quinta-feira, 27 de julho de 2023

De Rovigo a Província de São Paulo: A História de uma Família de Emigrantes Italianos - parte 2








A Vida na Fazenda 



Domenico era o segundo filho homem de uma família de dez irmãos que moravam na localidade de Rasa, província de Rovigo. Durante algum tempo, na sua juventude, trabalhou como empregado em uma grande plantação de arroz, justamente no local onde conheceu Giuseppina, a sua esposa. O namoro foi bastante rápido e logo resolveram se casar. O matrimônio foi realizado em Villa d’Adige, a pequena localidade onde a família de Pina morava há já várias gerações. Como o pai de Giuseppina havia falecido alguns meses após o casamento, o casal resolveu ficar morando na propriedade da família. Os cunhados eram ainda muito jovens e necessitavam de ajuda. Chegaram mesmo a pensar em se mudar para a cidade de Villa Bartolomea, na província vizinha de Verona, a convite de outros parentes que lá já estavam estabelecidos, mas, para não deixar a família da esposa desamparada, se fixaram na mesma vila onde Pina havia nascido. Era uma localidade muito afastada, pequena e atrasada, formada por poucas famílias, todas muito pobres, que viviam do trabalho nas plantações de arroz como diaristas. Domenico e Pina continuaram trabalhando nessas plantações de arroz da região onde, nos primeiros anos, não faltava serviço. Tiveram seus seis filhos naquela localidade, mas, não viam nenhuma possibilidade de progredir naquele local em que a pobreza só crescia. Devido aos impostos cobrados pelo novo governo, muitas fazendas fecharam e os proprietários emigraram para outros países. O desemprego começou a crescer, chegando a um ponto insuportável. As condições de vida do casal começaram a piorar após a morte do pai de Domenico, Giacomo Risottoni, que sempre os ajudava com o que podia, acometido por uma doença grave que consumiu os recursos de toda a família com médicos e remédios. Foi quando então resolveram emigrar para o Brasil seguindo o exemplo de milhares de outros italianos. Na ocasião, com Domenico também partiram, para o mesmo destino no Brasil, seus dois irmãos: Giuseppe, o mais velho deles, com a esposa Giulia e cinco filhos e o mais novo, que se chamava Antonio, ainda solteiro, acompanhado da mãe Luigia, então viúva com 57 anos. Entre os componentes do grupo de mais cinquenta pessoas também estavam vários primos e dois tios de Domenico, Giovanni Battista e o Francesco, acompanhados das suas esposas. 
Na fazenda Coquinhos, depois do impacto negativo da chegada, quando todos do grupo de imigrantes só pensavam em desistir de tudo e procurar um outro local para viverem, mas precisaram cair na realidade e se adaptar, tal qual dezenas de outros co-nacionais que ali também estavam trabalhando. A fazenda tinha aproximadamente quinhentos empregados, a quase maioria deles eram italianos. Toda aquela região da província de São Paulo, era rica em terras roxas, com relevo, altitude e clima bem definidos, favoráveis à cultura do café. Os colonos contratados recebiam um pagamento fixo pelo cultivo dos pés de café e um pagamento variável pela quantidade de frutos colhidos. Além disso, podiam criar pequenos animais e produzir alimentos para sustento da família na fazenda e vender o excedente. O pagamento de um ano era dividido entre os meses e distribuído no primeiro sábado de cada mês, tornando-o um dia de folga para compras e visitas. Ao chegarem ao Brasil, as famílias vindas da Itália eram relativamente jovens, em plena fase produtiva e reprodutiva, compostas em sua maioria só por casais ou por casal com filhos solteiros e pequenos. Ao contratar o colono, o fazendeiro contratava o trabalho de todos os elementos da família. Na cafeicultura paulista, o termo “colono” e “família colona” tem o mesmo significado. O número de pés de café sob a responsabilidade do colono era estipulado em contrato estabelecido com a fazenda e atribuído conforme o número de membros da família colona aptos ao trabalho. Os termos do contrato geralmente eram mais favoráveis ao fazendeiro, a quem, era permitido aplicar multas e demitir o empregado quando quisesse. A mentalidade dos fazendeiros paulistas era ainda aquela escravagista, em uso a mais de 200 anos e os colonos nem sempre conseguiam tolerar os maus tratos que sofriam. Muitas foram as reclamações enviadas de várias fazendas para o consulado italiano em São Paulo registrando crimes de agressão sofridos pelas famílias de imigrantes. As violências contra as mulheres italianas eram muito frequentes, pois os fazendeiros ainda não estavam acostumados a lidar com pessoas com direitos. Outros abusos eram adulterando pesos e medidas, subestimando a quantia realmente plantada ou colhida pelo trabalhador. Eles confiscavam produtos e, principalmente, usavam multas para limitar suas despesas. Até o motivo mais fútil era o suficiente para deduzir quantias consideráveis do caderno de contas do colono. As multas se tornam cada vez mais frequentes com a queda do preço interno do café. Devido à distância da fazenda até a cidade mais próxima, dependiam de produtos alimentícios que não podiam produzir como farinha, açúcar, sal e se abasteciam no armazém da própria fazenda que os explorava, cobrando  preços mais caros que na cidade. 
A jornada diária de trabalho dos empregados da Fazenda Coquinhos era muito dura, se estendia durante todo o ano do nascer do sol ao anoitecer, sempre sob a vigilância de fiscais de turma, que se reportavam diretamente ao administrador da propriedade. Acordavam às 5 da manhã e às 6h, com o tocar dos sinos da fazenda, partiam para mais um dia de trabalho no cafezal. Eles trabalhavam em média 12 horas por dia, podendo chegar a até 14 horas, não tinham registro em carteira, nem direito a férias ou outros benefícios. A estrutura familiar dos imigrantes se mantinha intocável como era na Itália, onde o pai era o chefe da família, com divisão das tarefas entre cada membro do clã, sendo que o serviço doméstico, o cuidado das crianças, idosos ou inválidos, era reservado para as mulheres da família. Ao pai cabia a palavra final na divisão das tarefas e nas decisões familiares. As mulheres quando grávidas, trabalhavam até a hora do parto, quando de carroça eram levadas para casa, muitas vezes ocorrendo o nascimento da criança no próprio veículo. Muitos bebês nasciam no meio do cafezal, sob a sombra de um cafeeiro e logo era enrolada em panos que a gestante havia reservado. Muitas fazendas tinham a sua capela, onde eram celebradas missas aos domingos, que os colonos podiam comparecer. Outras delas, como no caso onde Domenico e sua família foram parar, só recebia a visita mensal de um padre, que na ocasião fazia casamentos e batizados. O casamento era uma instituição obrigatória para a constituição das famílias dos imigrantes que se casavam muitas vezes somente no religioso e mais tarde faziam a cerimônia civil. A cidade mais próxima ficava a mais de três horas de caminhada e somente lá existia cartório para o devido registro do matrimônio. Através do batismo dos filhos se fortaleciam os laços de amizade entre as diversas famílias de imigrantes. Logo no primeiro ano de estadia na fazenda, Pina voltou a engravidar e deu à luz a um outro menino que Domenico deu o nome de Settimo, por ser o sétimo filho do casal. Por sorte Pina era muito forte e sadia sendo assistida pela sogra Luigia, que também era parteira. As condições sanitárias das casas dos empregados da Fazenda Coquinhos não eram boas. Frequentemente surgiam doenças graves que podiam invalidar um trabalhador e às vezes até matá-lo, como malária, varíola, febre amarela, tracoma e ancilostomose que também estavam presentes em quase todas as fazendas de café. Na fazenda só possuíam atendimento para casos simples de ferimentos e como a fazenda se localizava longe de centros urbanos, nos demais casos necessitavam se deslocar em carroça para obter atendimento médico. Esses eram caros e as visitas domiciliares quando necessárias eram caríssimas, e uma doença de curta duração podia desfazer os ganhos de meses ou mesmo de anos de trabalho. Domenico lembrava muito bem de quando o seu irmão mais novo Antonio, foi picado por uma cobra venenosa e ficou gravemente enfermo, necessitando sua remoção para uma cidade próxima, onde precisou ficar hospitalizado por alguns dias. A vida do rapaz corria sério perigo, inclusive de perder uma perna e o médico chamado para consultá-lo não tinha esperanças de salvá-lo na fazenda e resolveu pela hospitalização. As despesas médicas foram pagas pelo fazendeiro que emprestou o dinheiro para eles para ser devolvido no acerto mensal. Toda a família de Domenico precisou se cotizar para ajudar a pagar a dívida com o dono da fazenda. 
Já tinham se passado seis anos desde quando chegaram na fazenda e agora praticamente não deviam mais nada ao fazendeiro. A família de Domenico também havia crescido no Brasil com o nascimento de mais três filhos, sendo que agora eles eram dez ao todo. Como não havia escola na fazenda e nem próximo dela, era Giovanni Battista, o irmão mais velho de Domenico, que sabia ler e escrever, ainda que precariamente, que tentava suprir esta falta. 
Domenico e a família, algum tempo depois da chegada, percebendo as duras condições de trabalho na fazenda, a vida difícil que levavam e a falta de perspectivas para o futuro, chegaram à conclusão que a emigração não tinha trazido grandes vantagens para eles em termos de progresso: continuavam sob as ordens de um duro patrão, ainda permaneciam pobres e, sobretudo, depois desses anos passados ainda não tinham conseguido um dos principais objetivos que os tinha levado até o Brasil, que era obter a própria terra para cultivar. Durante os anos de trabalho na fazenda conseguiram fazer algumas economias, juntando o que ganhavam com o contrato de trabalho com o café e o que conseguiam obter vendendo o excedente dos produtos agrícolas que plantavam. Giuseppina, com as duas filhas mais velhas e a sogra Luigia eram muito espertas e negociantes, vendiam ovos, pães, doces e bolos que faziam. Uma vez por semana, quando o tempo permitia, iam de carroça até Mogi Mirim, a cidade mais próxima da fazenda, para vender o que produziam. O que produziam era de boa qualidade e chegaram a ter muitas freguesas fixas que faziam encomendas. A ideia de Domenico era adquirir uma pequena chácara na periferia dessa cidade usando as economias guardadas. Deixariam a fazenda assim que conseguissem o terreno que sonhavam. Ele e Pina pensavam muito na educação e no futuro dos filhos. A cidade estava crescendo rapidamente e poderiam conseguir algum emprego no comércio ou em uma pequena fábrica local e os filhos poderiam frequentar uma escola e mais tarde também trabalharem.

Continua 

Trecho do Conto "A História de uma Família de Emigrantes Italianos" de 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS