segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A Cruz no Caminho


A Cruz no Caminho


Nas terras férteis e ainda selvagens da Colônia Dona Isabel, no coração do Rio Grande do Sul, a vida dos imigrantes italianos era marcada por um misto de esperança e sacrifício. Vindos de uma Itália assolada pela pobreza e pela falta de perspectivas, esses bravos homens e mulheres se agarravam a uma única certeza: a fé. Para muitos, era a fé que os sustentava diante das adversidades de uma terra desconhecida, repleta de desafios que testavam a força de suas convicções.
Fioravante, um homem robusto de mãos calejadas e olhar penetrante, estava de joelhos diante da pequena capela que ele mesmo ajudara a erguer. A capela, construída com madeira bruta retirada das florestas ao redor, era um refúgio sagrado para toda a comunidade. Era ali, entre as paredes simples, que as famílias se reuniam aos domingos, compartilhando não apenas suas preces, mas também suas histórias de lutas e saudades.
Ao lado de Fioravante, Maddalena, sua esposa, murmurava suas orações. Os olhos castanhos, sempre calmos, agora estavam úmidos. Maddalena trazia no peito um terço de contas de madeira, presente de sua mãe antes de deixarem a Itália. Aquela relíquia, simples em sua forma, era para ela um símbolo de proteção, algo que a conectava com a terra distante e com as tradições que tanto prezava.
O pároco local, Padre Giovanni, observava sua pequena congregação. Era um homem de estatura mediana, cabelos grisalhos e uma voz que transmitia serenidade. Havia chegado à colônia pouco tempo depois dos primeiros imigrantes, e desde então, dedicara sua vida a guiar espiritualmente aquele povo. Para ele, a fé era o alicerce da comunidade. Em suas homilias, repetia que Deus havia trazido todos para aquela terra promissora e que, apesar das dificuldades, não os abandonaria.
Os desafios, no entanto, eram muitos. O solo, ainda coberto de matas densas, exigia um esforço hercúleo para ser cultivado. As noites eram longas e frias, e a solidão se tornava palpável na vastidão daquela terra desconhecida. Muitos sentiam saudades dos parentes deixados para trás e das vilas italianas que outrora chamavam de lar. Nessas horas, a capela se tornava um lugar de encontro, onde os lamentos e as alegrias eram compartilhados como uma forma de aliviar os corações.
Um dos membros mais fervorosos da comunidade era Antonella, uma viúva que perdera o marido durante a travessia do Atlântico. Sozinha com dois filhos pequenos, Antonio de 9 anos e Fiorinda de 6, Antonella enfrentava a dureza da vida com uma coragem que poucos possuíam. Muitos se perguntavam por que ela não havia retornado à Itália após a morte do marido, mas aqueles que a conheciam sabiam que ela ficava por causa dos filhos. Era para garantir um futuro para eles que ela permanecia, resistindo às dificuldades com uma força que parecia vir de sua devoção inabalável.
Todos os dias, sem exceção, Antonella se dirigia à capela para rezar, pedindo por forças para continuar. Antonio e Fiorinda a acompanhavam, aprendendo desde cedo o valor da fé e da comunidade. Antonella era conhecida por seu espírito generoso, sempre disposta a ajudar os outros, especialmente aqueles que, como ela, lutavam para manter suas famílias unidas e seguras. Para ela, a religião não era apenas uma prática, mas uma fonte inesgotável de conforto e esperança.
Certo dia, uma forte tempestade abateu-se sobre a colônia. Os ventos uivavam e as águas corriam furiosas pelos barrancos. As pequenas casas de madeira tremiam sob a força da natureza. Nessa noite, muitos dos colonos se refugiaram na capela, implorando pela proteção divina. Fioravante e Maddalena estavam entre eles, abraçados, sentindo o calor das velas e ouvindo as palavras tranquilizadoras de Padre Giovanni.
Após a tempestade, um arco-íris apareceu no céu, como um sinal de renovação. Os colonos se entreolharam, e muitos choraram, agradecendo a Deus por terem sido poupados. A fé, mais uma vez, havia mostrado seu poder de união e fortalecimento. Naquele instante, a capela se tornou mais que um simples edifício; transformou-se no símbolo da resistência e da espiritualidade de um povo.
Mas nem todos os desafios eram tão visíveis quanto as tempestades. A comunidade também enfrentava dificuldades de adaptação às novas condições de vida, ao clima diferente e às doenças que surgiam. A malária, em especial, foi uma inimiga cruel, levando muitos ao leito de morte. A cada funeral, a capela se enchia de luto e orações. Padre Giovanni realizava os ritos com uma tristeza visível nos olhos, mas sempre lembrava que a alma dos fiéis estava em boas mãos.
Um dia, Fioravante recebeu uma carta da Itália, uma das poucas que conseguira chegar à colônia. Era de sua mãe, uma mulher já idosa, que lamentava a distância e expressava sua saudade. Fioravante, com o coração apertado, leu a carta em voz alta para Maddalena. Depois, ambos se dirigiram à capela, onde acenderam uma vela e rezaram por sua família distante. A fé, naquele momento, era o único elo tangível entre eles e sua terra natal.
O tempo passou, e as colheitas começaram a melhorar. Aos poucos, a terra respondia ao esforço incansável dos colonos. A pequena capela, agora adornada com flores e velas, tornou-se o centro de celebrações de colheita, casamentos e batismos. Cada evento era uma reafirmação da vida, uma lembrança de que, apesar das adversidades, a comunidade seguia em frente.
No entanto, uma tragédia inesperada abalou a colônia. Antonella, a viúva devota que tanto havia lutado por seus filhos, foi encontrada sem vida em sua casa. A notícia se espalhou rapidamente, e a comunidade ficou devastada. O velório, realizado na capela, foi marcado por lágrimas e orações. Padre Giovanni, ao realizar a última missa em sua memória, destacou a importância de manter a fé, mesmo diante da morte.
Antonio e Fiorinda, ainda crianças, ficaram sob os cuidados de vizinhos e amigos. A comunidade, movida pela compaixão e pela solidariedade, se uniu para garantir que eles tivessem um lar e o apoio necessário. Para Fioravante e Maddalena, a perda de Antonella foi um lembrete doloroso da fragilidade da vida. Mas também foi um momento de reflexão sobre a importância de sua própria fé e da comunhão com os outros. A partir daquele dia, eles se dedicaram ainda mais à capela e à comunidade, acreditando que a espiritualidade coletiva era a chave para superar qualquer obstáculo.
Com o tempo, a colônia cresceu e prosperou. Novas famílias chegaram, atraídas pelas notícias de terras férteis e oportunidades. A capela, no entanto, permaneceu como o centro espiritual, o lugar onde todos se reuniam para agradecer e pedir por dias melhores. Padre Giovanni, mesmo envelhecido, continuava a guiar seu rebanho com a mesma dedicação de sempre. Ele sabia que a fé daqueles imigrantes era a fundação sobre a qual se erguia toda a comunidade.
Antonio e Fiorinda cresceram sob os cuidados dos vizinhos, sempre amparados pelo carinho e pela solidariedade da colônia. Fioravante e Maddalena se tornaram como pais para eles, oferecendo não apenas abrigo, mas também amor e orientação. Naqueles anos, a capela foi palco de muitos eventos que marcavam a vida dos colonos: casamentos, batismos e até festas que celebravam as colheitas abundantes que a terra agora lhes concedia.
Mesmo diante das muitas provações, a pequena comunidade italiana floresceu na Colônia Dona Isabel. A cada nova conquista, por menor que fosse, os colonos se reuniam na capela para agradecer. Aquela cruz no caminho que os trouxe até ali, que tanto significava, agora simbolizava a vitória sobre o passado de dificuldades e a esperança em um futuro promissor.
Fioravante e Maddalena, junto com Antonio e Fiorinda, tornaram-se exemplos de fé e perseverança, sempre lembrando a todos que, embora longe de sua terra natal, estavam unidos por algo ainda mais forte: a fé em Deus e a crença na força da comunidade.
A história desses imigrantes, marcada por sacrifícios e superação, ficou para sempre gravada nas paredes daquela capela, que testemunhou a construção de uma nova vida em solo estrangeiro. E assim, a fé que os sustentou desde o primeiro dia continuou a guiá-los por muitos anos, até que novas gerações tomaram seu lugar, sempre lembrando-se das raízes plantadas com tanto amor e devoção.


El Destin del Pòpolo Vèneto: Tra la Fame e la Speransa


 

El Destin de el Pòpolo Vèneto: Tra la Fame e la Speransa


Zoani da lontan lu i ga sentìo stòrie dea grandessa passà de Venèssia, de quando el Vèneto ´l zera el centro de na potenta repùblica marinai. Lu no ´l ga mai vissuto quei tempi gloriosi, ma el ze cressùo sora la ombra de la povartà e de la crise che i ga dominà la region quando  la Serenìsima la ga cascà ´ntel 1797. El so nono, lu el zera stai testimònio de la cadùta de Venèssia sora le man de Napoleòn, ghe contava che la vita la zera mèio prima de l' invasiòn francesa e del domìnio de el impero austro ungàrico che i ze vignu dopo.

Desso, nel 1875, Zoani, che el gavea trenta ani, vardea i campi dissecà de el Vèneto e se domandea come che el so pòpolo ghe ze rivà a na povartà così granda. Co la so móier Maria, el vivea na vita de dificoltà come mezadro, laorando tere che no le zera mia sue e sempre sogeto a la volontà e i caprìci de el gastaldo, el crùdel impiegato dea proprietà. Zera na esistensa de servitù, dove che el fruto de el laor fadicoso de Zoani e Maria no bastea mia gnanca par sfamar i so fiòi.

La Itàlia, dopo la union nel 1861, soto el goerno de i Savoia, prometea un futuro mèio, ma par i contadin vèneti, sta promessa la pareva sempre pi lontan. Zoani sentiva i rumori ne le fiere e ne le chiese: "Co la Serenissima si pranzava e si cenava, con el Cesco Bepi apena si cenava, ma romai co i Savoia, no se magna gnanca ´ntel pranso e ´ntela cena." La fame, che devastea la region da desséni, la continuea implacàbile. Le tasse sempre pi alte, la mancanza de laor e le racolte che i andea male, i fasea crèsser el disispero.

El prete Piero, el curà dea picola vila dove che la famèia de Zoani viveva, vardava la sofferenza de i so parochian. Co el còr pesà, el gavea deciso de aiutar in n'altro modo: el ga scumincià a parlar, ne le messe e ne i incontri, su l'emigrassiòn per el Brasile. Là ghe zera tère fèrtili e vaste in Mèrica, disea lu, dove che i contadin i podea tegner na vita dignitosa, lontan da l’opression de i gran siori e da la fame che lori sufria.

Zoani e Maria sentia le storie con scèticismo. Partir par na tèrra sconossua, da l'altro lato del ocean, ghe parea pi un incubo che na solussion. Ma, co el tempo che passea e le condission intel Vèneto che solo andea pegior, l'idea de emigrar la gavea ciapà pi forsa. Zoani no´l podea pi ignorar el fato che restàr volea dir condanar la so famèia a la fame e a la povartà.

La decision de andarse la ze sta ciapa na sera freda de inverno, dopo na altra pòvera racolta. Zoani e Maria i ga vendù quel pòco che i gavea e, co n'altre famèie de la vila, i se ga organizà par partir. El prete Piero, che continuava a guidar la comunidà co la so fede incrolàbile, ghe ga prometu de guidàrli spiritualmente in quel che i andea verso el Novo Mondo.

El viàio fin al porto de Zènoa l’è sta lungo e fadigoso. I ga lassa drìo tuto quel che i conosèa: la casa semplice, i vicini e i amici, e i ricordi de na vita che, ancor che dura, la zera familiar. El porto de Zenoa e zera pien de altri emigranti, tuti co la stessa sperànsa de scapar via da la povartà par costruir na vita pi mèio.

La nave che i portea ´ntel Brasile la zera na imbarcassion granda, molto vècia e pien de zente. Zoani e Maria, co i so fiòi, i ga prova a tègner viva la sperànsa, ma le condission sora el vapore la zera terìbili. La alimentassion zera poca e de mala qualità, e le malatie passea le note sveglià, preocupà par el futuro che i aspetea.

Dopo setimane de na traversada difìcile, finalmente i ga vardar el porto de Santos. La vision de la tera ferma ghe ga portà solièvo, ma ancora un nuovo tipo de paura. El Brasile el zera vasto e sconossuo, e Zoani savea che la lota la zera pena scuminssià. La prima fermada la ze sta a Ro de Janeiro, dove che i ga pasà par file longhe de ispezioni e formalità prima de andarse fin el sud de el Brasile, dove el goerno brasilian i ghe ga promesso tère par i emigranti.

El viàio verso l´ interno de el paese el ze stà strasiante. La natura selvàdega intorno ghe contrastava co la vegetassion dissecà che i gavea lassà drìo ´ntel Vèneto. Zoani e Maria i ze stai portà, co altri emigranti, verso na colònia apena creà ´ntela regione dea ciamà Serra Gaucha, dove le tère le zera fèrtili, ma coèrte da foreste dense che bisognea disboscar prima che i podesse piantar cualcosa.

Nei primi mesi, la vita l’è stà na batàia constante contro la natura e ´l isolamento. Zoani, Maria e i so fiòi, insieme co i altri coloni, i ga laorà duramente par ripulir la tera, mèter su le case semplice e piantar le prime racolte. Zera na vita de sacrifìssi, ma diversa da l’opressiòn de el passà. Adesso, lori i gavea la libertà de laorar par lori stessi, ancora che questo voléa dir un peso pi grande.

La comunidà de emigranti la cresseva, e no ostante le dificoltà, i gavea ciapà radìsi. Le tradission taliane zera mantegnue vive ne le feste religiose, ne le canssoni e ´ntel  modo di magnar che i podea preparar, quando la racolta ghe lo permetea. El prete Piero continuava a éssar un guida spirituale, condussendo messe e portando conforto a quei che i gavea nostalgia de l’Itàlia.

Zoani, però, ancora portea na profonda nostalgia de la so tera natia. El Vèneto, co tute le so dificoltà, el zera el paese dove che lu zera nato e cressuo. Sovente el se trovava a pensar ai campi che i gavea lassà drìo e a le persone che no´l vedarìa pi. Ma, vardando i so fiòi, adesso pi forti e sani, savea che el gavea fato la scelta giusta.

I ani i ga passà, e la colònia la ze prosperà. Zoani e Maria, co tanto sforzo, i ze rivai a far produsir la tera, e le so racolte gavea ciapà pi de quel che ghe serviva par sopravìver. I so fiòi parlea portuguès polito, e, ancora che le radisi taliane zera mantegnue, la nova generassion gavea ciapà a integrarse ´ntela vita brasilian.

Le dificoltà no ze mai sparì de el tuto, ma el sacrifìssio de Zoani e Maria la ga portae na vita pi dignitosa de quel che lori podea imaginar in Itàlia. El Brasile, co tute le so sfide, ghe gavè ofrìo cualcosa che el Vèneto no´l podea pi darghe: la speransa.

Zoani no´l s’è mai desmentegà de la so tera natia. Sempre che el vento sofiava nei campi ´nte la colònia, el se ricordea de le coline del Vèneto, de le tradission del so pupà e de la vita che gavea lassà drìo. Ma el savèa che el futuro el zera lì, nte la tera brasilian che lu e Maria gavea aiutà a coltivar.

E cusì, ´intel cor de el Rio Grande do Sul Zoani e la so famèia i ga construì na nova storia, segnàda dal sacrifìcio, de la sopravivensa, ma anche de la speransa de un doman pi mèio.