sábado, 30 de outubro de 2021

Os Navios de Lázaro

Emigrantes amontoados para o embarque

 

“Le Navi di Lazzaro”, assim eram definidos pelos jornais e opinião pública italiana, na época da grande emigração, os navios que atravessavam o oceano com sua carga de miséria e doenças, ou seja, com os milhares de emigrantes.

Após todo sofrimento, ainda em terra, desde  o momento da decisão de emigrar e o embarque no navio, a viagem transoceânica transformava-se em uma nova batalha, talvez a mais difícil, a ser vencida pelos emigrantes. 

Com a finalidade de conhecer melhor e apresentar uma descrição mais completa e precisa, e não apenas se baseando em números estatísticos de doenças e de mortalidade que ocorriam a bordo, nos valemos também da literatura disponível sobre o tema, em especial o livro Sull’Oceano, publicada em 1889 obra do escritor Edmondo De Amicis, nascido em 1846 e falecido em 1908, e amplamente utilizada por aqueles que se dedicam a historiografia da emigração.



Esse célebre livro é considerado um dos primeiros romances italianos a afrontar o tema da grande emigração. Foi escrito depois da viagem do seu autor, de Gênova à Montevidéu, no vapor Galileo, no ano de 1884. Este livro relata essa experiência vivida em primeira pessoa pelo escritor. Ele é basicamente uma espécie de diário de bordo, dedicado à viagem dos emigrantes, provenientes de muitas regiões italianas, que falavam somente os seus dialetos locais e, portanto, comunicavam-se apenas com os próprios "paesani".

No livro estão relatos de fatos ocorridos com famílias que viajavam para a América do Sul, em terceira classe, na busca de uma vida melhor, retratados pelo escritor, que lhes deu voz e mostrou suas agruras. Aqui temos um trecho: 


A situação precária dos emigrantes italianos a bordo de um navio


"Quando cheguei, ao entardecer, o embarque dos emigrantes já havia começado há uma hora, e o Galileu, junto com a descida de uma pequena ponte móvel, continuava a embarcar  miséria: uma procissão interminável de pessoas saindo em grupos do edifício do outro lado, onde um delegado de Polícia examinava os passaportes. A maioria, tendo passado uma ou duas noites ao ar livre, agachados como cães nas ruas de Gênova, estava cansada e com sono. Trabalhadores, camponeses, mulheres com bebês no peito, meninos que ainda tinham a chapa de metal do jardim de infância presa ao peito, passavam, quase todos carregando uma cadeira dobrável debaixo do braço, sacolas e malas de todos os formatos na mão ou na cabeça, braçadas de colchões e cobertores, e a passagem com o número do leito pressionado entre os lábios. Mas o espetáculo foi na terceira classe, onde a maioria dos emigrantes, apanhados pelo enjôo, deitavam-se ao acaso, atirados sobre os bancos, em posturas de doentes ou mortos, com o rosto sujo e os cabelos despenteados, no meio de um grande monte de cobertores e trapos. Vimos famílias unidas em grupos de compaixão, com aquele ar de abandono e perplexidade típica da família de sem-teto: o marido sentado e dormindo, a esposa com a cabeça apoiada em seus ombros e os filhos na mesa, que dormiam com a cabeça apoiada nos joelhos dos dois: montes de trapos, onde não se via nenhum rosto, e saía apenas o braço de uma criança ou a trança de uma mulher. (...) 

E o pior estava embaixo, no grande dormitório, cuja escotilha se abria perto do tombadilho de popa: olhando para fora, via-se na meia escuridão corpos sobre corpos, como nos navios que trazem os corpos de emigrantes chineses de volta à pátria; e dali saía um concerto de lamentos, chocalhos e tosses, como de um hospital subterrâneo, para nos tentar a desembarcar em Marselha. 

De Amicis pouco enfatizou questões delicadas como a alimentação a bordo, as condições de higiene e a mortalidade durante a viagem. Na verdade, muitos morriam devido a doenças ou a desconfortos sofridos nos navios – na maioria das vezes os mais vulneráveis: as crianças e os mais velhos. 




Exemplos dessa triste realidade não faltaram, sobretudo nos vapores que rumavam para o Brasil levando emigrantes com o bilhete subvencionado pelo governo do grande império sul-americano: em 1888, morreram de fome 36 pessoas no navio Matteo Bruzzo e 18 no Carlo Raggio; em 1889, no Frisia, 300 emigrantes adoeceram e 27 faleceram por asfixia em decorrência da proximidade entre o dormitório e a sala das máquinas.

As observações do deputado Pantano em uma sessão do Parlamento no ano de 1899 apontam claramente o motivo de tantas mortes. De acordo com o parlamentar:

"Os navios eram carcaças já muitas vezes dedicadas ao transporte de carvão, cargas de carne humana, amontoada e desprotegida, cuja passagem pelo oceano era assinalada por uma esteira de cadáveres ceifados pela morte nas fileiras dos emigrantes mais fracos e doentes, das mulheres e das crianças, extenuadas, mal de saúde devido aos alimentos insuficientes ou de má qualidade, pela inexistência de cuidados sanitários e pela falta de ar respirável na plenitude de um horizonte livre"


Emigrantes a bordo amontoados no tombadilho do navio


Em relação a esses episódios, a fase mais crítica ocorreu antes da lei de 1901. Nesse período, a tutela sanitária das massas de emigrantes, na falta de uma lei orgânica sobre emigração, era legada ao Regolamento della Marina Mercantile de 1879 e depois ao Regolamento di Sanità Marittima de 1895. 

O primeiro limitava-se ao conjunto de normas higiênicas para as embarcações adaptadas ao transporte de emigrantes; o segundo foi pioneiro na matéria sanitária, contemplando diretrizes para a tutela do emigrante – então definido como objeto jurídico específico – e delimitando, em termos gerais, uma série de funções competentes aos oficiais de porto e aos médicos de bordo.

Pesquisadores utilizaram um desses documentos, o boletim de bordo do vapor Giava, escrito pelo médico Teodoro Ansermini, para apresentar descrição minuciosa da situação higiênico-sanitária dentro do vapor da Navigazione Generale Italiana em uma das inúmeras viagens de transporte de emigrantes para a América do Sul. O navio deixou Gênova em 8 de outubro, aportou em Buenos Aires em 8 de novembro e retornou à Gênova em 4 de dezembro de 1899, passando por Santos e Rio de Janeiro.

Os problemas começaram logo na partida, quando Ansermini, o médico de bordo, solicitou o documento comprobatório da desinfecção do navio e foi prontamente lembrado de que era pago pela companhia e, portanto, não deveria criar obstáculos. Discorrendo sobre a estrutura interna do vapor, o médico acusava a falta de ventilação e de luz natural, as péssimas condições de alimentação e de alojamento, que dificultavam até mesmo o emigrante de lavar-se, além da escassez de remédios. Diante desse quadro de precária higiene, o alastramento de doenças era sua principal preocupação: 

"Se quisermos dar ao médico do navio uma certa responsabilidade em casos de epidemias, é absolutamente essencial que ele também tenha autoridade para fazer a higiene necessária a bordo: ainda não consegui obter, exceto por uma noite, que a permanência dos passageiros no convés seja prolongada, o que será preciso para tentar conter as duas invasivas epidemias de tifo e varíola, porque os porões não são suficientemente ventilados, e o pouco ar que existe, já doentio, esquenta muito e se decompõe, até se tornar irrespirável". 

Antes do início da viagem de retorno, Ansermini revelou outra preocupação com a higiene quando veio a ordem para o capitão do navio desfazer-se de grande quantidade de camas para abrir espaço ao carregamento de mercadoria. Tal fato expunha, mais uma vez, o emprego promíscuo dos vapores no transporte de emigrantes e merdorias. 

"O problema é que, depois de tantas doenças epidêmico-contagiosas a bordo (varíola, tifo, difteria, mortes), as desinfecções não podem mais ser feitas, e as mercadorias ficarão acondicionadas em instalações já habitadas por passageiros há um mês (... )". 

Finalizando os registros no boletim de bordo, o médico recuperou seu pequeno histórico de vida profissional para expressar sua indignação e perplexidade mediante a viagem que durara quase dois meses. 

"Não me lembro, no meu exercício prático de sete anos, de ter sido médico dos pobres e de seis sociedades operárias, nunca ter visto tanta sujeira e tantas vidas amontoadas em salas tão estreitas e menos adequadas ao uso pretendido ".

O testemunho do médico Teodoro Ansermini,  constituiu-se em corajosa denúncia do sistema que explorava o emigrante e uma prova do tratamento dispensado pelas autoridades competentes, mais atentas aos interesses das companhias de navegação do que aos daqueles que emigravam. 

Por conta disso, criou-se uma comissão formada por um oficial e um médico do porto de Gênova para analisar as denúncias. As medidas tomadas mostram com clareza de que lado os órgãos oficiais estavam: interpelada verbalmente, a Navigazione Generale Italiana garantiu que tais fatos jamais se repetiriam, enquanto o médico, cujos escritos foram considerados exagerados, recebeu severa censura do Ministério da Marinha, ao qual era subordinado.




Vários outros documentos oferecem testemunhos dramáticos, sobretudo no período da emigração subvencionada para a América do Sul, quando a lei de 1888 ainda não havia regulamentado as condições de viagem e permitia a utilização de navios a vela ou mistos.

Os interesses dos armadores e o conivente silêncio das autoridades marítimas somados às estratégias engendradas para enfrentar a concorrência asseguravam contratos lucrativos de introdução da imigração subvencionada, apoiados no baixo preço da rota sul- americana. 

De outra parte, o emigrante italiano era mercadoria barata, solicitada a mover-se com baixos preços do bilhete de viagem. A estatística sanitária oficial da emigração italiana começou a ser publicada apenas em 1903. Alguns estudos contemporâneos, no entanto, fornecem dados sobre as condições sanitárias das viagens transoceânicas. 

Apesar algumas incoerências, são considerados como as únicas fontes relativamente confiáveis para o período após a aprovação da lei de 1888. Pesquisadores atuais apresentaram alguns números sobre a mortalidade e morbidade nos navios de emigrantes. 

Dos 480 casos examinados por Druetti, 133 apresentaram mortes e destes, 90 diziam respeito a crianças com idade inferior a 5 anos. As altas taxas de mortalidade eram causadas por doenças infecciosas, intestinais ou do aparelho respiratório. Quanto aos adultos, a principal causa de morte era a tuberculose pulmonar.

No século XX, quando a lei de 1901 instituiu as diretrizes básicas da tutela sobre a saúde do emigrante antes do embarque e durante a viagem, estabelecendo responsabilidades e controles, começaram a ser produzidos documentos importantes. Com base nesse documentos desnuda os problemas higiênico-sanitários da travessia do Atlântico e seus desdobramentos em mortes ou doenças. 

As taxas anuais de mortalidade para o período 1903-1915 foram quantificadas de acordo com o destino no Novo Mundo e se a viagem era de ida ou volta. Essas taxas nunca ultrapassaram o índice de uma morte a cada mil embarcados, sendo que os números concernentes à América do Sul sempre foram superiores aos da América do Norte, com exceção dos anos de 1914-1915.

No movimento de retorno, as taxas aproximavam-se – ultrapassando, em alguns anos (1903, 1904 e 1907) – do índice citado acima, e os valores para a América do Norte superaram os do Sul em 1909, 1910 e 1915. A taxa de mortalidade superior na emigração para a América do Sul pode ser explicada pela prevalência de grupos familiares, ou seja, pela maior presença de crianças nos navios. Vítimas potenciais de doenças infecto-contagiosas, não por acaso elas lideravam as estatísticas dos óbitos.




As doenças mais freqüentes nos vapores que se dirigiam às Américas eram malária, sarampo e doenças bronco-pulmonares. Em relação à viagem de retorno, havia certa diferença entre o Norte e o Sul do continente americano. Entre os italianos que voltavam da América do Norte, a principal doença que os acometia era a tuberculose pulmonar, seguida pela alienação mental e o sarampo. Para aqueles que vinham da América do Sul, prevaleciam o tracoma, a tuberculose pulmonar e o sarampo.

As péssimas condições e a lotação dos vapores que transportavam emigrantes, muitas vezes navios de carga adaptados para essa função, ofereciam a combinação ideal para a disseminação de doenças. 

Outro fator importante era o mal estado de saúde daqueles que deixavam a Itália. Mas o que chama atenção é a superioridade das taxas de mortalidade e morbidade da viagem de retorno, revelando também a situação precária desses emigrantes em terras americanas e, até talvez, uma política intencional por parte desses governos para se livrarem dos considerados não aptos. 




terça-feira, 26 de outubro de 2021

Escultor Giacomo Piazzetta de Pederobba

Batistério da Igreja Santa Maria del Giglio em Veneza


Nascido em Pederobba, pequeno município da província de Treviso, na região do Veneto, aproximadamente no ano de 1640 e veio a falecer em Veneza no dia 4 fevereiro de 1705. Foi um importante escultor e entalhador de madeira e mármore, além de pintor. Era filho de Domenico Piazzetta de Pederobba.

Transferiu-se para Veneza por volta do ano de 1665. Em 20 de maio de 1677 casou-se com uma mulher chamada Ângela a qual veio a morrer no parto no ano de 1685. 

Moravam na paróquia de San Felice, e cuja igreja se casaram.

Giacomo é o pai do famoso pintor Giovanni Battista Piazzetta. No studio do seu pai, ainda muito jovem, recebeu as primeiros lições na arte da escultura e da pintura que o tornariam famoso.

São Giovanni Battista 
Igreja Santa Maria del Giglio em Venezia



Giacomo Piazzetta ocupa uma posição importante entre os escultores de mármore e madeira que trabalhavam em Veneza na segunda metade do século XVII. Ao chegar em Veneza em 1665, já no ano seguinte, passou a trabalhar no studio de Sante Pianta.

A sua criatividade e excepcional capacidade de moldar volumes, tanto em mármore como em madeira, indicam que os seus trabalhos tenham sofrido grande influência de Giusto Le Court, o mais famoso escultor ativo naquele período em Veneza. A este respeito, Andrea Bacchi afirma acertadamente que Giacomo Piazzetta é "um dos mais brilhantes seguidores de Giusto Le Court".

As obras de Giacomo Piazzetta datadas da última década do século XVII encontram-se também em outra importante igreja veneziana: trata-se do mobiliário da igreja de San Marziale, que acabava de ser reconstruída a partir das fundações.

Na mesma igreja de San Marziale as estátuas de Sant’Austricliano e Santa Valeria, bem como as outras decorações de mármore e madeira e talvez até o projeto do altar podem ser atribuídos a Giacomo Piazzetta.


Altar de San Marziale na Igreja de San Marziale em Veneza



Também são seus trabalhos a decoração de madeira do coping composta por três anjos querubins segurando uma cortina com um cartaz, encontrada no terceiro altar direito ainda na igreja de San Marziale.

Santo Austricliano na Igreja de San Marziale 
em Veneza

Santa Valeria na Igreja San Marziale em Veneza

Milagre de San Marziale  alto relevo em mármore de Giacomo Piazzetta na 
Igreja de San Marziale em Veneza 


L'Immaculata na Igreja de São Francisco 
em Veneza


Anjo no altar de Santa Agnese na Igreja de San Marziale em Veneza


Madonna del Rosario no 
escritório paroquial de Kraljevica, Croácia


Crucifixo, Igreja di São Sebastião em Veneza




Algumas das obras venezianas de Giacomo Piazzetta, escultor em madeira e mármore:

O escultor Giacomo Piazzetta nascido em Pederobba, aproximadamente em 1640 e falecido em Veneza no ano 1705 é um dos grandes protagonistas da escultura veneziana do último quartel do século XVII. 

Embora fosse conhecido principalmente como um excelente entalhador e trabalhasse pouco em mármore, podemos atribuir à ele  novos trabalhos em ambos os materiais. 

Com o trabalho do mestre mais antigo conhecido na oitava década do século XVII, pudemos conectar estátuas de madeira de telamons, que foram posteriormente colocadas no órgão da igreja de San Pietro em San Pietro e Volta (Lido di Pallestrina, Veneza). 

Um pouco mais tarde, em 1690, o escultor fez uma excelente estátua de São João em madeira dourada. João Batista, e a tampa do batistério na igreja veneziana de Santa Maria del Giglio e provavelmente um pouco depois mais dois bustos de madeira da Mãe de Deus e São Simon custodiado na Scuola Grande dei Carmini. 

O trabalho do escultor Giacomo Piazzetta em mármore é complementado pela decoração escultórica do altar dos santos padroeiros na igreja veneziana de San Marziale. Aqui, com a forte influência de Le Court, o escultor fez excelentes estátuas dos Santos Austriclinian e Valeria, bem como o alto relevo representando  os milagres de San Marziale. 

No mesmo altar da obra de Piazzetta, também podemos reconhecer um sótão com estátuas alegóricas de madeira e, finalmente, uma estátua menor da Madonna del Rosario de Kraljevica e um crucifixo de madeira na igreja veneziana de San Sebastiano do escultor. 

Obras de Giacomo Piazzetta:

1. Órgão, Igreja de San Pietro, San Pietro e Volta Lido di Pallestrina, em Veneza)

2. Telamon, na Igreja de San Pietro, San Pietro in Volta, Pallestrina, em Veneza

3. Telamon - herege (esboço), custodiada no Staatliche Museen, em Berlim

4. Telamon, Igreja de San Pietro, San Pietro e Volta , Lido di Pallestrina, em Veneza

5. Batistério, na Igreja Santa Maria del Giglio,  em Veneza

6. S. João Batista, na Igreja Santa Maria del Giglio, em Veneza

7. S. João Batista, Igreja de Santa Maria del Giglio, em Veneza

8. Altar de São Marcial, localizado na Igreja de San Marziale, em Veneza

9. S. Austricliniano, na Igreja de San Marziale,  em Veneza

10. Santa Valeria, na Igreja de San Marziale, Veneza

11. Relevo São Marcial, na Igreja de San Marziale, em Veneza

12.   S. Austricliniano, localizado na Igreja de San Marziale, em Veneza

13. Imaculada Conceição, Igreja de San Francesco, Pergola
14. Anjo na parede do altar, Igreja de San Marziale, em Veneza

15. S. Simon, na Scuola Grande dei Carmini,  em Veneza

16. Telamon, na Igreja de Santi Giovanni e Paolo, em Veneza

17. Madonna del Rosario, localizada no escritório paroquial de Kraljevica, Rijeka, Croácia

18. Crucificação, Igreja de San Sebastiano, em  Veneza
















Esculturas em Madeira del Giacomo Piazzetta
Basilica dei Santi Giovanni e Paolo conhecido por Zanipolo - Capella del Rosario 
























sexta-feira, 22 de outubro de 2021

O Imposto sobre a Farinha

Em 1 aprile 1868 o novo Reino da Itália aprovou a taxa sobre a farinha 


Com as guerras pela independência até a unificação, com a anexação de todo o Vêneto ao Reino da Itália, foi criado um grande desequilíbrio das contas públicas e um profundo vazio no caixa do governo italiano. 

Para suprir essa falta de dinheiro o estado criou um novo imposto que teoricamente atingiria toda a população, o imposto sobre a moagem dos grãos, pois, todos precisavam comer. 

Era o imposto chamado de "tassa sul macinato" ou imposto sobre a moagem dos grãos, cobrado diretamente no moinho, os quais estavam aparelhados com um contador, similar aquele da luz elétrica, que verificava diretamente  a quantidade de farinha obtida pelo número de giros da pedra de moagem. 

No momento da retirada da farinha moída as pessoas deviam pagar diretamente ao moleiro o valor de duas liras por quintal de farinha de trigo e 1,20 lira pela farinha de aveia e assim por diante. 

Ao estado parecia a princípio um imposto que garantiria uma entrada segura nas caixas do governo gravando o menos possível os cidadãos. Mas, as reações foram muito fortes por toda a Itália, desencadeando sangrentas revoltas com mortos, feridos e encarcerados, principalmente nas cidades de regiões no centro do país. 

A classe dirigente não entendia o motivo dessas revoltas, estavam muito deslocados das privações e do sofrimento do povo. No Vêneto foram poucos os deputados que se pronunciaram contra essa prática, os nobres e burgueses não imaginavam como esse imposto fosse penoso para os pobres. 

Os pequenos agricultores produziam o grão, mas, quase nunca comiam o pão branco. Cultivavam as parreiras mas, tomavam um vinho muito pobre. Criavam o gado, mas, raramente comiam a carne. 

Os pequenos agricultores comiam basicamente a polenta, mas, com misturas, porque sobre a farinha de milho havia um imposto de 55 liras por quintal, enquanto, na mesma época, em outros países como a França, só cobravam 15. 

Os agricultores comiam um alimento pobre destituído de vitaminas essenciais e adoeciam de anemia e pelagra. Esse imposto com o  tempo se transformou em uma taxa da fome e das doenças, além de ser um dos fatores que contribuiu para impulsionou a grande emigração italiana  para o Novo Mundo.




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O Grande Êxodo da Emigração Italiana





«Que coisa entendeis por uma nação, senhor ministro? É a massa dos infelizes? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos do pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho. Criamos os animais, mas não comemos a carne... Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonar a nossa pátria. Mas é uma pátria a terra em que não se consegue viver do próprio trabalho?»
Resposta de um emigrante a um ministro italiano, no final do século XIX 


Com a unificação da Itália no ano 1870 - Risorgimento 1815-1870 - os antigos contratos agrícolas que mediavam e disciplinavam a interrelação do trabalho no campo, originados ainda na Idade Média, no período feudal, previam que a terra era propriedade inalienável dos nobres, aristocratas, ordens religiosas ou do rei. Esses contratos de trabalho deixaram de existir na zona rural italiana, especialmente no sul da península.

No entanto, o desaparecimento desse sistema feudal e a conseqüente redistribuição da terra não trouxe os benefícios esperados para aqueles pequenos agricultores.

Muitos deles ficaram sem terra, pois os lotes foram se tornando cada vez menores e, portanto, cada vez muito menos produtivos, pois a terra era constantemente dividida entre os herdeiros, fragmentando-se cada vez mais com o passar das gerações, e consequentemente não mais podiam atender as necessidades das famílias. 

A emigração dos camponeses do sul da Itália foi precedida pela saída em massa de milhares de emigrantes provenientes de províncias da zona norte e central da península italiana.

Entre 1861 e a Primeira Guerra Mundial, durante a grande migração, 9 milhões de habitantes deixaram a Itália, indo se estabelecer, principalmente, na América do Sul e do Norte (em particular Argentina, Estados Unidos da América e Brasil, países com grandes áreas de terras inexploradas e portanto com necessidade de mão de obra) e muitos outros preferiram países da própria Europa, em particular na França. 

A partir do final do século XIX também houve uma consistente emigração de italianos para a África, principalmente, para o Egito, a Tunísia e o Marrocos, e no século XX também para a África do Sul, colônias italianas da Líbia e do Marrocos e Eritreia. 

Para os Estados Unidos, a emigração se caracterizou principalmente por ser de longo prazo, a maioria das vezes sem planos concretos dos emigrantes em retornar para a Itália, enquanto aquelas para o Brasil, Argentina e Uruguai foram emigrações permanentes e temporária - a chamada emigração golondrina. 

A possibilidade de emigração para as Américas teve grande impulso com o avanço técnico do transporte marítimo ocorrido no final do século XIX, quando se passou a construir navios de casco metálico, cada vez maiores, que reduziriam o custo dos bilhetes. 

A emigração italiana para o Brasil pôde acontecer devido a abolição da escravidão no Brasil, no ano de 1888, e o império brasileiro necessitar de mão de obra com urgência para substituir o trabalho escravo. Os camponeses italianos foram escolhidos para essa missão.

Inicialmente partiram pequenos agricultores e artesãos, acompanhados por suas famílias, provenientes das regiões do Vêneto e da Lombardia e alguns anos depois daqueles do sul da Itália.

A emigração não afetou igualitariamente todas as regiões italianas. Na segunda fase da emigração (de 1900 até a Primeira Guerra Mundial), pouco menos da metade dos que deixaram o país eram provenientes das regiões do sul da Itália. A grande maioria deles era formada por pequenos camponeses provenientes das regiões do Veneto, Lombardia e de algumas províncias do centro da Itália, expulsos das terras onde trabalhavam, por uma gestão fundiária ineficiente, pela fome, falta de perspectivas, insegurança e pela pobreza sequelas de c doenças carenciais como a pelagra. 

A parceria agrícola, forma de contrato agrícola que previa a participação das famílias camponesas na renda graças à obtenção de uma parcela dos lucros, era mais difundida no centro da Itália, e sofreram muito menos o fenômeno da emigração do que outras do norte e do sul.

No sul, por outro lado, faltavam empreendedores, com latifundiários que muitas vezes se ausentavam de suas fazendas por residirem permanentemente na cidade, deixando a gestão de seus recursos por conta própria, que não eram incentivados pelos proprietários a fazer com que as propriedades agrícolas fossem bem produtivas. Embora a superfície da terra possuída fosse, para os aristocratas, a medida tangível de sua riqueza, a agricultura era vista, do ponto de vista social, com desprezo. A maioria dos proprietários rurais não investiam o seu capital em melhorias com equipamentos agrícolas e no aprimoramento das técnicas de produção, mas sim aplicavam em títulos de baixo risco do governo.

A emigração de residentes das cidades maiores era muito rara, com a única exceção representada por Nápoles. Com a unificação da Itália, muitas cidades, com exceção de Roma, deixaram de ser a capital de seu próprio reino e passaram a ser uma das muitas capitais de províncias italianas. A resultante perda de empregos burocráticos levou ao aumento do desemprego. A situação mudou em parte no início da década de 1880: epidemias de cólera também começaram a atingir as cidades, causando a emigração de muitos italianos.

Nos primeiros anos após a unificação da Itália, a emigração não era ainda controlada pelo estado. Os emigrantes muitas vezes ficavam nas mãos de agentes de emigração cujo objetivo era obter lucro para si próprios, sem dar muita atenção aos interesses dos emigrantes. Seus abusos levaram à primeira lei de emigração na Itália, aprovada em 1888, com o objetivo de colocar finalmente estas companhias de emigração sob controle do Estado.

Em 31 de janeiro de 1901, foi criado o comissariado de emigração, que concedeu licenças para embarcações, cobrou despesas fixas com passagens, manteve a ordem nos portos de embarque, fiscalizou os emigrantes que partiam, identificou hospedarias e meios de recepção e celebrou acordos com os países de destino do fluxo migratório para ajudar quem chega. A delegacia, portanto, tinha a função de cuidar dos emigrantes antes da partida e depois de sua chegada, de lidar com as leis que discriminavam os trabalhadores estrangeiros (como a Lei de Contratos de Trabalho Estrangeiros nos Estados Unidos) e de suspender, por certo período, a emigração para o Brasil, onde muitos emigrantes tornaram-se verdadeiros escravos nas grandes fazendas de café (como já mencionado, a abolição da escravatura neste país sul-americano era recente). Nesse contexto, foi publicado o decreto Prinetti, que impedia a "escravidão", em substância, do emigrante italiano.

O comissariado também tinha a função de administrar as remessas enviadas por emigrantes dos Estados Unidos para a Itália, que se transformaram em um fluxo constante de dinheiro que ascendia, segundo alguns estudos, a cerca de 5% do produto nacional bruto italiano. Em 1903, a delegacia também decretou quais portos de embarque seriam destinados aos emigrantes: Palermo, Nápoles e Gênova. Anteriormente, o porto de Veneza também era utilizado para esse fim: a delegacia de polícia decidiu então riscá-lo da lista.

Como consequência da emigração massiva da península, muitos preconceitos começaram a surgir contra os italianos (fenômeno que é a antítese da Italofilia, que é admiração, estima e amor pelos italianos e pela Itália). Este fenômeno de discriminação étnica contra italianos e Itália ainda é atestado hoje especialmente nos países da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), centro-norte da Europa (Alemanha, Suécia, Áustria, Suíça, Bélgica, França e Reino Unido) e no Balcãs (Eslovênia e uma parte da Croácia). Outras causas dessa aversão aos italianos foram eventos históricos, especialmente de natureza de guerra, ou hostilidade nacionalista e étnica, como no caso da Eslovênia e da Croácia, que está ligada ao irredentismo italiano naquelas terras, ou seja, o irredentismo italiano na Ístria e italiano irredentismo na Dalmácia.

Destacam-se, entre os episódios de violência contra italianos perpetrados no mundo, o linchamento de Nova Orleans (1891), durante o qual foram linchados onze italianos, quase todos sicilianos, acusados ​​de matar o chefe da polícia urbana dos Estados Unidos cidade, e o massacre de Aigues-Mortes, que ocorreu em agosto de 1893, que foi desencadeado por um conflito entre trabalhadores franceses e italianos (especialmente piemonteses, mas também lombardos, ligurianos, toscanos) empregados nas salinas de Peccais , e que se transformou em um verdadeiro massacre, com um número de mortes ainda não apuradas e cerca de uma centena de feridos entre os trabalhadores italianos. A tensão resultante trouxe uma guerra entre os dois países. Também digno de menção é o julgamento dos anarquistas italianos Sacco e Vanzetti, ocorrido em Boston em 1927, durante o qual o preconceito contra os imigrantes italianos emergiu claramente e contribuiu para sua sentença de morte junto com as ideias políticas que os dois defendiam.




sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Sobrenomes de Imigrantes Italianos no Núcleo de Nova Palmira

Publicação em dois volumes em homenagem ao cinquentenário da 
imigração italiana no Rio Grande do Sul

 



Lista organizada por sobrenomes de alguns imigrantes italianos que chegaram no Núcleo de Nova Palmira entre os anos de 1876 e 1879: 


Adami, Agostino, Allievi, Andregoni, Andreola, Angeli, Antoniazzi, Araldi, Ascari, Azzali, Bacca, Bado, Barbieri, Basano, Bassi, Basso, Bazani, Beasi, Bernardi, Bertelli, Berti, Bertoni, Bevilacqua, Bignani, Biffi, Biggi, Bof, Boldo, Boniatti, Boratti, Bordini, Borini, Borsoni, Boschio, Bossi, Brandalise, Bridi, Brogliato, Broilo, Busque, Butarelli, Cadelli, Callai, Calgaro, Canale, Candler, Canzi, Caprini, Casaghi, Casine, Castelan, Catanio, Celesta, Ceppa, Chirigatti, Chisini, Cimi, Cioccari, Clamer, Colombo, Conde, Conte, Cora, Corso, Crippa, Cristoni, Cursel, Da Canal, Dal Bosco, Dalcorno, Dalcortivo, Dallarosa, Dambrós, Dedavid, Degaspari, Donado, Dotte, Duval, Eccher, Fabiani, Fajoli, Felippe, Ferrarezi, Ferrari, Filippone, Fiorelli, Floriano, Fontana, Foroni, Formighieri, Foss, Fossati, Franceschetti, Franzoi, Frignani, Fruet, Fulgheri, Gabardi, Gadler, Gaio, Garbin, Gastaldi, Gavioli, George, Gervasoni, Gielle, Giulin, Grande, Grisi, Gualdo, Gubert, Guena, Guiliano, Guerra, Lenzoi, Leonard, Licciardi, Lira, Livie, Longhi, Longhin, Luppi, Maccalle, Maffei, Maggine, Maggio, Maiolli, Majoli, Manaretto, Manico, Marchetti, Marchioso, Mariani, Marin, Martinelle, Marino, Maschio, Matteo, Maure, Mazzochi, Menegazzi, Modena, Montonari, Morello, Mouselli, Müller, Munari, Nazzi, Negrin, Negrini, Novello, Oberti, Oliva, Onzi, Orlandi, Orlandini, Ortigaro, Otton, Padovan, Pagliarino, Pagno, Panerrari, Paoletti, Paoli, Parenza, Parghetta, Pagott, Pergher, Perolin, Perondi, Pevotto, Pilate, Pingel, Piroli, Pisani, Piva, Polgo, Polloni, Porta, Postal, Pradella, Prato, Preiser, Priori, Provini, Radaelli, Raineri, Rauta, Rech, Reginato, Riedel, Rizzi, Rizzotto, Roesler, Romualdo, Rosina, Rossi, Rufini, Rusante, Russi, Salmori, Saletto, Saccani, Sangali, Santini, Sartor, Savi, Scaini, Scalabrin, Scaravello, Scariot, Scchenal, Scopel, Scotti, Sebben, Segat, Seidel, Sella, Severgani, Sgarbi, Simon, Slongo, Soliari, Sozo, Sperandio, Stedile, Strapasson, Stuanni, Sudatti, Suzin, Tafarel, Taroco, Teló, Thomáz, Tisot, Tizatto, Toigo, Toldo, Tomanini, Tosatto, Tovazzi, Torelli, Trentini, Trintin, Trossi, Turcato, Turella, Turra, Vaccari, Valente, Vanzetta, Varillo, Varisco, Vebber, Verdelli, Vidano, Viecelli, Vinder, Violardi, Voena, Volpatto, Vicentini, Viecel, Villa, Vitti, Volpatto, Zabotti, Zacchi, Zamadei, Zambiasi, Zamboni, Zanandrea, Zanardi, Zanatti, Zanolli, Zanotte, Ziglio, Zilli, Zorzi, Zucchelli, Zucco, Zuliani, Zurlo e outros.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A Roda dos Inocentes em Veneza

Ruota dello Monastero della Pietà




Em Veneza existiram quatro instituições filantrópicas que se ocupavam em receber as crianças abandonadas pelos genitores, a maior parte delas eram filhos ilegítimos, cujos pais não desejavam ou não podiam assumir. 

Essas instituições eram administradas por ordens religiosas e no seu interior, além de freiras, viviam algumas amas de leite que se incumbiam de amamentar os recém chegados. Em outras ocasiões, os recém nascidos eram enviados para amas de leite que moravam na zona rural, que recebiam uma compensação financeira pelo trabalho. Terminada a fase de aleitamento essas crianças voltavam para a instituição que se encarregava da sua criação.

Na parede do orfanato, ao lado da roda, durante algum tempo existiu uma fenda na pedra que se denominava "scafetta", onde eram deixadas doações para o monastério e também algum sinal, um objeto que identificava a criança e que consentiria ao anônimo genitor de poder um dia reave-la em caso de arrependimento. 

Esses sinais consistiam geralmente da metade de um objeto: jóia, imagem sacra, uma moeda, roupas, das quais o genitor ficava com uma das metades, na esperança de talvez um dia poder reencontra-lo. Quando foram abolidas as fendas para ofertas em dinheiro e sinais, estes continuaram a ser usados, agora entregues junto com o recém nascido, os quais eram por sua vez catalogados pela administração do orfanato, anotados em um livro junto com o dia e a hora do recebimento do bebê ao lado do nome que ele foi batizado pela  irmãs ou pelas funcionárias plantonistas encarregadas da roda. Os sinais ficavam guardados durante muitos anos em caixas, custodiadas pela administração da instituição. 

Milhares foram os nomes e sobrenomes inventados pelos administradores desses orfanatos para nominar dignamente essas crianças abandonadas, que depois, quando adultos, deram origem a cepos familiares que ainda hoje continuam dando dor de cabeça aos pesquisadores e genealogistas contratados para organizar uma linha familiar. Sobre esse tema dos sobrenomes inventados recomendamos o nosso post já publicado:


Nesses orfanatos algumas crianças que desde cedo apresentavam talento, eram educadas na música e no canto. Mais tarde, com os valores arrecadados dos concertos que pudessem realizar, ajudavam na manutenção da instituição. Outros internos, principalmente os meninos, eram educados para o trabalho e assim poderiam entrar mais facilmente para as diversas corporações de ofícios e assim darem início a uma nova vida. 

 
Próximo da famosa Piazza San Marco, ao longo da Riva degli Schiavoni, encontramos vestígios do talvez mais famoso "Ospedale" de Veneza, situado junto a grande igreja neoclássica da Pietà. 

Na antiga igreja, pois ela foi reconstruída, realizavam-se concertos de música de Antonio Vivaldi que, durante a sua vida, foi o mestre de coro daquela piedosa instituição.
 

Ainda hoje podemos ver duas colunas que faziam parte do antigo Ospedale della Pietà, assim chamado porque era um local  onde se praticava a hospitalidade. A palavra hospital deriva do verbo hospedar, no caso as crianças abandonadas ou aquelas de famílias pobres que não tinham condições financeiras para sustentá-las.

No local ainda podemos ver o que restou da roda dos Inocentes, o dispositivo que permitia que crianças fossem deixadas no hospital em anonimato absoluto dos genitores. Atraídas pelo som do sino, cuja corda ficava acessível ao lado da roda, as freiras acudiam e na sua parte interna recebiam, em completo anonimato, a criança que estava sendo abandonada pelos pais. 

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS









segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A Longa Viagem dos Emigrantes

A partida do navio do Porto de Gênova




O ano de 1861 não foi apenas aquele marcado pela unificação da Itália, foi também o ano em que se iniciou a emigração italiana do campo e das montanhas. Logo após a criação do país Itália começou o êxodo da população mais pobre e desamparada do reino. 

No início, a maioria dos emigrantes saía de municípios do norte e do centro da Itália, sendo que as regiões mais envolvidas foram Ligúria, Piemonte, Lombardia, Vêneto, Toscana e também de regiões que ainda não eram italianas na época, como Trentino-Alto Adige e Friuli - Veneza Giulia, denominados genericamente por tiroleses. 

Só mais tarde as regiões do sul da Itália também acabaram sendo envolvidas por esse fenômeno.

Uma grande quantidade de emigrantes, com ou sem a família, rumaram para os países vizinhos da Europa, enquanto outros embarcaram, em lentos navios, para atravessar o grande e desconhecido oceano, para a "Mérica", então sinônimo de Brasil, Argentina e Estados Unidos. 

Nos becos e vielas nas cercanias do porto de Gênova, os emigrantes ficavam à espera do navio que os levaria para a "terra della cucagna". As ruelas da cidade, a zona onde se concentravam antes do embarque, acolheram e exploraram em todos os sentidos o fenômeno da emigração. 

Os passaportes, os bilhetes das passagens e os demais documentos necessários para o embarque eram então apresentados e conferidos pelos funcionários da Estação Marítima de Gênova.


Emigrantes no Porto


Depois do embarque, os emigrantes eram acomodados em grandes fétidos e escuros salões, nos porões do navio, os quais eram antes usados como estiva no transporte de cargas, e agora veloz e precariamente transformados, serviriam de improvisados quartos coletivos, construídos as pressas nos navios agora destinados ao transporte de emigrantes. 

Os dormitórios eram divididos, um para os homens e meninos grandes e outro para as mulheres e crianças pequenas. Eram na verdade formados por beliches muito próximos um do outro, com banheiros coletivos inadequados para o número de pessoas a bordo. Muitas vezes o banheiro era tão somente alguns baldes de madeira com tampa, colocados no fim dos corredores. 

Os passageiros deviam se servir deles para satisfazer as suas necessidades fisiológicas e, também, com muita frequência para vomitar o que tinham comido, devido constante enjôo causado pelo balanço contínuo do navio, agravados que eram pelas frequentes tempestades  que encontravam durante a longa viagem. 

Meninos de até sete anos dormiam com as mulheres, sendo que acima dessa idade deveriam dividir uma cama no dormitório masculino. A situação era mais dramática quando mães viajavam sozinhas com os filhos, quando um menino de oito anos devia ficar sozinho entre adultos desconhecidos.

 

Acomodações da terceira classe


O refeitório, por outro lado, geralmente não era grande o suficiente para abrigar todos os passageiros ao mesmo tempo e as refeições, em forma de rancho, eram servidas em turnos. Em um período mais para a frente, quando já existiam as acomodações e cabines de segunda classe, essas não eram nada parecido ao que temos hoje em um navio transatlântico. Consistiam apenas em um par de beliches muito próximos um do outro e nada mais. 

A comida servida nem sempre era suficiente para todos e em diversas ocasiões havia algum tipo de racionamento. A higiene a bordo era bastante precária com racionamento rígido da água potável. A promiscuidade a bordo era muito grande e o ar desses porões, que não recebiam ventilação suficiente, era pesado, úmido e muito fétido pelos odores corporais exalados de várias centenas de pessoas mal lavadas e sem banheiros adequados para todos. 

Vários animais vivos eram levados a bordo, mantidos em cercados, para serem sacrificados durante o transcurso da viagem e servirem de alimento para os passageiros e tripulantes do navio. As condições desses abates durante a viagem não podia ser de muita higiene e mais esse mal odor se somava aos dos passageiros e tripulação.

Quando tinham sorte e a viagem tivesse transcorrido sem maiores incidentes ou sem o surgimento de epidemias a bordo,  chegavam ao seu destino, depois de mais de um mês confinados no navio, a maior parte do tempo vendo somente o céu e o mar. 

Um dos locais que mais amedrontava os emigrantes era certamente o controle da imigração, principalmente para aqueles que se dirigiam aos Estados Unidos, devido ao maior rigor  a que eram submetidos nas consultas médicas e entrevistas para os agentes encarregados da imigração.  Muitas vezes, apesar de todo o sofrimento e cansaço para chegarem até ali, alguns eram enviados de volta e não aceitos nos países que recebiam os imigrantes. 

Alguns eram barrados por serem portadores de doenças pré existentes, como cegueira, deformidades de nascimento ou adquiridas, tracoma, doenças mentais e outras. Muitos deles tinham a sua entrada proibida por serem considerados incapazes para o trabalho.  

Nos frequentes casos em que os navios tivessem tido epidemias de cólera a bordo durante a viagem, todos os passageiros e tripulantes do navio ficavam impossibilitados de desembarcar e deviam retornar para a Itália! Era a fatídica ordem do torna viagem. 

Esse fato ocorreu por diversas vezes no porto do Rio de Janeiro e em também nos portos de outros países. Podemos hoje imaginar a ansiedade e a dificuldade desses pobres imigrantes,  que muitas vezes conheciam apenas o dialeto, em ter que responder perguntas à queima roupa feitas em português, espanhol ou em inglês americano. 



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS






quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Os Emigrantes e a Travessia do Grande Oceano







Os fatos que estavam ocorrendo entre o velho e o novo mundo naquele período da grande emigração italiana não passou despercebida para Edmondo De Amicis (um escritor e militar italiano, nascido em 21 de outubro de 1846, em Oneglia, Imperia) como se pode ler neste belo fragmento da sua obra Sull'Oceano:

E mais do que qualquer outra coisa, fui atraído pelas malas postais, amontoadas em um canto, amarradas e lacradas. Pois ali havia fragmentos do diálogo de dois mundos: quem sabe quantas cartas de mulheres que pela terceira ou quarta vez pediam dolorosamente notícias do filho ou do marido, que há anos não se viam; e súplicas para retornar ou chamá-los para se juntar a eles; questões de emergência; anúncios de doenças e mortes; e retratos de meninos que seus pais não teriam mais reconhecido, e chamadas desoladas de namoradas e mentiras atrevidas de esposas infiéis e últimos conselhos de velhos: tudo isso misturado com cartas eriçadas com figuras de banqueiros, com cartas de amor de dançarinas e coristas, para perspectivas de lojistas de vermute, com maços de jornais aguardados pela colônia italiana, ávidos por notícias da pátria; talvez até o último poema de Carducci e o novo romance de Verga: uma confusão de folhas de todas as cores, escritas em cabanas, em edifícios, em oficinas, em sótãos, rindo, chorando, tremendo. E todos esses sacos seriam espalhados em poucos dias desde a foz do Prata até as fronteiras do Brasil e da Bolívia e até as costas do Pacífico e no interior do Paraguai e subindo as encostas dos Andes, para despertar alegria, remorso, dor, medo. Que, então, por sua vez, embalados em outros sacos, teriam feito o mesmo caminho no sentido contrário, amontoados em outro camarim daqueles, onde teriam visto passarem outras procissões de pobres, voltando ao velho mundo, talvez menos pobre, mas não mais felizes do que quando eles o abandonaram na esperança de um destino melhor. " 

Em 11 de março de 1884, Edmondo De Amicis embarcou no Porto de Gênova, no navio a vapor América do Norte, com destino à Argentina. As suas obras Sull'Oceano (de 1889) e In America (de 1897) estão associadas à sua viagem à América do Sul, uma viagem que lhe dará ideias e material para criar outro livro "Dos Apeninos aos Andes".

Relata: "O calor escaldante não era o pior, era um fedor de ar frácido e borrado, que da escotilha aberta dos dormitórios masculinos subia em sopros até o tombadilho, uma mancha digna de pena considerar que vinha de criaturas humanas, e assustador pensar no que aconteceria se uma doença contagiosa surgisse a bordo. No entanto, eles nos disseram, não havia mais passageiros do que a lei permite que embarquem em relação ao espaço. Eh! O que importa se você não respirar! A lei está errada. Permite que quase um terço do espaço seja ocupado nos vapores italianos do que nos ingleses e americanos; e não está lá para ver se tudo bem encontrado pela polícia na partida, é então mantido durante a viagem; evitar, por exemplo, que mais passageiros embarquem em outros portos do que lugares sobrando, e que viajantes saudáveis ​​sejam jogados no espaço reservado para enfermeiras e que dormitórios sejam improvisados ​​no estilo de bella diana. Quanto ainda há por fazer dentro destes belos vapores que no dia da partida se avistam resplandecendo como palácios de príncipes! Em sua maioria, os marinheiros e foguistas estão lá como cachorros, a enfermaria é um armário, os lugares que deveriam ser mais limpos são horríveis e para mil e quinhentos viajantes da terceira classe não há banheiro. E digam o que dizem os higienistas que fixaram o número necessário de metros cúbicos de ar: a carne humana é muito apinhada, e que já foi pior, não desculpe: hoje ainda é algo que faz compaixão e move ao desprezo . " Esta passagem é tirada de Sull'Oceano, que, inicialmente, De Amicis intitulou Nossos agricultores na América. Pelas notas de De Amicis, na margem do manuscrito, sabemos que a "América do Norte" embarcou para Buenos Aires 1.600 passageiros na terceira classe, 20 na segunda e 50 na primeira, além dos 200 tripulantes. Similares eram as condições de viagem dos camponeses do sul do Piemonte, Lombardia, Veneto e Itália Central indo para a América. Para milhares e milhares deles, aquela travessia permanecerá na memória como a memória do inferno". 

Continua De Amicis em seu livro Sull'Oceano: “À medida que a coluna do termômetro aumentava, as ocupações e os aborrecimentos do Comissário aumentavam; o mais importante deles era o dormitório feminino, onde ela tinha que ir com frequência, dia e noite, para restaurar a ordem ou para zelar pela limpeza. Mesmo levando em conta o que fazer, aquele espetáculo obrigatório teria bastado para fazer qualquer cavalheiro perder o amor pelo escritório. Imagine dois andares abaixo do convés, como dois grandes mezaninos, iluminados por uma luz de adega, e em cada um deles três fileiras de beliches colocados um em cima do outro, ao redor das paredes e no meio, e ali cerca de quatrocentos entre a amamentação e mulheres e crianças mimadas, e trinta e dois graus de calor. Aqui, no beliche de baixo, uma mulher grávida dormia com uma criança de dois anos, acima dela uma mulher de setenta anos, acima dela uma menina na primeira flor; ali, um camponês da Calábria estendeu-se ao lado de uma senhora que havia caído na pobreza; mais à frente, uma aventureira da cidade maquilando-se no escuro, ao lado de uma camponesa temente a Deus, que dormia com o rosário nas mãos."




Esta ilustração de Arnaldo Ferraguti aparece nas primeiras páginas da luxuosa edição de 1890 de Sull'Oceano, onde De Amicis descreve o embarque: “Então as famílias se separaram: os homens de um lado, do outro as mulheres e os meninos foram levados aos seus dormitórios. E foi uma pena ver aquelas mulheres descerem com dificuldade as escadas íngremes e tatearem por aqueles dormitórios amplos e baixos, entre aqueles inúmeros beliches dispostos no chão como caixas de vermes, e aquele, ofegante, pedindo contas de um perdidos para um marinheiro que não os compreendia, os outros se jogam onde estavam, exaustos e espantados, e muitos vão e vêm ao acaso, olhando com preocupação para todos aqueles companheiros de viagem desconhecidos, inquietos como estão, confusos também daquela aglomeração e daquela desordem ”. Mais uma vez, o escritor lança luz sobre uma declaração lacônica de Mosè Bertoni ("mulheres alojadas nos piores lugares") e retoma o argumento mais tarde, no capítulo intitulado O dormitório feminino: "Imagine dois andares abaixo do convés, como dois mezaninos muito grandes, iluminados por uma luz de adega, e em cada um deles três fileiras de beliches colocados um em cima do outro, ao redor das paredes e no meio, e ali cerca de quatrocentas mulheres e crianças bebês amamentados e mimados e trinta e dois graus de calor. [...] Indo lá à noite, cabelos grisalhos, tranças loiras, panos enfaixados, canelas horríveis e senis e lindas pernas de menina, e um trapo de xales, vestidos e saias pendurados nos beliches de todas as cores naturais e adquiridas imagináveis ​​e possíveis, como bandeiras do exército infinito da miséria: e no embarque os montes confusos de botas, tamancos, chinelos, cadarços, sapatinhos, meias, para assustar pensar que havia pilhas de problemas e contendas preparadas para amanhã, na hora do nascer ”.