sexta-feira, 9 de março de 2018

A Basílica de San Marco



A derrota da frota de Pepino, rei dos Francos, na laguna vêneta, no ano de 810 pode ser considerado o marco decisivo da fundação do Estado Veneziano. Tão logo passou o perigo o doge Agnello Partecipazio transferiu a sede do governo para uma ilha no centro da laguna, chamada de Rivoalto, onde já se refugiava grande número de vênetos que escaparam dos centros invadidos pelos Francos. 
A lenda nos conta que dois comerciantes vênetos se apropriaram dos restos mortais do evangelista Marco, retirado secretamente da Alexandria, onde estava enterrado e transladado por mar até Veneza no ano de 828, no período de governo do doge Giustiniano. Esses espólios do santo foram inicialmente conservados em uma capela do próprio palácio ducal onde vivia o doge e onde também funcionava a sede do governo. Em honra ao santo, que passou a ser o patrono da cidade de Veneza em substituição a S. Teodoro, foi construída uma igreja ao lado do palácio do doge, chamada posteriormente de Basílica de S. Marco, sendo consagrada no ano de 832 por Orso Partecipazio, bispo de Olivolo. 
No ano 976 ela foi destruída, juntamente com inúmeras casas, em um grande incêndio provocado por tumultos populares em protesto à tirania do doge Pietro Candiano IV. Foi rapidamente restaurada no prazo de dois anos, embelezada com revestimentos de mármore e decorações, pelo sucessor doge Pietro Orseolo, conhecido pelo apelido de “O Santo”. Esta nova basílica, muito mais rica e decorada foi consagrada no ano de 978, passando de uma capela privada do doge para uma grande igreja do Estado. 
Com o passar dos anos, devido à necessidade de mais espaço em seu interior ela e a outra vizinha consagrada a São Teodoro foram demolidas. No local a partir de 1063 ela foi reconstruída pelo doge Domenico Contarini, dando lugar a uma só construção, de maiores dimensões, que seguia o modelo da Basílica de Constantinopla, com aproximadamente as mesmas linhas arquitetônicas da atual: construção em cruz grega com cindo cúpulas sustentadas por quatorze pilastras. A parte de construção foi concluída no ano de 1071. Durante o governo do doge Domenico Selvo foi dado início da colocação de revestimentos e ornamentos em mármore, além dos famosos mosaicos, os quais continuaram a ser trabalhados por mais trezentos anos. 
O edifício foi solenemente consagrado em 08 de outubro de 1094 durante a visita do Imperador Henrique IV. Entre as maiores relíquias que ela guarda citamos a Pala d´Oro que adornava o altar maior, mandada confeccionar em Bizâncio pelo doge Ordelaffo Falier, a qual foi concluída em 1105. Aos poucos esta Pala foi sendo acrescida de mais ornamentos finos e pedras preciosas, transformando-se nos governos seguintes doges Pietro Ziani (1209) e Andrea Dandolo (1343/1354). Depois da IV Cruzada foram colocados na fachada da Basílica os quatro belíssimos cavalos de bronze trazidos de Constantinopla. 
Cada governo seguinte, com o acréscimo de novas construções, ornamentos e decorações foi tornando a Basílica na grandiosidade artística que conhecemos hoje. A Capela Ducal, Igreja de Estado e paróquia durante a Sereníssima Republica de Veneza contava para a sua administração com um Capitulo de doze canônicos presididos pelo Primicerio, o qual tinha privilégios de abade, enquanto que a cura das almas estava a cargo de dois canônicos, chamados “sacrestani”. 
A sua administração, o financiamento de tudo que era necessário para o funcionamento e manutenção do edifício, era providenciado pelo doge e por dois procuradores, os quais gozavam de alto prestigio na República. Todos os trabalhos de construção e restauro eram projetados e dirigidos por um arquiteto, conhecido como “Proto”, cargo que no decorrer dos séculos foi exercido por figuras do porte de Giorgio Spavento, Iacopo Sansovino e Baldassare Longhena. A Capella Musicale di San Marco gozava de grande prestigio, tendo as suas custas um maetro responsável, grande número de cantores e músicos. A partir do ano de 1613 Cláudio Monteverdi foi seu maestro por mais de trinta anos.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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A Peste Negra em Veneza


A Peste Negra ou peste bubônica é uma doença transmitida pelas pulgas que infestam os ratos e, por ocasião e uma grande mortandade destes roedores, elas atacam os seres humanos. Esta doença de rápida propagação causou várias pandemias no decorrer da história. No passado Veneza foi atingida por inúmeras epidemias de peste, mais de 69 vezes entre os anos de 954 e 1793, apesar de um sistema avançado de controle sanitário para a época. 
No entanto, as duas grandes epidemias de peste que ceifaram a vida de milhares de pessoas foram aquelas que deram origem e seguida às igrejas do Redentor e a Igreja de S. Maria della Salute, ambas erigidas em agradecimento após o término das epidemias de 1575/1577 e aquela de 1630/1631 respectivamente. Na primeira a população da cidade, estimada em 195.000 pessoas, passou para 135.000 com a morte de aproximadamente 60.000 pessoas. Na segunda a população foi reduzida de 142.000 habitantes para 100.000 com a morte de 42.000 pessoas. Os enfermos eram tratados às custas do Estado isolados em uma ilha chamada de Lazzaretto, nas vizinhanças da cidade.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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Os Vênetos e a Liga de Cambrai






No ano de 1509 a próspera Sereníssima República de Veneza era invejada pelas outras potências europeias, que se uniram para destruí-la e apoderar-se de suas riquezas. Em 10 de Dezembro de 1508 formaram a coalizão contra Veneza, com o estímulo do Papa Júlio II: o Reino da França, o Império Austríaco dos Habsburgos, a Coroa da Espanha, com Fernando de Aragon (Reinos de Nápoles e da Sicília), o Ducado de Ferrara, o Marquesado de Mantova, o Reino Pontifício, o Reino da Hungria e o Ducado de Savoia. Para enfrentar esse formidável exército a República de Veneza com imensos esforços reagiu formando um grande exército jamais até então visto na península italiana. Mesmo assim na Batalha de Agnadello, nas proximidades de Cremona, em 14 de Maio de 1509, Veneza foi derrotada e também a frota veneziana foi vencida na Batalha de Polesella. As cidades vênetas localizadas na terra-firme foram invadidas, com os nobres entregando ao inimigo a maior parte das cidades.
A cidade de Treviso desde o início recusou a se entregar aos invasores. O mesmo se deu com Udine que resolveu ficar ao lado da Sereníssima República de Veneza. Rebeliões populares de resistência aconteceram em vários locais. Veneza colocou o condottiere Gritti como comandante dos seus exércitos e fez um grande esforço para sustentar o esforço de guerra conseguindo doações de tesouros particulares e também do estado.
Gritti reagrupou as tropas vênetas e partiu para a reconquista de Padova. A seguir com o auxílio da habilíssima diplomacia veneziana conseguiu quebrar a aliança que existia entre os seus inimigos, fazendo a desistência do Papa Júlio II, que então passou a combater a França, criando a Liga Santa junto com a Espanha e Sacro Império Romano. Assim, aos poucos, A Sereníssima República de Veneza foi recuperando todos os seus antigos domínios tendo combatido a Liga de Cambrai até o ano de 1511.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

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Os Vênetos na Batalha de Lepanto em 07.10.1571

Batalha de Lepanto


No período entre os anos 1499 e 1503 os Turcos ocuparam várias bases vênetas no Mediterrâneo, ao sul do Peloponeso, dando início a uma série de guerras entre os Venezianos e os Turcos que durou séculos. Enquanto os Turcos tomavam a Algéria, os Venezianos 10 anos antes, com hábil trabalho diplomático, já tinham se apoderado da ilha de Chipre. Os Venezianos concederam em casamento a patrícia Caterina Corner para o rei de Chipre. Após a morte deste a viúva foi declarada filha da República Vêneta, a qual após abdicar, a ilha passou para as mãos dos Venezianos em 1488.
Em Fevereiro de 1570 o embaixador da Sublime Porta Otomana enviou uma intimação ao Grande Conselho da Sereníssima impondo a entrega de Chipre para os Turcos. Uma parte do teor dessa intimação dizia: "Exigimos Chipre por bem ou pela força. E cuidem-se ao irritar a nossa terrível espada, caso contrário moveremos uma crudelissima guerra por todos os lados; também não confiem na riqueza do vosso tesouro, porque faremos de modo que ele fuja da vossas mãos como uma torrente... ". Para essa intimação o Doge Pietro Loredan respondeu com desdem: "... a justiça dará a espada para defender os nossos direitos e Deus a sua santa ajuda para resistir com razão à força e com a força à vossa injusta violência". 
A República de Veneza preparou um grande exército mas, não tinha a intenção de desafiar o Império Otomano, naquela época no apogeu da sua força. Pediu então ajuda do Reino da Espanha e do Papa que formaram uma coalisão de países cristãos. Enquanto essa frota era organizada, os Turcos atacaram Chipre com uma força de 80 mil homens. Os defensores das fortalezas locais que sobreviveram ao ataque foram trucidados ou deportados como escravos. Em um só dia na Fortaleza de Nicósia as baixas chegaram a 15 mil homens.


Em 22 de Setembro de 1570 os Turcos, apesar dos esforços dos defensores, comandados por Marco Antonio Bragadin, a última fortaleza, de Famagosta, foi completamente cercada por um exército de 200 mil homens por terra, 1500 canhões e uma frota de 150 navios de guerra. Depois de meses de cerco finalmente a fortaleza caiu e o seu comandante preso e torturado, com a retirada da sua pele quando ainda estava com vida. No fim de Agosto de 1571 as duas frotas de encontraram em batalha, tendo a frota aliada 320 navios de guerra e a armada turca 270 galeras além de um grande número de barcos menores.



No dia 07 de Outubro de 1571, nas costas de Lepanto, teve início a grande batalha naval do mesmo nome. A esquadra vêneta era comandada por Sebastiano Venier e a frota alida tinha no comando Giovanni da Áustria. Após cinco horas de batalha, a frota cristã aliada já tinha perdido 7 mil homens, dos quais 4,8 mil eram Venezianos, 2 mil espanhóis, oitocentos da armada papal. Os Turcos por sua vez viram sua armada ser destruída e perderam 25 mil homens mortos e 3 mil prisioneiros.



Dr. Luiz Carlos B. Piazetta

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A Justiça na Sereníssima República de Veneza - La Giustizia nella Serenissima Reppublica di Venezia

Il Ponte dei Sospiri

A Justiça em Veneza, na época da Sereníssima República, era exercida de modo exemplar e se transformou em um dos seus grandes mitos. Aos acusados era dada oportunidade de defesa e usava o mesmo rigor no caso em que eles pertencessem à classe dirigente. A inexorabilidade e a eficácia dos órgãos da justiça vêneta de então permitiram conter a criminalidade. No período compreendido entre os anos de 1300 e 1797, portanto em quase quinhentos anos, as condenações à morte foram em número de 1279, ou aproximadamente de duas ao ano. Trata-se de um número pequeno em relação ao que acontecia nesse mesmo período no resto da Europa. A pena mais severa depois da de morte era a de exílio, expulsão dos domínios da República de Veneza. Se o criminoso era condenado aos trabalhos forçados significava que era embarcado nas galeras como remador, os chamados de "galeotto". Daí o termo que ainda se pode ouvir hoje: condanatto alle galere. Nas prisões da Sereníssima existiam os famigerados "piombi", assim denominadas as prisões revestidas de placas de chumbo que cobriam o seu teto, como nas prisões do Palazzo Ducale. Os Doges deviam ser responsáveis e administrar com honestidade a Sereníssima República de Veneza. Os que não agiram corretamente foram executados como foi o caso do Doge Marino Falier que articulou um plano para impor um poder absoluto em Veneza contra o Governo Colegiado vigente. Julgado foi condenado por alta traição e decapitado no pátio do Palazzo Ducale, em execução reservada com as portas fechadas. A justiça da República tinha força para permitir a punição e até a decapitação do seu líder máximo. Quando assumiam o cargo os doges deviam jurar fidelidade e honestidade à República, não devendo fazer do cargo trampolim para poder pessoal ou para enriquecimento particular.

O Doge Jurando Lealdade à Veneza
Os doges não deviam se considerar senhores de Veneza, mas somente como chefes da República, ou melhor deviam se considerar os servos honorários desta e submeter-se às mesmas leis vigentes como qualquer outro cidadão comum.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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O Complicado Processo de Escolha de um Doge



Sala do Consiglio Maggiore no Palácio Ducal em Veneza

A escolha de um novo Doge, o maior mandatário da Sereníssima República de Veneza, implicava em um complicado processo eleitoral que visava, através da eleição e da sorte, evitar acordos e apoios partidários, em benefício de uma escolha a mais neutra e democrática possível. Assim em reunião especial do Conselho Maior, formado por nobres patrícios, ou seja, somente pessoas nascidas em Veneza, que tinham exercidos cargos relevantes nos decênios anteriores, eram primeiramente apontados trinta dos seus membros que depois, por sorteio, seriam reduzidos a somente nove. Estes se reuniam e elegiam outros quarenta membros desse conselho maior (Maggior Consiglio). Por sua vez desses quarenta membros escolhidos eram extraídos ao acaso doze deles, os quais elegiam outros vinte e cinco membros, sempre do mesmo conselho, que por sua vez eram reduzidos a nove. Esses últimos nove membros escolheriam outros quarenta e cinco nomes que seriam reduzidos outra vez para somente onze. Esses onze membros nomeariam quarenta e um nomes, sendo que o futuro Doge seria designado um desses quarenta e um nomes.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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A Festa della Sensa e dello “Sposalizio del mare” - Manifestação Milenar em Veneza

 

 


É uma das mais antigas festas venezianas: tem mais de 1000 anos! No dia da Ascenção (Sensa) se celebra o histórico Casamento do Mar (Sposalizio del Mare), em recordação da conquista da Dalmazia (na costa leste do Mar Adriático, onde hoje estão alguns países: Croácia, Bósnia, e Montenegro) pela frota veneziana comandada pelo Doge Pietro Orseolo II entre os anos 999 e 1000. Naquele ano se decretou que em cada ano, no Dia da Ascenção (Sensa) ou seja em 18 de Maio, o Doge e o Patriarca (cargo mais alto da igreja veneta) deviam sair fora do porto do Lido para abençoar o mar, um rito de cerimonial simples e modesto. Cerca de dois séculos mais tarde, no ano de 1177, o Papa Alexandre III, cujo pontificado foi do ano de 1159 até 1181, doou ao Doge Sebastiano Ziani, que governou Veneza entre os anos 1172 a 1178, um anel de ouro como reconhecimento pela ajuda na reconciliação com o Imperador Federico I Barbarossa, que reinou entre 1152 e 1190, pronunciando a famosa frase: “Receba este anel em penhor da soberania que vós e os vossos sucessores tenhais perpetuamente sobre o mar”. Segundo o cronista Marin Sanudo (1466-1536) ainda vinha acrescida a frase “esposar o mar assim como um homem se casa com uma mulher para ser o seu senhor”. O Papa além disso concedeu indulgência pelos pecados de todos aqueles que fossem, nos oito dias sucessivos, rezar na igreja de San Marco (hoje Basílica). Daquele momento teve início aquela tradição secular do “Sposalizio del mare”, a mística união de Veneza com o mar.


A festa era grandiosa. O Doge subia em seu navio de representação, o Bucintoro, ao som de trombetas, com todo o seu séquito, o clero, os embaixadores presentes, os presidentes do Conselho dos Dez e outras autoridades. No alto do convés tremulava o estandarte ducal, enquanto o almirante do Arsenal em pessoa dava as ordens. Seguido por um grande cortejo de barcas de todas as formas e cores, todas ornadas para festa, o navio ducal zarpava para o porto de San Nicolò del Lido – era chamada ida ao mar. O cortejo aquático fazia uma breve parada frente a ilha de Sant’Elena para receber homenagem dos monges daquele convento. 


Mais adiante uma outra parada nas proximidades do Lido, para receber à bordo o bispo de Castello (e depois de 1451 o Patriarca de Veneza) que esperava no seu barco com todas as autoridades eclesiásticas. 
 


O cortejo continuava até a embocadura do porto de Lido, frente ao forte de Sant’Andrea onde o Patriarca aspergia água benta e o Doge, de uma janelinha de popa deixava cair na água um anel de ouro, pronunciando as seguintes palavras: “Desposamus te, mare nostro, in signum veri perpetuique dominii”- “Te esposamos, mar, em sinal de eterno domínio”. 

 



Com esta cerimonia se iniciava a Fiera della Sensa, com festas, espetáculos circenses e cantores, em toda a cidade. Na Praça de São Marcos acontecia um mercado de todo o tipo e de todos os países, organizado em uma estrutura de madeira coberta por tendas erguidas para ocasião. Uma multidão de visitantes, de todas as nacionalidades, desfilava pelas bancas e cafeterias. Parecia uma feira internacional. Na Festa della Sensa de 1792 foi inaugurado o Teatro La Fenice. O último sposalizio da República de Veneza aconteceu no ano 1796 com o Doge Lodovico Manin que governou durante os anos de 1789 e 1897. Hoje a cerimonia se repete como uma festa tradicional no primeiro domingo depois do Dia da Ascenção.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
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