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domingo, 18 de agosto de 2024

Sonhos em Terra Nova: A Jornada dos Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul



No final do século XIX, a Itália, então um reino recém unificado, estava marcada pela diminuição drástica de trabalho, pobreza e pelo desespero. A falta de empregos no campo trazia para as pequenas cidades levas de famílias em busca de uma vida nova que o país, por falta de recursos, infelizmente, não podia oferecer. Trento, Vêneto e Lombardia eram regiões particularmente afetadas pela crise econômica que assolava o país. As terras eram secas em algumas zonas e sofriam com inundações em outras, sendo a fome um inimigo constante, especialmente nas zonas montanhosas, acostumadas  a séculos com essas dificuldades. Entre as aldeias e vilarejos, a esperança de melhora era uma mercadoria escassa. No entanto, o rumor de uma terra prometida, do outro lado do oceano, começava a se espalhar como um bálsamo para aqueles que lutavam pela sobrevivência.

Giovanni e Maria, pequenos trabalhadores rurais, moradores em uma vila de Trento, viviam com seus três filhos – Carlo, Lucia e Antonio – em uma velha e precária casa, que a família ja não tinha recursos para os devidos reparos, mas, por outro lado, cheia de sonhos. Giovanni, como agricultor lutava contra a terra ingrata, a inclemência do clima e os preços baixos dos grãos que colhia e dos poucos produtos que conseguia obter, sentia agora que sua família estava à beira do desespero. Ao ouvir histórias sobre a vastidão das terras brasileiras e as oportunidades que se abriam no Novo Mundo, decidiu que era hora de buscar um futuro melhor. Com apenas alguns poucos bens e muito mais esperança, a família se preparou para deixar para trás o que conheciam e partir rumo ao desconhecido.

Enquanto isso, em Treviso, Elisa e seu pai, Giuseppe, estavam imersos em um sentimento de perda e esperança. Giuseppe, um viúvo marcado pela dor da perda recente de sua esposa, viu na emigração uma chance de dar a sua filha uma vida que ele não podia mais proporcionar na Itália. Eles embarcaram em um navio, cheios de expectativas e com o coração pesado pela despedida, rumo ao Brasil.

Na Lombardia, a situação era igualmente desesperadora. Luigi, um jovem artesão, viu a emigração como a única saída para mudar sua sorte e garantir um futuro melhor para seus irmãos mais novos. O navio que os transportava estava cheio de pessoas como ele – homens e mulheres que, carregavam consigo sonhos e esperanças.

A travessia para o Brasil não foi fácil. O oceano, imenso e imprevisível, desafiou a resistência dos imigrantes com tempestades e doenças. A comida era escassa e as condições de vida, precárias. No entanto, a fé e a determinação mantiveram todos em frente. A promessa de um novo começo estava sempre presente, um farol na escuridão das dificuldades.

Quando os navios finalmente chegaram ao Brasil, a visão que se apresentava era muito diferente daquilo que haviam imaginado. Os portos estavam abarrotados de pessoas, a vegetação era densa e o calor, abafante. Os imigrantes foram distribuídos em várias regiões, mas foi no Rio Grande do Sul que encontraram a maior concentração de novas colônias.

As colônias de Caxias do Sul, Dona Isabel e Conde d'Eu foram fundadas com o propósito de oferecer terras e condições para que os imigrantes pudessem prosperar. No entanto, a adaptação à nova vida não foi fácil. As terras eram vastas e selvagens, e a infraestrutura era quase inexistente. A comunicação com o mundo exterior era limitada e os primeiros anos foram marcados por um intenso esforço para transformar a mata virgem em campos férteis.

Giovanni e Maria enfrentaram o desafio com coragem. A família começou a desbravar a terra, com Giovanni trabalhando a terra e Maria cuidando da casa e dos filhos, além de ajudar o marido no pesado trabalho da roça. As dificuldades eram muitas, mas o trabalho árduo e a esperança de uma colheita promissora eram a motivação diária. O clima quente e as doenças desconhecidas representavam desafios constantes, mas a perseverança da família era inabalável.

Elisa e Giuseppe por sua vez, lutaram para se estabelecer em sua nova casa. Encontraram apoio em outros imigrantes e, juntos lentamente, foram formando uma pequena comunidade. Giuseppe usou suas habilidades agrícolas para cultivar a terra, enquanto Elisa cuidava da casa e procurava fazer amizade com os vizinhos para se adaptar à vida nas colônias.

Luigi e seus amigos enfrentaram desafios semelhantes. A terra era rica, mas o trabalho era intenso. Sua aptidão na construção foi útil, encontrando nesse setor o se ganha pão. As condições em que viviam eram duras e a grande distância entre as famílias aumentava o sentimento de isolamento. No entanto, a camaradagem entre os imigrantes ajudava a superar as dificuldades. Além do trabalho na construção, se dedicava com afinco na pequena roça e a primeira colheita foi uma grande conquista. O sentimento de realização começou a brotar, mesmo diante das adversidades.

Com o tempo, os imigrantes italianos começaram a ver os frutos de seu trabalho. As colônias prosperaram, e as terras, uma vez inóspitas, transformaram-se em áreas férteis e produtivas. As dificuldades iniciais foram superadas pela determinação e pelo espírito de comunidade. Os laços entre os imigrantes se fortaleceram, e a vida nas colônias tornou-se cada vez mais gratificante.

O legado dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul é uma história de resiliência e superação. Eles chegaram em busca de uma vida melhor e, através de trabalho árduo e determinação, conseguiram transformar suas vidas e a terra em que estabeleceram suas raízes. Hoje, suas contribuições são celebradas e a influência italiana é uma parte fundamental da cultura e da história da região. A saga dos imigrantes italianos é um testemunho poderoso do espírito humano e da capacidade de transformar desafios em conquistas duradouras.


domingo, 3 de março de 2024

O Açúcar em Veneza

 



A influência de Veneza na propagação da cultura da cana-de-açúcar e sua posterior introdução no Caribe tiveram um impacto fundamental na remodelação do comércio e dos padrões alimentares na Europa. Sempre à vanguarda, a Sereníssima República veneziana liderou esse processo por meio de seus visionários observadores e hábeis comerciantes.
A revelação desse elemento remonta a 1099, mérito dos Cruzados, que testemunharam e registraram, próximo a Tripoli, na Síria, as exuberantes canas de tons mel. Um cronista de guerra da época descreveu vividamente: "Os campos eram um mar de canas meladas, apelidadas de açúcar, cultivadas com primor; quando maduras, os nativos as trituravam em pilões, obtendo uma massa que era coletada e deixada para solidificar como neve ou sal fino. Os cruzados as utilizavam em papas, misturando o açúcar ao pão e à água. Durante os cercos em Albânia, em Archas e Marra, nutriam-se dessas deliciosas canas." Até então, a culinária do Oriente era reverenciada por suas especiarias exóticas e sabores singulares, resultando em um florescimento da pesquisa gastronômica, como testemunhado por textos culinários da época. Na Europa, os primeiros livros de receitas surgiram até o século XIII, enquanto no Oriente já havia um catálogo desde o século X. É digno de nota que, entre os séculos XIII e XIV, um tratado de dietética árabe foi vertido para o latim em Veneza por um personagem conhecido como Jamboninus de Cremona, evidenciando a assimilação dos hábitos gastronômicos orientais pelos venezianos.
No ano de 1222, o Doge Ziani expressou preocupação com a falta de peixe e outros alimentos tradicionais, porém Angelo Faliese, procurador de São Marcos, prontamente esclareceu que essa escassez era, na verdade, um reflexo do sucesso veneziano: as abundantes importações do Oriente e o influente papel desempenhado por Veneza no enriquecimento da cultura europeia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Cartas de Chamada






No ano de 1911, foi promulgada uma lei brasileira que em certo sentido legalizava o uso da Carta de Chamada. Por exemplo, introduzia a obrigação da chamada para os maiores de 60 anos e os não aptos para o trabalho que quisessem emigrar. No seu parágrafo único dizia: os maiores de 60 anos de idade e os inaptos para o trabalho só serão admitidos com imigrantes quando acompanhados de suas famílias, ou quando vierem para a companhia destas, contanto que haja da mesma família pelo menos um individuo válido, para outro inválido ou para um até dois maiores 60 anos. O único modo para demonstrar que o migrante vinha para estar com a família e esta estava disposta e apta para sua manutenção era se munir de uma Carta de Chamada. O governo federal forneceria gratuitamente aos agricultores ou aos chamados pelas mesmas, desde que aptos para o trabalho, passagem de terceira classe, transporte e acomodações até o destino escolhido, isenção do pagamento das taxas de bagagem e ótimo motivo para se apresentar com uma Carta de Chamada.  




Ainda no Capítulo III, art. 18° da referida lei, dizia que: dava-se preferência para o embarque com as companhias de navegação, autorizadas pelo governo federal, para transporte dos imigrantes, para os assim denominados imigrantes espontâneos e para aqueles chamados por parentes já estabelecidos no Brasil. 

As Cartas de Chamada eram aquelas escritas por parentes que já haviam anteriormente imigrado e mandavam notícias para seus familiares que ainda estavam na Itália. Esses parentes ou amigos que já moravam no Brasil, imigrados há algum tempo se responsabilizavam pela vinda do resto da família, que deveria carregar consigo as cartas de chamada durante a viagem, como um documento para ser aceito no novo país. Essas cartas de chamada do Brasil permitiam que tanto cidadãos brasileiros quanto os imigrantes, com residência permanente no país, “chamassem” seus parentes, fornecendo-lhes um atestado de apoio.  




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS








 

 


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Relato de uma mãe emigrante italiana



Relato de uma mãe, emigrante italiana, que lembra a agonia de perder uma filha na travessia do grande oceano, viagem mil vezes sonhada enquanto esperava a partida, nos longos meses passados na sua pequena vila no interior do Vêneto, vendendo tudo que tinham para juntar o dinheiro necessário para pagar as passagens de navio.

"Durante a viagem no navio a menina ficou coma febre, uma febre cada vez mais alta, eu ficava com ela dia e noite, não sabia o que fazer. Uma noite a ouvi gemer, estava suando frio, tremendo; tentei aquecê-la e segurá-la perto de mim, mas de repente ela parou de tremer. Estava morta. Morta. Talvez porque não havia remédios, talvez porque não havia nenhum médico por perto; não sei. Talvez ela tivesse contraído uma febre mortal”. 

"Arrancaram ela dos meus braços, a enfaixaram bem apertado da cabeça aos pés e amarraram uma grande pedra ao pescoço; durante a noite, às duas horas da madrugada, com aquelas ondas tão negras, baixaram-na ao mar. Eu gritava, gritava, não queria me afastar dela, queria me afogar com minha filhinha; alguns braços me seguraram, homens eu creio. Eu não queria que minha filhinha tão pequenina acabasse naquele mar tão frio, tão escuro, certamente devorada pelos peixes. Eu queria ser enterrada com ela, protegê-la de alguma forma, defendê-la, para que não a devorassem. Eu não queria deixá-la sozinha, pobre criança, mas eles me seguraram enquanto a jogavam ao mar. Aquele baque na água, nunca mais consegui esquecer”. 





A imigrante vêneta que viajava para o Brasil era Amalia Pasin que, com seu marido Giovanni, partiram da cidade de  Villafranca Padovana, no ano de 1923, teria ela, muitos anos depois, contado esta sua tragédia para a escritora Francesca Massarotto Raouik, autora do livro "Brasil sempre. Mulheres do Vêneto no Rio Grande do Sul”. Mulheres todas movidas pela mesma esperança: "catàr fortuna". Lá, no "Brasil taliàn" cheio de nossos imigrantes e evocado uma comovente canção "Itália bela, mostre-se gentil/ não abandone teus filhos/ senão todos irão para o Brasil /e não mais se lembrarão de retornar ..." . Alguns fizeram fortuna. Outros não. 

Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS