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domingo, 15 de setembro de 2024

As Mãos que Sustentam o Amanhã

 


As Mãos que Sustentam o Amanhã


As colônias italianas do sul do Brasil, fincadas nas terras virgens da Serra Gaúcha, não eram apenas fruto do trabalho dos homens, que desbravavam a mata e aravam o solo. As mulheres, com suas mãos calejadas e almas resilientes, eram o alicerce invisível, o pilar silencioso que sustentava o futuro. Carmela, uma dessas mulheres, de olhos que refletiam a dor da distância e o brilho da esperança, se tornara o próprio símbolo desse sacrifício, dessa entrega total que mantinha as engrenagens da vida colonial girando.

Desde que haviam deixado a pequena aldeia na província de Veneto, a jornada de Carmela fora um exercício constante de adaptação e renúncia. No navio que os trouxe ao Brasil, perdera a mãe para o mar agitado, mas não derramou uma lágrima. Sabia que sua responsabilidade era maior do que o luto; era a força motriz de sua família. Ao chegar à colônia, o peso da nova vida recaiu sobre seus ombros sem pedir licença. Seu marido, Pietro, enfrentava o trabalho pesado na terra, mas Carmela, com seu ventre crescendo a cada estação, cuidava de tudo o que ficava para trás – a casa, os filhos, os animais e, quando necessário, também o campo.

Carmela acordava antes do sol. Com o primeiro cantar dos galos, já se encontrava na cozinha, preparando o pão para o dia. Seus filhos ainda dormiam, encolhidos sob mantas puídas, e Pietro saíra antes dela para os campos. Seus pés descalços, movendo-se no chão de terra batida, faziam um leve ruído que apenas ela notava. As tarefas domésticas pareciam intermináveis: o fogo que nunca podia apagar, o leite que tinha de ser fervido, o porco que necessitava de atenção. Mas era o campo que a chamava insistentemente.

Lá, ao lado do marido, o trabalho braçal não distinguia gêneros. A enxada pesava em suas mãos tanto quanto na de Pietro. Cada sulco aberto no solo parecia roubar um pouco de suas forças, mas ela mantinha o ritmo. Não era apenas o corpo que se curvava ao peso das tarefas; sua mente também carregava o fardo invisível das responsabilidades. Era ela quem pensava nos filhos, que mais tarde iriam correr entre as fileiras de milho, brincando como se o mundo fosse eterno e imutável.

Quando a primeira filha, Teresa, nasceu, Carmela sentiu o corpo esgotado, mas seu espírito se encheu de uma força nova. Ali, no meio das dores do parto e da alegria do nascimento, ela compreendeu que ser mulher naquela colônia era ser ponte entre o passado e o futuro. A maternidade não era uma escolha; era um dever. Teresa, como seus outros filhos, aprenderia desde cedo a partilhar das responsabilidades da vida colonial. Carmela, porém, não via isso como algo imposto. Para ela, era a essência da existência, o ciclo contínuo de dar e nutrir, que mantinha a roda da vida em movimento.

A vida seguia esse ritmo inexorável. Entre as estações de plantio e colheita, o nascimento de novos filhos e as perdas que a colônia impunha, Carmela ia esculpindo, dia após dia, uma existência de sacrifício e perseverança. Pietro, por vezes, se perdia em reflexões silenciosas, observando o quanto a esposa carregava, não apenas em suas costas, mas no coração. Ele sabia que, sem ela, não teriam chegado até ali. Não havia medalhas para ela, nenhum reconhecimento público. Havia apenas o respeito silencioso de quem compreendia o verdadeiro peso de sua jornada.

Com o passar dos anos, o rosto de Carmela endureceu. As rugas que surgiam ao redor dos olhos não eram apenas sinais da idade, mas testemunhas das longas jornadas, da dor de enterrar amigos e de ver filhos adoecerem. Ainda assim, havia em seu semblante uma serenidade inabalável, como se ela soubesse que sua missão era maior do que qualquer sofrimento. Seus filhos cresciam fortes, e a colônia prosperava lentamente, com cada casa erguendo-se do solo como se brotasse das mãos calejadas das mulheres que ali viviam.

Ao cair da noite, depois de um longo dia de trabalho, Carmela reunia os filhos ao redor da lareira. Contava histórias da Itália, da vida que um dia havia deixado para trás, não com nostalgia, mas com um olhar de gratidão por ter encontrado um novo lar. Embora o Brasil fosse uma terra de desafios, era também o lugar onde ela havia criado raízes. Cada pedaço de madeira que alimentava o fogo parecia ressoar com a lembrança dos antepassados, e o calor que emanava aquecia não só o corpo, mas a alma de sua família.

Nas festas da colônia, as mulheres, vestidas com seus trajes simples, sorriam e dançavam ao som das antigas canções italianas. Por um breve momento, esqueciam-se das durezas do cotidiano. Mas, mesmo nesses momentos de alegria, os olhos de Carmela sempre se voltavam para os campos, para as responsabilidades que aguardavam o amanhecer. Ela sabia que, ao contrário dos homens, que podiam descansar ao final do trabalho braçal, seu labor continuava. A casa nunca ficava em silêncio, os filhos nunca paravam de exigir cuidados.

Os anos se passaram, e Carmela viu seus filhos se tornarem adultos. Alguns casaram-se e estabeleceram suas próprias famílias, outros partiram em busca de novas oportunidades. A colônia continuava a se expandir, e com ela, o legado das mulheres que a construíram. Agora, com os cabelos grisalhos e os ossos cansados, Carmela podia olhar para trás e ver tudo o que havia construído. Mas, ainda assim, o trabalho não terminava. Continuava a cuidar da casa, a ajudar os filhos e netos, a transmitir suas histórias e valores.

Olhando para o horizonte, onde o sol se punha atrás das colinas, Carmela compreendia que sua vida era a de tantas outras mulheres que haviam se sacrificado em silêncio. Não havia monumentos erigidos em sua homenagem, mas as colheitas, as casas e as famílias eram a prova viva de sua dedicação. Ela sabia que o futuro, embora incerto, seria moldado pelas mãos fortes e invisíveis das mulheres imigrantes. Essas mãos que, sem alarde, ergueram o sonho de um novo mundo em terras distantes.

A colônia prosperava, mas Carmela e tantas outras mulheres continuavam a ser as forças motrizes invisíveis. Enquanto os homens eram celebrados por suas conquistas, elas eram as sombras por trás do sucesso, as que garantiam que tudo funcionasse, que o lar fosse sempre um refúgio seguro. E assim, silenciosamente, elas deixaram sua marca indelével na história das colônias italianas.



sábado, 17 de agosto de 2024

O Adeus no Oceano: A Jornada de Uma Família em Busca de Esperança

 



Giovanni e Maria haviam suportado mais do que a vida deveria exigir de qualquer um. Ele, aos 32 anos, tinha o vigor físico de um trabalhador incansável, mas a alma marcada pelas agruras que o tempo impôs. As mãos calejadas de Giovanni, acostumadas ao peso da enxada, contavam uma história de luta e sacrifício, enquanto seus olhos, profundos e sombrios, refletiam a constante batalha contra a desesperança.

Maria, com 28 anos, era o esteio da família. Seus olhos castanhos, que um dia brilhavam de juventude, agora eram testemunhas silenciosas de noites mal dormidas e dias intermináveis de trabalho nos campos de arroz. Ela mantinha uma postura digna, mesmo diante da pobreza e das incertezas que a vida em Lendinara, na província de Rovigo, trazia. Cada sorriso que oferecia a Giovanni ou aos filhos, Pietro e Lucia, era um ato de coragem, uma promessa de que, apesar de tudo, a esperança ainda resistia.

O pequeno município de Lendinara, com suas colinas verdejantes e paisagens bucólicas, era um lugar onde a beleza natural contrastava dolorosamente com a miséria que assolava seus habitantes. A terra não era fértil, e as colheitas mal cobriam os altos impostos e as necessidades básicas. O futuro parecia cada vez mais sombrio, e a fome se tornava uma presença constante nas mesas das famílias. Giovanni e Maria sabiam que, se continuassem ali, a miséria seria o legado deixado para seus filhos.

Em meio a esse cenário desolador, surgiu uma oportunidade: o Brasil. Era uma terra distante, envolta em mistério e promessas. Promessas de terra fértil e trabalho nas imensas plantações de café, onde poderiam recomeçar, longe das sombras que pairavam sobre a Itália. No entanto, a decisão de partir não foi tomada levianamente. Eles estavam deixando para trás o lugar onde nasceram, onde suas raízes estavam profundamente fincadas, onde tinham enterrado seus sonhos e onde tinham dado os primeiros passos como família.

O medo do desconhecido assombrava as noites de Giovanni e Maria. O Brasil era uma incógnita, uma terra de perigos e incertezas. Mas, ao olhar para Pietro, de seis anos, e Lucia, de quatro, seus corações se encheram de determinação. Eles não podiam permitir que seus filhos crescessem na mesma pobreza que os consumia. A esperança de um futuro melhor superou o medo do desconhecido, e a decisão de partir foi tomada com o coração apertado e a alma repleta de coragem.

A travessia, no entanto, não era um simples detalhe no caminho para uma nova vida. O navio, que deveria ser um símbolo de esperança, logo se transformou em um pesadelo flutuante. O espaço exíguo, as condições insalubres e a mistura de centenas de pessoas, cada uma com sua própria história de fuga e esperança, criaram um ambiente sufocante. O mar, que deveria ser um caminho para a liberdade, parecia mais uma barreira intransponível.

Foi então que a difteria irrompeu a bordo, espalhando-se com uma velocidade aterrorizante. O que antes eram risos de crianças e murmúrios de expectativa, agora se transformou em choros abafados e gritos de dor. As crianças, frágeis e indefesas, eram as mais atingidas pela doença, e o desespero tomou conta de cada canto do navio.

Giovanni e Maria fizeram de tudo para proteger Pietro e Lucia, mas o medo era palpável. Cada tosse de Lucia, cada febre que assolava Pietro, parecia um presságio de que a tragédia estava à espreita. Infelizmente, o destino foi implacável. Lucia, a pequena de apenas quatro anos, não resistiu à difteria. Sua morte trouxe um peso insuportável ao coração de seus pais, que assistiram impotentes enquanto a vida da filha se esvaía.

No meio do vasto oceano, sem terra à vista, não havia escolha a não ser dar à pequena Lucia o último adeus no mar. Seu corpo, frágil e sem vida, foi envolto em um lençol branco e, com uma pedra amarrada aos seus pés, foi lançado às águas profundas. O som das orações de Maria, entrecortadas pelo choro, e o silêncio pesado de Giovanni ecoaram pelo navio enquanto o pequeno corpo de Lucia desaparecia nas ondas. O mar, outrora um símbolo de esperança, agora se tornava o guardião do que lhes era mais precioso.

A dor da perda foi um golpe brutal para Giovanni e Maria, que agora precisavam encontrar forças onde parecia não haver mais nada. A travessia se arrastou por semanas, mas finalmente, o navio avistou as costas do Brasil. O que antes era uma terra de promessas, agora parecia ser a última esperança de salvação. Giovanni e Maria desembarcaram com Pietro nos braços, mais exaustos e enfraquecidos do que poderiam imaginar. Eles haviam sobrevivido, mas sabiam que as cicatrizes daquela jornada ficariam para sempre.

Em São Paulo, foram recebidos por um novo mundo, onde a língua, a cultura e as paisagens eram estranhas e desafiadoras. A fazenda para a qual Giovanni havia sido contratado parecia um paraíso comparado ao inferno que haviam deixado para trás, mas a adaptação seria uma nova luta. Mesmo assim, havia algo em seus corações que continuava a pulsar—um desejo inabalável de reconstruir suas vidas, de dar a Pietro a oportunidade que Lucia não teve.

A vida no Brasil não seria fácil, mas Giovanni e Maria aprenderam que a verdadeira força não reside apenas na capacidade de sobreviver, mas na coragem de recomeçar. Eles haviam cruzado oceanos, enfrentado a morte e superado o desespero. Agora, estavam prontos para transformar esse novo começo em uma vida digna, onde a esperança poderia finalmente florescer, e onde a memória de Lucia viveria para sempre em seus corações.



quarta-feira, 17 de abril de 2024

Além do Horizonte: A Viagem de Retorno


 

Em uma das muitas jornadas do navio a vapor Carlo R, da renomada companhia de navegação Carlo Raggio, uma família italiana embarcou rumo ao desconhecido horizonte do Brasil. Pietro e Maddalena, com seus três filhos Giacomo, Aurora e Giovanni Battista, estavam repletos de esperança e expectativas enquanto deixavam para trás sua terra natal, Nápoles, no dia 27 de julho de 1893.
O Carlo R., com seus 101 metros de comprimento e 13 metros de largura, era uma relíquia adaptada às pressas para o transporte de passageiros em meio ao auge da emigração italiana. A bordo, cerca de 1.400 almas se amontoavam em condições precárias, uma situação agravada pela epidemia de cólera que assolava Nápoles naquele ano.
No quarto dia de viagem, o temor se concretizou quando um caso da doença surgiu a bordo. Ao invés de retornar ao porto de origem para tratamento adequado, o comandante optou por continuar a travessia, ocultando a gravidade da situação das autoridades locais. O resultado foi uma rápida propagação da epidemia entre os passageiros, transformando o navio em um verdadeiro inferno flutuante.
Quando o Carlo R. finalmente alcançou o porto do Rio de Janeiro, juntou-se a outros navios italianos igualmente atormentados pela tragédia. O Remo e o Vicenzo Florio compartilhavam do mesmo destino sombrio, com mortes a bordo e uma carga humana enferma.
Diante da ameaça de uma epidemia em território brasileiro, as autoridades decidiram não permitir o desembarque dos passageiros. Os navios foram escoltados para uma distante região próxima à Ilha Grande, onde passaram por desinfecção e reabastecimento.
Enquanto aguardavam uma decisão final, a angústia se instalava entre os passageiros, incluindo a família de Pietro e Maddalena. A incerteza do futuro pairava sobre eles como uma sombra constante.
Após semanas de espera, a ordem finalmente chegou: retornar à Itália. O procedimento padrão internacional para casos semelhantes exigia que os navios regressassem com sua carga humana. Para Pietro e Maddalena, era um retorno amargo, marcado pela dor das perdas sofridas durante a travessia e pela incerteza do que encontrariam ao voltar para casa.
Anos depois, em um tribunal italiano, o comandante do Carlo R. e a companhia responsável foram julgados e condenados pelas mortes ocorridas naquela fatídica viagem. No entanto, para Pietro e Maddalena, as cicatrizes daquela tragédia nunca desapareceriam completamente, permanecendo como testemunhas silenciosas de uma jornada marcada pela dor e pela perda.


sábado, 13 de abril de 2024

Fuga tra le Dolomiti: L'Epica Odissea di Matteo - Capitolo 5




Fuga tra le Dolomiti: L'Epica Odissea di Matteo

La vita è una sola e dobbiamo cercare di viverla appieno


Capitolo 5



Ha approfittato del momento per fare un inventario delle provviste e della legna secca accuratamente immagazzinate nella modesta capanna. Si sentiva grato e riconoscente a quelle anime prudenti che si erano dedicate a raccogliere gli utensili essenziali per la sopravvivenza. Si era impegnato interiormente a rifornire tutto ciò che avesse utilizzato durante quei giorni, una volta raggiunta la sicurezza desiderata. Nei suoi calcoli, capiva che era a una giornata di cammino di circa cinque giorni dal villaggio più vicino in condizioni normali. Tuttavia, con la persistenza della bufera di neve, quel percorso avrebbe potuto estendersi oltre a dolorosi dieci giorni di cammino faticoso. Tra gli vari strumenti trovati nel rifugio, ha notato la presenza di abili trappole per la caccia di conigli e altri piccoli animali selvatici, abbondanti in quella regione. Approfittando dell'interruzione della bufera di neve, si è equipaggiato con un paio di racchette da neve e ha sfidato il vento freddo e penetrante.
Con coraggiosa abilità, ha distribuito strategicamente alcune delle ingenue trappole vicino a un piccolo ruscello d'acqua, serpeggiante tra le pietre velate dal manto di neve. Ha colto l'opportunità di raccogliere acqua fresca, utilizzando un secchio di legno che aveva trovato nel rifugio. È tornato rapidamente al tepore del rifugio, sfuggendo al freddo penetrante che, secondo le sue stime, aveva già raggiunto alcuni gradi sotto lo zero, aggravato dal vento glaciale che soffiava dall'Artico. Privato di radio o di qualsiasi mezzo di comunicazione, si trovava completamente isolato dal mondo, ignaro delle notizie della guerra e incapace di valutare la situazione del paese. Appoggiato accanto al camino, ha ricordato gli anni trascorsi nel seminario nella lontana città di Milano. Sono stati sei lunghi anni di dedizione e studio, aspettando ansiosamente il giorno in cui avrebbe fatto i voti per diventare sacerdote. Durante questo periodo, ha visitato la famiglia solo tre o quattro volte, sempre durante le vacanze invernali, durante il Natale. La sua permanenza non superava una settimana, poiché, oltre agli impegni accademici, c'erano compiti e responsabilità nel seminario. Tra questi compiti, le sue attività preferite riguardavano la cura della stalla e delle mucche, abilità che eseguiva con maestria. Fin dall'età di cinque anni, accompagnava già il padre e i fratelli in lavori simili a casa. Si sentiva libero in mezzo ai cavalli e alle mucche. Portare gli animali a pascolare al di là dei limiti del seminario era un momento di autentica gioia e contemplazione.
Dedicato e diligente, si è distinto fin da giovane nelle lezioni, guadagnandosi l'attenzione dei superiori e degli insegnanti grazie alla sua notevole intelligenza e capacità di apprendimento. Oltre alle prestazioni accademiche, brillava negli sport, specialmente nella corsa e nel nuoto, dove era reverenziato dai compagni come un autentico idolo. Con la sua forma fisica privilegiata di montanaro, figurava tra gli atleti più robusti del seminario. Nel terzo anno nella istituzione, ha affrontato una perdita improvvisa: il suo amico di lunga data è partito in modo repentino. La causa esatta della sua morte è rimasta avvolta nel mistero. Un giorno, è stato vinto da una febbre intensa che lo ha portato a essere ricoverato in un grande ospedale della città. Mentre alcuni attribuivano la causa all'influenza, la verità si rivelava: una polmonite sconosciuta che si era diffusa nel seguito di un focolaio generalizzato. Quell'anno stesso, ha ricevuto la dolorosa notizia della morte di sua madre, vittima di complicazioni infettive derivanti da una frattura esposta alla gamba, risultante da un incidente con una carriola. Dispensato per partecipare al funerale, questo episodio lo ha profondamente scosso, poiché, come figlio minore, manteneva un forte legame emotivo con sua madre. Una sorella, residente nella stessa città, si trasferì con la famiglia nella casa paterna, offrendo supporto e assistenza al padre. Gli altri fratelli più grandi, nonostante vivessero un po' più lontani, visitavano regolarmente la casa dei genitori, specialmente nei giorni di raccolto, offrendo aiuto e compagnia.
Col passare del tempo, si avvicinava il momento cruciale di decidere se avrebbe seguito o meno la carriera religiosa. Ha ricordato la difficoltà della scelta nel lasciare il comfort del seminario per entrare all'università. Nonostante apprezzasse profondamente la vita religiosa, dove era rispettato da tutti, ha preso l'impatto decisivo di intraprendere un altro cammino, verso l'università. La notizia della sua decisione è stata un vero shock per i suoi insegnanti e amici al seminario. Nonostante il senso di perdita, tutti hanno rispettato la sua scelta. Si è diretto all'università per studiare ingegneria, una professione che ammirava e sentiva di avere una grande affinità. La sua destrezza nei calcoli matematici e la sua abilità nel ragionamento logico sono sempre state evidenziate dai suoi insegnanti. Con distinzione, è progredito anno dopo anno, affrontando le esigenze accademiche con facilità, senza mai abbandonare la passione per lo sport. Durante questo periodo, ha sviluppato una vera affinità con il ciclismo, esplorando le montagne della regione nei suoi giri in bicicletta. È stato in questo contesto, circa a metà del corso, che ha incrociato i sentieri con Francesca, una bella giovane studentessa di giurisprudenza, due anni più giovane, originaria di una piccola città a nord del Veneto. Tra di loro è sbocciato un amore, che li ha portati a considerare seriamente la possibilità di matrimonio una volta che lei avesse completato i suoi studi. Nel periodo intercorso, prima ancora della sua laurea, ha ricevuto con sorpresa e apprensione la notizia che la sua classe era stata convocata, con ordini di presentarsi immediatamente. Il paese era immerso nella guerra, e la miccia era stata accesa. All'età di diciotto anni, poco prima di iniziare l'università, aveva già regolarmente svolto due anni di servizio militare nell'arma del genio, un'esperienza che aveva rafforzato la sua scelta professionale. Anche se non aveva completato la sua formazione, si era distinto tra i suoi compagni di divisa, ottenendo i voti più alti in tutte le valutazioni. La sua dimissione dal servizio militare era stata eccezionale, venendo riconosciuto come il primo della classe. Anche nello sport, aveva ottenuto voti massimi, venendo considerato un atleta esemplare sia dai superiori che dai colleghi. Ora, dopo quasi sei anni, aveva ricevuto una nuova convocazione attraverso un telegramma laconico, con ordini di presentarsi immediatamente. Le ultime dieci classi, compresa la sua, erano state convocate. Il termine "presentazione immediata" significava che aveva solo ventiquattro ore per presentarsi nella caserma dove aveva prestato servizio in precedenza, a rischio di essere considerato disertore, passibile di arresto e persino fucilazione. Pertanto, aveva poco tempo per raccogliere i suoi effetti personali e, precipitosamente, si era congedato da Francesca, che lo aveva accompagnato alla stazione ferroviaria, piangendo. Lì, una folla si accalcava per imbarcarsi, composta principalmente da soldati convocati come lui e dai loro familiari.
Da quel giorno, poche notizie di lei erano giunte, e ciò solo nel primo anno, nonostante i suoi incessanti tentativi tramite telegrammi e lettere inviate al suo vecchio indirizzo a Milano e alla casa dei genitori di lei nel Veneto. Successivamente, seppe che dopo la rottura del fronte italiano a Caporetto, la linea del fronte si era spostata verso il fiume Piave e i massicci montuosi attorno al monte Grappa. I conflitti di artiglieria avevano devastato numerose piccole città nella regione del monte Grappa, inclusa quella dove Francesca viveva. La popolazione civile era stata rapidamente evacuata e spostata verso sud, cercando rifugio nei campi nelle varie città del centro-sud Italia. Nella caserma, inizialmente destinata a integrare un battaglione specializzato nella costruzione di ponti, era stato inviato immediatamente a nord. Presto, con lo svolgimento della guerra e già decorato due volte per il coraggio, era stato trasferito per comandare un selezionato gruppo segreto di spionaggio e demolizione, recentemente creato. La missione era estremamente pericolosa, spesso causando molte vittime in quei distaccamenti. Aveva fatto parte di questo gruppo in numerose missioni di comando, ottenendo sempre successo, il che gli valse due promozioni per merito. Anche se non accettava la guerra, la distruzione e la perdita di tante vite, vi partecipava con intelligenza e notevole eroismo. Quando fu catturato quella notte, era pienamente consapevole che sarebbe stato sommariamente giustiziato se i nemici avessero scoperto le sue reali attività. Da qui la sua urgenza nel tentare di evadere dalla prigione. Infatti, era riuscito a fuggire già il giorno successivo alla cattura, non dando agli austriaci l'opportunità di identificarlo. Riconosceva l'estensione della sua fortuna, consapevole che, senza la ribellione iniziata dagli altri prigionieri, difficilmente sarebbe sopravvissuto. Per conseguire questa fuga, scalando l'alto muro, si era avvalso della sua forma fisica eccezionale. La resistenza al freddo e la capacità di sopportare la privazione alimentare erano il risultato dell'addestramento fisico e mentale ricevuto in caserma, unito alla sua robusta origine come montanaro.



Passaggio del libro 'La Fuga dei Dolomiti' di Luiz Carlos B. Piazzetta
Continua


sexta-feira, 12 de abril de 2024

Fuga tra le Dolomiti: L'Epica Odissea di Matteo - Capitolo 4


Fuga tra le Dolomiti: L'Epica Odissea di Matteo

La vita è una sola e dobbiamo cercare di viverla appieno


Capitolo 4


Guidato dalla meticolosità del piano che aveva architettato in precedenza, ha rivalutato la sua posizione, confermando il percorso delineato per il giorno. Con i suoi calcoli precisi, ha stimato che al calar della notte avrebbe dovuto incontrare tracce della civiltà, forse una modesta abitazione o una tortuosa strada di montagna. Conosceva le occasionali costruzioni in quelle solitudini, chiamate "baitas", rifugi di montagna eretti per proteggere coloro sorpresi dalle tempeste di neve che, a quelle altitudini, potevano durare per giorni. Queste capanne ospitavano, meticolosamente organizzate, provviste sufficienti per due persone a resistere per giorni di attesa, oltre agli strumenti essenziali e, occasionalmente, attrezzi da caccia e da taglio. Un ampio rifornimento di legna secca, destinata al camino e al fornello, completava l'inventario di base necessario per sopravvivere nelle gelide montagne. La contemplazione mentale di questi rifugi riscaldava la sua anima intorpidita dal freddo, e la fame, ora più insinuante, reclamava qualcosa di più sostanzioso dei frutti selvatici raccolti lungo il percorso. Immaginarsi accanto a un camino accogliente accendeva il desiderio del suo corpo congelato dalle intemperie. Ancora lo intrigava il fatto che la pattuglia non avesse ancora raggiunto i suoi passi. Fu solo giorni dopo, quando si trovava già al sicuro, che seppe della ribellione escogitata dai suoi compagni di prigionia per facilitare la sua fuga. L'azione insurrezionale, che richiedeva tutto il contingente disponibile delle guardie per contenerla, aveva frustrato l'organizzazione di una pattuglia efficace, liberandolo dai ceppi dell'inseguimento che si aspettava di trovare ad ogni curva del suo percorso clandestino. Attraversava rapidamente il terreno accidentato, mantenendosi saldo sulla superficie irregolare, sostenuto da un robusto ramo diventato il suo bastone improvvisato. Saliva costantemente, affrontando la neve soffice accumulatasi durante la notte, guidandosi dall'istinto radicato degli antichi montanari. Nel primo pomeriggio, si trovò di fronte a indizi rivelatori: un sentiero stretto, segnato da segni evidenti di passaggi frequenti, specialmente nei mesi più miti, quando il bestiame veniva condotto ai pascoli più alti. La scoperta lo riempì di speranza, spingendolo ad andare avanti con rinnovata determinazione, ora sotto l'imminenza di una improvvisa tempesta di neve che era sorta dal nulla. Consapevole che avanti poteva trovare uno dei tanto ricercati rifugi, proseguì, mentre la luminosità spariva rapidamente, lasciando spazio all'oscurità che caratterizza gli inverni a quelle latitudini, dove la notte cala già alle quattro del pomeriggio. Accelerò il passo, consapevole che la sua vita correva grave pericolo se dovesse affrontare un'altra notte non protetto in un ambiente gelido. Per sua fortuna, si accorse, a qualche centinaio di metri avanti, della presenza di un camino di pietra emergente dalla bufera di neve. Avvicinandosi, già immerso nell'oscurità, distinse la capanna coperta da un manto di neve. Con le mani, tolse lo strato accumulato che bloccava l'ingresso, rivelando la tradizione di questi rifugi, le cui porte solitamente rimanevano aperte per facilitare l'accesso rapido di coloro che cercavano soccorso nei momenti di bisogno. Entrando, fu avvolto da un calore confortante, una carezza che percorreva tutto il suo corpo affaticato. Palpeggiando, trovò una scatola di fiammiferi e un mozzicone di candela, disposti strategicamente sulla piastra della stufa di pietra. Alla luce tremolante della fiamma, il piccolo ambiente si rivelò ai suoi occhi. In quel momento, quasi poteva affermare che il peggio era ormai alle spalle, anche se l'ombra della pattuglia continuava a circondare i suoi pensieri, nonostante la vasta distanza che aveva già superato. Le sue prime azioni furono accendere il fuoco nel camino, cercando il calore riparatore, e provvedere qualcosa per placare la fame. Cercando nell'armadio rustico di legno, si imbatté in lattine di zuppa, delle quali ne separò due. Con un coltello da caccia, le aprì abilmente e le pose sulle fiamme danzanti del camino, scaldandole. Le divorò con avidità, come se fosse il pasto più prelibato della sua vita. Accoccolato vicino al fuoco, sentì il calore penetrare gradualmente nel suo corpo, portando una sensazione confortante di benessere. Presto si abbandonò al sonno, riposando sul letto improvvisato, ora protetto dal freddo da un voluminoso piumino di piume d'oca. Quella notte, il sonno lo accolse senza interruzioni, permettendogli di riposare per ore. Quando finalmente si svegliò, la luce del giorno colorava già l'orizzonte. Fu allora che si rese conto dell'immensità della neve accumulata durante la notte, un manto bianco che trasformava tutto il paesaggio intorno alla capanna. Valutò che, quella notte, le temperature dovevano essere scese di parecchi gradi sotto zero, e se non avesse trovato quel rifugio provvidenziale, avrebbe senza dubbio ceduto al freddo letale. La neve continuava a cadere con intensità, suggerendo che il paesaggio bianco avrebbe persistito per giorni. Indossò i vestiti che si stavano asciugando accanto al camino, trovando ancora diversi capi di lana e una robusta giacca militare, impermeabile e provvista di cappuccio, come se fosse stata confezionata con cura per la sua protezione.

Passaggio del libro 'La Fuga dei Dolomiti' di Luiz Carlos B. Piazzetta
Continua




segunda-feira, 24 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 4




Esperaram mais alguns meses, pela chegada do verão para finalmente embarcarem. Rodolfo e Mariana fizeram as malas e tomaram um trem até Trieste, o porto mais próximo, onde ele sabia  que partiam regularmente, antes da guerra,  navios com destino à América. Compraram as passagens de terceira classe para economizar o dinheiro que Rodolfo ganhou dos pais e dos seus soldos atrasados. De última hora resolveram que o destino seria alguma cidade de Santa Catarina, onde morassem pessoas que falavam o alemão ou o italiano. Depois de uma longa espera pelo navio, hospedados em uma modesta pensão não muito longe do cais, finalmente embarcaram, estreando os novos passaportes com identidade italiana. A viagem durou menos de vinte dias e foi muito tranquila sem grandes tempestades ou doenças a bordo. Desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro e com um outro navio se dirigiram até Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina. O casal já tinha conhecimento, pelas cartas dos parentes de Mariana, moradores em Rodeio, que uma grande olaria, de propriedade de uma importante família alemã, tinha sido construída próxima da cidade de Blumenau a qual,  com freqüência, estavam admitindo novos funcionários. Para morar, compraram por bom preço, uma antiga casa de quatro cômodos em estilo enxaimel, que já se encontrava abandonada a algum tempo e  necessitava de alguns reparos. O terreno era grande, uma chácara, fora da cidade, perto da qual passava o grande rio Itajaí. Mariana, pelas  suas qualificações como ex-enfermeira de guerra, não demorou  a  encontrar trabalho em uma Casa de Saúde, antigamente   conhecida como hospital alemão. Rodolfo demorou um pouco mais, mas, também encontrou trabalho, sendo admitido como funcionário da olaria. Como sabia ler e escrever em alemão, língua falada pela maioria da população da cidade e região, conseguiu uma boa colocação no escritório da fábrica de telhas e tijolos. Assim começaram a nova vida no Brasil.

Continua
Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





 

sábado, 22 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 3

 




Em épocas de guerra parece que tudo anda mais acelerado, não somente com os militares, mas, também com a população civil. O ritmo da vida se acelera, as decisões são tomadas com muito mais rapidez e, também, com muito maior facilidade do que antes. Padrões de comportamento são quebrados, substituídos por outros menos rígidos e mais liberais. As pessoas, parecem querer exorcizar todo aquele sofrimento, toda aquela dor acumulada durante o tempo em que durou o conflito. A convivência diária, com o sofrimento e a morte, faz com que a percepção da finitude da vida seja bem mais acentuada. Todos têm agora uma pressa maior em viver a vida, de fazer as coisas que antes ficavam apenas no pensamento. A guerra transforma uma sociedade, mudando radicalmente a maneira de pensar da população. Isso também ocorreu com o Rodolfo e Mariana, que ansiosos em viver as suas vidas, de repente revolveram se casar. Sem dinheiro, contando somente com o pouco que Mariana tinha conseguido economizar, de trem foram até Roncade, na casa de Mariana conhecer os seus pais e irmãos. Felizes, queriam contar logo a grande decisão que tinham tomado. O pai de Mariana, depois de muita relutância, principalmente pelo fato de Rodolfo ser desconhecido e, até pouco tempo atrás, ser considerado um inimigo, depois de conhecer melhor o rapaz e as suas intenções, finalmente cedeu e consentiu o casamento dos dois. Certo que ele não poderia fazer diferente, o mundo estava mudado, os dois jovens eram maiores de idade e estavam dispostos a se casar de qualquer maneira. Muitas tradições, muitas leis estavam dando lugar a um pensamento mais liberal. Sem ter onde ficar, a família de Mariana, por iniciativa da mãe, dispôs um quarto para ele na própria casa. Rodolfo escreveu para os pais contando a novidade e disse que não contava, devido a atual situação do país,  que eles pudessem vir para o casamento. Depois de duas semanas já não estava mais usando as muletas para caminhar e com a ajuda de Mariana em pouco tempo a força na perna operada voltou, se recuperando  completamente. Dos graves ferimentos recebidos agora só restaram as grandes cicatrizes. A cerimônia do casamento, realizada na Igreja de Todos os Santos de Roncade, foi muito simples e rápida, com a presença somente dos pais de Mariana, seus irmãos e duas amigas de infância. Após o ato religioso, pegaram um trem para Bolzano, Rodolfo estava ansioso para apresentar a sua esposa Mariana à sua família. A situação em toda a Itália, no período imediato pós o término do conflito, era bastante caótica, especialmente, naquelas regiões mais atingidas, onde então ficava o front, com várias cidades arrasadas. As linhas ferroviárias estavam sendo reparadas e as estradas e pontes sendo refeitas. Mesmo assim o movimento de veículos e de pessoas a pé era intenso. Demoraram quase três dias para chegar em Ortisei. Desde o Trento estava tudo intacto, como se não tivesse ocorrido uma guerra. Rodolfo ao sair do hospital militar de Padova recebeu uma permissão especial para poder circular e ela era sempre apresentada nos diversos postos de controle. Ao chegarem na casa dos pais de Rodolfo já estavam sabendo da triste notícia da morte, em combate, dois anos antes, do cunhado Maximiliano, relatada por um amigo que encontraram na cidade natal. A sua irmã viúva e os filhos do casal continuavam morando na casa dos sogros. A família de Rodolfo ficou radiante com a volta do filho, que por falta de notícias suas, pensavam que também tivesse morrido naquela guerra. Não mais haviam recebido notícias do filho, pois, as várias cartas do rapaz nunca chegaram, nem mesmo aquela em que comunicava o casamento. Não cabiam em si de tão felizes. Mariana foi imediatamente acolhida por todos, que elogiaram a sua beleza. Passaram-se algumas semanas e o casal percebeu que ali não era o lugar que tinham imaginado para viver. A solução encontrada, a única que ainda oferecia esperança de uma nova vida, longe daquela tensão pós guerra, seria emigrar e o Brasil era o destino preferido dos dois. Esta sempre tinha sido a ideia de Mariana antes da guerra, a qual  tinha muitos parentes próximos vivendo nesse país, emigrados a mais de trinta anos atrás, mas, que ainda antes do conflito, ainda se correspondiam periodicamente. Eram tios e primos que moravam nas cidades de Caxias, no estado do Rio Grande do Sul e Rodeio, em Santa Catarina. Tanto os pais de Rodolfo, como os de Mariana, ficaram muito tristes e preocupados com essa repentina comunicação  do casal, no entanto sabiam que era uma decisão correta, pois, no Brasil teriam muito mais futuro do que naquela Itália.

Continua
Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 2


 


Rodolfo só acordou dois dias depois. Não lembrava de como tinha sido ferido e nem que seus amigos morreram. Abriu os olhos e estranhou o local onde estava, deitado em uma cama de hospital, em um grande pavilhão com outros homens feridos nas camas vizinhas. Sentia dor e tinha a perna e o braço esquerdos imobilizados. Um grande curativo cobria a sua cabeça. Lentamente foi recobrando as lembranças e viu que tinha sido ferido, mas, não sabia quantos dias estava ali. Ouviu pessoas falando em italiano e suspeitou que estivesse em um hospital inimigo. Estava sendo muito bem tratado. Durante o dia as enfermeiras vinham diversas vezes até a sua cama, para aplicar injeções e trocar os curativos. Por elas soube que já estava naquele hospital de Padova a quatro dias e que tinha chegado sem consciência pela grande perda de sangue. Foi ferido na cabeça, no braço esquerdo e na perna do mesmo lado. Essa estava dilacerada, quebrada em dois lugares. O jovem médico militar que o tratava explicou que ainda tinha o risco de perder essa perna caso começasse a gangrena. Foi interrogado diversas vezes pelo pessoal militar especializado, que buscavam informações úteis sobre as unidades austríacas e alemãs que estavam entrincheiradas logo adiante do maciço do Grappa frente as tropas italianas. O fato de Rodolfo falar fluentemente o italiano facilitou muito a comunicação com o pessoal do hospital, especialmente com os médicos e pessoal da enfermagem. Uma bela e gentil jovem enfermeira italiana, vestindo o tradicional uniforme das "crocerossine", com uma pequena toca em forma de véu na cabeça, chamou muito a atenção de Rodolfo. Ela era muito atenciosa e com o passar dos dias pareceria nutrir uma afeição especial para com aquele ferido inimigo. Soube que o seu nome era Mariana e era natural de Roncade, um município não muito distante de Treviso. Não conseguia tirar o seu pensamento daquela bela enfermeira e todos os dias esperava com ansiedade a hora do seu turno. Com o passar dos dias, Mariana começou a se interessar ainda mais por aquele jovem austríaco, muito forte e bonito. Passou a fazer visitas rápidas para Rodolfo, fora do seu turno, com a desculpa de trocar algum curativo ou ministrar uma medicação. Parecia que ela gostava de estar na presença daquele jovem soldado. Nos fins de semana quando podia vinha visitá-lo e ficavam muito tempo conversando, tanto que um já sabia quase tudo da vida do outro. Mariana era a terceira menina de um casal com oito filhos, tinha vinte anos e comovida com o sofrimento dos feridos de guerra, respondeu aos chamados do governo, se alistando a dois anos atrás como enfermeira voluntária da Cruz Vermelha em Padova. Depois de um curso intensivo de quase um ano, com aulas teóricas e práticas, foi finalmente aceita como "crocerossina". Trabalhava em tempo integral, tal era o movimento no complexo médico hospitalar de Padova, principalmente por estar agora muito próximo do fronte, especialmente depois do rompimento das linhas italianas em Caporetto. A guerra já durava quase três anos e parecia que não teria fim. Milhares de jovens feridos passaram pela instituição e várias centenas deles foram atendidos por ela. As enfermeiras ficavam alojadas em instalações coletivas, perto do complexo hospitalar. Alternavam os turnos de trabalho diurnos com movimentados plantões noturnos. Tinham realmente um trabalho extenuante, não somente porque não eram em grande número, mas, principalmente, pela quantidade de feridos que eram levados para lá. É frequente, por vários motivos, as enfermeiras se afeiçoarem pelos pacientes que estão sob seus cuidados. Quando eles ficam curados, com alta, é uma grande alegria para elas, mas, quando eles não resistiam aos ferimentos e morriam, muitas entravam em depressão. Naquele serviço e em uma guerra como aquela, era preciso saber dosar os sentimentos para não sofrer. Mas, nem todas conseguiam. Rodolfo foi operado diversas vezes nesses trinta dias de internação. Ficou sabendo que os austríacos não mais conseguiram avançar e que o fim para eles parecia próximo. Até agradeceu a Deus por tê-lo livrado daquele inferno que se tornara o fronte. À noite, sempre acordava sobressaltado ouvindo os estrondos das granadas ao seu lado. Muitos pensamentos vinham à sua cabeça, e lembrava de fatos que o avô sempre contava. Sabia, por exemplo, que toda aquela região por que estavam lutando, já pertencera ao reino da Itália. Após as chamadas guerras napoleônicas, em 1815, com a assinatura de um tratado, todo o sul do Tirol, passou às mãos do império austro-húngaro, que impôs o seu governo nas províncias do Trento e Bolzano, além de outras no Friuli. Nunca aceitou o fato de agora estar lutando contra os italianos, povo que ele tinha especial admiração, especialmente pelo fato que sua mãe ser italiana e que seus avós maternos e tantos outros parentes, tios e primos também serem italianos. Dormia, e os sonhos o levavam ao encontro de Mariana. Era uma paixão que aumentava a cada dia. Quase dois meses internado e sempre a bela "crocerossina" estava ao seu lado. Já estavam no ano 1918 e um dia quando tinha sido levado para tomar banho de sol no jardim do hospital, ouviu um grande alvoroço no hospital, as pessoas se abraçavam, gritavam, uns riam e outros choravam. Logo apareceu Mariana correndo, contente vindo ao seu encontro contando que finalmente a guerra tinha acabado. Com a batalha de Vittorio Veneto entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro selou o destino da guerra. A Itália com ajuda dos aliados franceses e ingleses, haviam vencido os austríacos e os alemães. Foi criada a região com estatuto especial do Trentino Alto Adige, englobando todo o Trento e Bolzano, além de parte do Friuli, os quais passariam novamente a ser território italiano, depois de mais de cem anos de dominação austríaca. A partir de agora a cidade onde morava era italiana e não mais austríaca. Rodolfo sempre escrevia do hospital para os pais e irmãos, mas, nunca tinha recebido resposta e isso o deixava muito preocupado. Nessas cartas sempre falou da jovem enfermeira italiana que o cuidava no hospital e pela qual estava enamorado. Recuperado Rodolfo teve alta hospitalar, mas ainda precisava de curativos naquela perna ferida e não podia apoiar. Com ajuda de um par de muletas caminhava com desenvoltura pelo hospital. A relação dos dois jovens não dava para ser escondida por muito tempo, todas as colegas de Mariana já sabiam de tudo e que eles estavam namorando. Disse que gostaria muito de conhecer os pais de Mariana para pedi-la em casamento e na primeira oportunidade que ela pudesse tirar alguns dias de folga iriam juntos até lá. 

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Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


terça-feira, 18 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 1





Rodolfo Stägar acabara de completar 19 anos, era um jovem militar, servindo a quase um ano no exército imperial austro-húngaro, quando eclodiu a I Grande Guerra Mundial em 29 de julho de 1914. No quartel, por suas excelentes aptidões físicas, tinha sido treinado para servir na infantaria de montanha, mas, logo foi transferido para uma nova brigada de caçadores de montanha, que em alemão se chama "Gebirgsjager". Naquele dia estava guarnecendo uma posição de artilharia leve localizada quase no alto do Monte Pasubio, a mais de dois mil metros de altitude. No início da madrugada seguinte, durante o seu turno de vigia naquele posto, seus pensamentos o transportaram rapidamente para a casa paterna, em um suceder de curtos flashes, recordando da sua vida com os seus familiares. Rodolfo tinha nascido em uma pequena propriedade rural de montanha, no interior montanhoso do atual município de Ortisei, da província de Bolzano, que naquela época já era chamada de St. Ulrich (Sankt = Santo) em idioma alemão e Urtijëi em ladino o modo de falar local, considerada a língua mais antiga do Tirol. Era filho de pai austríaco, de origem ladino, nascido naquele mesmo município, e de mãe italiana natural do "comune" de Cadore, na vizinha província de Belluno. Falava e escrevia perfeitamente nas três línguas, ensinado pela mãe e pelo avô e o alemão com todos de casa, mas, também na escola primária local. Tinha dois irmãos mais novos, Lukas e Sebastian, de 13 e 8 anos respectivamente. E duas irmãs mais velhas que ele, a primogênita chamada Emma, de 25 anos, já casada e mãe de dois filhos pequenos, morando com a família do marido Maximilian, em Santa Cristina Valgardena (Sankt Christina in Gröden), não muito distante da casa paterna. A outra irmã se chamava Erica e tinha 22 anos, ainda estava solteira e morava com os pais. Foi repentinamente desperto dos seus pensamentos pelo estrondo de tiros de canhão, disparados de uma posição italiana, em uma montanha bem distante, mas, que pelo barulho parecia ter sido bem mais perto. Os seus companheiros, dentro da gruta natural que servia de abrigo para todos, também acordaram assustados. Como Rodolfo, que a era o sentinela não soou o alarme, voltaram a dormir. Apesar de estarem em pleno verão, naquela altitude do Monte Pasubio onde se encontravam, a neve era eterna e o frio congelante, reforçado pelas fortes rajadas de vento. Para Rodolfo aquela temperatura fria não causava tanto desconforto, acostumado desde criança com o rigoroso clima da sua pequena cidade. Não tendo mais nada para fazer até o nascer do sol, a monotonia voltou a tomar conta do rapaz e seus pensamentos se voltaram novamente para a sua família. Lembrou que o seu pai Gustav, agora com 57 anos, também havia servido como recruta, por três longos anos, no exército imperial austríaco, tendo dado baixa com 22 anos, no posto de cabo, que em alemão se chamava Gefreiter. Como soldado já tinha servido em diversos postos militares na fronteira com o reino da Itália e foi justamente em uma cidade perto de um deles que conheceu a sua mãe Maddalena. Com três dias de dispensa, ele com outro amigo aventureiro aproveitaram para conhecer Cortina e estender o passeio até Auronzo, viajando na moto de Gustav, um apaixonado pela mecânica e pelos novos inventos que estavam surgindo naquele final de século. A motocicleta tinha sido inventada poucos anos antes, em 1885, pelo engenheiro alemão Daimler e se chamava de Reitwagen. Após visitarem Cortina, chegaram a Auronzo, em uma manhã de domingo, justamente no dia da feira anual de produtos agrícolas e exposição de animais. A pequena cidade estava em festa, repleta de agricultores e criadores, homens e mulheres de todas as idades, vestindo roupas típicas em carroças enfeitadas, vindos de quase todos os municípios vizinhos. Uma pequena banda musical se apresentava na praça alegrando a festividade. Católicos que eram, os dois amigos participaram da missa na igreja local antes de começarem a visitar a grande feira. Quando já estavam para retornar para estrada, Gustav foi golpeado pela beleza de uma jovem agricultora que, com a mãe e irmãs menores tomava conta de uma das tendas em exposição. Vendiam produtos por elas colhidos, trazidos da propriedade que os pais possuíam a várias gerações, situado em uma encosta montanhosa no interior do município. Alta, bonita, com suas belas roupas tradicionais de cor azul, com os cabelos loiros presos por uma tiara típica das moças da província de Belluno, formado por compridos prendedores prateados, unidos entre si, cada um deles terminando em sua ponta com uma pequena esfera. Arrumou uma maneira de conversar com ela e saber onde ela morava. Maddalena, sempre observada pela mãe, trocou mais algumas palavras com aquele belo estranho que, pelo sotaque e roupas que usava deveria ser austríaco. Gustav e o amigo, retornaram para o posto de fronteira onde serviam, mas, não conseguia pensar em outra coisa do que naquela bela italiana que tinha conhecido. Teria que se encontrar novamente com ela e a motocicleta seria a sua salvação. Depois de um ano aproximadamente, permeados por encontros, facilitados por colegas de farda naturais daquela parte de Belluno, Gustav finalmente se casou com Maddalena, a sua querida mãe. 

Rodolfo, absorto com seus pensamentos nem percebeu que a luz do sol já estava iluminando os picos nevados daquelas altas montanhas no horizonte. Acordou para a triste realidade da guerra e das novas notícias e ordens que chegaram pelo telégrafo. A sua brigada deveria avançar mais ao sul, em montanhas mais próximas do Monte Grappa, devido o exitoso avanço austríaco, ajudados pelos alemães, que levaram a ruptura da linha defensiva italiana em Caporetto. Os austríacos e alemães estavam vencendo a guerra e começavam a invadir com rapidez a Itália. O exército italiano em debandada recuou para posições defensivas em volta do Monte Grappa, com o Rio Piave intransponível. Transbordando e com forte correnteza devido à cheia, foi um forte aliado contra o avanço austríaco. Chovia muito forte durante dias. O tempo continuava excepcionalmente chuvoso deixando as estradas verdadeiros lodaçais, que dificultavam a passagem dos veículos e o avanço das tropas. O lado italiano também estava sendo defendido por tropas francesas e inglesas destacadas para socorrer a Itália. Desde o sul da península, extensas colunas de reforços chegavam para conter a penetração austríaca no território italiano. Com todos esses reforços que chegavam, os austríacos foram finalmente contidos próximos ao Monte Grappa, já nas margens do rio Piave. Uma terra de ninguém, bombardeada diariamente por ambos os lados em conflito, arrasaram inteiros municípios como, por exemplo, Pederobba, cuja população precisou ser rapidamente evacuada mais ao sul do país. Rodolfo sentiu os rigores de uma guerra. Mal alimentados, ensopados pela chuva que não parava de cair e com falta de roupas adequadas para o inverno que chegava, os soldados austríacos ocupavam qualquer monte ou posição mais elevada para assentar seus canhões, que sem paravam de disparar contra as posições italianas e de seus aliados. As tropas de infantaria de montanha, da qual pertencia, se entrincheiravam, preparando as suas armas, esperando a ordem de atacar. Estava em um refúgio escavado nas pedras no Monte Prassolan, com quase 1500 metros de altura. Estava muito próximo do fronte e o município de Alano di Piave estava logo abaixo. Em uma noite sem lua, Rodolfo e quatro outros seus companheiros de farda, receberam ordens para compor uma patrulha que desceria da posição em que estavam no Monte Prassolan em direção ao Monte Grappa, deslocando-se em terreno lamacento e com neve, tentariam coletar informações de alguma passagem onde as tropas austríacas poderiam avançar. A zona ao lado Grappa estava sendo defendida por tropas francesas e italianas. Depois de algumas horas de caminhada, um pouco antes do amanhecer, um dos companheiros de Rodolfo, que estava mais a frente, tropeçou em uma mina terrestre que na hora explodiu, matando-o instantaneamente. Nenhum dos outros quatro ficaram feridos, mas, o estrondo alertou algumas patrulhas francesas que rapidamente cercaram a área. De repente foi iniciado um confronto com tiros de ambos os lados. Uma pesada metralhadora francesa impedia a fuga, com suas poderosas rajadas que derrubam grossos galhos das árvores e gelo acumulado. Nesse embate dois outros amigos de Rodolfo morreram atingidos por fogo cruzado. Rodolfo e o seu amigo, escondidos atrás de árvores, estendidos contra o chão foram logo atingidos. Agora o amigo estava também morto e ele milagrosamente vivo, apesar de gravemente ferido, atingido por alguns tiros. A forte dor e a hemorragia que se seguiu ao ferimento, apagaram a consciência de Rodolfo que, desmaiado ficou ali estendido sobre a neve, até ser capturado pela patrulha francesa. Foi imediatamente transferido para um hospital de campanha na retaguarda. Ali foram feitos os primeiros atendimentos médicos para suportar as dores, infusão de soro para tratar o choque causado pela grande perda de sangue, estancar a hemorragia e os curativos para imobilizar os membros feridos. Pela gravidade do caso e pelo fato do prisioneiro ser um jovem muito forte, que teria boas chances de curar, foi rapidamente transportado de ambulância para um centro médico maior localizado em Padova, a cerca de 80 quilômetros.

Trecho do Conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS