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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Brasileiros de Origem Italiana no Exército da Itália: Uma História na Primeira Guerra Mundial



Há um capítulo pouco explorado na história: a contribuição de brasileiros na Primeira Guerra Mundial. Aproximadamente 12 mil jovens de diferentes regiões do Brasil, atravessaram o Atlântico para lutar usando o uniforme do exército italiano. No ano de 1914, enquanto o mundo mergulhava nas trevas da Primeira Guerra Mundial, uma história pouco conhecida se desenrolava nos recantos mais remotos do Brasil. Entre as colinas verdejantes do centro do nosso país, nas cidades quentes e empoeiradas do sertão nordestino e nas tranquilas colônias italianas do sul, ressoavam distantes os chamados para a guerra.

Entre os brasileiros de origem italiana, uma decisão corajosa e ousada se delineava. Cerca de 12 mil jovens, impelidos pela promessa de aventura e heroísmo, decidiram partir das terras tropicais do Brasil para os campos de batalha congelados da Europa. Deixando para trás suas famílias e amores, eles embarcaram em uma jornada incerta, determinados a se juntarem ao conflito que varria o continente.

Entre esses jovens, estava Luca, um modesto agricultor das profundezas de Minas Gerais, cujo coração ardia com o desejo de servir à sua pátria de origem, mesmo que isso significasse lutar em terras estrangeiras. Com uma coragem inabalável, ele vestiu a farda do exército italiano e marchou em direção ao desconhecido, determinado a deixar sua marca na história.

Ao lado de Luca, estava Giovanni, um jovem italiano destemido do interior do Rio Grande do Sul, terra colonizada por milhares de seus compatriotas, desde o final do século XIX, cujas habilidades de combate rivalizavam com sua determinação. Ele carregava consigo a memória de sua terra natal, onde as cores vibrantes do Brasil se misturavam com as tradições italianas de sua família. Nas trincheiras, ele lutava não apenas pela vitória, mas pela honra de sua herança.

A guerra, no entanto, não era apenas feita de bravura e glória. Nas crateras encharcadas de lama e sangue, os brasileiros de origem italiana enfrentavam o horror e a brutalidade do combate. Testemunhavam a carnificina dos campos de batalha, onde a morte espreitava a cada esquina e a camaradagem era a única luz na escuridão.

Durante anos, Luca e Giovanni enfrentaram os horrores da guerra, lidando com o fogo inimigo e a incerteza do amanhã. Suas histórias se entrelaçavam com as de milhares de outros brasileiros, cujas vidas foram sacrificadas no altar da guerra. Alguns retornaram para casa, marcados pela tragédia e pela perda, enquanto outros permaneceram para sempre nas terras estrangeiras onde lutaram e caíram.

Mas, apesar das feridas físicas e emocionais, o legado desses heróis brasileiros de origem italiana permanece vivo nas páginas esquecidas da história. Suas histórias de coragem e sacrifício são um tributo à resiliência do espírito humano e um lembrete de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a esperança e a solidariedade podem prevalecer.


segunda-feira, 24 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 4




Esperaram mais alguns meses, pela chegada do verão para finalmente embarcarem. Rodolfo e Mariana fizeram as malas e tomaram um trem até Trieste, o porto mais próximo, onde ele sabia  que partiam regularmente, antes da guerra,  navios com destino à América. Compraram as passagens de terceira classe para economizar o dinheiro que Rodolfo ganhou dos pais e dos seus soldos atrasados. De última hora resolveram que o destino seria alguma cidade de Santa Catarina, onde morassem pessoas que falavam o alemão ou o italiano. Depois de uma longa espera pelo navio, hospedados em uma modesta pensão não muito longe do cais, finalmente embarcaram, estreando os novos passaportes com identidade italiana. A viagem durou menos de vinte dias e foi muito tranquila sem grandes tempestades ou doenças a bordo. Desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro e com um outro navio se dirigiram até Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina. O casal já tinha conhecimento, pelas cartas dos parentes de Mariana, moradores em Rodeio, que uma grande olaria, de propriedade de uma importante família alemã, tinha sido construída próxima da cidade de Blumenau a qual,  com freqüência, estavam admitindo novos funcionários. Para morar, compraram por bom preço, uma antiga casa de quatro cômodos em estilo enxaimel, que já se encontrava abandonada a algum tempo e  necessitava de alguns reparos. O terreno era grande, uma chácara, fora da cidade, perto da qual passava o grande rio Itajaí. Mariana, pelas  suas qualificações como ex-enfermeira de guerra, não demorou  a  encontrar trabalho em uma Casa de Saúde, antigamente   conhecida como hospital alemão. Rodolfo demorou um pouco mais, mas, também encontrou trabalho, sendo admitido como funcionário da olaria. Como sabia ler e escrever em alemão, língua falada pela maioria da população da cidade e região, conseguiu uma boa colocação no escritório da fábrica de telhas e tijolos. Assim começaram a nova vida no Brasil.

Continua
Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS





 

sábado, 22 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 3

 




Em épocas de guerra parece que tudo anda mais acelerado, não somente com os militares, mas, também com a população civil. O ritmo da vida se acelera, as decisões são tomadas com muito mais rapidez e, também, com muito maior facilidade do que antes. Padrões de comportamento são quebrados, substituídos por outros menos rígidos e mais liberais. As pessoas, parecem querer exorcizar todo aquele sofrimento, toda aquela dor acumulada durante o tempo em que durou o conflito. A convivência diária, com o sofrimento e a morte, faz com que a percepção da finitude da vida seja bem mais acentuada. Todos têm agora uma pressa maior em viver a vida, de fazer as coisas que antes ficavam apenas no pensamento. A guerra transforma uma sociedade, mudando radicalmente a maneira de pensar da população. Isso também ocorreu com o Rodolfo e Mariana, que ansiosos em viver as suas vidas, de repente revolveram se casar. Sem dinheiro, contando somente com o pouco que Mariana tinha conseguido economizar, de trem foram até Roncade, na casa de Mariana conhecer os seus pais e irmãos. Felizes, queriam contar logo a grande decisão que tinham tomado. O pai de Mariana, depois de muita relutância, principalmente pelo fato de Rodolfo ser desconhecido e, até pouco tempo atrás, ser considerado um inimigo, depois de conhecer melhor o rapaz e as suas intenções, finalmente cedeu e consentiu o casamento dos dois. Certo que ele não poderia fazer diferente, o mundo estava mudado, os dois jovens eram maiores de idade e estavam dispostos a se casar de qualquer maneira. Muitas tradições, muitas leis estavam dando lugar a um pensamento mais liberal. Sem ter onde ficar, a família de Mariana, por iniciativa da mãe, dispôs um quarto para ele na própria casa. Rodolfo escreveu para os pais contando a novidade e disse que não contava, devido a atual situação do país,  que eles pudessem vir para o casamento. Depois de duas semanas já não estava mais usando as muletas para caminhar e com a ajuda de Mariana em pouco tempo a força na perna operada voltou, se recuperando  completamente. Dos graves ferimentos recebidos agora só restaram as grandes cicatrizes. A cerimônia do casamento, realizada na Igreja de Todos os Santos de Roncade, foi muito simples e rápida, com a presença somente dos pais de Mariana, seus irmãos e duas amigas de infância. Após o ato religioso, pegaram um trem para Bolzano, Rodolfo estava ansioso para apresentar a sua esposa Mariana à sua família. A situação em toda a Itália, no período imediato pós o término do conflito, era bastante caótica, especialmente, naquelas regiões mais atingidas, onde então ficava o front, com várias cidades arrasadas. As linhas ferroviárias estavam sendo reparadas e as estradas e pontes sendo refeitas. Mesmo assim o movimento de veículos e de pessoas a pé era intenso. Demoraram quase três dias para chegar em Ortisei. Desde o Trento estava tudo intacto, como se não tivesse ocorrido uma guerra. Rodolfo ao sair do hospital militar de Padova recebeu uma permissão especial para poder circular e ela era sempre apresentada nos diversos postos de controle. Ao chegarem na casa dos pais de Rodolfo já estavam sabendo da triste notícia da morte, em combate, dois anos antes, do cunhado Maximiliano, relatada por um amigo que encontraram na cidade natal. A sua irmã viúva e os filhos do casal continuavam morando na casa dos sogros. A família de Rodolfo ficou radiante com a volta do filho, que por falta de notícias suas, pensavam que também tivesse morrido naquela guerra. Não mais haviam recebido notícias do filho, pois, as várias cartas do rapaz nunca chegaram, nem mesmo aquela em que comunicava o casamento. Não cabiam em si de tão felizes. Mariana foi imediatamente acolhida por todos, que elogiaram a sua beleza. Passaram-se algumas semanas e o casal percebeu que ali não era o lugar que tinham imaginado para viver. A solução encontrada, a única que ainda oferecia esperança de uma nova vida, longe daquela tensão pós guerra, seria emigrar e o Brasil era o destino preferido dos dois. Esta sempre tinha sido a ideia de Mariana antes da guerra, a qual  tinha muitos parentes próximos vivendo nesse país, emigrados a mais de trinta anos atrás, mas, que ainda antes do conflito, ainda se correspondiam periodicamente. Eram tios e primos que moravam nas cidades de Caxias, no estado do Rio Grande do Sul e Rodeio, em Santa Catarina. Tanto os pais de Rodolfo, como os de Mariana, ficaram muito tristes e preocupados com essa repentina comunicação  do casal, no entanto sabiam que era uma decisão correta, pois, no Brasil teriam muito mais futuro do que naquela Itália.

Continua
Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 2


 


Rodolfo só acordou dois dias depois. Não lembrava de como tinha sido ferido e nem que seus amigos morreram. Abriu os olhos e estranhou o local onde estava, deitado em uma cama de hospital, em um grande pavilhão com outros homens feridos nas camas vizinhas. Sentia dor e tinha a perna e o braço esquerdos imobilizados. Um grande curativo cobria a sua cabeça. Lentamente foi recobrando as lembranças e viu que tinha sido ferido, mas, não sabia quantos dias estava ali. Ouviu pessoas falando em italiano e suspeitou que estivesse em um hospital inimigo. Estava sendo muito bem tratado. Durante o dia as enfermeiras vinham diversas vezes até a sua cama, para aplicar injeções e trocar os curativos. Por elas soube que já estava naquele hospital de Padova a quatro dias e que tinha chegado sem consciência pela grande perda de sangue. Foi ferido na cabeça, no braço esquerdo e na perna do mesmo lado. Essa estava dilacerada, quebrada em dois lugares. O jovem médico militar que o tratava explicou que ainda tinha o risco de perder essa perna caso começasse a gangrena. Foi interrogado diversas vezes pelo pessoal militar especializado, que buscavam informações úteis sobre as unidades austríacas e alemãs que estavam entrincheiradas logo adiante do maciço do Grappa frente as tropas italianas. O fato de Rodolfo falar fluentemente o italiano facilitou muito a comunicação com o pessoal do hospital, especialmente com os médicos e pessoal da enfermagem. Uma bela e gentil jovem enfermeira italiana, vestindo o tradicional uniforme das "crocerossine", com uma pequena toca em forma de véu na cabeça, chamou muito a atenção de Rodolfo. Ela era muito atenciosa e com o passar dos dias pareceria nutrir uma afeição especial para com aquele ferido inimigo. Soube que o seu nome era Mariana e era natural de Roncade, um município não muito distante de Treviso. Não conseguia tirar o seu pensamento daquela bela enfermeira e todos os dias esperava com ansiedade a hora do seu turno. Com o passar dos dias, Mariana começou a se interessar ainda mais por aquele jovem austríaco, muito forte e bonito. Passou a fazer visitas rápidas para Rodolfo, fora do seu turno, com a desculpa de trocar algum curativo ou ministrar uma medicação. Parecia que ela gostava de estar na presença daquele jovem soldado. Nos fins de semana quando podia vinha visitá-lo e ficavam muito tempo conversando, tanto que um já sabia quase tudo da vida do outro. Mariana era a terceira menina de um casal com oito filhos, tinha vinte anos e comovida com o sofrimento dos feridos de guerra, respondeu aos chamados do governo, se alistando a dois anos atrás como enfermeira voluntária da Cruz Vermelha em Padova. Depois de um curso intensivo de quase um ano, com aulas teóricas e práticas, foi finalmente aceita como "crocerossina". Trabalhava em tempo integral, tal era o movimento no complexo médico hospitalar de Padova, principalmente por estar agora muito próximo do fronte, especialmente depois do rompimento das linhas italianas em Caporetto. A guerra já durava quase três anos e parecia que não teria fim. Milhares de jovens feridos passaram pela instituição e várias centenas deles foram atendidos por ela. As enfermeiras ficavam alojadas em instalações coletivas, perto do complexo hospitalar. Alternavam os turnos de trabalho diurnos com movimentados plantões noturnos. Tinham realmente um trabalho extenuante, não somente porque não eram em grande número, mas, principalmente, pela quantidade de feridos que eram levados para lá. É frequente, por vários motivos, as enfermeiras se afeiçoarem pelos pacientes que estão sob seus cuidados. Quando eles ficam curados, com alta, é uma grande alegria para elas, mas, quando eles não resistiam aos ferimentos e morriam, muitas entravam em depressão. Naquele serviço e em uma guerra como aquela, era preciso saber dosar os sentimentos para não sofrer. Mas, nem todas conseguiam. Rodolfo foi operado diversas vezes nesses trinta dias de internação. Ficou sabendo que os austríacos não mais conseguiram avançar e que o fim para eles parecia próximo. Até agradeceu a Deus por tê-lo livrado daquele inferno que se tornara o fronte. À noite, sempre acordava sobressaltado ouvindo os estrondos das granadas ao seu lado. Muitos pensamentos vinham à sua cabeça, e lembrava de fatos que o avô sempre contava. Sabia, por exemplo, que toda aquela região por que estavam lutando, já pertencera ao reino da Itália. Após as chamadas guerras napoleônicas, em 1815, com a assinatura de um tratado, todo o sul do Tirol, passou às mãos do império austro-húngaro, que impôs o seu governo nas províncias do Trento e Bolzano, além de outras no Friuli. Nunca aceitou o fato de agora estar lutando contra os italianos, povo que ele tinha especial admiração, especialmente pelo fato que sua mãe ser italiana e que seus avós maternos e tantos outros parentes, tios e primos também serem italianos. Dormia, e os sonhos o levavam ao encontro de Mariana. Era uma paixão que aumentava a cada dia. Quase dois meses internado e sempre a bela "crocerossina" estava ao seu lado. Já estavam no ano 1918 e um dia quando tinha sido levado para tomar banho de sol no jardim do hospital, ouviu um grande alvoroço no hospital, as pessoas se abraçavam, gritavam, uns riam e outros choravam. Logo apareceu Mariana correndo, contente vindo ao seu encontro contando que finalmente a guerra tinha acabado. Com a batalha de Vittorio Veneto entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro selou o destino da guerra. A Itália com ajuda dos aliados franceses e ingleses, haviam vencido os austríacos e os alemães. Foi criada a região com estatuto especial do Trentino Alto Adige, englobando todo o Trento e Bolzano, além de parte do Friuli, os quais passariam novamente a ser território italiano, depois de mais de cem anos de dominação austríaca. A partir de agora a cidade onde morava era italiana e não mais austríaca. Rodolfo sempre escrevia do hospital para os pais e irmãos, mas, nunca tinha recebido resposta e isso o deixava muito preocupado. Nessas cartas sempre falou da jovem enfermeira italiana que o cuidava no hospital e pela qual estava enamorado. Recuperado Rodolfo teve alta hospitalar, mas ainda precisava de curativos naquela perna ferida e não podia apoiar. Com ajuda de um par de muletas caminhava com desenvoltura pelo hospital. A relação dos dois jovens não dava para ser escondida por muito tempo, todas as colegas de Mariana já sabiam de tudo e que eles estavam namorando. Disse que gostaria muito de conhecer os pais de Mariana para pedi-la em casamento e na primeira oportunidade que ela pudesse tirar alguns dias de folga iriam juntos até lá. 

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Trecho do conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


terça-feira, 18 de julho de 2023

Da Trincheira ao Amor: A Vida de um Ex-Soldado Austríaco e sua Enfermeira Italiana parte 1





Rodolfo Stägar acabara de completar 19 anos, era um jovem militar, servindo a quase um ano no exército imperial austro-húngaro, quando eclodiu a I Grande Guerra Mundial em 29 de julho de 1914. No quartel, por suas excelentes aptidões físicas, tinha sido treinado para servir na infantaria de montanha, mas, logo foi transferido para uma nova brigada de caçadores de montanha, que em alemão se chama "Gebirgsjager". Naquele dia estava guarnecendo uma posição de artilharia leve localizada quase no alto do Monte Pasubio, a mais de dois mil metros de altitude. No início da madrugada seguinte, durante o seu turno de vigia naquele posto, seus pensamentos o transportaram rapidamente para a casa paterna, em um suceder de curtos flashes, recordando da sua vida com os seus familiares. Rodolfo tinha nascido em uma pequena propriedade rural de montanha, no interior montanhoso do atual município de Ortisei, da província de Bolzano, que naquela época já era chamada de St. Ulrich (Sankt = Santo) em idioma alemão e Urtijëi em ladino o modo de falar local, considerada a língua mais antiga do Tirol. Era filho de pai austríaco, de origem ladino, nascido naquele mesmo município, e de mãe italiana natural do "comune" de Cadore, na vizinha província de Belluno. Falava e escrevia perfeitamente nas três línguas, ensinado pela mãe e pelo avô e o alemão com todos de casa, mas, também na escola primária local. Tinha dois irmãos mais novos, Lukas e Sebastian, de 13 e 8 anos respectivamente. E duas irmãs mais velhas que ele, a primogênita chamada Emma, de 25 anos, já casada e mãe de dois filhos pequenos, morando com a família do marido Maximilian, em Santa Cristina Valgardena (Sankt Christina in Gröden), não muito distante da casa paterna. A outra irmã se chamava Erica e tinha 22 anos, ainda estava solteira e morava com os pais. Foi repentinamente desperto dos seus pensamentos pelo estrondo de tiros de canhão, disparados de uma posição italiana, em uma montanha bem distante, mas, que pelo barulho parecia ter sido bem mais perto. Os seus companheiros, dentro da gruta natural que servia de abrigo para todos, também acordaram assustados. Como Rodolfo, que a era o sentinela não soou o alarme, voltaram a dormir. Apesar de estarem em pleno verão, naquela altitude do Monte Pasubio onde se encontravam, a neve era eterna e o frio congelante, reforçado pelas fortes rajadas de vento. Para Rodolfo aquela temperatura fria não causava tanto desconforto, acostumado desde criança com o rigoroso clima da sua pequena cidade. Não tendo mais nada para fazer até o nascer do sol, a monotonia voltou a tomar conta do rapaz e seus pensamentos se voltaram novamente para a sua família. Lembrou que o seu pai Gustav, agora com 57 anos, também havia servido como recruta, por três longos anos, no exército imperial austríaco, tendo dado baixa com 22 anos, no posto de cabo, que em alemão se chamava Gefreiter. Como soldado já tinha servido em diversos postos militares na fronteira com o reino da Itália e foi justamente em uma cidade perto de um deles que conheceu a sua mãe Maddalena. Com três dias de dispensa, ele com outro amigo aventureiro aproveitaram para conhecer Cortina e estender o passeio até Auronzo, viajando na moto de Gustav, um apaixonado pela mecânica e pelos novos inventos que estavam surgindo naquele final de século. A motocicleta tinha sido inventada poucos anos antes, em 1885, pelo engenheiro alemão Daimler e se chamava de Reitwagen. Após visitarem Cortina, chegaram a Auronzo, em uma manhã de domingo, justamente no dia da feira anual de produtos agrícolas e exposição de animais. A pequena cidade estava em festa, repleta de agricultores e criadores, homens e mulheres de todas as idades, vestindo roupas típicas em carroças enfeitadas, vindos de quase todos os municípios vizinhos. Uma pequena banda musical se apresentava na praça alegrando a festividade. Católicos que eram, os dois amigos participaram da missa na igreja local antes de começarem a visitar a grande feira. Quando já estavam para retornar para estrada, Gustav foi golpeado pela beleza de uma jovem agricultora que, com a mãe e irmãs menores tomava conta de uma das tendas em exposição. Vendiam produtos por elas colhidos, trazidos da propriedade que os pais possuíam a várias gerações, situado em uma encosta montanhosa no interior do município. Alta, bonita, com suas belas roupas tradicionais de cor azul, com os cabelos loiros presos por uma tiara típica das moças da província de Belluno, formado por compridos prendedores prateados, unidos entre si, cada um deles terminando em sua ponta com uma pequena esfera. Arrumou uma maneira de conversar com ela e saber onde ela morava. Maddalena, sempre observada pela mãe, trocou mais algumas palavras com aquele belo estranho que, pelo sotaque e roupas que usava deveria ser austríaco. Gustav e o amigo, retornaram para o posto de fronteira onde serviam, mas, não conseguia pensar em outra coisa do que naquela bela italiana que tinha conhecido. Teria que se encontrar novamente com ela e a motocicleta seria a sua salvação. Depois de um ano aproximadamente, permeados por encontros, facilitados por colegas de farda naturais daquela parte de Belluno, Gustav finalmente se casou com Maddalena, a sua querida mãe. 

Rodolfo, absorto com seus pensamentos nem percebeu que a luz do sol já estava iluminando os picos nevados daquelas altas montanhas no horizonte. Acordou para a triste realidade da guerra e das novas notícias e ordens que chegaram pelo telégrafo. A sua brigada deveria avançar mais ao sul, em montanhas mais próximas do Monte Grappa, devido o exitoso avanço austríaco, ajudados pelos alemães, que levaram a ruptura da linha defensiva italiana em Caporetto. Os austríacos e alemães estavam vencendo a guerra e começavam a invadir com rapidez a Itália. O exército italiano em debandada recuou para posições defensivas em volta do Monte Grappa, com o Rio Piave intransponível. Transbordando e com forte correnteza devido à cheia, foi um forte aliado contra o avanço austríaco. Chovia muito forte durante dias. O tempo continuava excepcionalmente chuvoso deixando as estradas verdadeiros lodaçais, que dificultavam a passagem dos veículos e o avanço das tropas. O lado italiano também estava sendo defendido por tropas francesas e inglesas destacadas para socorrer a Itália. Desde o sul da península, extensas colunas de reforços chegavam para conter a penetração austríaca no território italiano. Com todos esses reforços que chegavam, os austríacos foram finalmente contidos próximos ao Monte Grappa, já nas margens do rio Piave. Uma terra de ninguém, bombardeada diariamente por ambos os lados em conflito, arrasaram inteiros municípios como, por exemplo, Pederobba, cuja população precisou ser rapidamente evacuada mais ao sul do país. Rodolfo sentiu os rigores de uma guerra. Mal alimentados, ensopados pela chuva que não parava de cair e com falta de roupas adequadas para o inverno que chegava, os soldados austríacos ocupavam qualquer monte ou posição mais elevada para assentar seus canhões, que sem paravam de disparar contra as posições italianas e de seus aliados. As tropas de infantaria de montanha, da qual pertencia, se entrincheiravam, preparando as suas armas, esperando a ordem de atacar. Estava em um refúgio escavado nas pedras no Monte Prassolan, com quase 1500 metros de altura. Estava muito próximo do fronte e o município de Alano di Piave estava logo abaixo. Em uma noite sem lua, Rodolfo e quatro outros seus companheiros de farda, receberam ordens para compor uma patrulha que desceria da posição em que estavam no Monte Prassolan em direção ao Monte Grappa, deslocando-se em terreno lamacento e com neve, tentariam coletar informações de alguma passagem onde as tropas austríacas poderiam avançar. A zona ao lado Grappa estava sendo defendida por tropas francesas e italianas. Depois de algumas horas de caminhada, um pouco antes do amanhecer, um dos companheiros de Rodolfo, que estava mais a frente, tropeçou em uma mina terrestre que na hora explodiu, matando-o instantaneamente. Nenhum dos outros quatro ficaram feridos, mas, o estrondo alertou algumas patrulhas francesas que rapidamente cercaram a área. De repente foi iniciado um confronto com tiros de ambos os lados. Uma pesada metralhadora francesa impedia a fuga, com suas poderosas rajadas que derrubam grossos galhos das árvores e gelo acumulado. Nesse embate dois outros amigos de Rodolfo morreram atingidos por fogo cruzado. Rodolfo e o seu amigo, escondidos atrás de árvores, estendidos contra o chão foram logo atingidos. Agora o amigo estava também morto e ele milagrosamente vivo, apesar de gravemente ferido, atingido por alguns tiros. A forte dor e a hemorragia que se seguiu ao ferimento, apagaram a consciência de Rodolfo que, desmaiado ficou ali estendido sobre a neve, até ser capturado pela patrulha francesa. Foi imediatamente transferido para um hospital de campanha na retaguarda. Ali foram feitos os primeiros atendimentos médicos para suportar as dores, infusão de soro para tratar o choque causado pela grande perda de sangue, estancar a hemorragia e os curativos para imobilizar os membros feridos. Pela gravidade do caso e pelo fato do prisioneiro ser um jovem muito forte, que teria boas chances de curar, foi rapidamente transportado de ambulância para um centro médico maior localizado em Padova, a cerca de 80 quilômetros.

Trecho do Conto "Da Trincheira ao Amor" de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS