sexta-feira, 10 de março de 2023

A Antiga História do Veneto

São Prosdocimo



A região que hoje é o Vêneto já estava habitada em tempos pré-históricos, inicialmente um assentamento dos Euganei, que foi ocupada pelos vênetos na era proto-histórica.

Tito Livio, natural de Pádua, inicia sua monumental História de Roma com o mito de Antenore, o qual fugindo de Tróia destruída e em chamas, liderando um grupo de Troianos e Eneti, um povo aliado da Paflagônia, chegaram ao atual Golfo de Veneza, uma terra que se estende entre os Alpes e o mar Adriático, depois de terem expulsado os Euganei. Com esse povo se estabeleceram e juntos serão chamados de Veneti.

O próprio Antenore teria sido o fundador de Pádua. De acordo com uma lenda semelhante, Diomedes teria fundado Adria enquanto Clodio teria fundado Chioggia. Muitas cidades importantes do Vêneto como Concordia, Oderzo - que estão entre as mais antigas, já existiam no 9º e 8º século a.C. - Este, Treviso, Belluno, Altino, Vicenza e talvez Verona, a ele também devem a sua fundação.

O primeiro registro histórico onde consta a presença dos vênetos encontra-se na Estela, da Isola Vicentina, onde se ver escrita a palavra Venetkens, um adjetivo derivado do nome da sua própria população.

A proveniência anatólica dos Veneti do Adriático não é aceita por todos os autores antigos e ainda é objeto de discussão nos dias de hoje. Fontes antigas atribuem a existência de várias vertentes para a etnia veneta, desde a Bretanha, à Lusácia, entre a Alemanha e a Polônia, a Epiro na Grécia, à Anatólia.

Vários topônimos estariam ligados à etnia Veneta (por exemplo, Vindelicia, região correspondente à atual Baviera, Vindebona – atual Viena) e aos nomes atribuídos a povos de origem eslava em várias línguas européias.

Segundo alguns estudiosos, essas seriam evidências de uma única civilização indo-européia que se estendeu do Báltico ao Adriático, atribuível aos chamados povos dos Campos de Urna, uma cultura arqueológica da Idade do Bronze Tardia na Europa Central. Este nome deriva do costume que tinham de incinerar os mortos e de colocar suas cinzas nas urnas que então eram enterradas nos campos.

O processo de romanização de Venetia ocorreu de forma gradual e sem traumas ou conquistas, visto que os vênetos e romanos eram povos aliados, habitantes nas fronteiras do Império e para os Romanos eram úteis como uma espécie de barreira para conter invasões de outros povos provindos dos Alpes. Gradativamente os vênetos foram sendo assimilados pela grande potência romana.

As relações político e militares com os romanos tiveram início no século III a.C. - em 225-222 os Venetos e os Cenomani formaram uma aliança militar com Roma contra os Insubres, os Boii e os Gesati, proporcionando segundo Políbio um contingente de 20.000 homens.

Os Gali serão derrotados na histórica batalha de Clastidium em 222. Em 181 a.C. a passagem por livre expontânea vontade da colônia latina de Aquileia para o domínio de Roma reforçou ainda mais as tradicionais relações de colaboração entre os Veneti e os Romanos.

Aquileia foi construída no limite do território dos Veneti; de fato, nenhuma colônia romana foi criada no território do aliado veneto. Embora toda a região tenha sido colocada sob o regime provincial, na chamada Província da Gália Cisalpina, a romanização das elites locais continuou.

Após a Guerra em 89 a.C. Gnaeus Pompeius Strabo promoveu a Lex Pompeia de Transpadanis. Esta lei concedeu ao Ius Latii, o direito do latim aos centros autóctones do Vêneto. Entre as comunidades que puderam desfrutar desse privilégio estavam Verona, Vicenza, Pádua, Feltre e Belluno, além de outras. 

A integração plena das comunidades vênetas com o mundo romano ocorreu em 49 a.C. com a concessão, feita pelo imperador Júlio César, do Plenum Ius, que era a plena cidadania romana aos Venetos.

Na Era Augusta, o território veneto foi unificado e recebeu reconhecimento oficial com a criação da Regio X Venetia et Histria. A maior cidade era Aquileia, embora o conceito de "capital regional" fosse estranho ao pensamento institucional do Império. 

Posteriormente o imperador Diocleciano a transformou em Provincia Venetiae et Histriae, mantendo seus limites territoriais praticamente inalterados.

Nos primeiros séculos d.C. o processo de cristianização do Vêneto teve início. O centro de difusão da nova religião foi Aquileia, a metrópole de Veneza dentro da lagoa, onde o cristianismo provavelmente chegou por mar.

Segundo a tradição, foi São Marcos Evangelista quem fundou a Igreja de Aquileia, consagrando bispo São Ermagora, posteriormente tornando-se mártir no governo de Nero. Ele também teria enviado o grego Prosdocimo, mais tarde consagrado Santo, para evangelizar Pádua, Asolo, Vicenza, Treviso, Altino e Este.

Uma comunidade cristã da África romana teria contribuído para a evangelização de Verona. Também africano é San Zeno, padroeiro da cidade.





Morte e Superstições nas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul

 



Nas colônias pioneiras de imigrantes italianos, a morte era vista como um evento temido e misterioso, cercado por uma série de superstições, pavores, medos, simpatias e práticas. A preparação dos falecidos antes do enterro era uma tarefa solene e sagrada, envolvendo rituais e crenças que se estendiam além da simples preparação do corpo.

Uma das superstições mais comuns era a crença de que a alma do falecido permaneceria no corpo até o momento do enterro, e por isso era importante garantir que o corpo fosse preparado com todo o respeito e cuidado. Acredita-se que a alma permaneceria presa ao corpo se alguma parte fosse danificada ou não fosse tratada adequadamente.

Para garantir que a alma do falecido pudesse descansar em paz, havia uma série de práticas que deveriam ser seguidas. Uma delas era a lavagem do corpo com água benta, para purificá-lo e afastar os espíritos malignos. O corpo também era vestido com roupas limpas e brancas, e coberto com um lençol também branco.

Outra crença popular era que as janelas da casa deveriam ser abertas no momento da morte, para permitir que a alma do falecido pudesse escapar livremente. Além disso, todos os espelhos da casa eram cobertos, para evitar que o espírito do falecido ficasse preso neles.

Durante o velório, muitas vezes havia um ritual de acender velas ao redor do corpo do falecido, simbolizando a luz que guia a alma em sua jornada para o além. O velório era uma ocasião para reunir familiares e amigos, para compartilhar a dor da perda e homenagear o falecido.

Na manhã do enterro, era comum que a casa fosse limpa e purificada com água benta. Alguns acreditavam que o cheiro do incenso também ajudava a purificar o ambiente e afastar os espíritos malignos. O corpo era então colocado em um caixão, muitas vezes adornado com flores e velas, e levado em procissão até o local do enterro.

No cemitério, era costume jogar terra em cima do caixão antes de ele ser completamente baixado na cova, como forma de simbolizar o retorno do corpo à terra. Era comum também fazer o sinal da cruz com terra na testa do falecido, para garantir que ele pudesse descansar em paz.

Além dessas práticas, também havia uma série de superstições e crenças relacionadas à morte e ao luto. Por exemplo, acredita-se que o relógio da casa deveria ser parado no momento da morte, para simbolizar que a vida do falecido havia chegado ao fim. Também era comum cobrir os espelhos da casa com um lenço preto, para evitar que o espírito do falecido ficasse preso neles.

O luto também era visto como um processo sagrado, que exigia um período de reclusão e introspecção. Era comum que os familiares do falecido vestissem roupas pretas por um período de luto, que podia durar até um ano. Durante esse período, evitava-se festas e comemorações, e a família do falecido recebia visitas de condolências.

Outra crença relacionada ao luto era a ideia de que o falecido poderia enviar mensagens do além através de sonhos ou de objetos deixados para trás. Por exemplo, se um parente falecido aparecesse em um sonho, acreditava-se que isso era um sinal de que ele estava em paz e queria se comunicar com a família. Também era comum encontrar objetos que o falecido havia deixado para trás, como um chapéu ou um lenço, e interpretá-los como uma mensagem do além.

A preparação dos falecidos antes do enterro era, portanto, um evento muito importante nas colônias pioneiras de imigrantes italianos. As crenças e práticas relacionadas à morte e ao luto eram profundamente enraizadas na cultura e tradição dessas comunidades, e refletiam a importância que esses povos davam à honra e ao respeito pelos seus entes queridos falecidos.

Apesar de todas as superstições e crenças relacionadas à morte, havia uma profunda tristeza e dor associada à perda de um ente querido. Os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul enfrentavam a morte sem o auxílio de médicos e hospitais, e muitas vezes não havia tratamentos disponíveis para doenças graves.

A falta de recursos médicos e o isolamento geográfico das colônias também tornavam mais difícil lidar com a morte e o luto. Muitas vezes, a morte de um membro da comunidade era vista como um evento trágico e inesperado, e as famílias não tinham muitas opções para lidar com a dor e o sofrimento.

No entanto, apesar de todas as dificuldades, os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul mantinham sua fé e esperança em tempos melhores. A religião desempenhava um papel importante na vida dessas comunidades, e muitas vezes era vista como um conforto e uma fonte de consolo durante momentos difíceis.

Embora a falta de recursos médicos e as superstições e crenças em torno da morte pudessem tornar a vida nas colônias pioneiras de imigrantes italianos um desafio, essas comunidades perseveravam através da força da fé e da união. A preparação dos falecidos antes do enterro era apenas uma parte do complexo conjunto de crenças, práticas e tradições que definiam a vida desses povos, e que continuam a ser valorizados e respeitados até hoje.

Além disso, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul também tinham suas próprias tradições em relação ao enterro dos falecidos. Por exemplo, era comum que o caixão fosse transportado para a igreja local em um carro de boi, em um cortejo fúnebre que incluía a família do falecido e membros da comunidade.

Na igreja, o corpo era colocado em um caixão aberto para que os familiares e amigos pudessem se despedir. Era comum que os presentes fizessem o sinal da cruz e oferecessem uma última homenagem ao falecido antes de ele ser levado para o cemitério.

No cemitério, a família e amigos do falecido se reuniam em torno do túmulo para uma última despedida. O padre local realizava uma breve cerimônia de oração, e então o caixão era colocado na cova. Em seguida, os presentes jogavam flores sobre o caixão e faziam o sinal da cruz mais uma vez.

Após o enterro, era comum que a família do falecido oferecesse um banquete para a comunidade em sua casa. Essa tradição era uma forma de agradecer aos amigos e vizinhos pelo apoio e conforto oferecidos durante o período de luto, e também de honrar a memória do falecido.

No entanto, apesar das tradições e práticas em torno da morte e do enterro, os imigrantes italianos pioneiros nas zonas rurais do Rio Grande do Sul ainda enfrentavam muitos desafios e dificuldades em relação à saúde e bem-estar. A falta de médicos e hospitais, aliada ao isolamento geográfico e às condições precárias de vida, tornavam a vida nas colônias pioneiras extremamente difícil.

Para lidar com essas dificuldades, os imigrantes italianos pioneiros contavam com sua força, resiliência e união. A vida nas colônias era baseada em valores como a solidariedade, a colaboração e o trabalho duro, e as comunidades eram capazes de superar muitos obstáculos graças a esses valores.

Hoje, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul continuam a honrar as tradições e crenças em torno da morte e do luto que foram estabelecidas pelos seus pioneiros. Embora as condições de vida tenham melhorado e a medicina tenha avançado, essas tradições ainda são valorizadas como parte da rica herança cultural dessas comunidades.

Além disso, a preservação dessas tradições é importante para manter a conexão com a história e a identidade das comunidades de imigrantes italianos. Elas são uma forma de manter viva a memória dos pioneiros que se estabeleceram nessas terras, enfrentaram desafios enormes e construíram uma nova vida em um lugar distante e desconhecido.

As tradições em torno da morte e do luto também refletem a forte presença da religião na vida dessas comunidades. A fé católica era e ainda é uma parte fundamental da identidade dos imigrantes italianos, e as práticas em torno da morte e do luto eram moldadas pelos ensinamentos da Igreja.

Por exemplo, a crença na vida após a morte e na existência do céu e do inferno eram fundamentais para a compreensão da morte e do luto pelos imigrantes italianos. Eles acreditavam que a alma do falecido continuava a existir em outro lugar após a morte, e que o papel da comunidade era ajudar a preparar o falecido para essa jornada.

Outra prática comum entre os imigrantes italianos era a de oferecer missas pelo falecido após o enterro. Essas missas eram uma forma de continuar a honrar a memória do falecido e de pedir por sua alma, para que ela pudesse alcançar a paz eterna.

Em resumo, as tradições, superstições, pavores, medos, simpatias e práticas em torno da preparação dos falecidos antes do enterro nas colônias pioneiras de imigrantes italianos eram moldadas pela falta de recursos e pela forte presença da religião católica na vida das comunidades. Embora possam parecer estranhas ou supersticiosas aos olhos de algumas pessoas hoje em dia, essas práticas eram uma forma importante de lidar com a morte e o luto em uma época e lugar em que a vida era muito difícil.

Ao honrar essas tradições, as comunidades de imigrantes italianos nas zonas rurais do Rio Grande do Sul estão mantendo viva a memória de seus pioneiros e preservando uma parte importante de sua história e identidade cultural.


Texto
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS