emigração continua, e aqueles que a perseguem são impelidos por um amor pelo desconhecido, em busca de traições, escravidão e dor, até mesmo enfrentando a morte.
Com o coração aflito, compartilho as dolorosas notícias e sofrimentos. Que estes dias passem rapidamente, nos reunindo em breve em uma terra melhor.

Com carinho,
Attilio



terça-feira, 12 de setembro de 2023

Destino na Mata: A Jornada de Nonna Corona




Nona Corona chegou à Colônia Dona Isabel com uma bagagem repleta de esperança e coragem. Aos 62 anos, viúva a muitos anos, e com todos os seus filhos já emigrados para terras distantes, ela decidiu também deixar a Itália para não ficar sozinha. A travessia do oceano em um antigo navio de transporte de carvão foi árdua e cansativa. As condições a bordo eram precárias, com falta de higiene e comida escassa. No entanto, Nona Corona enfrentou todas as adversidades com determinação, pois tinha certeza que sua presença era necessária para a sua filha caçula.
Assim que chegou à Colônia Dona Isabel, logo no primeiro ano de sua inauguração, nona Corona mergulhou de cabeça nos trabalhos da roça, ajudando sua filha mais nova e cuidando dos seis netos, todos ainda menores de idade. Seu vigor surpreendia a todos, e sua presença era reconfortante para a família em um lugar tão distante de sua terra natal.
Os anos passaram, e Nona Corona estava feliz em sua nova vida. Ela contava histórias sobre a Itália e transmitia valores familiares aos netos. A comunidade se fortalecia, mas a falta de recursos médicos e assistência religiosa era um desafio constante. Não havia médicos na Colônia, e os padres ainda não tinham chegado à região.
Um dia, de forma repentina e misteriosa, Nona Corona não conseguiu mais andar. Seu corpo estava paralisado de um lado, e ela não conseguia falar. O desespero tomou conta da família, que não sabia como ajudá-la. A dor da impotência era avassaladora. Os netos a cercavam, com olhos cheios de lágrimas, sem entender o que estava acontecendo com sua amada nona.
Os dias passaram, e a saúde de Nona Corona foi piorando gradualmente. A família fazia o possível para aliviar seu sofrimento, mas não havia recursos médicos disponíveis. As noites eram longas e angustiantes, com a senhora em estado de coma, lutando pela vida a cada respiração.
Outros vizinhos da Colônia Dona Isabel se uniram em torno da família, oferecendo apoio e conforto. As pessoas rezavam por Nona Corona, implorando por um milagre, pois a falta de assistência religiosa tornava tudo ainda mais difícil. A esperança era a única coisa que restava.
Finalmente, após semanas de agonia, Nona Corona partiu. Sua morte deixou um vazio na comunidade. A família se reuniu para realizar um enterro simples, cavando uma cova na mata exuberante que cercava a casa. Não havia caixão nem cerimônia religiosa adequada. O desânimo e a tristeza eram profundos, e a falta de amparo religioso tornava a perda ainda mais dolorosa.
O falecimento de Nona Corona foi um lembrete brutal das dificuldades enfrentadas pelos pioneiros italianos na Colônia Dona Isabel. A falta de assistência médica e religiosa era um desafio constante, mas sua determinação e coragem continuaram a inspirar as gerações seguintes. Com o tempo, a comunidade cresceu e se fortaleceu, trazendo médicos, padres e melhorias para a região.
Nona Corona se tornou uma lenda na Colônia Dona Isabel, lembrada não apenas por sua morte trágica, mas também por sua força e amor pela família. Sua história serviu como um lembrete de como a vida era dura naqueles dias pioneiros, mas também como um testemunho da resiliência humana diante das adversidades. Ela foi, e sempre será, um símbolo de esperança e perseverança na história da colônia italiana.