Enrico Castrovinci nasceu numa manhã luminosa de primavera em abril de 1841, no pequeno vilarejo de Canova Fornace, uma fração bucólica nos arredores de Sabbioneta, na província de Mantova. O amanhecer daquele dia trouxe consigo uma brisa suave, carregada com o perfume das flores silvestres que desabrochavam após um longo inverno. O sol tingia os campos com um dourado quase mágico, prometendo mais uma estação de fartura para quem ousasse desafiar a terra com as mãos calejadas e o coração repleto de fé.
Filho mais velho de Domenico Castrovinci e sua esposa, Beatrice, Enrico era a primeira centelha de esperança numa família que sobrevivia da generosidade ingrata dos campos. Suas primeiras lembranças eram as de caminhar descalço pelos vinhedos ao lado do pai, observando o suor escorrer pelo rosto dele enquanto lavrava a terra. A mãe, em contraste, lhe ensinava rezar e várias canções antigas em dialeto lombardo enquanto trançava cestos de vime na soleira da porta da casa simples de pedra. A pobreza moldava a rotina da família, mas não sua dignidade.
Enrico era um rapaz que combinava o vigor do trabalho com uma curiosidade inata sobre o mundo. As histórias que o velho pároco da aldeia contava sobre terras longínquas e cavalheiros nobres encheram sua mente com sonhos além dos campos de trigo e dos estreitos canais da região. Mas, por mais que sonhasse, ele sabia que o destino o chamava para ser o pilar de sua casa.
Quando completou 21 anos, em 1862, Enrico tomou uma decisão que alteraria o curso de sua vida. Ele desposou Adele Castiglioni, uma jovem cuja presença parecia iluminar qualquer ambiente. Adele era a filha mais nova de uma família vizinha, conhecida por sua generosidade e firmeza. Com olhos de um verde que rivalizava com os campos na primavera e uma determinação que superava a de muitos homens, Adele era uma força da natureza. Juntos, eles formavam um par quase mítico para os habitantes de Canova Fornace — o jovem trabalhador e a mulher de espírito indomável.
A celebração de seu casamento foi um evento memorável no vilarejo. Os poucos moradores locais se reuniram na pequena capela dedicada a São Remígio, decorada com flores colhidas dos campos. Após a cerimônia, uma modesta festa foi realizada ao ar livre, onde as mesas eram cobertas com pratos simples, mas preparados com o amor e o cuidado de uma comunidade que compartilhava tanto as alegrias quanto as dificuldades. O vinho local, embora rústico, fluía como se fosse o mais nobre elixir, e os risos ecoavam pelos vinhedos.
Na manhã seguinte ao casamento, enquanto os primeiros raios de sol iluminavam os campos, Enrico e Adele começaram sua jornada juntos. Eles sabiam que a vida não seria fácil. Os impostos esmagadores, as intempéries e a constante ameaça de fome faziam parte da realidade. Mas Enrico acreditava que, com trabalho e união, eles poderiam transformar até mesmo o mais estéril dos solos em um jardim fértil. E Adele, com sua força e resiliência, acreditava nele. Os anos que se seguiram foram marcados por desafios e conquistas. Entre o trabalho extenuante nos campos e as noites iluminadas apenas pela luz trêmula da lareira, o casal começou a construir algo maior do que eles mesmos. Mas a história de Enrico Castrovinci não seria apenas uma crônica sobre o trabalho árduo e a vida no campo. Era, acima de tudo, uma história de sonhos, sacrifícios e a luta constante entre o desejo de permanecer fiel às raízes e a tentação de buscar horizontes mais amplos. E assim, na pequena Canova Fornace, com seu céu amplo e horizonte limitado, começava a saga de Enrico e Adele, um prelúdio para um destino que, como as estações do ano, era inevitável e cheio de promessas ocultas.
Nos quinze anos que se seguiram, Enrico e Adele moldaram sua existência em Canova Fornace com uma resiliência que parecia desafiar a dureza da vida no campo. Seu lar, pequeno e simples, tornou-se o coração de uma família que crescia em número e em histórias. Os cinco filhos — Vittore, Luisa, Rosa, Gemma e Cesare — eram o reflexo do amor e da determinação do casal. Cada criança trazia consigo um traço único: Vittore, o primogênito, herdara a seriedade de Enrico e seu olhar atento para os detalhes da lavoura. Luisa, a mais velha das meninas, possuía a gentileza e a praticidade de Adele, enquanto Rosa era uma sonhadora incorrigível, com perguntas incessantes sobre o mundo além dos limites da aldeia. Gemma, por sua vez, tinha uma alegria contagiante que iluminava até os dias mais sombrios, e Cesare, o caçula, já demonstrava uma inquietação precoce, como se sua alma pressentisse aventuras além da terra natal. A vida, no entanto, não era feita apenas de momentos ternos e alegrias familiares. As colheitas eram incertas, e os impostos, cada vez mais pesados, gravavam como um fardo insuportável sobre os pequenos agricultores. Os esforços para expandir os vinhedos ou melhorar a produção de trigo frequentemente esbarravam em intempéries e pragas, deixando Enrico muitas vezes em noites insones, preocupado em como prover para sua crescente família.
A unificação da Itália, que deveria trazer um novo começo para o país, parecia um sonho distante para os habitantes de Canova Fornace. As promessas dos novos governantes chegavam à aldeia como ecos distantes, sem nunca se materializarem em mudanças concretas. Estradas continuavam intransitáveis, mercados permaneciam distantes e os camponeses ainda lutavam para vender seus produtos a preços justos. Enrico sentia que o peso de cada estação ficava mais difícil de suportar, e a sombra da desesperança começava a se insinuar em seus pensamentos.
Foi nesse cenário de incerteza que um dia, na praça do vilarejo, um vizinho retornou da América do Sul trazendo não apenas sua bagagem, mas também histórias que incendiavam a imaginação de quem o ouvia. Falava de terras vastas e férteis no Brasil, onde o solo respondia ao menor esforço, e de um governo disposto a conceder pedaços generosos de terra a imigrantes dispostos a trabalhá-la. As descrições eram tão vívidas que Enrico podia quase sentir o cheiro das novas colheitas e o calor do sol em um céu estrangeiro. No entanto, havia algo mais do que as histórias: havia esperança. Pela primeira vez em anos, Enrico viu uma luz no horizonte que parecia alcançável. Ele não era um homem de ilusões fáceis, mas as palavras do vizinho, combinadas com sua própria insatisfação crescente, acenderam uma chama em seu coração. Era como se o destino o chamasse para algo maior — algo que não apenas pudesse mudar sua vida, mas também a de seus filhos. Sentado à mesa de madeira rústica naquela noite, enquanto os filhos dormiam e Adele costurava à luz da lamparina, Enrico compartilhou com ela os pensamentos que o assombravam desde que ouvira as histórias. Adele, sempre prática, ouviu em silêncio, o olhar fixo nas mãos dele, que apertavam a xícara de chá com uma força nervosa. Quando ele terminou de falar, ela apenas assentiu. Não era uma decisão fácil, mas ela sabia, assim como ele, que talvez fosse a única escolha.
Em 1877, depois de meses debatendo a difícil decisão, Enrico e Adele Castrovinci venderam tudo o que possuíam: a pequena casa onde seus filhos haviam dado os primeiros passos, as ferramentas gastas pelo uso incessante nos campos e até mesmo os poucos móveis que compunham seu lar. Cada objeto vendido era uma despedida dolorosa de uma vida inteira de memórias, mas também um passo inevitável em direção ao desconhecido. Com o pouco que conseguiram arrecadar, compraram passagens para a travessia que prometia uma nova chance no Brasil.
A despedida em Canova Fornace foi marcada por lágrimas e abraços apertados. Amigos e familiares se reuniram para desejar sorte à família. Muitos, como eles, haviam considerado emigrar, mas não tiveram coragem ou recursos para dar o salto. Para os Castrovinci, aquela partida era tanto um adeus quanto um salto de fé. Quando o carro de bois que os levou até a estação de trem finalmente partiu, o silêncio que ficou na vila parecia ecoar a saudade que já começava a tomar conta de seus corações.
No porto de Gênova, o caos reinava. Homens gritavam ordens, crianças choravam, e o ar era uma mistura de sal e fumaça. O navio “Santa Maria” os esperava, imponente e ao mesmo tempo opressor. Ao subir a rampa de embarque, Adele apertava a mão de Enrico, enquanto os filhos olhavam com curiosidade e temor para o colosso de madeira e ferro que seria sua casa pelos próximos quarenta dias. A viagem pelo Atlântico foi um teste de fé e resistência para todos a bordo. O espaço era apertado, e as condições de higiene, praticamente inexistentes. O balanço implacável do mar fazia os estômagos revirarem, enquanto o cheiro de sal, umidade e corpos exaustos impregnava o ar. As rações eram magras: pão duro, uma sopa rala que mais parecia água quente, e, ocasionalmente, um pedaço de carne salgada que precisava ser mastigado com determinação.
As noites no porão do navio eram especialmente difíceis. Adele abraçava os filhos enquanto Enrico, mesmo exausto, permanecia alerta, como se sua vigilância pudesse afastar os perigos invisíveis que os cercavam. Entre os passageiros, circulavam histórias de doenças que se espalhavam rapidamente em navios como aquele, e Enrico sabia que um simples resfriado poderia ser fatal em um ambiente tão precário. Quarenta dias se passaram como uma eternidade. Quando finalmente avistaram a costa do Brasil, um misto de alívio e incerteza tomou conta dos passageiros. O desembarque no Rio de Janeiro foi um momento inesquecível. O porto fervilhava de atividade, com marinheiros e trabalhadores carregando cargas e chamando uns aos outros em uma língua que os Castrovinci não compreendiam.
Eles foram encaminhados para a Hospedaria da Ilha das Flores, em Niterói, um local improvisado que abrigava centenas de imigrantes diariamente. As condições ali não eram muito melhores do que as do navio, mas, pelo menos, havia terra firme sob seus pés. Enrico observava as outras famílias ao seu redor, seus rostos marcados pela exaustão, mas também por uma esperança teimosa, semelhante à que ele próprio carregava. Embora o futuro ainda fosse incerto, os Castrovinci sabiam que haviam superado o primeiro grande obstáculo de sua jornada. No íntimo, Enrico sentia que, por mais que o caminho fosse árduo, ele estava determinado a transformar aquela terra estranha no lar que sua família tanto merecia.
De Niterói, após alguns dias de repouso e incertezas, a família Castrovinci embarcou em um novo capítulo de sua jornada. Seguiram para Vitória, o destino que prometia ser o início de uma nova vida. Ao desembarcarem na cidade, foram encaminhados à Hospedaria da Pedra d’Água, um local simples, mas funcional, onde os recém-chegados eram recebidos e orientados antes de seguirem para as colônias agrícolas. Enrico, sempre atento ao ambiente ao seu redor, observava cada detalhe com uma mistura de fascínio e preocupação. A paisagem era dramaticamente diferente da planície fértil da Lombardia. As florestas densas se erguiam como muralhas verdes, e os rios caudalosos, com suas águas barrentas e correntes traiçoeiras, pareciam esconder segredos tão abundantes quanto os recursos que prometiam. Essa terra parecia ao mesmo tempo rica e implacável, cheia de promessas, mas exigindo coragem e determinação de quem quisesse conquistá-la. Após poucos dias, a família uniu-se a um grupo de outras onze famílias italianas. Juntos, formaram uma pequena caravana, determinada a enfrentar os desafios do interior. A jornada seguinte os levou a um novo tipo de transporte: canoas longas, esculpidas à mão pelos habitantes locais. O rio que cortava a floresta era a única estrada disponível. As águas os levavam em uma viagem lenta, mas incessante, rio acima, rumo a Santa Leopoldina e, posteriormente, Santa Teresa. Os dias na canoa eram exaustivos. Sob o sol escaldante, Enrico e Adele ajudavam a remar enquanto as crianças tentavam se distrair com os sons exóticos da mata ao redor: o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas e os ocasionais rugidos de animais desconhecidos. À noite, o grupo montava acampamento nas margens do rio. As fogueiras iluminavam os rostos cansados, e as conversas, misturadas a cantos melancólicos, davam a todos uma sensação de comunidade e coragem compartilhada. Quando finalmente chegaram à região de Santa Joana, o grupo foi recebido com uma visão avassaladora: um mar de mata virgem que precisava ser desbravado. Cada família recebeu uma porção de terra, marcada apenas por estacas de madeira cravadas no chão, que delimitavam o início de seu novo lar. Não havia casas, nem estradas, apenas a promessa de que, com trabalho duro, aquela terra se tornaria fértil e produtiva. Os Castrovinci, como os outros, começaram imediatamente a trabalhar. Enrico e Adele, com a ajuda dos filhos mais velhos, ergueram uma estrutura de madeira improvisada para servir de abrigo temporário. Durante o dia, cortavam árvores e queimavam a vegetação, abrindo espaço para o plantio. À noite, reuniam-se ao redor de uma fogueira, contando histórias e tentando aliviar a saudade de tudo o que haviam deixado para trás. Embora os desafios fossem imensos, havia um senso de propósito que unia o grupo. Enrico, com sua determinação inabalável, liderava os esforços da família, acreditando que cada árvore derrubada, cada pedaço de terra arado, os aproximava de um futuro melhor. Para Adele, o trabalho era um ato de amor pelos filhos, um sacrifício que ela fazia na esperança de que eles pudessem crescer em um lugar onde sonhos pudessem florescer.
A chegada em Santa Joana marcava o início de uma nova vida. Entre o esforço de construir o presente e as lembranças do passado, os Castrovinci começavam a escrever sua própria história na vastidão da terra brasileira. Os Castrovinci se estabeleceram com determinação em um pedaço de terra que decidiram chamar de Nova Esperança, um nome que carregava tanto sua fé no futuro quanto a promessa de uma vida renovada. Era um pedaço de solo bruto, cercado por mata densa e rios serenos, onde o verde parecia não ter fim. Para Enrico, aquele lugar, apesar de sua aspereza inicial, era um campo onde ele plantaria não apenas sementes, mas também sonhos.
Logo nos primeiros dias, Enrico usou suas mãos calejadas e sua força inabalável para começar o trabalho árduo de preparar o solo. Escolheu o café como sua principal cultura, acreditando que o grão, tão apreciado pelos brasileiros, seria seu passaporte para a prosperidade. Entre as fileiras de café, plantou mandioca, um alimento resistente e nutritivo que ajudaria a sustentar sua família enquanto as plantas de café cresciam e amadureciam.
Adele, por sua vez, tornou-se a guardiã de uma pequena horta próximo à casa que construíram com madeira e barro. Ali, ela cultivava ervas e legumes, cada planta escolhida com cuidado, não apenas para alimentar a família, mas também para trazer um pouco de sabor e cor ao cotidiano que, por vezes, parecia desafiador. Ervas como manjericão, salsa e orégano evocavam memórias das cozinhas italianas, enquanto os vegetais frescos, como abóboras e quiabos, aprendidos com os moradores locais, eram um símbolo da adaptação a um novo lar. As noites em Nova Esperança tinham um ritmo próprio. O silêncio da mata era pontuado pelo canto incessante das cigarras, uma sinfonia natural que parecia acompanhar os pensamentos de Enrico e Adele enquanto se sentavam em torno de uma lamparina tremeluzente. À luz amarelada, os filhos se aglomeravam, e as histórias tomavam conta do ambiente. Eram contos de coragem, lendas italianas trazidas na memória e até mesmo relatos das aventuras do dia a dia naquele novo mundo.
A nostalgia pela Itália era inevitável, mas a narração das histórias tornava a saudade mais suportável. Adele, com sua voz serena, relembrava os campos dourados e as aldeias de pedra de Sabbioneta, enquanto Enrico falava sobre os desafios vencidos e os que ainda viriam, sempre com um tom de esperança. Cada história não era apenas uma forma de entreter os filhos, mas também uma maneira de reafirmar sua identidade e passar adiante as tradições que traziam consigo. Assim, entre o trabalho extenuante sob o sol tropical e os momentos de intimidade ao anoitecer, os Castrovinci encontravam forças para continuar. Nova Esperança não era apenas um pedaço de terra; era o símbolo de sua resiliência, um local onde o passado e o futuro se encontravam, e onde cada dia era uma nova oportunidade de transformar sonhos em realidade.
Vittore, o primogênito da família Castrovinci, revelou-se desde cedo um jovem forte e ambicioso, com uma visão que ia além das colinas de Nova Esperança. Aos 25 anos, com o espírito de liderança herdado do pai e a resiliência aprendida na infância, casou-se com Angela Bellucci, uma jovem de olhar determinado e mente prática, recém-chegada da Toscana. Angela trazia consigo não apenas a herança cultural de sua terra natal, mas também habilidades e ideias que logo se tornariam fundamentais para o crescimento da nova família. Com um planejamento cuidadoso e uma boa dose de coragem, o casal adquiriu terras na região conhecida como Bananal, uma área promissora que combinava campos férteis com o acesso a trilhas comerciais. Enquanto Angela cuidava do lar e supervisionava as plantações, Vittore dedicou-se ao cultivo de pimenta, cuja demanda crescente prometia bons lucros. Além disso, aventurou-se na criação de gado, uma atividade que requeria não apenas força, mas também paciência e disciplina.
A ambição de Vittore, porém, não parava nos limites de suas terras. Ele vislumbrou oportunidades nos mercados de Vitória, a cidade portuária que se tornara um polo comercial em ascensão. Para isso, organizou caravanas cuidadosamente planejadas, compostas por pequenos grupos de burros de carga. Durante essas jornadas, ele transportava sacas de pimenta e produtos de sua criação, enfrentando desafios que poucos ousariam encarar.
As viagens eram uma verdadeira prova de resistência e habilidade. O caminho para Vitória serpenteava por florestas densas, onde a luz do sol mal conseguia penetrar o dossel das árvores. Além dos perigos naturais, como rios traiçoeiros e animais selvagens, Vittore precisava atravessar territórios habitados por comunidades indígenas. Ao invés de enfrentar esses grupos com hostilidade, ele optou por uma abordagem baseada no respeito e na diplomacia. Levava consigo pequenos presentes – fumo, tecidos coloridos e outras mercadorias simples –, que oferecia como símbolo de boa vontade. Esses gestos garantiram não apenas a segurança de suas caravanas, mas também o início de uma relação de confiança entre os colonos e os povos nativos. Vittore era conhecido não apenas como um comerciante ousado, mas também como um homem justo, que entendia o valor das alianças em uma terra repleta de desafios. Enquanto Angela transformava o Bananal em um exemplo de prosperidade e organização, Vittore se tornava uma figura de influência na região, inspirando outros colonos a seguirem seu exemplo. Juntos, eles não apenas construíram um legado, mas também reforçaram os valores que os Castrovinci traziam de sua Itália natal: trabalho árduo, coragem e a capacidade de sonhar em meio às adversidades.
Cesare, o caçula da família Castrovinci, parecia ter herdado não apenas o amor pela terra que seu pai, Enrico, tanto cultivava, mas também uma visão que transcendia os campos. Desde jovem, ele se mostrava fascinado pelas estruturas que abrigavam a vida e a fé da comunidade. Enquanto ajudava o pai na plantação de café e mandioca, Cesare passava as noites rabiscando esboços de construções na luz trêmula das lamparinas. Seu talento nato para a arquitetura era evidente, e sua paixão pelas construções logo se tornaria uma força transformadora na região. Com o passar dos anos, Cesare começou a unir suas habilidades agrícolas com sua vocação por edificar. Ele via as construções não apenas como abrigos físicos, mas como símbolos de unidade e progresso para a comunidade. Em 1893, aos 28 anos, ele tomou a iniciativa de liderar um projeto ambicioso: a construção da primeira capela da região, dedicada a São Benedito, padroeiro dos agricultores e símbolo de fé para as famílias italianas. A ideia de Cesare encontrou resistência inicial. Os colonos, ainda lutando para estabilizar suas vidas em terras estrangeiras, estavam hesitantes em desviar recursos e energia para algo que não fosse de necessidade imediata. No entanto, Cesare possuía uma habilidade natural para inspirar e convencer. Ele reuniu a comunidade em reuniões sob as sombras das árvores centenárias, argumentando que a capela não seria apenas um lugar de oração, mas um símbolo de esperança e identidade em uma terra onde tantos se sentiam deslocados. Os preparativos começaram modestos, com cada família contribuindo da forma que podia – madeira, pedras, ferramentas, e, acima de tudo, trabalho manual. Cesare assumiu a liderança com um fervor contagiante, coordenando as tarefas e ensinando técnicas simples de construção para aqueles que nunca haviam trabalhado com arquitetura. Mesmo com recursos limitados, a visão de Cesare se manteve clara: a capela seria uma estrutura simples, mas sólida e bela, refletindo a alma resiliente de sua gente. Depois de meses de esforço árduo, a capela finalmente ganhou forma. Suas paredes de pedra e seu teto de madeira eram modestos, mas a simplicidade carregava uma imponência que tocava todos os que a viam. No dia da inauguração, a comunidade se reuniu para uma celebração que ecoou pelos campos e florestas. Ao som de cânticos e preces, Cesare viu seu sonho se concretizar, emocionado ao testemunhar como a construção havia unido o povo em uma causa comum.
A capela de São Benedito tornou-se rapidamente o coração da comunidade. Além de missas e celebrações religiosas, o pequeno edifício abrigava reuniões, festas e momentos de solidariedade nos tempos mais difíceis. Cesare não apenas deixou sua marca com a construção, mas também inspirou outros a valorizarem o espírito coletivo e a criarem marcos que celebrassem a identidade e a união daquela terra repleta de desafios e oportunidades. Com o passar do tempo, Cesare se tornou conhecido como um visionário, alguém que enxergava além das dificuldades imediatas e acreditava no poder das construções – físicas e espirituais – para transformar vidas. A capela era mais do que pedra e madeira; era um testemunho do espírito indomável dos Castrovinci e de todos aqueles que escolheram transformar o desconhecido em lar.
Os anos passaram lentamente, marcados pelo ritmo implacável das estações e pelo trabalho constante que moldava a vida na nova terra. Enrico, embora carregasse em seu coração a saudade da Itália, sabia que seu destino estava ali, entre aquelas árvores, campos e pessoas que ajudara a construir. Os sonhos de um retorno à sua terra natal — a antiga Mantova, com suas paisagens familiares e memórias de infância — tornaram-se, aos poucos, desejos silenciosos guardados na profundidade de sua alma. Em 1911, aos setenta anos, Enrico Castrovinci partiu desta vida. Seu corpo descansou sob a sombra das árvores que ele ajudara a desbravar, e seu espírito permaneceu vivo naquelas terras batizadas de Nova Esperança. O homem que enfrentara as dificuldades de um mundo novo, com mãos calejadas e coração incansável, deixou para trás um legado muito além das plantações de café e mandioca — deixou a marca indelével da perseverança, da coragem e da esperança inquebrantável. Adele, sua companheira incansável e guardiã da família, viveu mais alguns anos, até 1920. Na serenidade de seus últimos dias, ela viu os frutos do trabalho árduo de Enrico e dela mesma florescerem através dos filhos e dos netos. Era um tempo de transformação para a colônia, onde as crianças cresciam com o legado dos valores italianos, mas já imersas na cultura brasileira que agora era sua casa. Com olhos carregados de memória e orgulho, Adele acompanhou as novas gerações perpetuando a coragem, o respeito pelo trabalho e a fé que os Castrovinci haviam trazido da antiga Mantova. Mesmo quando o peso da idade enfraquecia seu corpo, sua alma permanecia firme, alimentada pelas histórias contadas à beira do fogo, pelas tradições preservadas e pelo amor que unia aquela família e aquela comunidade. A partida de Adele marcou o fim de uma era, mas o início de um novo capítulo para os Castrovinci — um capítulo escrito por seus descendentes, que continuariam a transformar aquela terra distante em um verdadeiro lar, mantendo vivos os sonhos e valores que nasceram em uma pequena aldeia do norte da Itália, mas que floresceram sob o sol do Brasil.
Hoje, o que um dia foi apenas uma clareira na imensa mata virgem transformou-se em um próspero município chamado Itarana. As casas se multiplicaram, as ruas se abriram e o som da vida moderna preencheu o ar, mas, apesar de toda a transformação, as raízes italianas permanecem firmes e profundas, entrelaçadas ao solo brasileiro como as videiras que Enrico e Adele plantaram com suas próprias mãos. Nas celebrações locais, quando a comunidade se reúne em festas cheias de cor, música e dança, as histórias daqueles primeiros desbravadores são contadas com reverência e emoção. Enrico e Adele, com sua coragem silenciosa e fé inabalável, são lembrados não apenas como figuras do passado, mas como espíritos vivos que guiam e inspiram cada nova geração. Nos sorrisos dos seus descendentes — espalhados por toda a região e além — brilha o orgulho de quem conhece a saga de seus antepassados, que enfrentaram o desconhecido em busca de um futuro melhor. Esse legado de sacrifício e determinação é o alicerce sobre o qual construíram suas vidas, um fio invisível que une o passado ao presente e assegura que a história dos Castrovinci jamais seja esquecida. Assim, em Itarana, a memória da pequena aldeia de Canova Fornace, no coração da Mantova antiga, vive em cada casa, em cada campo cultivado e no calor das relações humanas que mantêm viva a chama da esperança que um dia Enrico e Adele acenderam naquela terra distante.
Nota do Autor
Esta obra é uma narrativa de ficção, mas está profundamente enraizada na realidade vivida por milhares de famílias que buscaram um novo começo no Brasil durante os séculos XIX e XX. A história de Enrico e Adele Castrovinci foi inspirada em relatos autênticos, encontrados em cartas e documentos históricos de imigrantes italianos que enfrentaram os desafios de uma vida repleta de esperança, sacrifícios e resiliência.
Embora os nomes dos personagens e alguns eventos tenham sido alterados para preservar a intimidade das famílias envolvidas e permitir maior liberdade narrativa, os sentimentos, as lutas e as conquistas descritos refletem as experiências reais de muitos imigrantes. Cada carta lida revelou uma nova faceta do espírito humano diante das adversidades, servindo como fonte de inspiração para esta obra.
Agradeço a todos os que preservaram essas memórias, permitindo que a voz de seus antepassados ecoe através do tempo. Que esta história homenageie não apenas aqueles que partiram em busca de um futuro melhor, mas também as gerações que hoje carregam o legado de sua coragem.
Com gratidão,
Dr. Luiz C. B. Piazzetta