Giuseppe Balestre
A Esperança em Curitiba, 1892
Giuseppe Balestre viera ao mundo no ano de 1874, na pequena vila de Bonavicina, comune de San Pietro di Morubio, no coração de Verona. Desde menino aprendera que a vida se escrevia com suor e privações. O rio Adige, ora generoso, ora devastador, moldava as colheitas e também os temores da aldeia: a fome rondava sempre como uma sombra. Nas longas noites de inverno, corria de boca em boca a promessa de terras distantes, no Brasil, onde o solo parecia não conhecer limites e onde o trabalho, embora duro, podia assegurar um futuro digno. Essas palavras, que misturavam esperança e lenda, acenderam nele a chama da partida. Foi essa chama que o guiou quando se despediu dos pais e irmãos, levando apenas uma estampa de santo, algumas lembranças da infância e a obstinada vontade de recomeçar.
Em maio de 1892, após meses de espera e incertezas, Giuseppe desembarcava no Brasil. O destino escolhido: Curitiba, no remoto estado do Paraná. O percurso até ali fora um calvário. Viagens intermináveis por mares e estradas, noites passadas em hospedarias superlotadas, repartições que exigiam papéis, selos e carimbos como se a vida de um homem coubesse em formulários. O sonho prometido parecia já desbotar antes mesmo de florescer. Ao chegar, não encontrou a abundância que lhe haviam pintado em cartas e relatos. Encontrou, em seu lugar, a doença, promessas quebradas e contratos que mais se assemelhavam a armadilhas.
Uma enfermidade contraída provavelmente durante a travessia começou a corroer-lhe as forças: os olhos se turvavam de forma progressiva, e embora ainda conservasse algum grau de visão, cada mês parecia roubar-lhe um pouco mais da claridade do mundo. As pernas, consumidas por dores agudas, também o debilitavam, mas, enquanto pôde, Giuseppe insistiu em resistir. Aceitou serviços em casa particulares, pequenas oficinas e outros pequenos trabalhos sob supervisão, sempre limitado, mas ainda capaz de obter algum sustento. Essa luta silenciosa era também um esforço para não se deixar vencer pela fragilidade que avançava implacável.
Com o tempo, a situação se agravou. A perda da visão tornou-se quase total, e sua vulnerabilidade passou a chamar a atenção da comunidade italiana de Curitiba. Seu caso foi levado à Società di Mutuo Soccorso da Sociedade Garibaldi, que providenciou uma consulta na Santa Casa de Misericórdia.
Os médicos diagnosticaram tracoma, doença grave e contagiosa, comum entre os imigrantes que enfrentavam longas travessias em navios superlotados rumo ao Atlântico. No caso de Giuseppe, já em estágio avançado, com a visão quase perdida, nada podia ser feito para deter a progressão da cegueira. Restava apenas ajudá-lo a se adaptar à nova realidade. Incapaz de realizar trabalhos que garantissem o sustento, passou a sobreviver com grande dificuldade, recorrendo à solidariedade alheia. Foram anos de privações e dependência.
Somente em 1939, com a criação do Asilo dos Cegos de Curitiba, Giuseppe pôde finalmente encontrar apoio em uma instituição voltada ao acolhimento e à reabilitação de pessoas em sua condição. Ali, já com idade avançada e debilitado, recebeu abrigo, instrução especializada e aprendeu diferentes ofícios manuais, como a confecção de escovas e vassouras, que eram por ele e outros internos comercializadas para gerar alguma renda e devolver-lhes um mínimo de autonomia.
Ainda assim, em meio ao sofrimento, seu coração sempre se voltava para a família. Nas cartas que assinava com dificuldade e mãos trêmulas, implorava aos irmãos em Verona que não o deixassem à própria sorte. Rogava que intercedessem junto às autoridades, que buscassem algum auxílio, que ao menos lhe enviassem notícias. Na solidão das pensões de imigrantes, evocava os rostos com quem partilhara dias de colheita; agora, rodeado pelo silêncio dos trópicos, experimentava uma saudade que o corroía mais do que a doença.
Curitiba, para ele, era um palco de esperanças desfeitas. Via diariamente famílias que chegavam repletas de ilusões e, em poucas semanas, sucumbiam ao cansaço ou às inúmeras doenças. Seu próprio corpo era testemunho desse embate desigual: apesar da luta e dos esforços, a enfermidade fora implacável. Restava-lhe apenas ditar cartas para algum bom samaritano — pedaços de papel manchados de suor e lágrimas, carregados de dor, nos quais pedia, quase suplicava, que não fosse esquecido.
O Brasil, que prometera uma vida nova, revelava-se uma terra de provação. Giuseppe vivia suspenso entre dois mundos. Não era mais plenamente italiano, pois a emigração o arrancara do seio de San Pietro di Morubio; tampouco era brasileiro, pois ainda não encontrara solo onde pudesse criar raízes. Seu destino parecia flutuar num espaço de incerteza, sustentado apenas pelo fio tênue da esperança de reencontrar os seus ou, ao menos, de morrer com alguma dignidade.
Contudo, dentro dele, ardia uma centelha de resistência. Giuseppe encontrava força na obstinação silenciosa dos que o cercavam: mães que embalavam filhos famintos como se o gesto fosse capaz de enganar a fome, homens febris que ainda assim se levantavam para o trabalho, jovens que, entre sombras, ousavam sonhar com o amanhã. Essa resiliência, quase heróica em sua simplicidade, alimentava sua própria vontade de resistir.
E assim, no coração de Curitiba, Giuseppe Balestre se tornou a face mais vulnerável da emigração italiana: um homem que deixara a pátria em busca de vida nova e encontrou-se à beira do abismo. Seu futuro dependia da solidariedade distante dos irmãos. Sua história resumia-se a uma súplica escrita em papéis amarelados, testemunho de que a emigração não fora apenas travessia de sonhos, mas também mergulho nas trevas, onde muitos se perderam.
Ainda assim, sua vida se entrelaçou à de milhares de compatriotas que, nas plantações, nas cidades e nas colônias brasileiras, ofereceram não apenas sua juventude, mas muitas vezes a própria existência, para que as gerações vindouras pudessem colher os frutos de sua coragem. Mesmo na dor, Giuseppe Balestre permaneceu parte desse imenso legado.
Nota do Autor
A narrativa aqui apresentada tem por base a história real de um imigrante italiano que chegou a Curitiba no final do século XIX. Seu percurso de vida, marcado pela esperança da partida e pelas dificuldades encontradas no Brasil, foi preservado pela memória oral de seus descendentes, que ainda hoje guardam lembranças e documentos de sua trajetória.
Por respeito à família, e a pedido de alguns de seus parentes ainda vivos, optei por não revelar o nome verdadeiro do personagem. O nome Giuseppe Balestre é, portanto, fictício, escolhido apenas para dar unidade literária ao relato. Todos os fatos, no entanto, foram transmitidos de primeira mão por familiares, constituindo testemunho fiel de uma vida que, embora marcada pela dor, faz parte do legado de milhares de imigrantes italianos que ajudaram a construir o Brasil.
Dr. Piazzetta