sábado, 4 de outubro de 2025

A Vida de Pietro Zanotelli

 


A Vida de Pietro Zanotelli

Das Colinas de Vicenza às Terras Vermelhas de São Paulo

Pietro Zanotelli nasceu em San Pietro Mussolino, Vicenza, no dia 14 de março de 1900. O vilarejo era pobre, mas os bosques que se erguiam ao redor ofereciam o sustento possível. Com somente os três anos do ensino básico concluídos, desde criança, Pietro aprendera a manejar o machado, a serrar troncos e a arrastar toras pelas encostas. Sua juventude foi marcada pelo cheiro da resina dos pinheiros e pela aspereza das mãos feridas pela madeira.

A pequena aldeia se resumia a algumas ruas tortuosas e estreitas, uma antiga igreja, dominando a praça e pequenas casas de pedra úmidas salpicadas de liquens, onde as famílias se apertavam em meio à escassez. As colheitas raramente bastavam, e a maioria dos jovens partia ainda muito cedo, deixando atrás de si velhos e mulheres. Era um retrato de um Vêneto pobre que ainda lutava contra as feridas deixadas pela guerra.

Em 1922, como tantos outros jovens da região, partiu para a França em busca de uma vida melhor. Encontrou trabalho nos túneis do Jura, onde o corpo era consumido pela umidade e pela escuridão. Foram três anos de labuta subterrânea, até que a saudade o empurrou de volta a San Pietro Mussolino. O retorno, porém, trouxe-lhe apenas a constatação amarga: ainda não havia futuro possível em sua aldeia natal.

A ideia da América começou a rondá-lo. Já não era uma emigração em massa, como a dos tempos de seus pais e avós. Agora, cada partida era um gesto individual, uma tentativa desesperada de escapar do desemprego e da fome que a Itália do pós-guerra ainda não conseguira resolver. Pietro observava as cartas que chegavam de parentes já instalados no Brasil, com relatos de dificuldades, mas também de terras férteis e novas oportunidades.

Na madrugada de 2 de julho de 1926, o dia da partida chegou. Pietro levantou-se cedo. A pequena maleta de papelão, já meio consumida, o passaporte recém-emitido e algumas moedas no bolso eram tudo o que carregava. Os parentes o acompanharam até o ponto de onde partia uma carroça que fazia o transporte de passageiros. Quando o cocheiro gritou a ordem de embarque, sentiu um nó na garganta. O silêncio pesou mais do que qualquer palavra. Virou-se uma última vez para olhar sua terra, e num sussurro apenas para si mesmo disse: “Adio Mussolino, chissà quando ti rivedrò”.

Seguiu então de trem para Gênova. Instalado em um hotel barato em uma rua lateral não muito longe do cais, dividiu pão e salame com três companheiros de viagem. Ao passear pelo porto, ficou paralisado diante do navio Giulio Cesare, uma fortaleza de aço erguida sobre as águas, pronta para atravessar o oceano. O porto fervilhava de vozes em diferentes dialetos, famílias chorando separações definitivas, vendedores ambulantes aproveitando o último instante de comércio, padres abençoando os que partiam.

No 30 de junho, as formalidades se sucederam: corte de cabelo, banho obrigatório, inspeção médica, vacina. Quando finalmente embarcou, desceu a escadaria de ferro até o porão, onde se alinhavam beliches numerados. Aquele seria seu mundo durante semanas.

Ao soar os três apitos da partida, o navio começou a afastar-se do cais. Do porto, a multidão cantava hinos patrióticos; no convés, emigrantes agitavam lenços encharcados de lágrimas. O barulho da música e dos gritos se misturava ao choro sufocado. Pietro permaneceu imóvel, carregando no peito o peso da separação.

A travessia foi marcada pelo enjoo dos primeiros dias, pela comida escassa e pelo cheiro sufocante dos camarotes. Os limões comprados em Gênova ajudaram a suportar o mal-estar. No convívio com outros passageiros, surgiam histórias semelhantes: jovens arrancados pela necessidade, velhos em busca de filhos que já haviam partido, mulheres levando crianças pequenas na esperança de recomeçar. Todos unidos pela mesma esperança de um futuro do outro lado do mar. Havia também as noites em que o mar se revoltava, e o balanço violento lançava os corpos contra as paredes de ferro, lembrando a todos que a travessia era uma aposta de vida e morte.

Ao desembarcar no porto de Santos sem conhecer a língua do Brasil, Pietro não encontrou promessas fáceis, mas sim o desafio de recomeçar do nada. Seguiu de trem para o interior de São Paulo, onde já existiam comunidades italianas estabelecidas. Encontrou trabalho em armazéns, em pequenas indústrias, em roças arrendadas, mudando de ofício conforme apareciam as oportunidades.

O Brasil não foi para ele uma terra de riqueza, mas sim de sobrevivência e continuidade. Casou-se com Ana Luísa Marchette, filha de imigrantes, com quem teve filhos e netos. Sua vida tornou-se um equilíbrio entre o trabalho incessante e a saudade que nunca se apagou. O sotaque do Vêneto nunca o deixou, e até os últimos dias mantinha o hábito de cantarolar canções antigas, como se cada nota fosse um elo com sua terra perdida.

Morreu em Campinas, no ano de 1972, aos 72 anos. Foi enterrado sob uma cruz simples, com a frase escolhida pela família:

“Partiu da Itália por necessidade, viveu no Brasil por esperança.”

Assim se encerrou a trajetória de Pietro Zanotelli, um homem que carregou no coração o peso da despedida e a coragem da travessia, testemunha de uma geração que deixou o Vêneto não por escolha, mas por obrigação da vida.

Nota do Autor

Este relato nasceu da necessidade de dar carne e voz a uma geração que, apesar de ter marcado profundamente a história, corre o risco de ser esquecida. Pietro Zanotelli, personagem central desta narrativa, não é um homem isolado: ele representa milhares de italianos que, nas primeiras décadas do século XX, foram forçados a abandonar seus vilarejos, suas famílias e o chão onde aprenderam a caminhar.

Não partiram por aventura ou ambição, mas pela imposição da vida. A Itália que emergiu da Grande Guerra estava exausta: os campos devastados, o trabalho escasso, as promessas do Estado vazias. Para muitos, a única saída era olhar para o horizonte do Atlântico e imaginar que, do outro lado, pudesse existir uma chance de sobrevivência.

Foi esse gesto — levantar-se de madrugada, despedir-se em silêncio, carregar uma mala pobre de roupas e memórias — que fundou a epopeia anônima de tantos homens e mulheres. Eles não eram heróis, mas trabalhadores comuns. E ainda assim, sua coragem os tornou extraordinários.

Ao recriar a trajetória de Pietro, não busquei apenas relatar fatos, mas também reconstruir atmosferas: o peso das despedidas, o cheiro acre dos portos, o som metálico dos apitos de partida, a claustrofobia dos porões de navio e, sobretudo, a saudade que atravessava oceanos. A saga de Pietro é uma chave para compreendermos a dor e a força daqueles que transformaram o Brasil em sua nova pátria.

Esta narrativa não é uma biografia literal. É um romance baseado em cartas, documentos e testemunhos, tecido com o fio da ficção para iluminar o que os registros oficiais não contam: o silêncio, o medo e a esperança.

Que a vida de Pietro Zanotelle, aqui narrada, seja lembrada como símbolo de todos os que cruzaram o mar não para enriquecer, mas para sobreviver — e, ao fazê-lo, construíram as bases de um futuro que hoje chamamos de nosso.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta