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segunda-feira, 7 de abril de 2025

A Travessia de Domenico Valtieri


A Travessia de Domenico Valtieri


Domenico Valtieri tinha 31 anos quando decidiu abandonar sua cidadezinha natal, San Pietro di Barbozza, uma pequena localidade nas belas colinas de Valdobbiadene. A terra na verdade era boa, mas, naqueles tempos, em finais do século XIX, o trabalho era muito escasso, e o futuro para ele, sua esposa Elena e a filha pequena, Maria, parecia cada vez mais sombrio. Toda a zona rural do Veneto sofria com safras magras, inclemência do clima, preço baixo dos grãos, desemprego cada vez maior e fome. As cartas de parentes e vizinhos que já haviam emigrado para o Brasil falavam de terras férteis, acessíveis e oportunidades, ainda que conquistadas com muito esforço. Para Domenico, o apelo de um novo começo era irresistível.

No outono de 1892, ele vendeu tudo o que possuía: algumas galinhas, uma velha mula e utensílios de arado. Com o dinheiro arrecadado e um empréstimo feito a um comerciante local, comprou passagens para o vapor L'Esperanza, que partiria do porto de Gênova rumo ao Rio de Janeiro. A viagem seria longa e cheia de incertezas, mas Domenico acreditava que nada poderia ser pior do que o desespero de permanecer na miséria.

A realidade da travessia revelou-se cruel. Na terceira classe, onde estavam Domenico e sua família, havia uma mistura de corpos, vozes e odores. Homens, mulheres e crianças dividiam espaços apertados, com camas de madeira dura e pouca ventilação. Os dias no mar eram monótonos, interrompidos apenas por tempestades que traziam momentos de tensão. À noite, o som de tosses persistentes, sussurros de orações e o choro de crianças famintas preenchiam o ambiente. Elena tentava distrair Maria com histórias sobre a nova vida que os aguardava, enquanto Domenico, observador, via na travessia uma metáfora de sua luta: um intervalo entre o sofrimento deixado para trás e a esperança que brilhava no horizonte.

Porém, a jornada foi mais implacável do que poderiam imaginar. Uma epidemia de sarampo se espalhou entre as crianças nos porões do navio, e Maria foi uma das primeiras a adoecer. Domenico e Elena fizeram tudo o que podiam, mas a falta de medicamentos e atendimento transformou cada dia em uma batalha perdida. Maria faleceu uma semana antes da chegada ao Brasil. Seu corpo foi dolorosamente sepultado no mar, enrolado em uma mortalha feita de lençóis, amarrada com cordas envolta ao corpo, seguido de uma despedida silenciosa e devastadora, que marcou para sempre a memória dos pais e de tantos outros passageiros e tripulantes que presenciaram aquela impressionante cena.

Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, Domenico e Elena encontraram um mundo novo, mas longe do que haviam sonhado. Após alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes, foram enviados para o sul do país, para uma colônia agrícola no interior do Rio Grande do Sul. A viagem até lá foi mais uma prova de resistência: dias de viagem rio acima, em pequenos bracos, depois em carroças puxadas por bois, atravessando picadas lamacentas e enfrentando o frio das serras. Quando finalmente chegaram à colônia de Dona Isabel, encontraram uma paisagem desafiadora, mas promissora: florestas densas, rios caudalosos e terras férteis, que exigiriam esforço para serem cultivadas.

A vida na colônia começou de forma precária. Domenico, junto a outros colonos, derrubava árvores para construir uma casa de madeira simples. Enquanto isso, Elena cuidava do pouco que tinham e preparava o terreno para a nova rotina. Não havia médicos por perto, e o isolamento entre as famílias fazia da saudade uma presença constante. A lembrança de Maria e dos parentes deixados na Itália era dolorosa, mas o trabalho árduo mantinha o casal focado no futuro.

Com o tempo, os sacrifícios começaram a dar frutos. Domenico conseguiu quitar as terras adquiridas do governo e expandir sua propriedade. Tinham finalmente conseguido realizar o sonho da propriedade. Ele plantou videiras, como fazia na sua terra natal que, anos depois, deram origem a um grande vinhedo, tornando-se um dos pioneiros na produção de vinho da região. A família cresceu com o nascimento de novos filhos, e os Valtieri se tornaram um símbolo de resiliência e trabalho árduo na colônia.

Nos momentos de descanso, Domenico gostava de caminhar entre as videiras, contemplando os cachos de uvas balançando ao vento. Sentia orgulho do que havia construído, mas também carregava o peso das perdas do passado. Ele sabia que a vida na colônia era difícil, mas representava uma vitória sobre as adversidades.

O sacrifício de Maria e de tantas outras crianças que não sobreviveram à travessia não foi em vão. Para Domenico, a saga dos imigrantes era uma lição sobre a força e a fragilidade humanas. Cada um era, ao mesmo tempo, testemunha e vítima de um sistema que prometia um futuro brilhante, mas frequentemente entregava abandono e exploração.

Anos depois, já bem estabelecido, Domenico costumava sentar no alpendre de sua casa e contemplar os campos cultivados. Ali, refletia sobre os sacrifícios feitos, os sonhos interrompidos e as vidas perdidas durante a travessia. Sua história, como a de tantos outros, era um testemunho de coragem e resiliência. Movidos pela necessidade e pela esperança, ele e Elena ousaram atravessar o oceano, construindo uma nova chance para si e para os filhos que viriam.



segunda-feira, 3 de março de 2025

Navios a Vapor e os Emigrantes Italianos


 

Navios a Vapor e os Emigrantes Italianos


No final do século XIX, quando os italianos do norte começaram a emigrar regularmente em massa para o Brasil e outros países americanos, a frota italiana de navegação estava extremamente atrasada em comparação com as de outras nações europeias. Havia pouquíssimos navios de passageiros sob bandeira italiana, o que representava um grande obstáculo para atender à crescente demanda de transporte de imigrantes. Os empresários e armadores italianos, ansiosos para lucrar com o boom da emigração que se iniciava, decidiram recorrer a uma frota envelhecida e obsoleta de cargueiros lentos. Muitos desses navios estavam prestes a ser desmanchados, tendo passado anos transportando carvão e outras mercadorias entre portos europeus.

Esses cargueiros, concebidos para o transporte de cargas, foram adaptados de maneira rudimentar para se tornarem navios de passageiros. Em seus porões fétidos, onde antes eram armazenados carvão e outros materiais, divisórias de madeira foram improvisadas para criar salões amplos, mas de baixa altura. Esses espaços eram escuros e mal ventilados, localizados abaixo da linha d’água, sem acesso à luz natural ou à circulação de ar. A transformação foi feita de forma apressada e inadequada, resultando em condições precárias para os passageiros que seriam forçados a suportar semanas de viagem atravessando o Atlântico.

As instalações sanitárias nesses navios eram insuficientes para todos os passageiros. Baldes de madeira com tampas foram distribuídos ao final de cada corredor de beliches para serem usados como banheiros improvisados. A ausência de qualquer tipo de privacidade ou dignidade transformava essa solução em um desafio humilhante e insalubre. A falta de água potável também era um problema crônico. Reservatórios de ferro revestidos com cimento eram utilizados para armazenar água, mas rachaduras no revestimento faziam com que a água entrasse em contato com o ferro, causando ferrugem conferindo à água uma cor escura e um gosto metálico forte e desagradável. Os passageiros eram obrigados a consumir essa água, muitas vezes contaminada, que se tornava uma das principais causas de doenças a bordo.

Os beliches de madeira eram montados em três ou quatro níveis, empilhados uns sobre os outros para maximizar o espaço. Cada passageiro tinha direito a um pequeno espaço para se deitar, dividido com outros imigrantes em condições igualmente precárias. O calor e o mau cheiro de dejectos  humanos e corpos mal lavados eram sufocantes, agravados pela ausência de ventilação. Em dias de tempestade, os porões se tornavam armadilhas perigosas, onde os passageiros eram sacudidos pelas ondas sem chance de fuga. Muitos adoeciam devido à combinação de alimentos estragados, água contaminada e falta de higiene.

No final da década de 1880, a frota italiana começou a receber novos navios mais adequados para o transporte de passageiros. Embora maiores e tecnologicamente superiores aos cargueiros adaptados, esses navios ainda apresentavam condições deploráveis para os passageiros de terceira classe. A estrutura básica melhorou ligeiramente, com espaços um pouco mais amplos e a introdução de algumas ventilações artificiais. Contudo, os porões continuavam sendo usados como alojamentos para os imigrantes mais pobres, a chamada 3ª classe, que constituíam a maioria dos passageiros.

Os novos navios eram projetados para transportar o maior número possível de pessoas, frequentemente excedendo a capacidade recomendada pela legislação do porto, as quais eram burladas pela conivência de fiscais corruptos. As condições de superlotação transformavam esses espaços em verdadeiros caldeirões de doenças. Epidemias de cólera, tifo e sarampo eram comuns, e a falta de assistência médica a bordo significava que muitos passageiros sucumbiam antes de chegar ao destino. Os corpos das vítimas eram frequentemente jogados ao mar, em cerimônias breves e tristes que reforçavam a fragilidade da condição humana diante das adversidades da travessia.

Embora os novos navios tivessem cabines mais confortáveis para os passageiros das classes superiores, os imigrantes de terceira classe continuavam a enfrentar situações desumanas. As instalações sanitárias melhoraram apenas marginalmente, e os baldes de madeira foram substituídos por sanitários comunitários rudimentares, que frequentemente transbordavam devido ao uso excessivo. A água potável continuava sendo um problema crônico, apesar dos avanços na construção dos reservatórios.

A vida a bordo era marcada por uma monotonia opressiva, interrompida apenas por tempestades ou emergências médicas. Muitos passageiros passavam os dias sentados no deck superior ou deitados em seus beliches, sem espaço para se mover ou atividades para ocupar o tempo. Alguns tentavam distrair-se cantando, rezando ou compartilhando histórias de suas terras natais e esperanças para o futuro. No entanto, a saudade e a incerteza pesavam sobre todos, criando um clima de melancolia e resignação.

Apesar de todas essas dificuldades, os imigrantes italianos viam na travessia uma chance de escapar da miséria e buscar uma vida melhor nas Américas. Muitos haviam vendido tudo o que possuíam para pagar pela passagem, embarcando nesses navios com uma mistura de medo e esperança. Para eles, cada onda enfrentada no mar representava um obstáculo rumo a um futuro incerto, mas potencialmente promissor.

Assim, os navios que transportaram os primeiros imigrantes italianos para o Brasil tornaram-se símbolos de resiliência e sacrifício. Apesar das condições subumanas, eles desempenharam um papel crucial na história da emigração italiana, levando milhões de pessoas a atravessar o Atlântico em busca de novas oportunidades e uma vida digna.



domingo, 2 de março de 2025

O Embarque dos Emigrantes



O Embarque dos Emigrantes


Nos últimos anos do século XIX, o embarque dos emigrantes italianos no porto de Gênova se desenhava como uma cena de profundas emoções, repleta de simbolismo e caos. O movimento constante no porto se transformava em um cenário de despedida, onde a esperança e o desespero se entrelaçavam. O grande navio, ancorado nas docas, aguardava em silêncio, mas imponente, absorvendo um fluxo incessante de pessoas. Famílias inteiras, camponeses, operários e jovens em busca de novas oportunidades avançavam em um cortejo interminável, cada um carregando não apenas suas malas, mas também os sonhos e os temores de uma vida nova. Muitos passaram a noite nas ruas de Gênova, sem recursos para uma hospedagem adequada, e chegavam ao porto exaustos, famintos e com o cansaço de muitas horas de viagem de trem.

O cenário era um tumulto. Homens carregavam cadeiras dobráveis, malas improvisadas, sacolas de tecido gasto, colchões e cobertores pendurados sobre os ombros. Mulheres, muitas com bebês nos braços e crianças pequenas ao lado, equilibravam fardos pesados com a boca enquanto caminhavam. Camponesas idosas, vestidas com roupas simples e tamancos de madeira, levantavam as saias para não tropeçar na estreita ponte suspensa. Alguns estavam descalços, com os sapatos pendurados ao pescoço, poupando-os para quando chegassem ao novo mundo. O porto ressoava com uma mistura de dialetos regionais, formando um mosaico de vozes que refletia a diversidade dos que partiam.

Entre a multidão, crianças pequenas, algumas ainda com as placas das creches presas às roupas, seguravam firmemente as mãos de seus responsáveis. Mães balançavam seus filhos, buscando acalmá-los, enquanto os pais tentavam disfarçar a ansiedade, embora os olhares deles revelassem um mar de incertezas. O processo de embarque era um desafio emocional, com famílias sendo separadas ao entrarem no navio. Mulheres e crianças eram direcionadas a alojamentos diferentes dos homens, e a dor dessa separação se tornava palpável. As mulheres, com passos hesitantes, desciam as escadas íngremes em direção a dormitórios frios e abarrotados de beliches, como prateleiras dispostas em um galpão. Aqueles espaços, gelados e desumanizados, refletiam as dificuldades que estavam por vir.

O som do porto era ensurdecedor. Além da agitação das pessoas, ecoavam os rugidos das máquinas do navio, os gritos dos trabalhadores e o estrondo das gruas carregando baús e caixotes. O barulho dos animais sendo embarcados também se misturava à confusão, com bois, ovelhas e até cavalos sendo empurrados para o convés. Seus sons se entrelaçavam com as vozes humanas, criando um caos interminável. No meio dessa massa de emigrantes pobres, passavam passageiros de classe alta, com roupas finas e bagagens leves, seus rostos impassíveis contrastando com os de trabalhadores cansados e sujos, que haviam vendido tudo para financiar a viagem.

O registro dos passageiros acontecia logo na entrada do navio, onde um oficial os agrupava em pequenos grupos, chamados "ranci", compostos por seis pessoas, responsáveis por dividir as refeições durante a travessia. Muitas vezes, famílias menores eram forçadas a se juntar a estranhos, gerando desconfiança e tensão. O medo de serem enganados era evidente, especialmente quando um oficial com uma caneta e um bloco de registros surgia, provocando temor de que algo fosse perdido, principalmente com relação aos descontos para as crianças. Discussões e protestos surgiam, mas eram rapidamente abafados pela pressa e pela autoridade do processo.

À medida que os emigrantes subiam a bordo, o navio parecia uma criatura colossal, imóvel e ávida, engolindo as pessoas e seus pertences. A despedida no cais era marcada por lágrimas e gritos de despedida. Muitos sabiam que jamais retornariam a suas terras natalinas, enquanto os que ficavam sentiam o peso da separação, cientes de que aquele poderia ser o último adeus. Para muitos, aquele embarque em Gênova representava o fim de uma vida de privações e o início de uma jornada cheia de incertezas. Cada passo em direção ao navio era um salto no desconhecido, mas também uma tentativa desesperada de alcançar algo melhor.

O navio, como um monstro marinho, parecia engolir não apenas os corpos, mas também os sentimentos, as memórias e os sonhos de centenas de pessoas. Quando o embarque se completava e o navio se preparava para zarpar, o ar se impregnava de uma mistura de excitação e luto. De um lado, o som das máquinas crescendo indicava a partida iminente, e do outro, os últimos gestos de despedida e as lágrimas incontroláveis marcavam o corte profundo que se fazia na alma de todos ali presentes. A partida do porto de Gênova não era apenas uma travessia física, mas um rito de passagem, um adeus definitivo ao passado e a entrada em um novo mundo onde o futuro ainda era uma incógnita.



sábado, 26 de outubro de 2024

Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


 


Emigrassion Vèneta – El Lungo Viàio


Sùbito dopo che la zera stà presa la dessision de emigrar e dopo che i nomi lori i ze stài dati al agente responsabile, rapresentante de la dita de navigassion che organisava el viàio, la prima provedensa la zera de ´ndar in comune par otener i passaporti. Questi, lori i zera nessessàri par tuta la famìlia e par questo i bisognava na dichiarassion otegnuda lì stesso nel comune de la so sità. Lori i dovea anca far la vassinassion obligatòria. I zera mesi de preparativi con la vendita de tuti i robe che lori no podèa portar via con sé. Vestiti, ogeti de uso personale e strumenti, lori i zera messi in grandi casse de legno, baù, sachi e valìsie de carton. I faséa incontri con chi i gà restà, ocasione in cui i se saludava i amissi e parenti, no scordando de far l'ùltima vìsita obligatòria al cimitero par el congedo definitivo ai cari zà defunti. Lori i visitava anca el pàroco, dal quale i chiedea la benedission e la so interssessione par afrontar la lunga traversada. Nel zorno segnato par scominssiar el viàio, con destinassion al porto, i se despedia comossi da i familiari e matina ben presto i partia bagnadi in làcrime, dando na ùltima e longa ociada indietro e i seguia fidussiosi nel so destino. Lori i ze rivà a la stassion ferroviària, che solitamente la se trovava in un altro comune e insieme a tanti altri che lì i se trovava, i partia par el porto de Zénoa. Par la grande magioransa, sto viàio fin a la stassion ferroviària la zera zà la distansa pì longa che i se era alontanà da i so paesi. El viàio in treno el zera anca sconosciudo par tanti, cosa che la generava paura e apreension. In ogni stassion dove el treno el s'fermea la zera la stessa scena: desine de òmeni, dóne e putèi, i salìa carichi de bagagli messi in valisie de cartone, sachi o baule de legno. El destino de tuti el zera el Porto de Zénoa ndove, par la prima volta, la grande magioransa la veniva a conoscere el mar. Arivà al Porto de Zénoa, quasi sempre, i dovea aspetar qualche zorno, a volte qualche setimana, par la partensa del vapore che i portaria verso la tanto desiderada tèra “de la cucagna”, la promessa Amèrica. Durante el perìodo de atesa par la partensa, i emigranti i se vedeva disgrasiadi e i zera sotoposti a ogni sorte de prove, vedendo tante volte, i so pochi risorse risparmiadi, dilapidadi da na marea de sfrutatori, speculatori e ladri. I furti de passaporti, soldi e bagagli i zera continuì. El presso del magnar e de i alberghi in zona de el porto i zera gonfià, da negosianti disonesti, causando tanta fame e malatie. Quando i ze rivà el momento de l’imbarco, el movimento intenso e el rumore de òce, de le ordini strilati e fischi, intorno al vapore, i rendea molto nervosi i emigranti che se amassava par no pèrder la chiamata. Sù la imbarcassion i seguiva le ordinassioni ricevute da i marinai incaricadi e i se dirigea in grupi ai soteranei fètidi e sofocanti de la tersa classe a lori destinà, ´ndove i li aspetava leti con paglia, ´ndove i restava amassadi sensa nesuna privassidà. Qualche famìlia, par no èsser divisa, la tornava da i soteranei e la optava de far el viàio in coperta de la nave, a l'aria aperta, ´ndove là, almeno, i podèa viaiar insieme e respirar na ària mèio. Questi i suportava fredo intenso e caldo sofocante, oltre a i perìcoli de i forti venti durante le tempeste in alto mare. I navi, a l'inìsio de la grande emigrassione, lori i zera ancora lenti e mal equipài. Dopo, i son vignesti quei con motori a carbone, quasi sempre navi de càrico, adatài in freta par trasportar persone. La situassione igiénica a bordo la zera molto precària, sensa nessun conforto. Lori i viaiava con tanti animài vivi che vegnia abatudi par servir de nutrimento durante el viàio. Senza mèdico a bordo, el perìcolo de epidemie el zera costante e, in efeto, tante volte i ze capità e che la gà desimà tante vite, quasi sempre de bambini e ansiani, i cui corpi i zera alora getài in mare, par l’orore de le so famìlie. La memòria de la grande traversada la ze restà indelèbile ne la memòria de i nostri antenati, persistendo anca incò ´ntele stòrie de i so discendenti. La zera el episòdio pì marcante ne la vita de i pionieri. Arivà al porto de destino, in Brasile, paese destinassione de migliaia de emigranti vèneti, tanti i se acorgea sùito che i zera stài inganadi, ilusi da false promesse. Qualcuni i gà rivà legadi a contrati de laoro che no lasciva spasi par pentimenti o anca possibilità de ritorno. Altri, sensa mesi de sostentamento, no podèa permetersi el lusso de tornar, anca perchè in pàtria lori no avea pì niente. I sfidi che i dovea afrontar i zera ancor molto grande fino a che i rivàsse a prender possesso de el tanto soniato peseto de tèra.



domingo, 8 de setembro de 2024

Sob o Céu do Veneto: A Jornada de uma Família de Agricultores

 


O sol se punha sobre as montanhas dos Dolomitas, tingindo o céu de um laranja vibrante. Em um pequeno município na província de Belluno, na fronteira norte do Vêneto, a família Benedettini reunia-se ao redor de uma mesa de madeira antiga, marcada pelo tempo e pelo uso. Giovanni Benedettini, o patriarca, era um homem de mãos calejadas e olhos que guardavam séculos de história. Ele observava seus filhos, Rosa e Pietro, e sua esposa Augusta Aurora, sentada silenciosa com o rosário entre os dedos. “Era diferente no tempo da Serenissima”, murmurou Giovanni, quebrando o silêncio. “Nós almoçávamos e jantávamos. Tínhamos pão e vinho, e o trabalho na terra nos sustentava. Mas agora, sob os Savoia, mal conseguimos uma refeição. A fome bate à nossa porta, e a terra, que antes nos dava vida, agora parece nos condenar.” Maria assentiu, seus olhos refletindo a mesma preocupação. Ela sabia que a mudança estava se aproximando, uma mudança que seria definitiva. A memória da Serenissima Republica de Veneza ainda era viva na comunidade, uma época de relativa prosperidade e dignidade, antes da invasão de Napoleão e a subsequente dominação austríaca. Sob Francisco José, o imperador “Cesco Bepi” como os venetos o chamavam, a vida se tornou mais difícil, mas ainda suportável. Com a unificação da Itália e a anexação do Vêneto ao Reino da Itália sob a Casa de Savoia, a situação deteriorou-se rapidamente. As promessas de liberdade e prosperidade eram mentiras vazias; o que restou foi a miséria. A crise econômica se agravava, e a família Benedettini, como muitos outros pequenos agricultores e artesãos, se via à beira do colapso. A terra que Giovanni cuidava com tanto zelo pertencia a um grande senhor que vivia distante, em Veneza. O gastaldo, encarregado da administração, era implacável e não tolerava qualquer falta. As dívidas se acumulavam, e a fome se tornava uma companheira constante.

Em uma manhã fria de outubro, durante a missa dominical, o padre Don Luigi, um homem respeitado por toda a aldeia, subiu ao púlpito e, com uma voz que ecoava pelas paredes da igreja, não mediu as palavras e mesmo contra os interesses dos ricos proprietários de terras, incentivou a emigração. “Meus filhos, a nossa terra é abençoada, mas os tempos são difíceis. Deus nos deu coragem, e devemos usá-la. Há terras além-mar, terras que prometem uma vida melhor. A fome não deve ser o nosso destino. Emigrem, encontrem nova vida. Essa é a vontade de Deus.” As palavras do padre reverberaram no coração de Giovanni. Ele sabia que permanecer significava a morte lenta da sua família, mas partir era uma aposta no desconhecido. Muitos proprietários de terras, contrários a emigração, pois, ficariam sem mão de obra ou, pela falta, teriam que pagar muito mais por ela, faziam circular entre o povo, boatos e desinformações que criavam temor e medo naqueles que estavam querendo emigrar. Contudo, naquela noite, ao olhar para os rostos de seus filhos, ele tomou uma decisão. Eles deixariam o Vêneto.

A decisão de emigrar não foi fácil, mas o destino estava traçado. Em uma manhã nebulosa, a família Benedettini juntou seus poucos pertences e se preparou para a longa jornada até o porto de Gênova. Ali, embarcariam em um navio rumo ao Brasil, um país do qual sabiam pouco, mas que prometia novas oportunidades. Antes de partir, Giovanni foi até a igreja. Ele se ajoelhou diante da imagem de São Marco, padroeiro de Veneza, e rezou em silêncio. Sentia o peso de séculos de história sobre seus ombros, mas também sabia que não havia outra escolha. O dia da partida foi marcado por lágrimas e abraços apertados. A pequena aldeia se reuniu para se despedir dos Benedettini. Amigos e vizinhos ofereciam orações e promessas de cartas. A tristeza era palpável, mas havia também uma centelha de esperança nos olhos daqueles que partiam. “Não esqueçam quem vocês são, onde nasceram. Levem o Vêneto no coração,” disse o velho Paolo, o amigo mais antigo de Giovanni, enquanto apertava a mão do patriarca.

A travessia do Atlântico foi longa e cheia de desafios. No porão do navio, os Benedettini compartilhavam um espaço apertado com dezenas de outras famílias, provenientes de várias regiões da Itália, todas em busca de uma nova vida. O mar era implacável, e muitos dias se passavam sem que a luz do sol penetrasse as profundezas do navio. Rosa, a filha mais velha, adoecera durante a viagem. Maria fazia o possível para cuidar dela, mas a falta de médicos e as condições insalubres tornavam a recuperação difícil. Em momentos de desespero, Giovanni questionava sua decisão de partir, mas Maria o lembrava das palavras de Don Luigi: “Essa é a vontade de Deus.”

Finalmente, após semanas no mar, avistaram a costa brasileira. O porto de Santos se estendia diante deles, uma visão que misturava alívio e incerteza. Era o início de uma nova vida, mas também o fim de tudo o que conheciam. O Brasil os recebeu com um calor sufocante e uma vegetação exuberante. A adaptação foi difícil. A língua, os costumes, a própria terra eram estranhos. Contudo, os Benedettini eram resilientes. Giovanni encontrou trabalho em uma fazenda de café, enquanto Maria cuidava dos filhos e da pequena horta que conseguiam manter. O trabalho era árduo, mas pela primeira vez em anos, havia esperança. Com o tempo, outras famílias italianas se uniram a eles, criando uma comunidade onde as tradições do Vêneto eram preservadas. Em meio às dificuldades, havia também a alegria das colheitas, das festas religiosas, e do nascimento de novos filhos, que traziam consigo a promessa de um futuro melhor.

Rosa recuperou a saúde e, anos depois, se casou com um jovem agricultor também vindo do Vêneto. Pietro, o filho mais novo, cresceu forte e cheio de sonhos. A nova geração dos Benedettini não conhecia a fome que havia marcado a vida de seus pais. Anos se passaram, e Giovanni envelheceu. Sentado na varanda de sua modesta casa, ele observava os campos ao redor, que se estendiam até onde a vista alcançava. O Brasil, tão distante de sua terra natal, agora era seu lar. Giovanni nunca esqueceu o Vêneto. Contava histórias para os netos sobre as montanhas, os campos e as tradições da sua terra. Mas ele também sabia que o futuro estava ali, na terra que ele e sua família haviam adotado. “Somos como as árvores”, dizia ele. “Nossas raízes estão no Vêneto, mas aqui, nesta terra, crescemos e damos frutos.”

E assim, a história dos Benedettini se entrelaçou com a história do Brasil, um legado de coragem, resiliência e esperança, que continuaria a viver nas gerações futuras. Os Benedettini nunca mais voltaram ao Vêneto. Mas, nas suas orações e nos seus corações, a Serenissima Republica de Veneza continuava viva, como um símbolo de tempos melhores, de uma dignidade que o mundo moderno tentara roubar, mas que eles mantiveram intacta através da fé, do trabalho e da unidade familiar. O Brasil lhes deu uma nova vida, mas o espírito do Vêneto, forjado em séculos de história, nunca os deixou. Sob o céu estrelado da nova terra, Giovanni Benedettini encontrou paz, sabendo que, apesar de todas as adversidades, ele e sua família haviam construído um novo futuro sem jamais esquecer o passado.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

O Horizonte do Novo Mundo



O Horizonte do Novo Mundo


No vilarejo de Collevecchio, aninhado entre as colinas suaves da Toscana, a vida de Giovanni e Isabella Valenzi seguia um ritmo sereno, mas sombrio. As colheitas, antes generosas, agora mal sustentavam a família, e o futuro parecia tão árido quanto os campos castigados pelo sol. As notícias vindas de parentes distantes, já instalados no Brasil, eram como uma brisa de esperança em meio ao sufocante desespero. "La terra promessa", diziam eles, um lugar onde a terra era abundante e as oportunidades, incontáveis.

A decisão de partir foi tomada com o peso da responsabilidade e a leveza do sonho. Giovanni, com seu semblante austero e mãos calejadas, sabia que o destino de sua família estava atrelado a essa travessia. Isabella, com a suavidade de quem carregava nos braços o pequeno Carlo, de apenas dois anos, enxugava discretamente as lágrimas ao pensar nos pais que deixavam para trás. Era um adeus definitivo, um corte profundo na carne do coração.

O porto de Gênova fervilhava de vida, mas a atmosfera era carregada de incertezas. O navio a vapor, o imponente Stella del Mare, parecia ao mesmo tempo uma promessa de liberdade e uma prisão flutuante. Centenas de famílias amontoavam-se no convés, cada qual com sua bagagem precária, carregando sonhos pesados demais para caberem nas pequenas malas de madeira.

Giovanni observava o mar infinito que se estendia à sua frente, uma vastidão desconhecida que o enchia de temor. Ao seu lado, Isabella apertava a mão dele com força, como se temesse que aquele ato de coragem pudesse, a qualquer momento, desmoronar. O pequeno Carlo, alheio ao turbilhão de emoções ao redor, brincava inocentemente com uma velha boneca de pano.

Quando as sirenes do navio ecoaram pelo porto, o som melancólico parecia marcar o início de uma nova era. Os olhos de Isabella encheram-se de lágrimas ao ver a Itália, sua pátria, lentamente desaparecendo no horizonte, engolida pelo azul profundo do Mediterrâneo.

A primeira semana de viagem foi uma mistura de esperança e desconforto. A bordo, as condições eram precárias. Os passageiros, alojados em compartimentos apertados, lutavam contra o enjoo e a claustrofobia. O cheiro de maresia, misturado ao odor de corpos mal lavados, não acostumados à proximidade, tornava o ar pesado. As conversas giravam em torno do que esperava por eles do outro lado do Atlântico. Cada história, cada relato compartilhado entre as famílias, era como um fio de esperança que os mantinha unidos.

No entanto, o mar, que parecia sereno nos primeiros dias, começou a mostrar sua verdadeira face. Atravessar o Atlântico era enfrentar a natureza em sua forma mais bruta e implacável. As ondas tornaram-se cada vez mais altas, chicoteando o convés com fúria. As tempestades, que surgiam de repente, faziam o Stella del Mare ranger como se estivesse prestes a ser partido ao meio.

Giovanni, embora temeroso, mantinha-se firme. Ele sabia que não podia mostrar fraqueza, não podia deixar que Isabella visse o medo que ele guardava no fundo do peito. Durante as noites mais turbulentas, enquanto o navio balançava violentamente, ele segurava Carlo com uma mão e Isabella com a outra, sussurrando palavras de conforto que ele próprio precisava ouvir.

As semanas se arrastavam, e a travessia parecia interminável. A escassez de comida começava a afetar todos a bordo. A água, antes abundante, tornara-se um bem precioso, racionada entre as famílias. As doenças, inevitavelmente, começaram a se espalhar. Isabella, sempre devota, rezava diariamente, pedindo proteção para sua família e os outros passageiros. Em meio ao desespero, a fé era a única âncora que impedia muitos de se afogarem em desolação.

Certa manhã, uma tragédia abalou o navio. Uma das crianças, que adoecera dias antes, não resistiu. A pequena foi envolta em lençóis brancos e, com um breve ritual, seu corpo foi lançado ao mar. O som do impacto foi abafado pelas águas que logo a engoliram, mas o eco daquele momento ficou gravado na alma de todos que assistiram à cena. Isabella, com o coração apertado, segurava Carlo contra o peito, sentindo o desespero de uma mãe que temia pelo futuro de seu filho.

Depois de intermináveis semanas no mar, um grito de euforia ecoou pelo navio: "Terra à vista!" O horizonte, antes vazio e desolador, agora exibia uma linha escura, a promessa de um novo começo. Os rostos marcados pelo cansaço e sofrimento foram subitamente iluminados por sorrisos, e os passageiros correram para o convés, ansiosos para ver a nova pátria.

Quando finalmente desembarcaram no porto de Santos, Giovanni e Isabella sentiram-se tomados por uma mistura de alívio e apreensão. O Brasil era um mundo desconhecido, um vasto território onde a promessa de uma vida melhor vinha acompanhada de desafios imensos. As primeiras semanas foram duras. As barreiras linguísticas, as condições adversas de trabalho, e a saudade esmagadora dos entes queridos que ficaram para trás eram dificuldades que pareciam intransponíveis.

No entanto, com o tempo, a resiliência dos Valenzi e de tantos outros imigrantes italianos começou a dar frutos. Eles formaram comunidades, plantaram raízes e, apesar de todas as adversidades, começaram a construir uma nova vida. Giovanni e Isabella, agora mais unidos do que nunca, sabiam que a travessia do oceano não havia sido apenas uma jornada física, mas uma travessia emocional e espiritual, que os transformara profundamente.

Anos se passaram, e o pequeno Carlo, que outrora brincava no convés do navio, agora corria pelos campos férteis do interior paulista, onde a família havia se estabelecido. Giovanni, com orgulho no olhar, observava a terra que cultivara com tanto esforço. A Itália, embora distante, permanecia viva em suas memórias, mas o Brasil havia se tornado sua nova pátria, o lugar onde seus filhos e netos teriam oportunidades que ele jamais imaginara.

Isabella, em suas orações diárias, agradecia a Deus pela força que os sustentara durante a longa travessia. Ela sabia que o mar, com todas as suas provações, havia sido o batismo de fogo que preparara sua família para enfrentar e superar os desafios da nova vida. A travessia do oceano, com suas tormentas e calmarias, fora a metáfora perfeita para a jornada que os Valenzi viviam agora: um caminho árduo, mas repleto de esperança.

Décadas depois, quando os descendentes dos Valenzi se reuniam em torno da mesa da casa que Giovanni e Isabella construíram com tanto sacrifício, as histórias daquela travessia se tornaram parte da herança familiar. Era um relato que misturava dor e esperança, despedidas e reencontros, mas que, acima de tudo, simbolizava a força de um povo que, ao cruzar o oceano, encontrou não apenas uma nova terra, mas a si mesmos.

O horizonte do Novo Mundo, outrora desconhecido e temido, tornou-se o símbolo do renascimento, da coragem e da fé que uniram os corações de tantos imigrantes. A travessia do oceano era mais que uma viagem; era um rito de passagem, uma prova de que o espírito humano, movido pelo desejo de uma vida melhor, é capaz de superar qualquer tempestade.



quinta-feira, 25 de julho de 2024

A Viagem de Travessia dos Emigrantes Italianos

 



No final do século XIX, os navios a vapor europeus que seguiam para o Brasil atracavam principalmente nos portos do Rio de Janeiro e Santos. Antes de 1870, a travessia para as Américas era feita em embarcações à vela e podia levar até 60 dias. Com o advento da navegação a vapor, por volta da década de 1890, esse tempo foi reduzido para 20 a 30 dias. Entre as companhias marítimas notáveis estavam La Veloce, Navigazione Generale Italiana, Ligure Brasiliana, Lavarello, Navigazione Italo-Brasiliana e Lloyd Italiano Royal Mail.
Apesar das variações de época e tamanho, esses navios chegavam a transportar mais de 1000 passageiros por viagem, o que representava cerca de um terço da sua capacidade real. Como resultado, a maioria dos migrantes viajava em condições precárias na terceira classe, frequentemente deitados em beliches amontoados ou diretamente no piso sob o convés. O capitão ocasionalmente permitia que subissem à proa para respirar ar fresco e caminhar ao sol.
Os compartimentos eram extremamente sujos, a comida era escassa e frequentemente estragada, e a água potável era insuficiente. Além das péssimas condições higiênicas, as difíceis condições climáticas agravavam a situação. A diferença térmica noturna fazia com que a umidade sufocante do dia fosse seguida por uma queda drástica de temperatura à noite. Essas condições propiciavam a disseminação de doenças infecciosas como varíola e cólera, que rapidamente se transformavam em epidemias.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

Esperança Além-Mar

 



Esperança Além-Mar

No fim do século XIX, a pequena vila de San Lorenzo, encravada nas colinas da Toscana, era um lugar de beleza singela e melancólica. Os campos outrora férteis agora mal sustinham as famílias que dependiam deles. A pobreza era um espectro que rondava cada esquina, cada lar, e não poupava ninguém, nem mesmo a família Mancini.
Giuseppe Mancini, um agricultor de meia-idade, olhava para seus campos ressecados com um suspiro profundo. O sol poente lançava um brilho dourado sobre a paisagem, mas o coração de Giuseppe estava pesado. A Itália, sua amada terra natal, já não oferecia mais sustento ou esperança. A notícia de um novo mundo, repleto de oportunidades do outro lado do Atlântico, chegara aos ouvidos dos habitantes da vila, e com ela, a difícil decisão de deixar para trás tudo o que conheciam.
Na pequena casa de pedra dos Mancini, a esposa de Giuseppe, Maria, embalava em lágrimas o enxoval da família. Suas mãos calejadas dobravam com cuidado cada peça de roupa, enquanto seus pensamentos se perdiam na incerteza do futuro. Ao seu lado, os filhos, Luigi e Antonella, observavam em silêncio, compreendendo a gravidade do momento.
“Temos que ser fortes”, disse Giuseppe, tentando encorajar a si mesmo tanto quanto aos seus. “Lá, no Brasil, haverá trabalho e terra para cultivar. É nossa chance de uma vida melhor.”
A despedida foi amarga. Amigos e parentes se reuniram na praça central da vila para dar adeus aos Mancini. Havia lágrimas, abraços apertados e palavras de conforto. O sino da igreja tocava, marcando não apenas o fim de um ciclo, mas também o início de uma jornada incerta.
A viagem até o porto de Gênova foi longa e cansativa. Ao chegarem, os Mancini se depararam com uma multidão de rostos marcados pela mesma mistura de ansiedade e esperança. Os imigrantes se amontoavam em filas intermináveis, carregando seus poucos pertences e seus muitos sonhos.
O navio, uma embarcação imponente, mas claramente desgastada pelo tempo e pelo uso constante, estava abarrotado de pessoas. As condições eram precárias: pequenas cabines compartilhadas, falta de ventilação e higiene, e um cheiro persistente de maresia e suor. Giuseppe sentiu um aperto no peito ao ver o olhar assustado de seus filhos, mas tentou manter a serenidade.
A viagem pelo Atlântico foi uma prova de resistência. Os dias se arrastavam entre o balanço incessante do navio e a monotonia do horizonte sem fim. Muitos passageiros adoeceram devido à falta de alimentos frescos e à água potável limitada. Doenças como o escorbuto se espalharam rapidamente, ceifando vidas e deixando um rastro de desespero.
Maria fazia o possível para manter a família unida e saudável. Suas mãos não paravam, cuidando dos filhos e ajudando outros imigrantes, compartilhando o pouco que tinham. Giuseppe passava horas conversando com outros homens, trocando histórias e mantendo a esperança viva.
Depois de semanas que pareceram meses, o navio finalmente avistou a costa brasileira. O porto do Rio de Janeiro surgiu no horizonte como um oásis de promessas. Os Mancini, exaustos mas aliviados, desceram do navio junto com centenas de outros imigrantes. Foram recebidos por uma mistura de caos e expectativa, com oficiais de imigração apressados e trabalhadores ansiosos por nova mão de obra.
A família foi direcionada para um alojamento temporário, onde dividiram espaço com muitos outros recém-chegados. As condições ainda eram difíceis, mas havia um novo brilho nos olhos de Giuseppe e Maria. Eles sabiam que os desafios estavam longe de terminar, mas a esperança, aquela chama teimosa que nunca se apaga, queimava mais forte do que nunca.
A próxima etapa da jornada os levaria ao interior, onde encontrariam trabalho nas plantações de café e talvez, um dia, um pedaço de terra para chamar de seu. A despedida da Itália, a travessia árdua e a chegada no Brasil eram apenas os primeiros passos de uma nova vida que se desenhava diante deles.
A jornada do Rio de Janeiro até o interior paulista foi longa, mas desta vez, havia um senso renovado de propósito e esperança. A paisagem verdejante e as plantações de café estendiam-se até onde os olhos podiam ver. Ao chegar na fazenda onde trabalhariam, os Mancini foram recebidos pelo administrador, que lhes mostrou a casa simples que seria seu novo lar.
A vida na fazenda era dura, mas Giuseppe, Maria, Luigi e Antonella estavam determinados a fazer dela um sucesso. Os dias começavam cedo, com o sol mal despontando no horizonte, e terminavam tarde, com o corpo exausto, mas o coração cheio de gratidão pela oportunidade de recomeçar.
Giuseppe encontrou no trabalho com a terra uma sensação de familiaridade, mesmo que as plantas fossem diferentes das que cultivava na Itália. A mão firme e o conhecimento de agricultura adquiridos em San Lorenzo logo se mostraram valiosos. Maria, por sua vez, dedicava-se à criação de uma pequena horta ao lado da casa, plantando legumes e ervas que trouxessem um pouco do sabor de sua terra natal para a nova vida.
A comunidade de imigrantes italianos era unida pela experiência comum de abandono e renascimento. As famílias se ajudavam mutuamente, partilhando conhecimentos, alimentos e conselhos. Aos domingos, reuniam-se para celebrar missas e festas, mantendo vivas as tradições e o espírito da Itália. As crianças brincavam juntas, aprendendo novas palavras em português, mas sem esquecer o italiano.
Luigi e Antonella adaptaram-se rapidamente à nova realidade. Luigi, com sua curiosidade inata, aprendeu com os trabalhadores locais técnicas de cultivo e manejo das plantações de café. Antonella, com sua alegria contagiante, fez amigos entre as crianças brasileiras e italianas, tornando-se um elo entre as culturas.
Os anos passaram, e o trabalho árduo começou a dar frutos. Giuseppe conseguiu poupar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra. Foi um dia de grande celebração quando a família Mancini finalmente se mudou para o seu próprio pedaço de terra. A propriedade não era grande, mas era suficiente para plantar café e outros cultivos, e mais importante, era deles.
Maria transformou a nova casa em um lar acolhedor. O jardim florescia, e a cozinha exalava os aromas de receitas tradicionais italianas misturadas com ingredientes locais. As noites eram preenchidas com risos, histórias e um sentimento profundo de realização.
Apesar do progresso, os desafios não cessaram. O mercado de café era volátil, e as crises econômicas afetavam todos os agricultores. Houve períodos de seca e colheitas ruins, mas os Mancini nunca perderam a esperança. A comunidade italiana se manteve solidária, e juntos, superaram as adversidades.
Luigi, já adulto, trouxe novas ideias e técnicas de cultivo, estudando e implementando métodos mais eficientes. Antonella se casou com um jovem agricultor brasileiro de origem italiana, unindo ainda mais as culturas e tradições das duas pátrias. O casamento foi uma grande festa, celebrada com danças e canções que misturavam o melhor da Itália e do Brasil.
Décadas se passaram desde aquele dia em que os Mancini deixaram San Lorenzo. A pequena fazenda havia crescido, tornando-se uma propriedade próspera e respeitada na região. Giuseppe e Maria, agora idosos, olhavam para sua família e sua terra com orgulho e gratidão.
A história dos Mancini era apenas uma entre muitas, mas simbolizava a coragem e a resiliência de milhares de italianos que cruzaram o oceano em busca de uma vida melhor. Eles trouxeram consigo não apenas suas habilidades e tradições, mas também um espírito indomável que ajudou a construir o Brasil.
Giuseppe, em suas noites de reflexão, ainda se lembrava da despedida em San Lorenzo e da difícil travessia. Mas agora, ao olhar para sua família e sua terra, sabia que todos os sacrifícios haviam valido a pena. A esperança que os guiara através de tantas provações havia finalmente encontrado seu porto seguro.


domingo, 22 de abril de 2018

Emigração Vêneta e os Preparativos para a Grande Viagem


Uma vez tomada a difícil decisão de emigrar e após terem dado os nomes ao agente recrutador, representante da companhia que promovia a viagem, a primeira providência era conseguir o devido passaporte, necessário para toda a família. Para tanto necessitava de uma declaração obtida junto a prefeitura da sua cidade. Também tinham que providenciar a obrigatória vacina.

Eram meses de preparativos, que começava com a venda de tudo que não podiam levar consigo. As roupas, objetos de uso pessoal, instrumentos musicais e ferramentas, eram acondicionadas em grandes caixas de madeira, os baús, nas arcas ou em sacos.



Faziam encontros com os que não iriam viajar, oportunidade que aproveitavam para se despedir dos amigos e familiares, não esquecendo também da obrigatória e sentimental última visita ao cemitério da localidade, para dar o ultimo adeus aos parentes e amigos já falecidos. 

Visitavam também o pároco da localidade, do qual pediam a benção e a sua interseção para afrontarem a longa, temida e desconhecida travessia.

No dia marcado para iniciarem a viagem, com destino ao porto de Gênova, emocionados despediam-se mais uma vez dos familiares que ficavam e, ainda bem cedo, partiam banhados em lágrimas. Davam uma derradeira e demorada olhada para trás e seguiam confiantes no seu destino. Chegavam a estação ferroviária mais próxima e junto com tantos outros que lá se encontravam, seguiam para o porto de Gênova. 

Durante o trajeto, em cada parada do trem, em estações do Vêneto ou de outras províncias da Lombardia, passagem até o porto, a mesma cena se repetia: dezenas de homens, mulheres e crianças, subiam carregados de bagagens, colocadas em malas de papelão, sacos ou baús de madeira.



Muitas vezes eram vilas inteiras que partiam, tendo o pároco local à frente do grupo. Às vezes também partiam de noite, no escuro e em silencio, como estivessem em tempo de guerra e o inimigo estivesse na espera. Muitas vezes centenas de pessoas se movimentavam juntas, lentamente, ao som dos sinos, como acontecia nas grandes festas. Na frente do grupo puxando a marcha estava um grande crucifixo ou o estandarte de um santo que os emigrantes pretendiam levar consigo na nova pátria.

Para a grande maioria desses emigrantes esta viagem até a estação ferroviária já se constituía na distância mais longa que até então tinham se afastado dos seus povoados. A viagem de trem também era desconhecida para a maioria deles e isso gerava ainda mais medo e apreensão. 

O destino de todos eles era o Porto de Gênova e quando ali desembarcavam, pela primeira vez, a grande maioria vinha a conhecer o mar.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

sábado, 21 de abril de 2018

Emigração Vêneta e os Preparativos para a Grande Viagem




Uma vez tomada a difícil decisão de emigrar e após terem dado os nomes ao agente recrutador, representante da companhia que promovia a viagem, a primeira providência era conseguir o devido passaporte, necessário para toda a família. Para tanto necessitava de uma declaração obtida junto a prefeitura da sua cidade. Também tinham que providenciar a obrigatória vacina.

Eram meses de preparativos, que começava com a venda de tudo que não podiam levar consigo. As roupas, objetos de uso pessoal, instrumentos musicais e ferramentas, eram acondicionadas em grandes caixas de madeira, os baús, nas arcas ou em sacos.
Faziam encontros com os que não iriam viajar, oportunidade que aproveitavam para se despedir dos amigos e familiares, não esquecendo também da obrigatória e sentimental última visita ao cemitério da localidade, para dar o ultimo adeus aos parentes e amigos já falecidos. 

Visitavam também o pároco da localidade, do qual pediam a benção e a sua interseção para afrontarem a longa, temida e desconhecida travessia.




No dia marcado para iniciarem a viagem, com destino ao porto de Gênova, emocionados despediam-se mais uma vez dos familiares que ficavam e, ainda bem cedo, partiam banhados em lágrimas. Davam uma derradeira e demorada olhada para trás e seguiam confiantes no seu destino. Chegavam a estação ferroviária mais próxima e junto com tantos outros que lá se encontravam, seguiam para o porto de Gênova. 

Durante o trajeto, em cada parada do trem, em estações do Vêneto ou de outras províncias da Lombardia, passagem até o porto, a mesma cena se repetia: dezenas de homens, mulheres e crianças, subiam carregados de bagagens, colocadas em malas de papelão, sacos ou baús de madeira. 

Muitas vezes eram vilas inteiras que partiam, tendo o pároco local à frente do grupo. Às vezes também partiam de noite, no escuro e em silencio, como estivessem em tempo de guerra e o inimigo estivesse na espera. Muitas vezes centenas de pessoas se movimentavam juntas, lentamente, ao som dos sinos, como acontecia nas grandes festas. Na frente do grupo puxando a marcha estava um grande crucifixo ou o estandarte de um santo que os emigrantes pretendiam levar consigo na nova pátria.

Para a grande maioria desses emigrantes esta viagem até a estação ferroviária já se constituía na distância mais longa que até então tinham se afastado dos seus povoados. A viagem de trem também era desconhecida para a maioria deles e isso gerava ainda mais medo e apreensão. 

O destino de todos eles era o Porto de Gênova e quando ali desembarcavam, pela primeira vez, a grande maioria vinha a conhecer o mar.


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS