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sábado, 26 de outubro de 2024

Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


 


Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


Sùbito dopo che la zera stà presa la dessision de emigrar e dopo che i nomi lori i ze stài dati al agente responsabile, rapresentante de la dita de navigassion che organisava el viàio, la prima provedensa la zera de ´ndar in comune par otener i passaporti. Questi, lori i zera nessessàri par tuta la famìlia e par questo i bisognava na dichiarassion otegnuda lì stesso nel comune de la so sità. Lori i dovea anca far la vassinassion obligatòria. I zera mesi de preparativi con la vendita de tuti i robe che lori no podèa portar via con sé. Vestiti, ogeti de uso personale e strumenti, lori i zera messi in grandi casse de legno, baù, sachi e valìsie de carton. I faséa incontri con chi i gà restà, ocasione in cui i se saludava i amissi e parenti, no scordando de far l'ùltima vìsita obligatòria al cimitero par el congedo definitivo ai cari zà defunti. Lori i visitava anca el pàroco, dal quale i chiedea la benedission e la so interssessione par afrontar la lunga traversada. Nel zorno segnato par scominssiar el viàio, con destinassion al porto, i se despedia comossi da i familiari e matina ben presto i partia bagnadi in làcrime, dando na ùltima e longa ociada indietro e i seguia fidussiosi nel so destino. Lori i ze rivà a la stassion ferroviària, che solitamente la se trovava in un altro comune e insieme a tanti altri che lì i se trovava, i partia par el porto de Zénoa. Par la grande magioransa, sto viàio fin a la stassion ferroviària la zera zà la distansa pì longa che i se era alontanà da i so paesi. El viàio in treno el zera anca sconosciudo par tanti, cosa che la generava paura e apreension. In ogni stassion dove el treno el s'fermea la zera la stessa scena: desine de òmeni, dóne e putèi, i salìa carichi de bagagli messi in valisie de cartone, sachi o baule de legno. El destino de tuti el zera el Porto de Zénoa ndove, par la prima volta, la grande magioransa la veniva a conoscere el mar. Arivà al Porto de Zénoa, quasi sempre, i dovea aspetar qualche zorno, a volte qualche setimana, par la partensa del vapore che i portaria verso la tanto desiderada tèra “de la cucagna”, la promessa Amèrica. Durante el perìodo de atesa par la partensa, i emigranti i se vedeva disgrasiadi e i zera sotoposti a ogni sorte de prove, vedendo tante volte, i so pochi risorse risparmiadi, dilapidadi da na marea de sfrutatori, speculatori e ladri. I furti de passaporti, soldi e bagagli i zera continuì. El presso del magnar e de i alberghi in zona de el porto i zera gonfià, da negosianti disonesti, causando tanta fame e malatie. Quando i ze rivà el momento de l’imbarco, el movimento intenso e el rumore de òce, de le ordini strilati e fischi, intorno al vapore, i rendea molto nervosi i emigranti che se amassava par no pèrder la chiamata. Sù la imbarcassion i seguiva le ordinassioni ricevute da i marinai incaricadi e i se dirigea in grupi ai soteranei fètidi e sofocanti de la tersa classe a lori destinà, ´ndove i li aspetava leti con paglia, ´ndove i restava amassadi sensa nesuna privassidà. Qualche famìlia, par no èsser divisa, la tornava da i soteranei e la optava de far el viàio in coperta de la nave, a l'aria aperta, ´ndove là, almeno, i podèa viaiar insieme e respirar na ària mèio. Questi i suportava fredo intenso e caldo sofocante, oltre a i perìcoli de i forti venti durante le tempeste in alto mare. I navi, a l'inìsio de la grande emigrassione, lori i zera ancora lenti e mal equipài. Dopo, i son vignesti quei con motori a carbone, quasi sempre navi de càrico, adatài in freta par trasportar persone. La situassione igiénica a bordo la zera molto precària, sensa nessun conforto. Lori i viaiava con tanti animài vivi che vegnia abatudi par servir de nutrimento durante el viàio. Senza mèdico a bordo, el perìcolo de epidemie el zera costante e, in efeto, tante volte i ze capità e che la gà desimà tante vite, quasi sempre de bambini e ansiani, i cui corpi i zera alora getài in mare, par l’orore de le so famìlie. La memòria de la grande traversada la ze restà indelèbile ne la memòria de i nostri antenati, persistendo anca incò ´ntele stòrie de i so discendenti. La zera el episòdio pì marcante ne la vita de i pionieri. Arivà al porto de destino, in Brasile, paese destinassione de migliaia de emigranti vèneti, tanti i se acorgea sùito che i zera stài inganadi, ilusi da false promesse. Qualcuni i gà rivà legadi a contrati de laoro che no lasciva spasi par pentimenti o anca possibilità de ritorno. Altri, sensa mesi de sostentamento, no podèa permetersi el lusso de tornar, anca perchè in pàtria lori no avea pì niente. I sfidi che i dovea afrontar i zera ancor molto grande fino a che i rivàsse a prender possesso de el tanto soniato peseto de tèra.



domingo, 8 de setembro de 2024

Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores

 


O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.

Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.

A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.

A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”

Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.

Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”

E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

O Horizonte do Novo Mundo



O Horizonte do Novo Mundo


No vilarejo de Collevecchio, aninhado entre as colinas suaves da Toscana, a vida de Giovanni e Isabella Valenzi seguia um ritmo sereno, mas sombrio. As colheitas, antes generosas, agora mal sustentavam a família, e o futuro parecia tão árido quanto os campos castigados pelo sol. As notícias vindas de parentes distantes, já instalados no Brasil, eram como uma brisa de esperança em meio ao sufocante desespero. "La terra promessa", diziam eles, um lugar onde a terra era abundante e as oportunidades, incontáveis.

A decisão de partir foi tomada com o peso da responsabilidade e a leveza do sonho. Giovanni, com seu semblante austero e mãos calejadas, sabia que o destino de sua família estava atrelado a essa travessia. Isabella, com a suavidade de quem carregava nos braços o pequeno Carlo, de apenas dois anos, enxugava discretamente as lágrimas ao pensar nos pais que deixavam para trás. Era um adeus definitivo, um corte profundo na carne do coração.

O porto de Gênova fervilhava de vida, mas a atmosfera era carregada de incertezas. O navio a vapor, o imponente Stella del Mare, parecia ao mesmo tempo uma promessa de liberdade e uma prisão flutuante. Centenas de famílias amontoavam-se no convés, cada qual com sua bagagem precária, carregando sonhos pesados demais para caberem nas pequenas malas de madeira.

Giovanni observava o mar infinito que se estendia à sua frente, uma vastidão desconhecida que o enchia de temor. Ao seu lado, Isabella apertava a mão dele com força, como se temesse que aquele ato de coragem pudesse, a qualquer momento, desmoronar. O pequeno Carlo, alheio ao turbilhão de emoções ao redor, brincava inocentemente com uma velha boneca de pano.

Quando as sirenes do navio ecoaram pelo porto, o som melancólico parecia marcar o início de uma nova era. Os olhos de Isabella encheram-se de lágrimas ao ver a Itália, sua pátria, lentamente desaparecendo no horizonte, engolida pelo azul profundo do Mediterrâneo.

A primeira semana de viagem foi uma mistura de esperança e desconforto. A bordo, as condições eram precárias. Os passageiros, alojados em compartimentos apertados, lutavam contra o enjoo e a claustrofobia. O cheiro de maresia, misturado ao odor de corpos mal lavados, não acostumados à proximidade, tornava o ar pesado. As conversas giravam em torno do que esperava por eles do outro lado do Atlântico. Cada história, cada relato compartilhado entre as famílias, era como um fio de esperança que os mantinha unidos.

No entanto, o mar, que parecia sereno nos primeiros dias, começou a mostrar sua verdadeira face. Atravessar o Atlântico era enfrentar a natureza em sua forma mais bruta e implacável. As ondas tornaram-se cada vez mais altas, chicoteando o convés com fúria. As tempestades, que surgiam de repente, faziam o Stella del Mare ranger como se estivesse prestes a ser partido ao meio.

Giovanni, embora temeroso, mantinha-se firme. Ele sabia que não podia mostrar fraqueza, não podia deixar que Isabella visse o medo que ele guardava no fundo do peito. Durante as noites mais turbulentas, enquanto o navio balançava violentamente, ele segurava Carlo com uma mão e Isabella com a outra, sussurrando palavras de conforto que ele próprio precisava ouvir.

As semanas se arrastavam, e a travessia parecia interminável. A escassez de comida começava a afetar todos a bordo. A água, antes abundante, tornara-se um bem precioso, racionada entre as famílias. As doenças, inevitavelmente, começaram a se espalhar. Isabella, sempre devota, rezava diariamente, pedindo proteção para sua família e os outros passageiros. Em meio ao desespero, a fé era a única âncora que impedia muitos de se afogarem em desolação.

Certa manhã, uma tragédia abalou o navio. Uma das crianças, que adoecera dias antes, não resistiu. A pequena foi envolta em lençóis brancos e, com um breve ritual, seu corpo foi lançado ao mar. O som do impacto foi abafado pelas águas que logo a engoliram, mas o eco daquele momento ficou gravado na alma de todos que assistiram à cena. Isabella, com o coração apertado, segurava Carlo contra o peito, sentindo o desespero de uma mãe que temia pelo futuro de seu filho.

Depois de intermináveis semanas no mar, um grito de euforia ecoou pelo navio: "Terra à vista!" O horizonte, antes vazio e desolador, agora exibia uma linha escura, a promessa de um novo começo. Os rostos marcados pelo cansaço e sofrimento foram subitamente iluminados por sorrisos, e os passageiros correram para o convés, ansiosos para ver a nova pátria.

Quando finalmente desembarcaram no porto de Santos, Giovanni e Isabella sentiram-se tomados por uma mistura de alívio e apreensão. O Brasil era um mundo desconhecido, um vasto território onde a promessa de uma vida melhor vinha acompanhada de desafios imensos. As primeiras semanas foram duras. As barreiras linguísticas, as condições adversas de trabalho, e a saudade esmagadora dos entes queridos que ficaram para trás eram dificuldades que pareciam intransponíveis.

No entanto, com o tempo, a resiliência dos Valenzi e de tantos outros imigrantes italianos começou a dar frutos. Eles formaram comunidades, plantaram raízes e, apesar de todas as adversidades, começaram a construir uma nova vida. Giovanni e Isabella, agora mais unidos do que nunca, sabiam que a travessia do oceano não havia sido apenas uma jornada física, mas uma travessia emocional e espiritual, que os transformara profundamente.

Anos se passaram, e o pequeno Carlo, que outrora brincava no convés do navio, agora corria pelos campos férteis do interior paulista, onde a família havia se estabelecido. Giovanni, com orgulho no olhar, observava a terra que cultivara com tanto esforço. A Itália, embora distante, permanecia viva em suas memórias, mas o Brasil havia se tornado sua nova pátria, o lugar onde seus filhos e netos teriam oportunidades que ele jamais imaginara.

Isabella, em suas orações diárias, agradecia a Deus pela força que os sustentara durante a longa travessia. Ela sabia que o mar, com todas as suas provações, havia sido o batismo de fogo que preparara sua família para enfrentar e superar os desafios da nova vida. A travessia do oceano, com suas tormentas e calmarias, fora a metáfora perfeita para a jornada que os Valenzi viviam agora: um caminho árduo, mas repleto de esperança.

Décadas depois, quando os descendentes dos Valenzi se reuniam em torno da mesa da casa que Giovanni e Isabella construíram com tanto sacrifício, as histórias daquela travessia se tornaram parte da herança familiar. Era um relato que misturava dor e esperança, despedidas e reencontros, mas que, acima de tudo, simbolizava a força de um povo que, ao cruzar o oceano, encontrou não apenas uma nova terra, mas a si mesmos.

O horizonte do Novo Mundo, outrora desconhecido e temido, tornou-se o símbolo do renascimento, da coragem e da fé que uniram os corações de tantos imigrantes. A travessia do oceano era mais que uma viagem; era um rito de passagem, uma prova de que o espírito humano, movido pelo desejo de uma vida melhor, é capaz de superar qualquer tempestade.



quinta-feira, 25 de julho de 2024

A Viagem de Travessia dos Emigrantes Italianos

 



No final do século XIX, os navios a vapor europeus que seguiam para o Brasil atracavam principalmente nos portos do Rio de Janeiro e Santos. Antes de 1870, a travessia para as Américas era feita em embarcações à vela e podia levar até 60 dias. Com o advento da navegação a vapor, por volta da década de 1890, esse tempo foi reduzido para 20 a 30 dias. Entre as companhias marítimas notáveis estavam La Veloce, Navigazione Generale Italiana, Ligure Brasiliana, Lavarello, Navigazione Italo-Brasiliana e Lloyd Italiano Royal Mail.
Apesar das variações de época e tamanho, esses navios chegavam a transportar mais de 1000 passageiros por viagem, o que representava cerca de um terço da sua capacidade real. Como resultado, a maioria dos migrantes viajava em condições precárias na terceira classe, frequentemente deitados em beliches amontoados ou diretamente no piso sob o convés. O capitão ocasionalmente permitia que subissem à proa para respirar ar fresco e caminhar ao sol.
Os compartimentos eram extremamente sujos, a comida era escassa e frequentemente estragada, e a água potável era insuficiente. Além das péssimas condições higiênicas, as difíceis condições climáticas agravavam a situação. A diferença térmica noturna fazia com que a umidade sufocante do dia fosse seguida por uma queda drástica de temperatura à noite. Essas condições propiciavam a disseminação de doenças infecciosas como varíola e cólera, que rapidamente se transformavam em epidemias.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

Esperança Além-Mar

 



Esperança Além-Mar

No fim do século XIX, a pequena vila de San Lorenzo, encravada nas colinas da Toscana, era um lugar de beleza singela e melancólica. Os campos outrora férteis agora mal sustinham as famílias que dependiam deles. A pobreza era um espectro que rondava cada esquina, cada lar, e não poupava ninguém, nem mesmo a família Mancini.
Giuseppe Mancini, um agricultor de meia-idade, olhava para seus campos ressecados com um suspiro profundo. O sol poente lançava um brilho dourado sobre a paisagem, mas o coração de Giuseppe estava pesado. A Itália, sua amada terra natal, já não oferecia mais sustento ou esperança. A notícia de um novo mundo, repleto de oportunidades do outro lado do Atlântico, chegara aos ouvidos dos habitantes da vila, e com ela, a difícil decisão de deixar para trás tudo o que conheciam.
Na pequena casa de pedra dos Mancini, a esposa de Giuseppe, Maria, embalava em lágrimas o enxoval da família. Suas mãos calejadas dobravam com cuidado cada peça de roupa, enquanto seus pensamentos se perdiam na incerteza do futuro. Ao seu lado, os filhos, Luigi e Antonella, observavam em silêncio, compreendendo a gravidade do momento.
“Temos que ser fortes”, disse Giuseppe, tentando encorajar a si mesmo tanto quanto aos seus. “Lá, no Brasil, haverá trabalho e terra para cultivar. É nossa chance de uma vida melhor.”
A despedida foi amarga. Amigos e parentes se reuniram na praça central da vila para dar adeus aos Mancini. Havia lágrimas, abraços apertados e palavras de conforto. O sino da igreja tocava, marcando não apenas o fim de um ciclo, mas também o início de uma jornada incerta.
A viagem até o porto de Gênova foi longa e cansativa. Ao chegarem, os Mancini se depararam com uma multidão de rostos marcados pela mesma mistura de ansiedade e esperança. Os imigrantes se amontoavam em filas intermináveis, carregando seus poucos pertences e seus muitos sonhos.
O navio, uma embarcação imponente, mas claramente desgastada pelo tempo e pelo uso constante, estava abarrotado de pessoas. As condições eram precárias: pequenas cabines compartilhadas, falta de ventilação e higiene, e um cheiro persistente de maresia e suor. Giuseppe sentiu um aperto no peito ao ver o olhar assustado de seus filhos, mas tentou manter a serenidade.
A viagem pelo Atlântico foi uma prova de resistência. Os dias se arrastavam entre o balanço incessante do navio e a monotonia do horizonte sem fim. Muitos passageiros adoeceram devido à falta de alimentos frescos e à água potável limitada. Doenças como o escorbuto se espalharam rapidamente, ceifando vidas e deixando um rastro de desespero.
Maria fazia o possível para manter a família unida e saudável. Suas mãos não paravam, cuidando dos filhos e ajudando outros imigrantes, compartilhando o pouco que tinham. Giuseppe passava horas conversando com outros homens, trocando histórias e mantendo a esperança viva.
Depois de semanas que pareceram meses, o navio finalmente avistou a costa brasileira. O porto do Rio de Janeiro surgiu no horizonte como um oásis de promessas. Os Mancini, exaustos mas aliviados, desceram do navio junto com centenas de outros imigrantes. Foram recebidos por uma mistura de caos e expectativa, com oficiais de imigração apressados e trabalhadores ansiosos por nova mão de obra.
A família foi direcionada para um alojamento temporário, onde dividiram espaço com muitos outros recém-chegados. As condições ainda eram difíceis, mas havia um novo brilho nos olhos de Giuseppe e Maria. Eles sabiam que os desafios estavam longe de terminar, mas a esperança, aquela chama teimosa que nunca se apaga, queimava mais forte do que nunca.
A próxima etapa da jornada os levaria ao interior, onde encontrariam trabalho nas plantações de café e talvez, um dia, um pedaço de terra para chamar de seu. A despedida da Itália, a travessia árdua e a chegada no Brasil eram apenas os primeiros passos de uma nova vida que se desenhava diante deles.
A jornada do Rio de Janeiro até o interior paulista foi longa, mas desta vez, havia um senso renovado de propósito e esperança. A paisagem verdejante e as plantações de café estendiam-se até onde os olhos podiam ver. Ao chegar na fazenda onde trabalhariam, os Mancini foram recebidos pelo administrador, que lhes mostrou a casa simples que seria seu novo lar.
A vida na fazenda era dura, mas Giuseppe, Maria, Luigi e Antonella estavam determinados a fazer dela um sucesso. Os dias começavam cedo, com o sol mal despontando no horizonte, e terminavam tarde, com o corpo exausto, mas o coração cheio de gratidão pela oportunidade de recomeçar.
Giuseppe encontrou no trabalho com a terra uma sensação de familiaridade, mesmo que as plantas fossem diferentes das que cultivava na Itália. A mão firme e o conhecimento de agricultura adquiridos em San Lorenzo logo se mostraram valiosos. Maria, por sua vez, dedicava-se à criação de uma pequena horta ao lado da casa, plantando legumes e ervas que trouxessem um pouco do sabor de sua terra natal para a nova vida.
A comunidade de imigrantes italianos era unida pela experiência comum de abandono e renascimento. As famílias se ajudavam mutuamente, partilhando conhecimentos, alimentos e conselhos. Aos domingos, reuniam-se para celebrar missas e festas, mantendo vivas as tradições e o espírito da Itália. As crianças brincavam juntas, aprendendo novas palavras em português, mas sem esquecer o italiano.
Luigi e Antonella adaptaram-se rapidamente à nova realidade. Luigi, com sua curiosidade inata, aprendeu com os trabalhadores locais técnicas de cultivo e manejo das plantações de café. Antonella, com sua alegria contagiante, fez amigos entre as crianças brasileiras e italianas, tornando-se um elo entre as culturas.
Os anos passaram, e o trabalho árduo começou a dar frutos. Giuseppe conseguiu poupar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra. Foi um dia de grande celebração quando a família Mancini finalmente se mudou para o seu próprio pedaço de terra. A propriedade não era grande, mas era suficiente para plantar café e outros cultivos, e mais importante, era deles.
Maria transformou a nova casa em um lar acolhedor. O jardim florescia, e a cozinha exalava os aromas de receitas tradicionais italianas misturadas com ingredientes locais. As noites eram preenchidas com risos, histórias e um sentimento profundo de realização.
Apesar do progresso, os desafios não cessaram. O mercado de café era volátil, e as crises econômicas afetavam todos os agricultores. Houve períodos de seca e colheitas ruins, mas os Mancini nunca perderam a esperança. A comunidade italiana se manteve solidária, e juntos, superaram as adversidades.
Luigi, já adulto, trouxe novas ideias e técnicas de cultivo, estudando e implementando métodos mais eficientes. Antonella se casou com um jovem agricultor brasileiro de origem italiana, unindo ainda mais as culturas e tradições das duas pátrias. O casamento foi uma grande festa, celebrada com danças e canções que misturavam o melhor da Itália e do Brasil.
Décadas se passaram desde aquele dia em que os Mancini deixaram San Lorenzo. A pequena fazenda havia crescido, tornando-se uma propriedade próspera e respeitada na região. Giuseppe e Maria, agora idosos, olhavam para sua família e sua terra com orgulho e gratidão.
A história dos Mancini era apenas uma entre muitas, mas simbolizava a coragem e a resiliência de milhares de italianos que cruzaram o oceano em busca de uma vida melhor. Eles trouxeram consigo não apenas suas habilidades e tradições, mas também um espírito indomável que ajudou a construir o Brasil.
Giuseppe, em suas noites de reflexão, ainda se lembrava da despedida em San Lorenzo e da difícil travessia. Mas agora, ao olhar para sua família e sua terra, sabia que todos os sacrifícios haviam valido a pena. A esperança que os guiara através de tantas provações havia finalmente encontrado seu porto seguro.


domingo, 22 de abril de 2018

Emigração Vêneta e os Preparativos para a Grande Viagem


Uma vez tomada a difícil decisão de emigrar e após terem dado os nomes ao agente recrutador, representante da companhia que promovia a viagem, a primeira providência era conseguir o devido passaporte, necessário para toda a família. Para tanto necessitava de uma declaração obtida junto a prefeitura da sua cidade. Também tinham que providenciar a obrigatória vacina.

Eram meses de preparativos, que começava com a venda de tudo que não podiam levar consigo. As roupas, objetos de uso pessoal, instrumentos musicais e ferramentas, eram acondicionadas em grandes caixas de madeira, os baús, nas arcas ou em sacos.



Faziam encontros com os que não iriam viajar, oportunidade que aproveitavam para se despedir dos amigos e familiares, não esquecendo também da obrigatória e sentimental última visita ao cemitério da localidade, para dar o ultimo adeus aos parentes e amigos já falecidos. 

Visitavam também o pároco da localidade, do qual pediam a benção e a sua interseção para afrontarem a longa, temida e desconhecida travessia.

No dia marcado para iniciarem a viagem, com destino ao porto de Gênova, emocionados despediam-se mais uma vez dos familiares que ficavam e, ainda bem cedo, partiam banhados em lágrimas. Davam uma derradeira e demorada olhada para trás e seguiam confiantes no seu destino. Chegavam a estação ferroviária mais próxima e junto com tantos outros que lá se encontravam, seguiam para o porto de Gênova. 

Durante o trajeto, em cada parada do trem, em estações do Vêneto ou de outras províncias da Lombardia, passagem até o porto, a mesma cena se repetia: dezenas de homens, mulheres e crianças, subiam carregados de bagagens, colocadas em malas de papelão, sacos ou baús de madeira.



Muitas vezes eram vilas inteiras que partiam, tendo o pároco local à frente do grupo. Às vezes também partiam de noite, no escuro e em silencio, como estivessem em tempo de guerra e o inimigo estivesse na espera. Muitas vezes centenas de pessoas se movimentavam juntas, lentamente, ao som dos sinos, como acontecia nas grandes festas. Na frente do grupo puxando a marcha estava um grande crucifixo ou o estandarte de um santo que os emigrantes pretendiam levar consigo na nova pátria.

Para a grande maioria desses emigrantes esta viagem até a estação ferroviária já se constituía na distância mais longa que até então tinham se afastado dos seus povoados. A viagem de trem também era desconhecida para a maioria deles e isso gerava ainda mais medo e apreensão. 

O destino de todos eles era o Porto de Gênova e quando ali desembarcavam, pela primeira vez, a grande maioria vinha a conhecer o mar.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

sábado, 21 de abril de 2018

Emigração Vêneta e os Preparativos para a Grande Viagem




Uma vez tomada a difícil decisão de emigrar e após terem dado os nomes ao agente recrutador, representante da companhia que promovia a viagem, a primeira providência era conseguir o devido passaporte, necessário para toda a família. Para tanto necessitava de uma declaração obtida junto a prefeitura da sua cidade. Também tinham que providenciar a obrigatória vacina.

Eram meses de preparativos, que começava com a venda de tudo que não podiam levar consigo. As roupas, objetos de uso pessoal, instrumentos musicais e ferramentas, eram acondicionadas em grandes caixas de madeira, os baús, nas arcas ou em sacos.
Faziam encontros com os que não iriam viajar, oportunidade que aproveitavam para se despedir dos amigos e familiares, não esquecendo também da obrigatória e sentimental última visita ao cemitério da localidade, para dar o ultimo adeus aos parentes e amigos já falecidos. 

Visitavam também o pároco da localidade, do qual pediam a benção e a sua interseção para afrontarem a longa, temida e desconhecida travessia.




No dia marcado para iniciarem a viagem, com destino ao porto de Gênova, emocionados despediam-se mais uma vez dos familiares que ficavam e, ainda bem cedo, partiam banhados em lágrimas. Davam uma derradeira e demorada olhada para trás e seguiam confiantes no seu destino. Chegavam a estação ferroviária mais próxima e junto com tantos outros que lá se encontravam, seguiam para o porto de Gênova. 

Durante o trajeto, em cada parada do trem, em estações do Vêneto ou de outras províncias da Lombardia, passagem até o porto, a mesma cena se repetia: dezenas de homens, mulheres e crianças, subiam carregados de bagagens, colocadas em malas de papelão, sacos ou baús de madeira. 

Muitas vezes eram vilas inteiras que partiam, tendo o pároco local à frente do grupo. Às vezes também partiam de noite, no escuro e em silencio, como estivessem em tempo de guerra e o inimigo estivesse na espera. Muitas vezes centenas de pessoas se movimentavam juntas, lentamente, ao som dos sinos, como acontecia nas grandes festas. Na frente do grupo puxando a marcha estava um grande crucifixo ou o estandarte de um santo que os emigrantes pretendiam levar consigo na nova pátria.

Para a grande maioria desses emigrantes esta viagem até a estação ferroviária já se constituía na distância mais longa que até então tinham se afastado dos seus povoados. A viagem de trem também era desconhecida para a maioria deles e isso gerava ainda mais medo e apreensão. 

O destino de todos eles era o Porto de Gênova e quando ali desembarcavam, pela primeira vez, a grande maioria vinha a conhecer o mar.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS