quinta-feira, 24 de setembro de 2020

As Crianças nas Antigas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul




Nos primeiros anos após a chegada, quando da ocupação do lote destinado à família, as crianças também tinham que trabalhar duramente para tornar aquele pedaço de terra cultivável. Começavam a trabalhar com 5 ou 6 anos de idade e segundo os relatos da maioria daqueles pioneiros, trabalhavam até que o corpo permitia. As famílias dos imigrantes nem sempre dispunham das ferramentas adequadas para os trabalhos de limpeza do terreno para a semeadura das primeiras safras. Na maior parte das crianças não tiveram acesso a escolas, pois essas, mesmo mais tarde, quando apareceram, geralmente ficavam a dezenas de quilômetros de distância e para lá chegarem deviam caminhar por estreitas picadas, cercadas pelo mato denso. Em muitos casos, a ausência à escola deveu-se à opção familiar pela priorização do uso do trabalho da criança em detrimento da sua formação escolar institucional. Em outros a não existência de escolas disponíveis ou próximas às comunidades. Também é possível que a própria criança agisse no sentido de afastar a escola de seu horizonte, já que esta muitas vezes representava privação de liberdade. O contrário também é possível, a escola poderia ser considerada uma alternativa ao trabalho junto à família, garantindo outras opções de inserção profissional futura que não as atividades ligadas à agricultura ou outros tipos de trabalho braçal. Essa distância da escola foi sentida pelas crianças filhas de imigrantes italianos, especialmente aquelas das primeiras gerações no Brasil. A escolarização das crianças e, principalmente, a dos jovens também encontrava resistência no meio dos próprios imigrantes, pois significava a perda de braços necessários para o trabalho na lavoura. 





A educação formal dos filhos não foi uma preocupação para muitos imigrantes e seus descendentes, camponeses, boa parte deles também analfabetos, ou mesmo entre os que viviam nas cidades, onde existiam mais escolas. Absorvidos pelo trabalho e preocupados em sobreviver e poupar, não se empenhavam muito com essa educação. Mas, por outro lado, também houve casos de pais que não pouparam esforços para se alfabetizarem e alfabetizarem seus filhos, por perceberem a importância da educação para melhorar a vida e inserção no mercado de trabalho. 

Em todas as famílias, os filhos já à partir dos 5 ou 6 anos de idade deviam ajudar os pais nos serviços da casa e da roça. As famílias eram geralmente numerosas e as filhas mais velhas ajudavam a mãe a cuidar dos irmãos menores, ajudar nos serviços da casa eram tarefas delegadas principalmente às meninas. Para as meninas e meninos levar comida para a roça, cuidar da horta e tratar dos animais, participar da colheita e ajudar na lavoura de subsistência eram os trabalhos a que se dedicavam as crianças nas pequenas propriedades rurais. Até anos mais tarde, mesmo quando viviam nas cidades, tampouco as crianças eram isentas do trabalho. Nas unidades artesanais e comerciais de propriedade da família, o mundo do trabalho também envolvia a todos desde pequenos. 



No início não tinham brinquedos como objetos elaborados especificamente para as crianças brincarem. O lazer entre as crianças imigrantes e nas filhas de imigrantes são pouco frequentes em documentos que não sejam relatos orais. Por mais que elas dedicassem boa parte do tempo ao trabalho, os folguedos, brinquedos e brincadeiras dos pequenos sempre estiveram presentes nas memórias de infância. As crianças brincavam pouco pela necessidade que tinham de trabalhar, mas, brincavam. As brincadeiras sempre fizeram parte da infância de todas as crianças, tanto aquelas da primeira, como da segunda geração de imigrantes no Rio Grande do Sul, uns com mais e outros com menos tempo dedicado para elas. O trabalho sempre foi parte do cotidiano da vida das crianças filhas de imigrantes e não como uma situação extraordinária, era uma necessidade da família. A família promovia ou autorizava o trabalho das crianças, e a renda gerada por elas era incorporada ao orçamento familiar.




As crianças sempre trabalharam no início do povoamento, na derrubada das matas e na procura de alimentos, nas lavouras e na criação de animais, realizaram tarefas domésticas, trabalharam nas serrarias, moinhos e outros mais, distribuídos pela região, nas oficinas diversas que fabricavam utensílios e nas primeiras fábricas. 

O momento do casamento, junto ao da saída dos filhos para trabalhar fora de casa e quando os pais chegam à velhice e passam aos cuidados dos filhos, são os três momentos de maior intensidade de conflitos entre as gerações. A grande incidência de conflitos no momento do casamento está claramente ligada ao problema da transferência de propriedade entre as gerações e ao fato dos filhos adolescentes e adultos contribuírem com a renda familiar. A saída de casa de um filho desestabilizaria a economia familiar. Tal como o casamento, a saída dos filhos de casa para trabalhar fora é um evento do ciclo familiar que afeta o poder dos pais sobre eles e era motivo de conflitos. A obediência aos pais e aos mais velhos era ensinada com muito rigor e as faltas punidas com surras, quase sempre com varas nas pernas. Os castigos eram frequentes para algumas delas e para outras foram quase inexistentes. O respeito para com os mais velhos era garantido por punições e castigos. A economia das famílias italianas na região colonial Rio Grande do Sul sempre foi sustentada pelos braços dos seus familiares. Assim, quanto mais numerosa era a família, mais braços ela teria na produção e, portanto, mais força para a transformação do trabalho em riqueza. A maioria das famílias não podia abrir mão do trabalho infantil nos variados setores da economia familiar. 

Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS