sábado, 31 de março de 2018

A Pelagra no Vêneto a Doença da Pobreza

Pelagrosário de Mogliano Veneto

Esta é doença endêmica que se fez notar inicialmente em algumas partes do Vêneto, ainda no final do século XVIII, para depois, rapidamente, se espalhar por quase todo o território.
Em 1776, a autoridade responsável pela saúde da Sereníssima República de Veneza publicou um decreto em que dava conta dessa nova situação e alertava as autoridades, dizia:

Os efeitos perniciosos que poderão causar prejuízo para a saúde dos mais pobres, especialmente aqueles habitantes da zona rural do Polesine, Padovano e Veronese, devido a alimentação com sorgo turco imaturo e de má qualidade, em grande parte, colhidos de terrenos alagados pelas enchentes e aluviões, fazem necessário uma maior vigilância e atenção desta autoridade para prevenir as ameaçadoras doenças que poderão surgir com tais hábitos”. 

Recorte de Jornal Il Contadino de Treviso ano 1882e em destaque a notícia do número de casos de pelagra naquela província vêneta

Presume-se que as autoridades venezianas já estavam pensando nesta doença e nas implicações à saúde do povo, quando proibiram o comércio e a moagem de milho deteriorado. As primeiras investigações oficiais que se tem notícias aconteceram em 1805, quanto o Vêneto estava sob o domínio do governo austríaco, as quais exortavam os médicos a fazerem estudos e observações sobre o progresso da doença no departamento de Treviso. 

Grupo de Pacientes Internados no Pelagrosário

Na ocasião eles chegaram a conclusão que a causa da doença era devido a qualidade do alimento ingerido pelas populações mais pobres, o que não foi aceito por muitos estudiosos que afirmavam que a etiologia era de origem tóxica. 


As duas correntes de pensamentos, a carencialista e a toxicológica, dividiram o pensamento dos estudiosos da época até 1883 quando foi criado o primeiro pelagrosário italiano, na cidade de Mogliano Veneto, Província de Treviso. Os pacientes ficavam internados durante muitos meses, até anos, e o tratamento utilizado consistia de uma boa alimentação, rica em proteinas animais. Para isso o pelagrosário dispunha de um grande rebanho de gado de leite e de corte, além de um enorme galinheiro.

Pátio Interno do Pelagrosário com crianças e adultos de ambos os sexos internados

Em 1935 com o isolamento da chamada vitamina PP (pelagra preventing fator) uma substância que não é assimilável pelo organismo na ausência de niacina, triptofano e vitaminas B2 e B6, todos presentes nas carnes, ovos e leite, ficou finalmente demonstrado a etiologia da pelagra. 

Manifestações Cutâneas da Pelagra

 A pelagra é uma doença causada pela falta de niacina (ácido nicotínico ou vitamina B ou vitamina PP) e ou de aminoácidos essenciais, como o triptofano.

A pelagra é uma doença que se apresenta clinicamente com três fases: cutânea, intestinal e nervosa. Atualmente ela é conhecida pelo nome de doença dos 3 D, pelos seus três principais sintomas que começam com a letra D.

São eles:

1.    na fase inicial Dermatite, com o aparecimento de manchas cor escura na pele, eritema, pele seca e áspera, seguido mais tarde pelo aparecimento de crostas.
2.   Na segunda fase aparecem as Diarreias, acompanhadas de sangramento intestinal e vômitos.
3.   Na terceira e irreversível fase aparecem as alterações mentais com alterações da conduta e do comportamento, seguindo para a Demência.

Paciente Acometido de Pelagra

Para se ter uma ideia das condições alimentarias do Vêneto no período anterior à grande emigração, atualmente ela é uma doença pouco comum, mesmo nos países onde a miséria é endêmica e os casos encontrados estão relacionados especialmente com o alcoolismo crônico. Os vênetos se alimentavam quase que exclusivamente da polenta, por volta de 3 kg de polenta ao dia. A falta de proteínas da carne dos ovos ou do leite criavam uma situação crônica insustentável de falta da vitamina B. 

Exemplo de Ficha Clínica de Um Paciente Internado de 8 anos de idade no ano de 1895



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS

sexta-feira, 30 de março de 2018

Pergunta de Uma Emigrante Italiana




“Quando em uma família alguém é obrigado a sair de casa ou mandado para longe, aqueles que ficaram se perguntam: 

Porquê? Como foi possível acontecer? ...

Se ficam indiferentes, quer dizer que não se trata de uma verdadeira família. É só um grupo de pessoas que estão vizinhas.

Partimos em milhões da península e ainda esperamos que as pessoas se perguntem: 

Como foi possível acontecer?...

São mais de cem anos que - nós emigrados – esperamos que a Itália se comporte como uma verdadeira família...”.

Uma emigrada



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

Erechim RS

Vênetos as Vítimas do Reino da Itália

 







Muitos fatos ocorridos logo antes e durante o plesbiscito de 1866 e por ocasião da anexação do Vêneto pelo Reino da Itália nunca foram bem esclarecidos. 

Fatos históricos importantes foram intencionalmente esquecidos por aqueles historiadores que, após a anexação em 1866, escreveram a história dos vênetos.
O Vêneto desde sempre era uma nação de fato, com quase um milênio de história, desde o tempo da Serenissima República de Veneza, quando então era uma grande potência marítima e comercial que dominava as águas do Mediterraneo.
Era uma nação de fato, pois sempre possuiu identidade própria, uma rica e variada cultura e principalmente uma língua falada e escrita desde muitos séculos antes da anexação. Essa língua no auge da Serenissima chegou a ser aquela empregada em todos os portos do Mediterraneo. A moeda vêneta, o ducado, era empregada nas trocas comerciais em todo Mediterraneo até os paises do oriente. 
Quando os nossos antepassados vênetos chegaram ao Brasil, nos anos finais do século XIX e no início do XX, não falavam o idioma italiano e sim as diversas variantes do dialeto vêneto de acordo com a provincia de origem. O idioma italiano era então totalmente desconhecido e isso ainda após o ano de 1866.
Como poderiam ser italianos se nem esse idioma eles falavam? Eles eram na verdade Vênetos, cidadãos de uma nação que tinha Veneza como capital, herdeiros da antiga gloriosa Sereníssima.




A anexação do Vêneto ao Reino da Itália se deu após um pleito viciado nas suas origens, uma eleição controlada pela Itália, em um processo no mínimo irregular. A votação consistia em dizer SIM ou NÃO depositando o voto em urnas separadas, na frente e controle das autoridades italianas. Os votos eram anotados e o eleitor identificado! Ao lado da urna NÃO,  em cada local de votação, ficava sempre um guarda armado para intimidar ainda mais os pobres agricultores, que temendo pela sua integridade e da sua família, tremendo de medo se dirigiam à urna do SIM. O índice de aprovação obtido pelo pleito foi perto dos cem por cento, índice jamais alcançado em qualquer eleição livre.





 As novas releituras dos fatos ocorridos naquele período, nos poucos documentos que sobraram, pois grande parte deles desapareceu, certamente destruídos, são nítidos os contornos de uma grande fraude orquestrada e comandada pela Casa de Savóia. Naquela época o Vêneto estava ainda sob a dominação do Império Austro Húngaro, que era governado pela dinastia dos Habsburgos, com sede em Viena.
A anexação pelo reino italiano veio agravar as condições econômicas do Vêneto, submetendo o povo a novos sacrifícios, com o aumento do desemprego no campo e a presença da fome, que passou a rondar os lares daqueles pobres agricultores.




A anexação foi, sem dúvida, uma das causas principais que fez precipitar a emigração em massa do Povo Vêneto. 
O crescente descontentamento do povo vêneto estava criando um verdadeiro caldeirão já a ponto de explodir e a emigração em massa foi a solução encontrada, como uma válvula de escape, para se evitar uma revolução. 
A emigração foi sem dúvida um mal necessário e representa uma manifestação pacífica de descontentamento daquele povo.
A história contada pelos primeiros imigrantes que aqui aportaram e as suas declarações registradas colocam em xeque tudo que foi até aqui relatado oficialmente pelo governo italiano. 
Essas declarações de fatos, episódios e testemunhos vividos em primeira pessoa, contradizem o que foi escrito nos diversos livros didáticos e nas diversas obras literárias italianas. 
Nas varias pesquisas realizadas no Vêneto e nos novos estudos de antigos documentos de diversas épocas que sobreviveram, apontam para varias inconsistências e irregularidades ocorridas no plesbiscito de 1866 que antecedeu a anexação do Vêneto pelo Reino da Itália. 
Na época da dominação austro húngara a situação do Vêneto estava mais ou menos controlada onde os nobres proprietários de terra e também a Igreja as cediam aos camponeses para plantarem em troca de parte da colheita. Era a meação e os seus participantes eram denominados “mezadri” em vêneto. 
Viviam em um país dominado por estrangeiros, já que em 1779 aconteceu a queda da Serenissima Repubblica di Venezia com a derrota para as tropas de Napoleão Bonaparte, o qual não demorou muito para saquear as riquezas em obras de arte de Veneza e levá-las para Paris. Algumas delas foram devolvidas mais tarde e outras não. 
Em seguida o Vêneto foi cedido passando para as mãos do Império Austro Húngaro, da dinastia dos Habsburgos, com sede em Viena.
Muitas batalhas aconteceram entre italianos e austríacos, principalmente entorno de Verona, onde vênetos e lombardos lutaram até a assinatura da Paz de Viena. Nesta a Áustria abria mão do domínio sobre o Vêneto, e determinava que através de uma votação o Povo Vêneto poderia escolher o seu futuro. 
A população vêneta já fazia festas em todos as partes antevendo a liberação e a criação de um estado Vêneto independente.
Infelizmente isso não veio acontecer por conta desse plesbiscito manipulado.
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

quinta-feira, 29 de março de 2018

Questionamento de um Emigrante Italiano

Os questionamentos feitos por um italiano anônimo para um ministro italiano da época, onde podemos avaliar as condições em que o povo pobre estava vivendo na Itália do final do século XIX.



“Que coisa entendeis por uma nação, Senhor Ministro?

É a massa dos desafortunados?

Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos pão branco.

Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho.

Criamos animais, mas não comemos a carne!

Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonar a nossa pátria?

Mas é uma pátria onde não se consegue viver do próprio trabalho?”




“Che cosa Lei capisce per uma nazione, Signore Ministro?

È la massa degli sfortunati?

Piantiamo e noi raccogliamo il grano, ma non proviamo mai pane bianco.

Noi coltiviamo la vite, ma non beviamo il vino.

Noi allevamo gli animali, ma non mangiamo la carne.

Nonostante voi ci consigliate a non abbandonare la nostra patria?

Ma è una patria dove non si riesce da vivere del proprio lavoro?”




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

A Longa Espera dos Emigrantes Italianos no Porto de Gênova


Capa do Suplemento Dominical do Jornal Corriere della Sera, de Milão, no 
dia 08.12.1901, distribuído aos seus assinantes 


Chegados ao Porto de Gênova, quase sempre, deviam esperar alguns dias, as vezes algumas semanas, pela partida do vapor que os levaria para a tão sonhada terra “della cucagna”, a prometida América.

No espaço frente a estação de trens de Genova, geralmente era invadida por milhares de emigrantes recém chegados de toda parte da Itália, que se amontoavam esperando para o embarque no porto. 

Durante o período esta espera, os emigrantes se viam desamparados e submetidos a toda sorte de provações, vendo muitas vezes, os seus poucos recursos economizados, roubados por uma gama enorme de todo tipo de aproveitadores, especuladores e ladrões. 

Roubos de passaportes, dinheiro e bagagens eram constantes. O preço dos alimentos e dos albergues na área do porto eram intencionalmente inflacionados, por comerciantes desonestos, que viam nos pobres emigrantes uma oportunidade desonesta de aumentarem os seus lucros. Estavam mancomunados com as agências de viagens e as companhias de navegação. O que acontecia ali era simplesmente escandaloso e muito terrível.

Em declarações desses primeiros emigrantes nos dão conta que já eram roubados pelos próprios italianos antes mesmo de deixarem a Itália. 

O padre Maldotti, enviado do Mons. Scalabrini, desempenhou importante papel na proteção e socorro desses infelizes emigrantes que ali chegavam, às vezes uma semana antes do embarque, abandonados à própria sorte.

Diferente dos italianos do sul que partiam quase sempre com os bolsos vazios, os emigrantes vênetos partiam sempre com uma pequena economia, fruto da venda de objetos das suas casas, de animais e de uma pequena fatia de terra.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS