A Mulher e a Partilha da Terra na Zona de Colonização Italiana no Rio Grande do Sul
A mulher imigrante italiana, pela força de seu trabalho árduo, participava em pé de igualdade com o homem na manutenção da propriedade e na educação dos numerosos filhos, desempenhando um papel essencial para a prosperidade das colônias. Sua dedicação doméstica e agrícola, muitas vezes invisível nos registros oficiais, foi responsável direta não apenas pelo sucesso imediato da imigração italiana em terras gaúchas, mas também pela conservação da cultura originária, perpetuada de geração em geração até nossos dias.
Apesar dessa importância incontestável, o direito à terra quase nunca lhe era plenamente reconhecido. Quando ocorria algum reconhecimento legal, o quinhão feminino na partilha era, invariavelmente, proporcionalmente menor que o dos homens. A terra normalmente não fazia parte da herança da mulher imigrante na zona colonial italiana do Rio Grande do Sul. Se tivesse irmãos, dificilmente se tornava proprietária de terra por herança — algo que só podia acontecer nas raras situações em que a mulher ficava viúva, era filha única ou não tinha irmãos.
Na prática, quando um dos pais falecia, a propriedade rural — deixada como única herança — era repartida quase sempre entre os filhos homens, em uma lógica social que privilegiava o herdeiro masculino e relegava a mulher a um papel secundário na posse formal de bens. Tal divisão desigual frequentemente gerava pouco terreno para cada herdeiro, fomentando acordos — nem sempre amistosos — entre irmãos para recomprar terras ou ajustar frações de propriedades.
Para evitar possíveis desavenças futuras, e quando dispondo de recursos, os pais procuravam comprar terras para seus filhos homens ainda em vida, à medida que estes casavam e formavam famílias. Para as moças, as dotações matrimoniais consistiam, em geral, em enxovais, às vezes uma máquina de costura e, quase sempre, uma vaca de leite.
Esse padrão de sucessão e distribuição de terras, observado não apenas nas comunidades italianas, mas em outras antigas zonas de colonização no Brasil, revela que as mulheres corriam risco de exclusão da herança porque seu trabalho não era reconhecido como equivalente ao masculino. Estudos mais amplos mostram que, apesar de trabalharem lado a lado com os homens no campo, as mulheres eram vistas socialmente como “filhas ou esposas de agricultor”, sem titularidade própria sobre a terra.
Ainda assim, a ação das mulheres ultrapassou as limitações impostas pela estrutura de herança formal. Pesquisas contemporâneas destacam o protagonismo feminino na vida das colônias, evidenciando trajetórias de viúvas, solteiras ou chefes de família que exerceram papel decisivo no cotidiano das comunidades, tanto no trabalho rural quanto na preservação cultural e social. A própria historiografia recente reflete uma valorização crescente dessa presença feminina, em confrontação com o mito tradicional que invisibilizava sua contribuição na formação socioeconômica da Serra Gaúcha e demais regiões coloniais.
Nota do Autor
Este texto propõe uma reflexão crítica e histórica sobre o papel da mulher na colonização italiana do Rio Grande do Sul, destacando a paradoxal condição de sua participação ativa na produção e manutenção das propriedades rurais e na transmissão cultural, em contraste com sua exclusão, em larga medida, do direito à terra por herança. A narrativa revisita fontes históricas e interpretações contemporâneas que apontam para a centralidade da mulher no êxito desse processo migratório, enquanto expõe, com rigor, as desigualdades de gênero que marcaram a distribuição fundiária. Ao integrar relatos históricos tradicionais e análises acadêmicas, o texto realça a complexidade das relações de gênero no campo gaúcho, contribuindo para uma compreensão mais justa e abrangente do passado e de suas repercussões no presente. A importância deste estudo reside em desvelar práticas sociais historicamente naturalizadas e em valorizar a memória das mulheres cujas vidas, embora fundamentais para a história regional, foram muitas vezes apagadas do registro oficial.