domingo, 18 de dezembro de 2022

O Vêneto e a Fome na Europa

 



Já se sofreu muito de fome em toda a Europa e também na região do Vêneto desde há muito tempo. A grande fome do século XIX, onde a Irlanda, por diversas razões, foi um dos países mais atingidos, fato que obrigou o seu povo emigrar. Entre os anos de 1841 e 1851  este país europeu perdeu 25% da sua população.

Foi a partir de 1844 que a Europa passou por  um período de fome muito grande, causada por uma enorme crise alimentar por doenças nos produtos agrícolas e desastres naturais. 

No Vêneto ela se apresentou com maior força sobretudo na zona rural, onde o pequeno agricultor trabalhava muito mas, não conseguia colher o suficiente para comer. A alimentação era precária, de má qualidade, pobre no fornecimento dos nutrientes necessários à vida diária.

O Vêneto já havia conhecido uma história de esplendor e fartura durante a República Sereníssima de Veneza. Apesar dela já estar em fase de decadência no final do século XVIII, foi somente após a invasão e conquista de todo o Vêneto por Napoleão, em 1766, que a região passou a decair com maior rapidez, culminando nos anos que se seguiram a unificação da Itália.

O preço para a construção do novo país, exigiu a criação de novas taxas e aumento daqueles impostos  já existentes, e esses recaíram principalmente nas costas dos mais pobres, entre eles os agricultores e os pequenos proprietários rurais, que constituíam a maioria da população. 

Durante o século XIX, especialmente nos seus cinquenta anos finais, nas zonas rurais do Vêneto, a maioria das numerosas famílias de agricultores proprietários de pequenos lotes de terra e dos pobres trabalhadores diaristas, que se contavam aos milhares, se alimentavam praticamente somente de milho, na forma de farinha moída e cozida em água fervente, muitas vezes sem sal. 





Poenta brustolà - polenta brustolada


Era a tradicional a polenta, uma refeição muitas vezes ingerida sem qualquer acompanhamento, a não ser algumas ervas e verduras. Comiam polenta pela manhã no desjejum, no almoço, que era apenas um curto intervalo durante a jornada de trabalho, e no jantar, quando, exaustos retornavam para as suas casas.

Essa dieta precária foi a causa da chamada doença dos "três D's" muito generalizada em todo o Vêneto, conhecida cientificamente como pelagra. Os 3 D's representavam as letras iniciais dos nomes dos sinais e sintomas das três fases conhecidas desta grave doença: dermatite, diarréia e demência.

Essa doença ainda fazia vítimas em meados do século seguinte, já próximo da II Grande Guerra e para termos uma ideia comparativa, nos dias atuais, mesmo em países muito pobres, assolados por guerras, catástrofes naturais ou frequentes convulsões sociais, não encontramos casos de pelagra.

A pelagra é fruto de uma fome crônica causada por uma alimentação inadequada, estoicamente suportada por muito tempo. 


Interior de um pobre casebre típico do Vêneto antigo 




O vinho, mais que uma bebida, era um alimento de verdade, e muito consumido pelos vênetos, causando uma outra praga representada pelo alcoolismo. O seu consumo nas zonas agrícolas do Vêneto era muito superiores da média.

Quando na segunda metade do século XIX os parreirais italianos foram acometidos pela doença chamada filoxera, que acarretou a perda de quase todas as plantações de uva, causou uma verdadeira catástrofe na economia regional e também na nutrição da população. 

A Itália, logo após a unificação, era um país atrasado, pobre em relação à maioria dos países europeus, com um parque industrial muito reduzido e que não dava conta de absorver o excesso de mão de obra representado pelos milhares de desempregados do campo que desesperadamente procuravam trabalho nas cidades.

Até a época da grande emigração, que teve início por volta de 1875, a Itália era um país com uma economia essencialmente agrícola, mas, muito atrasada em relação a outros países. 

O campo era trabalhado nos mesmos moldes medievais, usando os mesmos instrumentos de trabalho dos séculos anteriores e onde a mecanização ainda era privilégio de algumas poucas regiões. 

Com a emigração, em poucos anos milhares de pessoas deixaram o Vêneto aliviando assim a pressão social e o número de bocas a serem alimentadas. Além disso, passados os primeiros anos na terra de adoção, as regulares remessas de recursos, transferidas por aqueles que partiram, para os seus familiares que ficaram na Itália, possibilitou uma melhoria das condições de vida em todo o país. 



Dr. Luiz Carlos Piazzetta
Erechim RS