quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A Grande Viagem nas Entre Linhas das Cartas dos Imigrantes Italianos

Imigrantes Italianos frente a Hospedaria do Imigrantes em São Paulo


Através dos seus bilhetes e das suas cartas podemos avaliar como foi a vida e a longa viagem dos emigrantes italianos para atravessar o grande oceano. 

Por meio delas podemos hoje aquilatar os inúmeros sofrimentos enfrentados por aqueles pobres emigrantes, desde a saída das suas vilas de origem, os dias de angustiante de espera no porto para o embarque, os seus medos e temores pela travessia do grande oceano. 

São notas, apontamentos, bilhetes e cartas redigidas quando ainda se encontravam em alto mar, no lento barco que os transportava para uma nova vida. Esses escritos nos relatam, além das peripécias da travessia, também as inúmeras frustrações e os problemas que encontraram quando da chegada ao destino final. 

As cartas se tornaram rapidamente o grande elo de ligação do emigrante com os seus familiares deixados na Itália. A grande maioria deles não era alfabetizada e muito pouco usavam a escrita no seu dia a dia, se valiam de terceiros para mandar notícias aos seus entes queridos.

Através dessas correspondências podemos hoje compreender o difícil aprendizado que foi necessário para eles, tanto para os que emigraram como também para aqueles que ficaram em casa, a necessidade de se adaptarem com a leitura e com a escrita necessárias para os tramites burocráticos legais para emigrarem e depois, quando já na nova pátria, para enviarem as suas notícias e manterem o elo com a família, com os parentes e amigos que ficaram. 

A necessidade de aprender o idioma corrente do país de adoção necessitou um grande esforço dos emigrantes. Esses esforços para a adaptação a nova pátria também fica evidenciado nas inúmeras cartas que enviavam, onde  podemos constatar a contaminação progressiva da língua italiana, e mais frequente com os dialetos, com a inclusão de palavras da língua do país de adoção.

Os primeiros emigrantes que partiram da Itália, nos últimos vinte anos do século XIX, eram quase todos pequenos agricultores e artesãos que usavam somente os seus dialetos locais para se comunicarem. 


Imigrantes na Hospedaria da Ilha das Flores Rio de Janeiro


A grande maioria era composta de analfabetos ou semianalfabetos, especialmente as mulheres.  Muito poucos deles conheciam a língua oficial da Itália, até mesmo aqueles que não tinham emigrado. O ensino público era deficitário e as escolas muito escassas,  especialmente nas pequenas vila do interior. A Itália naquela época era um país carente de recursos e ainda muito jovem, com uma língua nacional pouco difusa, usada pelas pessoas mais abastadas da classe dirigente, essas quase que totalmente concentrada nas grandes cidades ou entre o pessoal administrativo do país. 

Alguns aspectos do longo e fadigoso percurso migratório dos emigrantes italianos podem ser avaliados pelas suas correspondências enviadas a partir de quando chegaram a sua nova pátria.  

Muitos de seus escritos: cartas, bilhetes e apontamentos, o fizeram quando ainda estavam no porto, esperando pelo embarque ou durante os monótonos e intermináveis dias da longa viagem através do oceano. 

Para aqueles que escolheram o Brasil, a dificuldade para enviar uma carta era muito grande. Os que foram para o Rio Grande do Sul estavam no meio do nada, abandonados nas grandes florestas do sul do Brasil e o correio ficava muito distante das colônias em que viviam. Para aqueles outros destinados às lavouras de café de São Paulo e Espírito Santo, apesar de encontrarem mais próximos de pequenas cidades, as dificuldades também eram grandes e o transporte dependia da vontade do fazendeiro. 

Inúmeras cartas de imigrantes italianos para as suas famílias foram bem preservadas e chegaram até os dias de hoje. Nelas podemos entender os fatos ocorridos desde a partida no porto até a chegada na terra prometida. Ao contrário da literatura italiana da época, os escritos dos emigrantes foram ricos na descrição  dos fatos ocorridos, particularmente, as condições de vida a bordo daqueles precários e lento navios.

Talvez por motivos políticos no período liberal e depois durante o fascismo, na literatura italiana muito pouco encontramos sobre essa grande aventura migratória, que no último lustro do século XIX e primeiros anos do século XX, envolveu milhares de italianos que, fugindo do seu país, se dirigiam em massa para terras distantes, localizadas do outro lado do oceano, para encontrar refúgio em países em desenvolvimento especialmente o Brasil, Argentina e Estados Unidos.  

Duas únicas excessões a essa aparente falta de interesse, são as publicações de Edmundo De Amicis, com seu livro "Sull'oceano" e a de Luigi Capuana no livro "Gli americani di Ràbatto", este um testo preferentemente destinado para adolescentes, que descreve a vida dos imigrantes italianos que escolheram os Estados Unidos como a nova pátria. 

O livro de De Amicis, no entanto, foi escrito como uma forma de reportagem jornalística, dando minuciosa atenção na descrição da sua viagem para a Argentina, no ano de 1884, em um navio de emigrantes italianos. A vida a bordo foi bem descrita, especialmente, aquela da terceira classe, onde estavam centenas de emigrantes. 

Pela narrativa dos imigrantes em suas cartas e bilhetes para casa, podemos ver que a tão imaginada Mèrica, la terra della cucagna, não era mais que um sonho, uma fantasia repetida pelos, nem sempre honestos, recrutadores em suas vilas. A realidade encontrada nas terras do Novo Mundo era muito diferente daquilo que tinha sido oferecido antes da assinatura do contrato de emigração. 


Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS