sábado, 24 de junho de 2023

Da Província de Treviso ao Pampa Gaúcho: A Jornada Épica de Genaro em Busca de um Futuro Melhor - parte 2

 




O Embarque


Deixaram Segusino com o coração partido, ansiosos com tudo que ainda estava para suceder. Nenhum deles ainda tinha viajado de trem e essa novidade os estava deixando muito apreensivos. Também a longa viagem de navio, para a travessia do oceano, deixava-os com muito medo. Muito tinham ouvido falar, e até algumas canções populares relatavam temporais e naufrágios em alto mar, o que aumentava o medo de todos. O clima reinante entre eles era uma mistura de tristeza, ansiedade, medo, mesclado com muita esperança em dias melhores. Genaro escondia de todos os seus medos e preocupações, tentava, na presença dos irmãos, se fazer de mais forte do que realmente era a fim de transmitir coragem a eles. Naqueles tempos uma viagem de trem como aquela, entre Segusino e Gênova, demorava muitas horas e no trajeto passavam por muitas dezenas de pequenas e até grandes cidades. Precisaram fazer baldeação, para a troca de trens, que paravam em praticamente todas as estações, onde, invariavelmente, dezenas de outros camponeses como eles embarcavam com destino ao mesmo porto. Nessa época a grande emigração italiana estava em pleno vapor e milhares de italianos do norte ao sul da península deixavam o país todos os meses, sendo o Brasil um dos destinos mais procurados, além dos Estados Unidos e da Argentina. Depois de uma noite sem praticamente poderem dormir, muito cansados, chegaram a Gênova. Estava muito frio, porém não chovia e de longe já puderam ver o porto com alguns grandes navios atracados. Ficaram pensando qual daqueles os levaria para o Brasil. Eles tinham as passagens gratuitas na terceira classe do vapor Giulio Mazzino, um grande navio que embarcaria mais de mil e duzentos passageiros até o Brasil. Eram meados de dezembro de 1883 e o porto estava repleto de pessoas, a maioria deles emigrantes esperando chegar a hora de embarcar. Maria Augusta, em pensamento, agradeceu ao agente de viagens pela honestidade em agendar a partida de Segusino justamente no dia anterior do embarque. Isso, ela sabia, não era comum, pois, muitos agentes desonestos agendavam passagens para o porto muitos dias antes do embarque, fazendo com que os pobres emigrantes, que já não tinham quase nada, ficassem a mercê de comerciantes exploradores, precisando gastar suas poucas economias com alojamentos e alimentação, ou fazer como a maioria, ficar ao relento em torno do cais e comendo alguma coisa que tinham levado de casa. Provavelmente, esses agentes desumanos deviam receber propinas dos donos de albergues e pensões localizadas nas ruas próximas ao porto. Genaro e um dos irmãos aproveitaram para dar umas voltas rápidas pelo cais, passando por de dezenas de grupos de emigrantes com suas grandes malas e sacos, chegando a conversar com alguns deles, se inteirando de alguns aspectos da viagem no grande barco. Genaro era um rapaz muito esperto e ativo, em pouco tempo conseguiu reunir informações que seriam muito úteis para eles. O porto era uma confusão de pessoas, dezenas de funcionários do porto e da companhia de navegação circulavam rapidamente em todos os sentidos, carregando grandes caixas para o interior do navio ancorado a beira do cais. Do seu interior se ouviam ordens gritadas em altos berros pelos marinheiros, que estavam se preparando para a chegada a bordo daquela multidão de passageiros. A tarde, um longo apito pode ser ouvido em todo o porto, era o aviso para o início do embarque. Em fila todos os passageiros, com suas passagens e passaportes à mão, carregando malas e sacos com suas bagagens de mão começaram a subir a longa escada inclinado apoiada na lateral do navio. Dezenas de mulheres com lenço amarrado na cabeça, carregando os filhos pequenos no colo e puxando outros pelos braços, algumas delas ainda aleitando o bebê, muitas crianças pequenas chorando em simultâneo, amedrontadas pela grande movimentação ou pela perda de vista momentânea de suas mães. Homens de aspecto sofrido, chapéu na cabeça, mal vestidos, carregando filhos maiores, cadeiras, sacos com pertences e outras bagagens. Genaro ajudava a mãe organizando a entrada de todos os irmãos, que andando sozinhos subiram a escada. Como os papéis de emigração estavam todos em ordem foram rapidamente admitidos na embarcação, onde imediatamente receberam as primeiras informações de como deveriam se comportar a bordo. Os alojamentos disponíveis eram enormes pavilhões adaptados com filas de beliches. Os homens e os meninos maiores de oito anos ficavam em um pavilhão e as mulheres e as crianças menores em outro. Assim as famílias eram separadas desde o embarque, criando muitas dificuldades. Genaro ficou em um pavilhão com os três irmãos e a mãe com as outras três filhas menores em outro. Com dois novos apitos o navio lentamente se afastou do cais e gradualmente Gênova foi ficando para trás. Estavam descendo pela costa italiana pelo Mar Tirreno, a caminho do porto de Nápoles onde seriam embarcados mais de 400 emigrantes provenientes de várias províncias meridionais da Itália. O destino desse grupo era a Província de São Paulo, contratados para trabalharem nas grandes fazendas de café. Depois do embarque desse novo grupo e acomodar os novos passageiros, o navio se afastou rapidamente da costa italiana e tomou o rumo para o Brasil, após atravessar o estreito de Gibraltar. A vida a bordo era bastante monótona e os passageiros gradualmente foram se acostumando com o balançar da embarcação, diminuindo os casos de tonturas e vômitos dos primeiros dias. Foi cerca de trinta dias confinados em porões malcheirosos, ainda cheirando carvão misturado com odores dos vômitos e outros dejetos humanos. Não havia instalações sanitárias suficientes para todos e a água potável também era racionada ao mínimo. Grandes baldes de madeira, com tampa, colocados no final de cada fileira de beliches eram usados, sem qualquer proteção ou privacidade, para satisfazer as necessidades fisiológicas dos passageiros. A falta de ventilação naqueles porões, o calor, a limpeza precária, a falta de banho dos passageiros, tornavam o ar irrespirável. Animais de corte confinados para fornecerem carne e o abate a bordo sem muita higiene, ajudavam a tornar o ar difícil de respirar. Para agravar, naquela época ainda não havia frigoríficos a bordo, tornando perigoso consumir alimentos que não fossem bem cozidos. Quando passaram da linha do Equador, o calor era grande em contraste com o frio que haviam deixado alguns dias antes. Nem todos os passageiros tinham roupas adequadas. Foi em um desses dias que uma forte tempestade de fim de tarde atingiu a embarcação. Ventos furiosos faziam com as grandes ondas batessem com força no casco da embarcação fazendo muito ruído. O convés era constantemente varrido pelas altas ondas e os passageiros foram proibidos de subir ao tombadilho. O medo tomou conta de todos os passageiros que em voz alta apelavam por clemência, rezando aos seus santos protetores. Depois de duas horas, já escuro, o vento cessou e o mar lentamente foi se acalmando. Essa foi uma experiência terrível e muito traumática que Genaro e os irmãos lembrariam para os seus netos. Por sorte não tinham ocorrido doenças graves a bordo durante todo o trajeto e assim o navio não teria proibições para desembarcar seus mil e duzentos passageiros. Chegaram ainda à noite no porto do Rio de Janeiro e na manhã seguinte já puderam contemplar a bela paisagem verde e montanhosa que os cercava. Para Domenico e família a impressão era de um sonho, parecia até que estavam vendo ao vivo alguns dos relatos sobre o Brasil descritos pelo pai Daniele. Era o mês de janeiro de 1884. Desembarcaram e depois do exame médico de praxe foram encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, na Ilha das Flores, onde ficaram abrigados por dois dias esperando outro navio de menor calado que os levaria para o Rio Grande do Sul. Os passageiros que embarcaram em Nápoles, que tinham como destino as fazendas de café de São Paulo, embarcaram no dia seguinte da chegada, em outro navio até o porto de Santos. A jornada de Genaro e família ainda seria longa, embarcados agora no navio costeiro Maranhão, seguiam para o porto de Rio Grande, passando pelo porto de Paranaguá, no Paraná para deixar algumas famílias venetas. Em quatro dias estavam em Rio Grande, na província do Rio Grande do Sul, onde desembarcaram com centenas de outros emigrantes italianos entre vênetos e lombardos sendo recebidos em grandes barracões comunitários a espera dos pequenos navios fluviais a vapor e pelas condições de navegabilidade dos rios para seguirem até a Colônia Dona Isabel, o destino de muitos dos emigrantes que viajaram com a família de Genaro. Tiveram que ficar mais de uma semana, praticamente acampados naqueles desconfortáveis barracões, até que finalmente chegou a ordem de embarque. Em pequenos barcos fluviais a vapor Genaro e a família passaram por Pelotas e começaram a atravessar a extensa Lagoa dos Patos, passando também por Porto Alegre, até a foz do rio Caí, pelo qual começaram a subir lentamente por aproximadamente sete horas, até o porto na cidade de Montenegro, o mais próximo da colônia Dona Isabel. Nesse local faziam uma breve parada técnica para poder enfrentar as várias horas de caminhada até os barrações da colônia Dona Isabel. Genaro e sua família estavam realmente extenuados por tantos dias de viagens e ainda tinham que percorrer vários quilômetros e subir uma difícil serra até alcançarem a colônia Dona Isabel. Realmente não tinham sonhado que a viagem seria assim tão penosa e longa. A mãe de Genaro sempre de bom humor tentava de todas as maneiras incutir coragem nos seus filhos, encontrando em tudo que viam, motivos para muitas brincadeiras, comparações e assim passar o tempo, afastando pensamentos negativos.

Continua
Trecho do conto 
Em Busca de um Futuro Melhor
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS