quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A Roda dos Inocentes em Veneza

Ruota dello Monastero della Pietà




Em Veneza existiram quatro instituições filantrópicas que se ocupavam em receber as crianças abandonadas pelos genitores, a maior parte delas eram filhos ilegítimos, cujos pais não desejavam ou não podiam assumir. 

Essas instituições eram administradas por ordens religiosas e no seu interior, além de freiras, viviam algumas amas de leite que se incumbiam de amamentar os recém chegados. Em outras ocasiões, os recém nascidos eram enviados para amas de leite que moravam na zona rural, que recebiam uma compensação financeira pelo trabalho. Terminada a fase de aleitamento essas crianças voltavam para a instituição que se encarregava da sua criação.

Na parede do orfanato, ao lado da roda, durante algum tempo existiu uma fenda na pedra que se denominava "scafetta", onde eram deixadas doações para o monastério e também algum sinal, um objeto que identificava a criança e que consentiria ao anônimo genitor de poder um dia reave-la em caso de arrependimento. 

Esses sinais consistiam geralmente da metade de um objeto: jóia, imagem sacra, uma moeda, roupas, das quais o genitor ficava com uma das metades, na esperança de talvez um dia poder reencontra-lo. Quando foram abolidas as fendas para ofertas em dinheiro e sinais, estes continuaram a ser usados, agora entregues junto com o recém nascido, os quais eram por sua vez catalogados pela administração do orfanato, anotados em um livro junto com o dia e a hora do recebimento do bebê ao lado do nome que ele foi batizado pela  irmãs ou pelas funcionárias plantonistas encarregadas da roda. Os sinais ficavam guardados durante muitos anos em caixas, custodiadas pela administração da instituição. 

Milhares foram os nomes e sobrenomes inventados pelos administradores desses orfanatos para nominar dignamente essas crianças abandonadas, que depois, quando adultos, deram origem a cepos familiares que ainda hoje continuam dando dor de cabeça aos pesquisadores e genealogistas contratados para organizar uma linha familiar. Sobre esse tema dos sobrenomes inventados recomendamos o nosso post já publicado:


Nesses orfanatos algumas crianças que desde cedo apresentavam talento, eram educadas na música e no canto. Mais tarde, com os valores arrecadados dos concertos que pudessem realizar, ajudavam na manutenção da instituição. Outros internos, principalmente os meninos, eram educados para o trabalho e assim poderiam entrar mais facilmente para as diversas corporações de ofícios e assim darem início a uma nova vida. 

 
Próximo da famosa Piazza San Marco, ao longo da Riva degli Schiavoni, encontramos vestígios do talvez mais famoso "Ospedale" de Veneza, situado junto a grande igreja neoclássica da Pietà. 

Na antiga igreja, pois ela foi reconstruída, realizavam-se concertos de música de Antonio Vivaldi que, durante a sua vida, foi o mestre de coro daquela piedosa instituição.
 

Ainda hoje podemos ver duas colunas que faziam parte do antigo Ospedale della Pietà, assim chamado porque era um local  onde se praticava a hospitalidade. A palavra hospital deriva do verbo hospedar, no caso as crianças abandonadas ou aquelas de famílias pobres que não tinham condições financeiras para sustentá-las.

No local ainda podemos ver o que restou da roda dos Inocentes, o dispositivo que permitia que crianças fossem deixadas no hospital em anonimato absoluto dos genitores. Atraídas pelo som do sino, cuja corda ficava acessível ao lado da roda, as freiras acudiam e na sua parte interna recebiam, em completo anonimato, a criança que estava sendo abandonada pelos pais. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS