terça-feira, 14 de novembro de 2023

Trama de Transformações: O Crepúsculo da Escravidão e a Saga dos Imigrantes na Reconstrução do Brasil





À medida que as décadas do século XIX desenrolavam-se, uma complexa trama de debates se desdobrava no Brasil em torno do declínio da odiosa prática da escravidão. Nesse contexto histórico, medidas políticas significativas, como a promulgação da Lei Aberdeen, promulgada em 1845, foi uma legislação britânica que tinha como objetivo reprimir o tráfico de escravos. Essa lei concedia à Marinha Real britânica o poder de interceptar navios negreiros estrangeiros suspeitos de estarem envolvidos no comércio de escravos e de confiscar essas embarcações. Ela fazia parte dos esforços internacionais para combater o tráfico transatlântico de escravos. A Lei Eusébio de Queirós em 1850, a Lei do Ventre Livre em 1871 e a Lei dos Sexagenários em 1885, surgiam como respostas ao movimento que visava extinguir o sistema escravista que por tanto tempo tinha assolado o solo brasileiro. No cerne desse conjunto legislativo, destacava-se, de maneira proeminente, a promulgação de 1888, a Lei Áurea, com a abolição da escravidão no Brasil, que sancionava de forma incontestável o fim do trabalho escravo no Brasil. Contudo, tal decisão acarretou um colossal desafio para os fazendeiros, agora confrontados com a penúria de mão de obra nas vastas plantações. Diante desse impasse, a solução encontrada foi a contratação de trabalhadores estrangeiros, com milhares de italianos, suíços, alemães e japoneses sendo atraídos para contribuir principalmente nas fazendas de café, notadamente no Estado de São Paulo.
A principal motivação para a vinda desses imigrantes residia na escassez de oportunidades de emprego provocada pela Revolução Industrial, cujo avanço tecnológico redundou na dispensa de uma considerável parcela da força de trabalho nas fábricas. Nesse cenário, a emigração tornou-se a alternativa buscada pelos imigrantes para driblar o desemprego.
Ao pisarem em solo brasileiro, os imigrantes eram absorvidos pelo sistema de parceria. Nesse esquema, os fazendeiros custeavam a viagem dos imigrantes, impondo-lhes, assim, um início de jornada já marcado pela dívida. Ademais, trabalhavam em parcelas específicas de terra nas fazendas, com os frutos e prejuízos das colheitas sendo compartilhados. Todavia, em razão do controle disciplinador exercido sobre os trabalhadores, estes frequentemente mal podiam se ausentar das fazendas. Além disso, o fazendeiro detinha o monopólio da venda de mercadorias essenciais, como roupas, alimentos e remédios, mantendo o imigrante perpetuamente endividado, já que o sistema de parceria favorecia invariavelmente os fazendeiros. Diante dessas circunstâncias adversas, muitos imigrantes optaram por não eleger o Brasil como destino, dirigindo-se a outras regiões das Américas, como a Argentina. Percebendo o iminente esgotamento da mão de obra, os grandes fazendeiros reformularam a dinâmica laboral, passando a remunerar os imigrantes com uma quantia fixa, abrindo mão, assim, do sistema de parceria. Somente com essa transição é que os trabalhadores estrangeiros recuperaram a confiança em escolher o território brasileiro como sua morada.
Para além de atuarem como força de trabalho nas fazendas, os imigrantes faziam parte de um projeto político mais amplo no Brasil, cujo intento era o embranquecimento da sociedade. O objetivo era transformar o país em uma nação predominantemente composta por pessoas de ascendência europeia, refletindo a discriminação, à época, da elite brasileira em relação às misturas raciais entre indígenas, africanos e europeus. Esse ambicioso projeto visava moldar o Brasil conforme uma civilização assemelhada à dos países europeus, onde a predominância de pessoas brancas era notável em comparação com a população negra.
Assim, esse período histórico caracterizou-se por profundas transformações na sociedade brasileira, e em decorrência dessa transição do trabalho escravo para o assalariado, o Brasil abriga atualmente colônias japonesas, alemãs e italianas, contribuindo para a formação de uma sociedade rica em diversidade cultural e costumes.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS



Odisseia nos Mares: Emigração Italiana e os Desafios da Travessia Oceânica

 

Porto de Gênova Emigrantes italianos a bordo de um navio para a América 



A emigração italiana teve início principalmente através do porto de Gênova, sendo que alguns anos mais tarde também pelos portos de Nápoles e Palermo, quando a cada vez pior situação econômica da Itália atingiu o sul do país e um grande número de meridionais precisaram partir. 
Em Gênova já existiam algumas as empresas italianas de transporte marítimo, como a Florio e a Rubattino, além de algumas outras, todas elas até então dedicadas ao transporte de mercadorias e precariamente estruturadas para o transporte de pessoas. 
Muitos emigrantes italianos também partiram pelo porto de Havre, na França, por vários motivos, alguns deles por falta de documentos, outros por estarem fugindo do recrutamento militar obrigatório ou simplesmente, porque a passagem de navio era mais barata para quem emigrava a partir da França. 
Nos primeiros anos antes do grande boom da emigração italiana, uma grande parte dos vênetos, que se dirigiam para a América, saíram pela França, embarcando no porto de Le Havre, em navios quase todos veleiros. 
A travessia do oceano era feita com os chamados "navios de Lázaro", como eram chamadas essas precárias embarcações, onde nelas as pessoas tinham que suportar mais de trinta dias de confinamento em condições de superlotação, o que inevitavelmente provocava o surgimento de epidemias graves tais como o cólera, sarampo e a tuberculose. 
A viagem através do grande oceano foi realmente uma enorme e arriscada aventura que nossos antepassados enfrentaram e, não por acaso, é um dos episódios que mais intensamente ficou registrado na memória dos emigrantes, os quais, durante suas vidas e de seus filhos, contavam a aventura vivida nos encontros das comunidades. 
Os naufrágios e os aterradores sepultamentos no mar, eram o grande medo de todos, e muitos deles aconteceram durante os anos da grande emigração. 
O mais famoso naufrágio, que ficou mundialmente conhecido, talvez seja o do vapor Sirius, que no ano de 1906 naufragou nas costas do Brasil. O Sirius tinha uma escala prevista para o porto do Rio de Janeiro, e junto as centenas de emigrantes italianos também viajava o bispo da Bahia, que retornava da Europa. A maioria deles perdeu a vida incluindo o próprio bispo. 
Não eram poucos os emigrantes que morriam durante a viagem ou que eram recusados nos portos de chegada, por estarem gravemente doentes e incapazes para o trabalho. 
A viagem transoceânica era uma experiência de alto risco. Além da possibilidade de acontecer um naufrágio, podiam também, sem maiores explicações da companhia de navegação, desembarcarem numa cidade diferente daquela de destino prevista na partida e que constavam dos bilhetes comprados. 
O que acontecia com maior frequência era a contaminação dos passageiros por doenças infecto contagiosas devido as péssimas condições de superlotação e a sujeira na qual era feita a travessia.
Teodorico Rosati, inspetor sanitário no porto de Gênova, assim se expressou a respeito dos navios e das condições que os emigrantes tinham que enfrentar a bordo: 
"A sujeira dos dormitórios é tanta que todas as manhãs é preciso deixar os emigrantes saírem para o deque aberto para poder limpar o chão. De acordo com o regulamento, os dormitórios são varridos, lavados e secos com cuidado e depois colocado serragem, se necessário misturam com ela desinfetantes. Mas as fezes e o lixo que se acumulam no chão corrompem o ar com fortes emanações e a limpeza fica sempre difícil.” 
Ainda sobre as condições de superlotação a bordo e a sujeira dos dormitórios assim foram descritas por um médico de bordo:
"A temperatura elevada não é apenas um fator que torna a atmosfera dos dormitórios sem condições de respirar, ocorre também excesso de vapor da água e o ácido do gás carbônico expelido pela respiração, os produtos tóxicos causados pela secreção dos corpos, das roupas das crianças e adultos que por medo ou preguiça urinam e defecam pelos ângulos dos locais onde estão alojados. A impressão de desgosto e repugnância que se sente descendo ao porão onde haviam dormido os emigrantes era tal que experimentada uma só vez, não dá para esquecer jamais". 
Nas viagens de regresso os navios, quando não aceitos nos portos, assumiam o papel de "hospitais flutuantes". Não eram poucos os emigrantes gravemente doentes que retornavam à pátria para morrer. 
Nas viagens de retorno dos Estados Unidos a tuberculose pulmonar e as doenças mentais eram as mais frequentes nas estatísticas. Nas viagens de retorno da América do Sul era particularmente alto o número de pessoas afetadas por conjuntivite, o tracoma. 
Não estão disponíveis informações precisas para documentar sobre o que acontecia aos emigrantes que retornavam à Itália com problemas de saúde mental. Provavelmente aqueles que conseguiam reencontrar suas famílias poderiam evitar, ao menos temporariamente, a internação no manicômio. 
Diferente era a situação daqueles que não podiam contar com a ajuda dos familiares. Neste caso, as autoridades sanitárias e os médicos de porto contatavam os órgãos de segurança pública que providenciavam a internação dos emigrantes no manicômio. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS