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sábado, 5 de julho de 2025

Linhas do Destino: Memórias de uma Terra Prometida


Linhas do Destino

Memórias de uma Terra Prometida


Caro Padre Luigi,

É com imensa alegria que lhe escrevo para contar sobre a nossa chegada a esta terra distante, onde o céu parece mais vasto e a esperança se mistura ao trabalho árduo. Já se passaram duas semanas desde que chegamos ao nosso lote na colônia, e devo dizer que a escolha de partir está se revelando uma bênção. A terra é generosa, coberta de árvores exuberantes, e promete colheitas que nunca sonhamos nos campos de onde viemos. A cada dia agradecemos ao Senhor por esta oportunidade e esperamos que em breve também possam se juntar a nós.

Aqui as coisas se organizam de forma simples, mas eficaz. O governo nos oferece um apoio inicial, o que nos dá tempo para nos prepararmos para viver de maneira independente. A natureza nos acolhe com água cristalina e ar puro, uma bênção para nossos pulmões cansados. Quando chegarem, encontrarão não apenas a nós, mas também um novo começo, que lhes devolverá energias e esperanças esquecidas.

Amado irmão Paolo,

Você não imagina o quanto desejamos vê-lo aqui com sua família. Garanto que encontrará uma vida mais tranquila do que a que deixamos para trás. As crianças correm livres, o medo parece menos presente, e o esforço, embora grande, traz frutos concretos. Já imagino seus filhos sorrindo enquanto exploram esses campos férteis.

Traga com você as melhores ferramentas que possui e algumas sementes de nossas terras. Aqui há necessidade de mãos fortes e ideias novas. Não deixe de dizer à nossa mãe que a viagem, embora longa, vale cada sacrifício. Conte a ela que os mais velhos chegam aqui com o rosto mais sereno, quase rejuvenescidos pela beleza da paisagem e pela esperança de dias melhores.

Não demorem a nos dar notícias sobre sua partida. Estaremos no porto para recebê-los com nossos cavalos e alegria no coração. A cada dia sonhamos com o momento de nos abraçarmos novamente e mostrarmos tudo o que construímos. Enviem nossos cumprimentos aos amigos e parentes em Valdobbiadene e digam que nosso coração os lembra com afeto.

Com confiança no futuro e no abraço de Deus, deixo estas linhas, esperando uma resposta que nos encha de esperança.

Seu devoto filho e irmão,

Giovanni


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Cartas de Chamada






No ano de 1911, foi promulgada uma lei brasileira que em certo sentido legalizava o uso da Carta de Chamada. Por exemplo, introduzia a obrigação da chamada para os maiores de 60 anos e os não aptos para o trabalho que quisessem emigrar. No seu parágrafo único dizia: os maiores de 60 anos de idade e os inaptos para o trabalho só serão admitidos com imigrantes quando acompanhados de suas famílias, ou quando vierem para a companhia destas, contanto que haja da mesma família pelo menos um individuo válido, para outro inválido ou para um até dois maiores 60 anos. O único modo para demonstrar que o migrante vinha para estar com a família e esta estava disposta e apta para sua manutenção era se munir de uma Carta de Chamada. O governo federal forneceria gratuitamente aos agricultores ou aos chamados pelas mesmas, desde que aptos para o trabalho, passagem de terceira classe, transporte e acomodações até o destino escolhido, isenção do pagamento das taxas de bagagem e ótimo motivo para se apresentar com uma Carta de Chamada.  




Ainda no Capítulo III, art. 18° da referida lei, dizia que: dava-se preferência para o embarque com as companhias de navegação, autorizadas pelo governo federal, para transporte dos imigrantes, para os assim denominados imigrantes espontâneos e para aqueles chamados por parentes já estabelecidos no Brasil. 

As Cartas de Chamada eram aquelas escritas por parentes que já haviam anteriormente imigrado e mandavam notícias para seus familiares que ainda estavam na Itália. Esses parentes ou amigos que já moravam no Brasil, imigrados há algum tempo se responsabilizavam pela vinda do resto da família, que deveria carregar consigo as cartas de chamada durante a viagem, como um documento para ser aceito no novo país. Essas cartas de chamada do Brasil permitiam que tanto cidadãos brasileiros quanto os imigrantes, com residência permanente no país, “chamassem” seus parentes, fornecendo-lhes um atestado de apoio.  




Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS








 

 


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Relato de uma mãe emigrante italiana



Relato de uma mãe, emigrante italiana, que lembra a agonia de perder uma filha na travessia do grande oceano, viagem mil vezes sonhada enquanto esperava a partida, nos longos meses passados na sua pequena vila no interior do Vêneto, vendendo tudo que tinham para juntar o dinheiro necessário para pagar as passagens de navio.

"Durante a viagem no navio a menina ficou coma febre, uma febre cada vez mais alta, eu ficava com ela dia e noite, não sabia o que fazer. Uma noite a ouvi gemer, estava suando frio, tremendo; tentei aquecê-la e segurá-la perto de mim, mas de repente ela parou de tremer. Estava morta. Morta. Talvez porque não havia remédios, talvez porque não havia nenhum médico por perto; não sei. Talvez ela tivesse contraído uma febre mortal”. 

"Arrancaram ela dos meus braços, a enfaixaram bem apertado da cabeça aos pés e amarraram uma grande pedra ao pescoço; durante a noite, às duas horas da madrugada, com aquelas ondas tão negras, baixaram-na ao mar. Eu gritava, gritava, não queria me afastar dela, queria me afogar com minha filhinha; alguns braços me seguraram, homens eu creio. Eu não queria que minha filhinha tão pequenina acabasse naquele mar tão frio, tão escuro, certamente devorada pelos peixes. Eu queria ser enterrada com ela, protegê-la de alguma forma, defendê-la, para que não a devorassem. Eu não queria deixá-la sozinha, pobre criança, mas eles me seguraram enquanto a jogavam ao mar. Aquele baque na água, nunca mais consegui esquecer”. 





A imigrante vêneta que viajava para o Brasil era Amalia Pasin que, com seu marido Giovanni, partiram da cidade de  Villafranca Padovana, no ano de 1923, teria ela, muitos anos depois, contado esta sua tragédia para a escritora Francesca Massarotto Raouik, autora do livro "Brasil sempre. Mulheres do Vêneto no Rio Grande do Sul”. Mulheres todas movidas pela mesma esperança: "catàr fortuna". Lá, no "Brasil taliàn" cheio de nossos imigrantes e evocado uma comovente canção "Itália bela, mostre-se gentil/ não abandone teus filhos/ senão todos irão para o Brasil /e não mais se lembrarão de retornar ..." . Alguns fizeram fortuna. Outros não. 

Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS