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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

A Jornada de Enrico Secchi

 


A Jornada de Enrico Secchi

Coragem e Esperança em Terras Distantes

Enrico Secchi nasceu em 1848, no comune de Concordia sulla Secchia, um pacato vilarejo encravado nas planícies férteis da província de Modena, na região da Emilia-Romagna. A paisagem era marcada por campos que pareciam se estender até o horizonte, pontuados por vinhedos e árvores que murmuravam com o vento. Apesar da beleza bucólica, a vida ali era dura. Os anos que se seguiram à unificação italiana trouxeram mais desafios do que soluções: impostos elevados, terras insuficientes e a sombra constante da pobreza corroíam o espírito dos camponeses.

Enrico cresceu em uma casa simples, feita de tijolos envelhecidos pelo tempo, onde os dias eram longos e o trabalho, exaustivo. Seu pai, Giuseppe, sonhava em herdar terras maiores, mas foi consumido pela realidade de dívidas e colheitas incertas. Sua mãe, Maria, cuidava da casa e dos filhos com mãos calejadas, mas amorosas, enquanto alimentava os sonhos de um futuro melhor para a família. Aos 27 anos, Enrico era um homem magro, mas robusto, com olhos castanhos que refletiam tanto cansaço quanto determinação. Ele havia escutado, nas tavernas do vilarejo e nos sermões da igreja, histórias de um lugar distante chamado Brasil, onde terras férteis eram distribuídas a quem estivesse disposto a cultivá-las. Era uma promessa quase impossível de ignorar. O medo do desconhecido rivalizava com a miséria do cotidiano, e logo, o chamado da aventura falou mais alto. Quando decidiu partir, Enrico empacotou poucos pertences: um par de botas gastas, algumas mudas de roupa, uma foto de família e um pequeno caderno de capa dura. Este caderno, que inicialmente seria usado para anotar despesas e planos de cultivo, logo se tornaria um diário íntimo, onde ele registraria as alegrias e as dores de sua jornada. Antes de embarcar, escreveu na primeira página, com letras tremidas:

“Deixo minha terra não por escolha, mas por necessidade. Que este caderno guarde minha história, para que um dia meus filhos saibam de onde vieram.”

Em novembro de 1875, Enrico embarcou em Gênova, a bordo de um vapor abarrotado de homens, mulheres e crianças, todos carregando sonhos e temores. Ao se afastar do porto, viu pela última vez as colinas que moldaram sua infância desaparecerem no horizonte. Enquanto a Itália ficava para trás, uma nova vida, cheia de incertezas e possibilidades, se descortinava diante dele.

Primeiras Impressões

Na primeira carta enviada à família, ainda durante a travessia, Enrico tentava capturar a essência do que sentia diante da vastidão do Atlântico. A caneta tremia em sua mão enquanto descrevia um mundo que parecia infinito, como se o mar fosse um espelho das incertezas em seu coração.

“A água se estende até onde os olhos podem alcançar, uma imensidão azul que nos faz pequenos e insignificantes. Quando o sol se põe, o horizonte parece arder em chamas, e as estrelas, mais brilhantes do que jamais vi na Itália, tornam-se nosso único consolo. É um espetáculo grandioso, mas também assustador. Rezo todas as noites pelo destino que nos espera, mas confesso, caro pai, que o medo é um companheiro constante nesta jornada.”

Ele continuava, revelando as conversas e os sentimentos que permeavam os dias a bordo:

“No convés, somos uma mistura de vozes, línguas e histórias. Alguns falam de fortuna – promessas de terras onde o solo é tão fértil que basta jogar uma semente para que nasça uma árvore. Outros, porém, murmuram sobre desespero – viagens anteriores onde muitos sucumbiram à doença antes mesmo de avistar terra firme. Estamos todos em busca de algo maior do que aquilo que deixamos para trás, mas ninguém sabe ao certo o que encontraremos ao chegar. Às vezes, a dúvida me consome: será que estamos apenas fugindo de uma miséria para encontrar outra?”

Enrico encerrava a carta com uma nota de esperança, talvez mais para si mesmo do que para quem a receberia:

“E, no entanto, enquanto o navio balança sobre as ondas, sinto uma pequena fagulha de coragem. Não somos apenas passageiros; somos sonhadores, lutadores, pioneiros. Por mais vasto que seja este oceano, acredito que há algo aguardando por nós do outro lado. Continuem rezando por mim, como eu rezo por vocês, e prometo que trarei notícias melhores na próxima vez que escrever.”

Essa carta, dobrada com cuidado e guardada para ser enviada na primeira oportunidade, era um reflexo sincero do homem que Enrico estava se tornando: alguém moldado não apenas pelas dificuldades, mas também por uma fé inabalável no futuro. Ao chegar à colônia de Porto Real, no interior do Rio de Janeiro, encontrou terras inexploradas e um cotidiano que misturava esperança e labuta incessante. Ele narra com detalhes os primeiros meses:

“As terras são vastas e férteis, mas o trabalho é árduo. Cultivamos a cana-de-açúcar com o suor de nossas mãos e aguardamos que as promessas de ajuda do governo se concretizem. Ainda assim, há algo de libertador em plantar algo que, um dia, será apenas nosso.”

A Criação da Usina

A demora na chegada de uma usina de açúcar quase comprometeu a primeira safra de cana, lançando a colônia em uma atmosfera de inquietação e desânimo. Enrico descreveu em seu diário os dias de espera como uma tortura silenciosa:

“Os campos estavam prontos, as folhas verdes da cana balançavam sob o sol intenso, mas em nossos corações, a preocupação crescia como erva daninha. Cada dia que passava sem uma solução parecia um golpe contra nosso trabalho árduo. Alguns colonos começaram a falar em abandonar as terras, enquanto outros, mais obstinados, se reuniam para discutir alternativas.”

A comunidade, determinada a não perder o fruto de meses de esforço, mobilizou-se com energia renovada. Escreveram cartas, enviaram emissários e pressionaram a administração da colônia. A resposta chegou quando tudo parecia perdido. Enrico relata o momento com alívio e entusiasmo:

“Quando soubemos que um engenheiro viria do Rio de Janeiro, foi como se um peso tivesse sido retirado de nossos ombros. Ele chegou com uma máquina simples, rudimentar, mas cheia de promessas. No centro da colônia, sob o sol escaldante, erguemos uma estrutura coberta com telhas de zinco. Era uma construção modesta, mas para nós, parecia um templo dedicado à esperança.”

Ele continuou descrevendo o renascimento da colônia:

“A máquina foi montada com pressa, mas funcionava como uma orquestra que acabara de ser afinada. Logo, o ar estava impregnado com o aroma adocicado do mosto fermentando em grandes tinas. Era um cheiro que nos embriagava não apenas pelo que representava, mas pelo que significava: a transformação do que poderia ter sido um fracasso em uma vitória.”

A aguardente, produto da engenhoca improvisada, tornou-se símbolo de resiliência e superação:

“Naquela noite, bebemos o primeiro gole de aguardente como se fosse um cálice sagrado. Cada gota era um lembrete de que, apesar das dificuldades, éramos capazes de encontrar soluções e seguir em frente. A colônia, que antes estava mergulhada em ansiedade, ganhou um novo fôlego. Pela primeira vez, senti que éramos mais do que sobreviventes – éramos construtores de um futuro.”

Esse episódio marcou um ponto de virada na história da colônia. A improvisação e o espírito coletivo não apenas salvaram a safra, mas solidificaram os laços entre os colonos, preparando-os para os desafios que ainda estavam por vir.

Visitas Ilustres

Porto Real não era apenas um refúgio para os colonos que buscavam recomeçar suas vidas em terras distantes; ocasionalmente, transformava-se em um palco de eventos que enchiam os habitantes de orgulho e esperança. Enrico registrou com detalhes um desses momentos memoráveis: a visita do Imperador Dom Pedro II e a celebração de uma missa conduzida pelo carismático Frei Luigi di Piazza.

“A notícia da visita de Sua Majestade espalhou-se como fogo em campo seco. Todos nós, colonos, largamos nossos afazeres e nos reunimos para preparar a recepção. Ergueram-se arcos decorativos à entrada da colônia, adornados com folhagens frescas e ferramentas agrícolas reluzentes, símbolo de nosso trabalho árduo. Cada detalhe parecia uma tentativa de mostrar que, apesar das dificuldades, éramos dignos daquela visita ilustre.”

Quando o cortejo imperial chegou, um silêncio reverente tomou conta da multidão reunida. Enrico descreveu sua primeira impressão do Imperador com admiração:

“Dom Pedro II é um homem de porte majestoso, mas com uma serenidade que nos cativou a todos. Ao descer de sua carruagem, cumprimentou-nos com um olhar atento, como se quisesse absorver cada detalhe de nossas histórias e rostos. Quando lhe contamos sobre nossas lutas e conquistas, ele falou com uma voz firme e compassiva, dizendo que nossa resiliência era um exemplo de coragem e determinação. Aquelas palavras, vindas do próprio soberano, foram como um bálsamo para nossos espíritos cansados.”

A celebração culminou na missa conduzida por Frei Luigi di Piazza, um missionário capuchinho que havia conquistado o respeito e a devoção dos colonos. Enrico relatou a cerimônia com emoção palpável:

“Frei Luigi vestia uma túnica simples, mas suas palavras carregavam um peso que parecia transcender o tempo e o espaço. Ao celebrar a missa, ele falou de perseverança, de fé e de comunidade. Por um breve momento, parecia que as paredes daquela capela improvisada desapareciam, e estávamos de volta à Itália, na pequena igreja onde tantos de nós haviam sido batizados.”

Ele concluiu o relato com um tom de gratidão e esperança:

“A visita do Imperador e as bênçãos de Frei Luigi nos trouxeram mais do que reconhecimento; trouxeram uma renovação de forças. Foi um lembrete poderoso de que, embora estivéssemos longe de nossa terra natal, não estávamos esquecidos, nem por Deus, nem pelos homens. Saí daquela missa com a certeza de que, por mais difíceis que fossem os dias à frente, encontraríamos uma maneira de perseverar.”

Aquele evento permaneceu gravado na memória da colônia, não apenas como um marco de sua história, mas como uma fonte duradoura de inspiração para todos que testemunharam aquele dia inesquecível.

O Papel da Comunidade

A força de Porto Real estava em sua união. Enrico descreveu com orgulho o esforço coletivo para receber as autoridades:

“Reunimo-nos em minha casa, decidimos erguer arcos decorados com folhagens e ferramentas de cultivo. Era nossa maneira de mostrar ao mundo que, apesar das adversidades, éramos um povo unido e determinado.”

Reflexões Finais

Anos mais tarde, já com as mãos marcadas pelo tempo e os cabelos tingidos de prata, Enrico escreveu em uma das últimas páginas de seu diário, refletindo sobre a extraordinária jornada que havia vivido. Suas palavras, gravadas com caligrafia agora um pouco trêmula, eram um testemunho de sua resiliência e de tudo o que havia aprendido:

“A vida aqui nunca foi fácil. Cada pedaço de terra cultivada exigiu mais do que apenas esforço físico; exigiu sacrifício, perseverança e, sobretudo, fé. Cada colheita foi uma vitória que comemorávamos com humildade, conscientes de que a próxima safra poderia nos testar novamente. Cada lágrima derramada nos dias difíceis foi uma lembrança do que deixamos para trás, mas também uma ponte para o que construímos aqui. E cada riso compartilhado com meus filhos e netos foi um presente que o destino me concedeu por ter ousado atravessar o oceano.”

Enrico fez uma pausa para reler suas palavras antes de continuar. As memórias de sua infância em Concordia sulla Secchia misturavam-se com as imagens dos campos verdejantes de Porto Real. Ele sabia que havia algo de eterno naquilo que havia deixado para trás, mas também reconhecia o valor do que havia conquistado:

“Sinto saudades da Itália – das vozes familiares, dos sinos da igreja ao amanhecer, das vinhas que se estendiam até onde a vista alcançava. Mas não há arrependimento em meu coração. A terra que encontrei aqui, que cultivei com minhas próprias mãos, tornou-se mais do que meu sustento; tornou-se minha casa. Aqui, onde os sonhos de um jovem imigrante ganharam forma, onde minhas raízes se aprofundaram e minha família floresceu, encontrei algo que jamais poderia ter imaginado: um novo lar.”

Ele concluiu com uma reflexão que parecia encapsular toda a sua filosofia de vida:

“Talvez não seja o destino que define o homem, mas sua capacidade de seguir em frente. Olhar para o horizonte, mesmo quando ele parece inatingível, e dar um passo após o outro, mesmo que com medo. Foi isso que aprendi. Foi isso que me manteve vivo, e é isso que espero que minha família jamais esqueça.”

Aquela última página de seu diário, cuidadosamente escrita, tornou-se não apenas um registro de sua trajetória, mas um legado para as gerações futuras – um lembrete de que coragem, determinação e fé podem transformar qualquer terra estrangeira em um lugar que se possa chamar de lar.

Nota do Autor

Enrico Secchi é um personagem fictício, mas suas experiências são profundamente inspiradas nas histórias reais de milhares de imigrantes italianos que, no século XIX, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Cada detalhe de sua jornada, desde os campos de Concordia sulla Secchia até os canaviais de Porto Real, reflete a coragem e o espírito de luta daqueles que enfrentaram o desconhecido, movidos pela esperança de recomeçar. O trecho apresentado faz parte do livro A Jornada de Enrico Secchi, uma narrativa que mescla ficção e realidade histórica para retratar os desafios, sacrifícios e conquistas dos pioneiros italianos que ajudaram a moldar a identidade de muitas comunidades no Brasil. Por meio das cartas e reflexões de Enrico, busquei capturar a essência de uma época marcada por sonhos grandiosos e obstáculos imensos.
Embora os eventos descritos tenham sido adaptados e romantizados, eles são baseados em relatos históricos e documentos que testemunham a difícil adaptação desses imigrantes a uma terra distante e cheia de contrastes. Desde a travessia pelo Atlântico, repleta de incertezas, até as lutas para tornar as terras férteis habitáveis, cada aspecto da vida de Enrico foi pensado para homenagear a resiliência, o espírito comunitário e a profunda fé que sustentaram essas famílias.
Mais do que uma história individual, A Jornada de Enrico Secchi é um tributo coletivo. É um lembrete de que, em cada pedaço de terra cultivada, em cada comunidade erguida, estão as marcas indeléveis de pessoas comuns que realizaram feitos extraordinários. Espero que os leitores encontrem em Enrico não apenas um personagem, mas um símbolo de todos aqueles que ousaram sonhar e lutar por uma vida melhor, mesmo quando o destino parecia incerto.
Este livro é, portanto, uma ponte entre o passado e o presente, uma tentativa de manter vivas as memórias daqueles que cruzaram oceanos e enfrentaram adversidades para construir um futuro que, para muitos de nós, é agora um presente. Que suas histórias nos inspirem a valorizar o que temos e a honrar as raízes que nos trouxeram até aqui.
Dr. Luz C. B. Piazzetta

quinta-feira, 8 de maio de 2025

O Vinho da Guerra: Uma Família Entre a Destruição e a Esperança

 


O Vinho da Guerra: 
Uma Família Entre a Destruição e a Esperança


24 de outubro de 1917. A data ecoaria como uma ferida aberta na história da Itália. Há anos, o país travava uma guerra extenuante contra o Império Austro-Húngaro, mas naquele fatídico dia, o equilíbrio foi abruptamente rompido. As tropas austro-húngaras, reforçadas por batalhões alemães experientes, desferiram um golpe devastador nas linhas italianas em Caporetto. A derrota, que ficaria conhecida como a 12ª Batalha do Isonzo, obrigou o exército italiano a uma retirada desesperada para a linha do Rio Piave, deixando atrás de si um cenário de caos e desespero.

Nas primeiras horas que se seguiram à catástrofe, a notícia percorreu a região como um incêndio em campo seco. Em Pederobba, um pequeno município situado entre as sombras do Monte Grappa e o Rio Piave, o toque incessante dos sinos da igreja alertava os moradores. A mensagem era clara e aterradora: a evacuação era inevitável. Homens, mulheres e crianças deveriam abandonar suas casas e terras imediatamente, fugindo para o sul, para longe do avanço inimigo. A pequena cidade, até então um refúgio de paz entre montanhas e vinhedos, mergulhou em um redemoinho de medo e agitação.

Entre os moradores, Giuseppe, um marceneiro habilidoso e carpinteiro renomado, era uma figura central. Morador na cidade a muitos anos, originário do município vizinho de Alano di Piave, na província de Belluno, Giuseppe vinha de uma linhagem de artesãos cuja maestria com a madeira era quase lendária. Muitas igrejas e casas nobres de Veneza e arredores exibiam orgulhosamente as portas esculpidas e altares de sua família, cuja reputação atraía até as famílias maus nobres. Além de seu talento com a madeira, Giuseppe herdara do pai, Francesco, uma paixão por seus vinhedos e pela produção do vinho Raboso del Piave, cultivado com dedicação quase religiosa para consumo familiar.

Casado com Giuditha, uma mulher de fibra e perspicácia comercial, Giuseppe tinha uma família numerosa: dez filhos ao todo. Os quatro mais velhos haviam emigrado anos antes para o Brasil, em busca de oportunidades. Outras duas filhas haviam seguido destinos igualmente distantes — uma para a França e outra para os Estados Unidos. Restavam em casa os quatro mais jovens, incluindo a caçula, uma menina de olhos brilhantes que parecia ainda alheia ao horror da guerra.

Quando as ordens militares de evacuação chegaram, Giuseppe agiu com a precisão de um homem acostumado a decisões rápidas. Com a ajuda dos filhos, cavou um buraco profundo ao lado de sua oficina, onde enterrou suas ferramentas mais preciosas, uma bicicleta e três damigianas cheias do vinho que ele tanto estimava. Pedras pesadas foram cuidadosamente colocadas sobre o esconderijo, criando uma falsa tampa que, esperavam, passaria despercebida.

O êxodo começou ao amanhecer. Carroças abarrotadas, grupos apressados a pé e até alguns poucos sortudos em vagões de trem seguiam a corrente humana em direção à Emília-Romagna, deixando para trás tudo o que conheciam. Após dias de caminhada extenuante, a família chegou a Sassuolo, uma pequena cidade nos arredores de Modena, onde foram acolhidos. Giuseppe e os dois filhos mais velhos, Matteo e Piero, logo encontraram pequenos trabalhos, o que trouxe alívio financeiro em meio às privações do exílio.

O retorno à terra natal, permitido após o armistício de 4 de novembro de 1918, foi agridoce. Pederobba estava irreconhecível, marcada por bombardeios incessantes que a transformaram em uma zona de ninguém entre os exércitos. A igreja, outrora o coração da comunidade, estava em ruínas. A casa da família, a oficina e a pequena loja de Giuditha haviam sido reduzidas a escombros. Mesmo assim, Giuseppe encontrou forças para recuperar o que pôde. O esconderijo com as damigianas foi descoberto intacto, mas a bicicleta estava irremediavelmente corroída pela água.

Sem recursos para reerguer o que perderam, Giuseppe e Giuditha tomaram uma decisão dolorosa, mas inevitável: deixar a Itália e juntar-se aos filhos no Brasil. Em 1919, embarcaram rumo a Curitiba, no Paraná, levando consigo apenas um baú de ferramentas e, como símbolo de resistência, alguns litros do vinho salvo da guerra. No Brasil, a família se reencontraria com os filhos mais velhos e suas famílias, até então rostos distantes em cartas. Ali, em um novo mundo, começariam de novo, sustentados pelo espírito resiliente que a guerra não conseguira apagar.




Nota do Autor


A inspiração para "O Vinho da Guerra: Uma Família Entre a Destruição e a Esperança" nasce de uma história que, embora fictícia, encontra eco em incontáveis vozes do passado. O cenário é a Itália dilacerada pela Primeira Guerra Mundial, um país em que a esperança e o desespero frequentemente se alternavam como protagonistas de uma tragédia coletiva.
Neste conto, o vinho — símbolo de tradição, sacrifício e raízes familiares — emerge como metáfora da resistência humana. Giuseppe, marceneiro e viticultor, não é apenas um personagem, mas uma homenagem aos anônimos que, em tempos de guerra, enfrentaram a ruína com engenhosidade e coragem. Sua decisão de salvar as ferramentas e o vinho, mesmo diante da devastação, reflete a essência da luta por preservar identidade e dignidade quando tudo parece perdido.
A narrativa também explora o impacto das decisões que transformam a vida de gerações. A evacuação, a jornada em busca de segurança e o recomeço no Brasil são testemunhos de uma coragem resiliente que transcende fronteiras. Como muitos imigrantes, Giuseppe e sua família carregaram consigo não apenas bens materiais, mas também os alicerces de uma nova história: trabalho árduo, tradição e um profundo amor pela vida.
Este conto pretende não apenas lembrar os horrores e sacrifícios da guerra, mas também celebrar a força que emerge das adversidades, unindo passado e futuro. Que o leitor encontre aqui um convite à reflexão sobre a fragilidade e a resiliência humanas, e sobre como, mesmo em tempos sombrios, a fé no amanhã pode ser destilada, como um bom vinho, do espírito imortal das pessoas comuns.






sexta-feira, 21 de março de 2025

Da Emília al Cuor de Minas Gerais


 

Da Emília al Cuor de Minas Gerais

In 1895, in un paeseto ´nte la region de l'Emilia, in Itàlia, vivea na famèia ciamada Fitarollo. Lori i zera conossù par la so union forte e el so dedicassion al lavor duro. La situassi de l’economia taliana continuava a pegiorar ogni ano. El preso dei prodoti agrìcoli, màssime dei grani, pativa la concorensa dei prodoti importai, che fasea calar el preso de vendita soto del costo de la produssion. L’inflassion e la disocupassion le aumentava ogni ano. In qualche zona rurale, dal nord al sud de l’Itàlia, la desnutrission e la fame le scomenssiava a mostrarse. El patriarca de la famèia, Carlo Fitarollo, el zera deciso a trovar un futuro mèio par i so cari. Dopo aver sentì stòrie tramandà par lètare da altri parenti che i zera parti prima e i contava de oportunità grandìssime in Brasil, el se decise de intraprender un viàio audase.

In 1897, Carlo, con la so sposa Giulia e i so cinque fiòi, i se zonta a altri emigranti del paeseto e i embarcò su un gran bastimento in partensa da Génoa verso el Brasil. Insieme a Carlo, anca so fradeo Lucca e la so famèia i se aventurò in sta impresa.

Dopo 36 giorni ´ntel bastimento, in condission precàrie, finalmente lori i ga rivà al movimentà porto de Rio de Janeiro. Da lì, dopo na breve sosta de do zorni a la Hospedaria dos Imigrantes, dove i feva i controli medichi necessàri, i se imbarcò su un treno par Juiz de Fora, ´ntelo stato de Minas Gerais. Par altri zinque zorni, la famèia de Carlo e i so parenti i ga vivesto a la Hospedaria de Imigrantes Horta Barbosa, in Juiz de Fora, dove i condividea stòrie con altri emigranti che i soniva un novo scomìnsio.

De presto lori i ga trovà lavoro come contadini in na grande fasenda de cafè, de proprietà de un rico coronelo, situà ´ntel comune de Leopoldina. Ma la vita in fasenda no la zera fàssile. Adulti e putei i lavorava dal matìn ale sei fino a la sera, in cámbio de stipendi mìseri e rassioni poare de magnare, soratuto fasòi e farina de mangioca. El tratamento quasi disumano el zera sìmile a quelo dei vèci schiavi, liberai pochi ani prima. Al tempo de la schiavitù, viveva e lavorava lì ben 500 schiavi, e le case adaptà ndove lori stava, con qualchedun milioramento, i le dava dopo ai poveri migranti taliani.

Insodisfà de la situassion, Carlo e i so parenti i decise che zera ora de provar fortuna altrove. Lori i se trasferì in un distrito pì distante, sempre in Minas Gerais, dove lori i lavorò come contadini e i ga risparmià quel poco che i podèa par do ani.

Finalmente, lori i ga trovà lavoro in na fasenda de un altro gran latifondista, che dopo zera comprà dal governo de Minas Gerais e trasformà ´nte la Colónia Santa Maria. Stavolta, i Fitarollo i rivà a comprar qualche lote de tera e a realisà el so sònio tanto desirà.

Con i ani che i passava, i fiòi de Carlo e Giulia i se ga sposà con altri migranti taliani e i so dessendenti. I Fitarollo i se ga sparpaglià in diverse sità de Minas Gerais, come Juiz de Fora, Ubà, Visconde do Rio Branco, Muriaé, Rio Casca, Astolfo Dutra e fin anca a Belo Horizonte, la capital.

Carlo e Giulia, dopo ani de lavor duro e sacrifissi, i ga vivesto par vardar i so fiòi e nevodi che i prosperava in Brasil. Lori i morì con pochi zorni de diferensa, in 1939, lassando un’eredità de coràio e determinassion par le generassion future de la famèia. La saga de sta famèia de migranti taliani, che la ga scominssià ´nte l’interno de l’Emilia e la fiorì in Minas Gerais, la ze ancora ricordà incòi come un esémpio de persseveransa e amor par la famèia.



domingo, 29 de setembro de 2024

El Viàio de Antonio Mansueto



 

El Viàio de Antonio Mansueto


El 1946, pena finìa la Seconda Guera Mondial, el comune de Maran de Castelnovo, int l´ Emilia Romagna, el gavea comincià pian pian a riprendersi da tuti i disastri del conflito. Antonio Mansueto, un zovene aventuriero de 34 ani, el decise che el so destino el zera lontan da i confini de l’Itàlia. Con un spìrito forte e un grande desiderio de scoprir tere nuove, Antonio el lasso la sicuressa de casa e de la so famèia par trovar fortuna in tere sconossùe.

Co la so esperiensa come mecanico-eletricista e el laoro prestà ´nte l’esèrcito italiano, Antonio gavea tuto quel che ghe serviva par farse na vita nova. El Brasile, che alora sta in piena fase de crescita industriale, ghe ofriva oportunità che parea fate su misura par lu. Con pochi schei messi via e un cuor pien de speransa, el se imbarcò su na nave verso l’ignoto.

San Paolo, la metropoli vibrante de l’Amèrica del Sul, el ghe da la benvegnuda con l’energia frenètica de na cità che se stava trasformando. Antonio trovò presto lavoro ´nte l’industria del ferro, che stava espandendose. La so esperienza la zera ben vista, e col tempo el s’è sistemà ´nte la cità. I primi ani i zera segnà da tanti cambiamenti de casa, ma el destino lo portea sempre verso el quartiere de Bixiga, dove la comunità italiana la zera forte e calorosa.

El Bixiga, famoso par le so boteghe italiane e la cultura che se respirava a ogni canton, diventò la nova casa de Antònio. Li el incontrò Maria, na dona afascinante che condividea con lu le stesse radisi italiane e i stessi sogni de na vita mèio. I se sposò e ga formà na famèia, ga avuto quatro fioi e, in fin, diese nevodi. La vita de Antònio la zera segnata dal duro lavoro, la dedision a la so famèia e un grande senso de gratitudine par le oportunità nove.

A 65 ani, quando i se ga pensionà, Antonio gavea tempo par pensar a tuto quel che gavea fato. El gavea finìo con orgòlio, ma no ga mai smesso de esser ativo dentro la comunità. I fioi e i nevodi i zera la so giòia pi granda, e lu se ga dedicà a tramandar i valori e la cultura italiana che gavea tanto a cuore.

Antonio Mansueto el morì a 91 ani, lassando na eredità de duro lavoro e determinassion. La so storia la ze na prova del spirito aventuriero e de la capacità de transformar le dificoltà in oportunità, sempre guardando verso un futuro mèio.