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sábado, 6 de julho de 2024

Raízes de Esperança: A Saga da Família de Mario e Angelina Speranzetti


 


A história da família de Mario Speranzetti e Angelina Valentinelli começou nos aprazíveis campos do interior da província de Padova, na Itália, no ano de 1879. Ambos nasceram em famílias numerosas e também pobres, cujos sonhos estavam profundamente enraizados na terra que cultivavam. Seus pais eram trabalhadores rurais, sem terra própria, e dedicavam suas vidas a trabalhar para os verdadeiros donos da propriedade, com os quais deviam dividir o resultado das colheitas. O sonho de ambas as famílias era um dia se tornarem donas das terras que cultivavam, de serem os próprios patrões, de saírem da pobreza e da submissão, de poderem deixar de calar sempre e só saberem trabalhar.

No entanto, a situação na Itália, e em particular na região do Vêneto, onde as duas famílias viviam desde séculos, estava cada vez mais sombria. A situação começou a piorar para eles, principalmente, para aqueles mais pobres, a partir da conquista da Sereníssima República de Veneza por Napoleão e outra vez mais tarde, com o ressurgimento que deu lugar à criação do reino da Itália. Foram dois longos e atribulados episódios, com muitas guerras, períodos dramáticos e decisivos para o país, especialmente para o povo das regiões norte e sul da Itália, que viviam da agricultura. Esses dois episódios levaram a um empobrecimento contínuo e acelerado de todo o Vêneto. Nos últimos, antes de emigrarem, os grãos eram importados a preços muito mais baratos que os produzidos na Itália, que tinha uma das agriculturas mais atrasadas da Europa. Os camponeses italianos cultivavam a terra da mesma maneira que faziam seus avós, m século atrás, usando os mesmos ultrapassados instrumentos agrícolas e métodos de manejo do solo. No últimos decênios do século XIX, várias catástrofes naturais se abateram sobre a península, com secas, enchentes,  avalanches, desmoronamentos que colaboraram para a diminuição das já insuficientes colheitas. Isso fez com que muitos patrões, aqueles que davam emprego à tantos, desistissem e fossem forçados a vender suas terras gravadas com novas taxas governamentais opressivas. Isso resultou em desemprego em massa no campo, causando desespero e até mesmo fome. Mario e Angelina também trabalhavam para um rico produtor rural que, devido todas essas circunstâncias, se viu obrigado a se desfazer de suas terras e, com toda a família, emigrar para a Argentina.

Foi assim que a família de Mario e Angelina  depois de avaliarem as possibilidades, tomou a difícil decisão de deixar sua terra natal e também partir em emigração, em busca de um futuro melhor. Em 1892, com quatro meninos e uma menina chamada Chiara, com apenas 2 anos de idade, eles embarcaram no navio Giulio Cesare, iniciando uma perigosa e demorada viagem em direção ao Brasil.

A tão temida travessia marítima foi uma jornada repleta de desafios, com o mar agitado e condições desconfortáveis a bordo. No entanto, a esperança os manteve firmes durante aquelas semanas angustiantes.

Finalmente, a família de Mario e Angelina chegou ao Brasil, desembarcando em um país completamente novo e desconhecido, que desde os primeiros momentos os impressionou bastante. O movimentado porto era o do Rio de Janeiro, onde atracavam a maioria dos navios que traziam imigrantes para o Brasil. Com suas economias limitadas, alguns dias depois eles tiveram que fazer outra viagem, desta vez em um navio de menor calado, em direção ao Rio Grande do Sul, para, depois de várias peripécias, finalmente chegarem na Colônia Caxias.

A vida na Colônia Caxias era inicialmente árdua, com desafios como o clima tropical e a adaptação à agricultura local. Mas Mario e Angelina eram pessoas trabalhadoras e determinadas. Com o tempo, aprenderam a cultivar a terra e cuidar do gado e dos suínos, transformando seu pedaço de chão em um lar próspero.

Enquanto Mario e Angelina se esforçavam para construir uma nova vida, seus filhos cresciam. Tommaso, o mais velho, ajudava os pais no difícil trabalho rural, era o braço direito da família. Mattia, Davide e Lorenzo também aprenderam o valor do trabalho árduo. Chiara, apelidada Chiaretta, a menina que chegou tão jovem ao Brasil, cresceu em um ambiente de amor e apoio, tornando-se uma jovem forte, cheia de vida e esperança.

À medida que os anos passavam, a família de Mario e Angelina se tornou uma parte essencial da comunidade da Colônia Caxias, inseridos em vários segmentos da sociedade local. Eles compartilhavam com os amigos e vizinhos suas experiências e histórias vividas na Itália, criando laços fortes.

Com o tempo, a família conseguiu comprar mais terras, realizando o antigo sonho de serem agora os próprios patrões, trabalhando em suas terras, não precisando mais dividir as colheitas  com ninguém  A história de Mario e Angelina se transformou em uma inspiração para outros colonos, mostrando que com trabalho duro e determinação, era possível transformar a adversidade em sucesso.

E assim, a família continuou a escrever sua história na Colônia Caxias, mantendo viva a tradição italiana e os valores que os guiaram desde o momento em que deixaram a Itália em busca de uma vida melhor no Brasil. A jornada da emigração se tornou uma história de resiliência, sucesso e uma lição de vida para as gerações futuras.

Os filhos cresceram em um ambiente de trabalho árduo e valores familiares fortes. Tommaso, o mais velho, tornou-se rapaz alto e muito robusto, que ajudava o pai no trabalho pesado da agricultura e, ao longo dos anos, casou e expandiu ainda mais as terras da família, tornando-se um próspero colono, principalmente com o incremento do cultivo da uva e a produção industrial do vinho.
Mattia mostrou talento para a carpintaria e marcenaria desde jovem, e seu dom para trabalhar com madeira o levou a criar belos móveis e construir casas para a comunidade da Colônia Caxias. Era muito requisitado e acabou investindo em uma pequena fábrica de móveis que com o tempo seus filhos e netos a transformaram em um grande complexo industrial, fabricando móveis para cozinhas.
Davide, por sua vez, demonstrou aptidão para a educação e com o tempo se tornou professor na escola rural local. Ele era apaixonado por compartilhar conhecimento com as crianças da região. Se casou com uma belo moça filha de descendentes de imigrantes italianos, a qual tinha o tino comercial que faltava a Davide, tornando-se uma respeitada comerciante.
Lorenzo, o caçula dos cinco primeiros filhos que vieram da Itália, era conhecido por seu espírito aventureiro. Ele se tornou um explorador e desbravador das vastas terras da região e não só, mapeando áreas desconhecidas fora da  colônia, no estado do Rio Grande do Sul, chegando até mesmo a descobrir novos recursos naturais. Com o tempo se casou e teve vários filhos.
Chiara, a filha mais nova dos cinco primeiros filhos, também nascida na Itália, cresceu como a alegria da família. Com seu jeito carinhoso, ela mais tarde se tornou enfermeira, cuidando dos doentes na comunidade, quando da inauguração do primeiro hospital.
Quanto aos quatro filhos do casal que nasceram no Brasil, Aurora cresceu como uma líder nata, casou, teve 8 filhos e se tornou uma professora respeitada na Colônia Caxias, seguindo os passos do irmão Davide. Seu marido era  um rico criador de suínos e proprietário de uma fábrica de banha.
Giada, a filha mais franzina, era conhecida, desde criança, por sua voz angelical e desde cedo era uma talentosa cantora, enriquecendo os encontros festivos e religiosos da comunidade com sua música.
Giuseppe, com seu forte espírito empreendedor, abriu um pequeno comércio que rapidamente, com o crescimento da colônia que passou a ser município de Bento Gonçalves, se transformou em um próspero negócio de compra e venda de alimentos essenciais para a comunidade. Com o tempo, visionário que era, aproveitou o rápido  crescimento da cidade e investiu em um hotel para viajantes que em grande número chegavam e que mais tarde, seus filhos e netos transformaram em um grande complexo hoteleiro para turistas, muito conceituado.
Anna, a caçula da família, cresceu apaixonada pelas artes, não se casou e alguns anos antes de sua morte se tornou em uma artista renomada, cujas pinturas celebravam a beleza da natureza da Colônia Caxias. Suas obras estão expostas em alguns museus.

A família de Mario e Angelina continuou a crescer e prosperar, contribuindo de maneiras únicas para a comunidade. Eles eram um exemplo de união, trabalho duro e determinação, e suas histórias de sucesso se tornaram parte integral da rica tapeçaria da vida na Colônia Caxias e além. Juntos, eles deixaram um legado duradouro de amor, dedicação e superação e seus inúmeros descendentes ainda hoje são figuras proeminentes em Bento Gonçalves.




domingo, 26 de maio de 2024

Raízes de Esperança: A Odisseia dos Bottarello





Desespero e Esperança


No final do século XIX, a Itália enfrentava uma crise profunda. A unificação recente do país não havia sido capaz de resolver as desigualdades sociais e econômicas que afligiam o povo. No Vêneto, em particular, a situação era desesperadora. As terras férteis, uma vez prósperas, estavam agora exauridas e incapazes de sustentar as famílias que delas dependiam. A importação de grãos de outros países como Rússia e Estados Unidos, contribuíam para o desestímulo da ainda atrasada agricultura do país. Proprietários rurais desistiam de plantar, vendendo as terras, e desemprego era crescente, a fome constante e esses abandono do campo levavam muitos a considerar alternativas extremas para garantir a sobrevivência.
Na frazione Bosco, no comune de Vidor, vivia a família Bottarello. Carlo Bottarello, um homem de 28 anos, trabalhava arduamente como mezzadro, dividindo os escassos rendimentos de suas colheitas com o proprietário das terras. Ao seu lado estava Marietta, sua esposa de 27 anos, e seus quatro filhos: Carmela, de 8 anos; Domenico, de 6; Rinaldo, de 4; e Giuditta, de apenas 2 anos. Também faziam parte da família os pais de Carlo, o nono Matteo, um experiente agricultor e artesão de pouco mais de 50 anos, e nona Maria, uma mulher de 48 anos que trazia a sabedoria e a força dos anos.

A Decisão Dolorosa


Os Bottarello enfrentavam uma situação insustentável. As colheitas eram insuficientes e a maior parte do que conseguia colher tinha que dar para o proprietário da terra onde trabalhava e a fome começava a rondar a casa. As crianças, com rostos pálidos e olhares famintos, eram um lembrete constante das dificuldades. A família fazia somente uma refeição ao dia, que quase sempre consistia de polenta com alguma erva para dar sabor e para as crianças com um pouco de leite. Carne somente comiam se por sorte tivessem caçado alguns pássaros. Em muitas famílias vizinhas e também na de Carlo, inúmeras vezes a polenta era servida sem acompanhamento e sobre a mesa Marietta amarrava uma sardinha, ou muito raramente um pequeno pedaço de salame, com um longo  barbante, e cada um ao seu turno tocava na iguaria com o seu pedaço de polenta para dar um pouco de sabor. Situação difícil, dramática e insustentável. Carlo, desesperado por uma solução, sem dinheiro para comprar passagens de navio, ouviu rumores sobre a possibilidade de emigrar para o Brasil. O governo brasileiro sofrido de falta de mão de obra e em uma tentativa de povoar suas terras, oferecia passagens gratuitas para famílias dispostas a cruzar o Atlântico em busca de uma vida melhor.
Após semanas de deliberação e noites insones, Carlo decidiu que não havia outra opção. A família inteira reuniu-se ao redor da mesa de madeira maciça, marcada pelo tempo e pelo uso. As lágrimas escorriam pelo rosto de Marietta enquanto segurava firmemente a mão de Carlo. Nono Matteo, com olhos cansados, mas resolutos, concordou com a decisão, sabendo que era a única esperança de um futuro para seus netos.

A Despedida e a Jornada


A manhã da partida foi marcada por uma despedida comovente. Amigos e vizinhos reuniram-se para dizer adeus, compartilhando abraços e lágrimas. Até o pároco Don Luigi, amigo de infância de Matteo com o qual compartilhou os bancos escolares, apareceu para abençoar o grupo. A pequena vila de Bosco testemunhou a partida dos Bottarello com um misto de tristeza e esperança.
A viagem começou com um trajeto de trem de Cornuda até Gênova. Para a maioria deles, era a primeira vez em um trem, e a experiência foi tanto excitante quanto aterrorizante. Ao chegarem a Gênova, insones e cansados pelas inúmeras paradas, depararam-se com o grande porto, um lugar movimentado e agitado, repleto de sons e odores desconhecidos. Esperaram ansiosos no cais pelo navio que os levaria ao Brasil, o Duca di Galliera.

O Oceano Traiçoeiro


O embarque foi rápido, e as condições encontradas a bordo eram precárias. A superlotação era evidente, e os Bottarello mal encontraram um espaço para se acomodar. Nos porões úmidos e mal ventilados o cheiro de corpos suados e do mar misturava-se, criando uma atmosfera opressiva. Durante a travessia, enfrentaram tempestades violentas que balançavam o navio de maneira assustadora, fazendo com que muitos passageiros, incluindo os filhos mais novos de Carlo, ficassem doentes. O terror causado pelo medo de um naufrágio e morrerem no meio daquelas tormentas, fazia com que muitas mães perdessem o leite, o que levava ao óbito de muitos lactentes. 

Novo Mundo, Novos Desafios


Após semanas de tormento no mar, finalmente avistaram o porto do Rio de Janeiro. A chegada foi um alívio, mas os desafios estavam longe de terminar com o desembarque. Passaram quatro dias abrigados na Hospedaria dos Imigrantes, onde foram alimentados, registrados e receberam algumas orientações básicas.
Passado os quatro dias, a próxima etapa da jornada de todo o grande grupo de imigrantes foi outra viagem de navio até o Rio Grande do Sul. No porto de Rio Grande, foram acomodados provisoriamente em grandes barracões de madeira, aguardando os barcos menores que os levariam rio acima até a Colônia Caxias. Após dez dias de angustiante espera, embarcaram em pequenos barcos fluviais, cruzando a Lagoa dos Patos contra a correnteza e passando por Porto Alegre sem desembarcar.

A Caminho da Colônia


Com os pequenos barcos subiram pelo rio Caí até a pequena cidade de São Sebastião do Caí, onde finalmente desembarcaram. Após um dia de descanso, iniciaram a difícil subida da Serra a pé, em grandes carroças e no lombo de mulas. A subida era árdua, e os funcionários do governo brasileiro abriam caminho estreitos com foices e facões para o grupo avançar. A selva entorno era densa e implacável, com árvores gigantescas e dela saíam sons de animais que traziam muito medo às crianças. A jornada parecia interminável.

Nova Vida na Colônia Caxias


Ao chegarem na Colônia Caxias, foram acomodados provisoriamente até que tomassem conhecimento do lote que lhes fora destinado. A construção de um abrigo de pau a pique foi a primeira tarefa na nova terra, um trabalho exaustivo, mas necessário. Os contínuos sons desconhecidos da floresta, urros e gritos dos animais, como bandos de macacos e periquitos causavam medo e inquietação. Muitas vezes, durante a noite, se ouviam os urros de animais ferozes que rodavam os frágeis  casebres, deixando todos amedrontados.
Os primeiros meses foram de desânimo e sofrimento. O frio intenso das noites serranas e a solidão no meio da mata virgem eram opressivos. Sem conforto religioso de padres ou de médicos, se sentiam abandonados no meio do nada, estavam realmente isolados do mundo. Mas a fé no futuro e a resiliência os mantiveram firmes. Limparam uma parte do terreno para o primeiro plantio, semearam milho e trigo, enfrentando as adversidades com determinação.

Progresso e Sucesso


Os anos passaram, e a família Bottarello, com trabalho árduo e perseverança, começou a ver os frutos de seus esforços. Aos poucos construíram uma nova casa sólida de madeira, um símbolo de sua melhoria progressiva. Após alguns anos, finalmente alcançaram o sucesso.
A família agora prosperava em suas terras, um contraste marcante com os dias de fome e desespero na Itália. Carlo e Marietta, com seus filhos crescidos, olhavam para trás com orgulho e gratidão, sabendo que a difícil decisão de emigrar havia sido a chave para um futuro melhor.
A jornada dos Bottarello era uma história de sacrifício, resiliência e triunfo, um testemunho do espírito indomável daqueles que buscaram um novo começo em terras distantes.

As Raízes no Novo Mundo

A vida na Colônia Caxias, agora bem estabelecida, florescia em meio ao trabalho árduo e ao espírito comunitário dos imigrantes. Carlo e Marietta não apenas cultivavam suas próprias terras, mas também ajudavam novos colonos que chegavam. Nono Matteo tornou-se uma figura respeitada na comunidade, compartilhando suas habilidades artesanais e ensinando técnicas de cultivo aos jovens.
Carmela, Domenico, Rinaldo e Giuditta cresceram em um ambiente de desafios e aprendizagens constantes. A infância difícil deu lugar a uma juventude marcada pelo trabalho, mas também por um sentido profundo de comunidade e pertencimento. Carmela, com seu espírito resiliente, começou a ensinar as crianças mais novas da colônia, contribuindo para a educação e a formação das novas gerações. Domenico, seguindo os passos do pai, tornou-se um agricultor habilidoso, enquanto Rinaldo demonstrava um talento nato para a carpintaria, ajudando o nono Matteo na oficina. Giuditta, a mais nova, florescia como uma jovem inteligente e curiosa, sempre pronta a ajudar nos afazeres diários.

A Comunidade e a Fé

A fé sempre foi um pilar para a família Bottarello, e com o tempo, a comunidade conseguiu construir uma pequena capela de madeira. A igreja tornou-se um ponto central na vida dos colonos, um lugar para as celebrações religiosas, casamentos, batismos e encontros comunitários. Nona Maria, com sua devoção inabalável, era frequentemente vista cuidando da capela, arrumando as flores do altar e organizando os encontros religiosos.

Desafios Renovados

Embora a vida estivesse se estabilizando, novos desafios surgiam constantemente. O clima imprevisível do sul do Brasil, com suas chuvas torrenciais e secas intensas, testava a resiliência dos colonos. Carlo, sempre preocupado com o bem-estar da família, investiu na diversificação das culturas e na criação de pequenos animais, garantindo uma fonte de sustento mais segura.
As dificuldades de comunicação e transporte também eram obstáculos constantes. As estradas de terra e as longas distâncias até os centros urbanos dificultavam o acesso a mercados e recursos médicos. A comunidade, porém, mostrou-se inventiva e colaborativa, organizando-se em grupos para enfrentar esses desafios. Carlo liderava muitas dessas iniciativas, sua experiência e liderança eram amplamente reconhecidas e valorizadas.

O Legado dos Bottarello

Com o passar dos anos, a família Bottarello tornou-se um exemplo de sucesso e perseverança. Os campos cultivados com milho e trigo expandiram-se, e a terra antes selvagem agora florescia com vinhedos e árvores frutíferas. A grande casa de madeira de três pisos e um grande porão de pedras, construída com tanto esforço, era um símbolo de estabilidade e prosperidade.
Carlo e Marietta, agora já idosos, olhavam com orgulho para seus filhos, que começavam a formar suas próprias famílias. A comunidade crescia, e a integração entre os imigrantes e os habitantes locais se fortalecia, criando uma sociedade rica em diversidade cultural e cooperação.

Um Novo Ciclo

Enquanto a colônia continuava a se desenvolver, a chegada constante de novos imigrantes renovava o espírito pioneiro da região. Carlo e Marietta, agora avós, recebiam com alegria e hospitalidade aqueles que, como eles, buscavam uma nova vida. Matteo, apesar da idade avançada, continuava a ser uma presença sábia e encorajadora, enquanto nona Maria permanecia uma figura central de fé e suporte na comunidade.
A história dos Bottarello tornou-se uma inspiração para todos ao seu redor. A pequena capela de madeira, construída com tanto esforço, agora abrigava celebrações vibrantes, refletindo a alegria e a gratidão de uma comunidade que superou inúmeras adversidades.

Epílogo: A Promessa Cumprida

Quinze anos após a chegada ao Brasil, a família Bottarello olhava para o horizonte com a certeza de que seu sacrifício havia valido a pena. A terra brasileira, com suas promessas e desafios, havia se tornado um lar. Os descendentes dos Bottarello continuam a cultivar a terra com a mesma paixão e dedicação que seus antepassados trouxeram do Vêneto.
Carlo e Marietta, sentados na varanda de sua grande casa, assistiam ao pôr do sol, refletindo sobre a jornada que os trouxe até ali. A lembrança da Itália ainda vivia em seus corações, mas agora se misturava com o orgulho e a realização de terem construído um futuro melhor para sua família no novo mundo. A promessa de uma vida melhor havia sido cumprida, e a saga dos Bottarello se entrelaçava para sempre com a rica história da colônia Caxias, um testemunho eterno de coragem, fé e perseverança.

sábado, 9 de setembro de 2023

A Imigração Italiana e o Nascimento de Caxias do Sul no Rio Grande do Sul

Colônia Caxias em 1880

 


Foi sobretudo na América do Sul, e em particular no Brasil, que a emigração italiana produziu, sob a pressão das cada vez maiores ondas de chegadas de imigrantes italianos dos anos 1890, a propagação de dezenas de povoações que deram início às etapas da evolução normal de um tecido urbano, passando rapidamente de aglomerados de cabanas à cidades populosas e cheias de vida.



A cidade de Caxias do Sul em 1930



A cidade de Caxias do Sul, localizada no estado do Rio Grande do Sul, pode ser tomada como exemplo emblemático: em 1880, as primeiras casas de madeira parecem ser dominadas pelas grandes copas de árvores que sobreviveram ao desmatamento dos colonizadores; cercas improvisadas com troncos irregulares dominam as ruas esburacadas e lamacentas.



Colônia Caxias em 1884



Alguns anos depois, a fotografia já revela a presença de um projeto urbanístico específico: as casas, mais numerosas e bem conservadas, erguendo-se às margens de uma rua larga, a futura rua Julio de Castilhos.




Mapa da distribuição dos lotes na Colônia Caxias



Quando em 1913 Caxias foi reconhecida como cidade, já se apresentava como um núcleo estruturado, dentro do qual não é difícil imaginar o fervor das iniciativas e atividades, supervisionadas pelo imponente maciço da igreja matriz dedicada a Santa Teresa.


Colônia Caxias em 1890



Na década de 1920 a cidade se mostrava com ruas largas e bem cuidadas, onde os carros começaram a substituir as carroças e carruagens; a corrente elétrica anima lojas, palácios e residências que, com a pompa das fachadas, testemunham o nível de riqueza alcançado pela burguesia local.



Colônia Caxias



Em torno dos edifícios públicos a presença massiva de pessoas, por ocasião de celebrações religiosas ou civis, dá a medida da vitalidade e expansão contínua de uma cidade onde a presença e a cultura dos emigrantes venetos são cruciais.





segunda-feira, 3 de julho de 2023

Lágrimas da Floresta: A Dor de uma Mãe Imigrante Italiana

 




Lágrimas da Floresta: 
A Dor de uma Mãe Emigrante Italiana



Nas matas do Rio Grande do Sul, 
Uma mãe emigrante, com o coração ferido, 
Sofre a dor profunda de uma perda insuportável, 
Seu amado filho, com apenas um mês de vida.

Nascido em meio ao isolamento, sem ajuda, 
Na colônia Dona Isabel, onde foram levados, 
A falta de recursos e cuidados adequados, 
Fez com que o destino lhe fosse arrancado.

O choro do bebê se misturava ao vento da floresta, 
Enquanto a mãe, desesperada, buscava consolo, 
Entre as árvores, suas lágrimas caíam, 
Um lamento silencioso, marcado pelo desamparo.

A imensa saudade da terra distante, 
O sentimento de estar longe, sem proteção, 
Tudo se intensifica com essa perda avassaladora, 
Um filho levado, deixando um vazio amargo.

Que tristeza profunda invade seu peito, 
Como uma dor que não encontra alívio, 
Essa mãe emigrante, entre as matas, 
Chora a perda de seu tesouro, sua razão de viver.

Que o tempo traga algum conforto a essa alma, 
Que a esperança possa renascer em seu olhar, 
Mesmo entre as árvores, no silêncio da floresta, 
Essa mãe encontra forças para continuar a caminhar.



de Gigi Scarsea
erechim rs



quarta-feira, 19 de abril de 2023

A Saga de Um Casal de Imigrantes Italianos na Colônia Caxias

 




No final do século XIX, muitas famílias italianas emigraram para o Brasil em busca de melhores oportunidades de vida. Entre elas, estava a família de Francesco e Augusta, que vieram da região do Veneto e se estabeleceram na colônia Caxias do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, em 1878. A jornada foi longa e difícil, durando 40 dias entre o mar e em terra. Eles eram dois pobres camponeses, mas corajosos, que decidiram deixar sua terra natal, na Itália, em busca de uma vida melhor na América do Sul. Eles haviam ouvido falar do Brasil e de suas terras férteis, onde os imigrantes eram bem-vindos e poderiam prosperar. Depois de muitas conversas e planejamento, eles finalmente embarcaram em uma longa jornada, que durou quase cinquenta dias, até chegarem à Colônia Caxias, no Rio Grande do Sul. Durante a longa viagem, Francesco e Augusta fizeram amizade com outros imigrantes, que também estavam a caminho da mesma colônia. A maioria deles eram italianos como eles, mas havia também alguns poucos alemães. Eles compartilharam histórias e experiências, tornando a viagem menos solitária e mais emocionante. Quando finalmente chegaram na Colônia Caxias, a terra parecia diferente de tudo o que tinham visto antes. As montanhas ao redor eram majestosas, a vegetação era densa e exuberante e o clima era um pouco diferente. Eles, e todo o grupo, foram recebidos pelos funcionários da colônia e por outros imigrantes que já estavam estabelecidos, que os ajudaram a encontrar o seu pedaço de terra e construir a sua nova casa. O casal teve que trabalhar duro para sobreviver nos primeiros anos. Eles desmataram uma parte do terreno e ali, após a queima das árvores, plantaram um pouco de trigo, milho, feijão e outros vegetais como todos os outros imigrantes na região. Começaram a criar alguns animais, como porcos e galinhas, para terem carne fresca e ovos. Pietro e Sofia, seus filhos, ajudavam nas tarefas diárias, mas também iam à escola no período da manhã para aprender a ler e escrever. A vida na colônia não era fácil, mas eles eram cercados de pessoas amigas e trabalhadoras. Eles participavam de festas e celebrações na igreja, onde se encontravam com outros imigrantes e trocavam experiências. Lentamente aprenderam a falar algumas palavras em português e a se comunicar com os brasileiros locais, mas entre os imigrantes italianos só falavam o talian, uma língua criada nas colônias italianas do Rio Grande do Sul para se comunicarem entre eles. Nos anos seguintes, a colônia cresceu e se desenvolveu. Mais imigrantes chegaram, e a terra foi ficando mais produtiva. Francesco e Augusta  conseguiram comprar mais terras ao lado da que já possuíam  e expandiram seus negócios. Pietro e Sofia cresceram e se casaram com os filhos de outros imigrantes italianos da região. Por volta do final do século, a família de Francesco e Augusta já era uma das mais prósperas da colônia. Eles tinham uma grande plantação de milho, um bom número de vacas e criação de suínos, até chegaram a construir uma pequena fábrica de queijo. Com muito amor eles ainda mantinham suas antigas tradições italianas. O casal havia se adaptado muito pouco à cultura brasileira e a língua do país, o português, jamais conseguiram falar direito e sempre carregado com muito sotaque italiano. A vida na colônia não era fácil, mas eles haviam conseguido construir uma vida feliz e satisfatória.


Texto de um livro de contos de
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS




segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O Caminho dos Imigrantes Italianos no Brasil

Travessia do Rio Caí

 



Os primeiros imigrantes italianos que chegavam ao Brasil desembarcavam exclusivamente pelo porto do Rio de Janeiro. Desciam nas instalações portuárias da Ilha das Flores, onde se situava a Hospedaria dos Imigrantes, que os acolhia pelo prazo máximo de oito dias  depois seguiam o seu destino. 

A partir de 1882, com o grande aumento do fluxo de imigrantes, o desembarque também passou a ser feito pelo porto de Santos, especialmente para aqueles imigrantes cujo destino final era o Estado de São Paulo. Os recém chegados faziam o trajeto desde o porto até a cidade de São Paulo, por trem ou em grandes carroças. Ficavam hospedados na Hospedaria dos Imigrantes esperando pelos representantes dos fazendeiros que vinham busca-los. 

Os imigrantes já vinham da Itália com contratos assinados com grandes fazendeiros de café, e também de algodão, e somente depois de registrados na hospedaria é que ficavam sabendo para onde seriam levados.

Aqueles imigrantes que seguiriam ainda para outros destinos na região Sul, como os portos de Paranaguá, Laguna ou Porto Alegre, eram transportados por navios costeiros brasileiros de menor calado. 

Os imigrantes que estavam destinados às colônias italianas do Sul do país, criadas a partir de 1875, paravam no porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. 

Depois de uma parada de alguns dias, esperando pelas pequenas embarcações fluviais a vapor, ainda na Lagoa dos Patos, passavam por Pelotas até Porto Alegre, para então começar a subir pelos rios Caí ou Jacuí, até desembarcarem no local mais próximo de onde estavam situadas as colônias italianas recém criadas pelo governo brasileiro.

Subindo o rio Caí, os imigrantes que estavam destinados para as Colônia Dona Isabel e Conde d'Eu, hoje respectivamente as cidades de Bento Gonçalves e Garibaldi, desembarcavam em Montenegro. Já aqueles destinados para a Colônia Caxias, desembarcavam em São Sebastião do Caí. 

Do desembarque, nos portos do rio Caí, até as respectivas colônias, precisavam vencer uma longa distância, cujo percurso era feito em carroções puxados por bois ou a pé. A estrada era somente uma estreita picada no meio da mata, aberta a facão pelos próprios imigrantes e funcionários do governo brasileiro que os acompanhavam. 

No fim do trecho plano da chamada estrada Rio Branco, às margens do Rio Caí, tinha então início a parte mais difícil do trajeto que era a subida da Serra. Mas, antes de seguirem viagem, muitos paravam na improvisada hospedaria para se alimentar e descansar. Os italianos eram acompanhados por alguns funcionários do serviço de imigração que além do transporte, também serviam de guias para localizar o lote de terra correspondente a cada um dos imigrantes. 

Os imigrantes italianos que seguiram para a Colônia Silveira Martins, nome dado em homenagem ao presidente da província, porém, mais conhecida como quarta colônia de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, tiveram que subir pelo rio Jacuí até Rio Pardo e completar o restante do caminho em carros de bois ou a pé, até a localidade de Val de Buia.

A 4ª Colônia, criada em 1877, ficava próximo do município de Santa Maria, uma extensa região no planalto central do estado que engloba os atuais municípios de Silveira Martins, Ivorá, Faxinal do Soturno, Dona Francisca, Nova Palma, Pinhal Grande e São João do Polêsine, além de partes dos municípios de Agudo, Itaara e Restinga Seca.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS






quarta-feira, 29 de junho de 2022

Os Imigrantes Italianos nos Campos de Cima da Serra do RS

 

Colônia Caxias no ano de 1884



A expansão do capitalismo, no final do século XIX, foi o contexto sobre o qual desenrolou-se a história da imigração europeia para o Brasil e, mais especificamente, para o Rio Grande do Sul. Em território brasileiro, especialmente nas lavouras cafeeiras, os imigrantes europeus gradativamente substituíram a mão de obra escrava, que vinha tornando-se escassa e cara desde a abolição do tráfico com a África em 1850.

Em solo gaúcho, a política imigratória justificava-se pela necessidade de colonização e povoamento. A experiência positiva com a imigração alemã possibilitou o surgimento de novos núcleos coloniais que seriam ocupados por imigrantes italianos. Esses núcleos foram organizados na Encosta Superior do Nordeste, região formada por terras devolutas, delimitadas pelos Campos de Cima da Serra e pela região dos vales, de colonização alemã. A opção por esta área coube ao governo da província que, em 1869, decidiu pela ocupação do território mais tarde denominado Região Colonial Italiana.

A organização dos trabalhos coube a órgãos governamentais responsáveis pela identificação e exploração das terras, medição, demarcação e recepção dos imigrantes nas colônias. Nas sedes das colônias, a responsabilidade pelos trabalhos ficava a cargo da Diretoria da Colônia, subordinada à Inspetoria Especial de Terras e Colonização e, no caso do Rio Grande do Sul, sediada em Porto Alegre e esta, por sua vez, subordinada à Inspetoria Geral de Terras e Colonização do Rio de Janeiro.

A estrutura administrativa, prevista pela Lei de Terras de 1850 e legislação posterior, era mantida pelo trabalho de engenheiros, agrimensores, desenhistas, topógrafos, tradutores e escriturários e sustentou a criação na região da Serra Gaúcha, entre 1872 e 1875, de três colônias: Colônia Caxias, Colônia Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Colônia Conde D'Eu (Garibaldi). A área compreendida por cada uma das colônias continha quatro léguas quadradas ou 174.200.000 metros, dividindo-se em lotes rústicos e lotes urbanos.

Estes lotes situavam-se dentro das denominadas Linhas ou Travessões, conhecidas como caminhos traçados no meio da mata, de seis a 13 quilômetros de extensão, que serviam como divisores dos lotes. Os travessões agrupados formavam as léguas. Contudo, nem todas as léguas possuíam o mesmo tamanho e a mesma quantidade de travessões, já que diferenciavam-se em decorrência da topografia dos terrenos.

Dentro dessas linhas e travessões, surgiam os lotes. Os denominados lotes rústicos ou rurais possuíam uma extensão, conforme a legislação, entre 22 e 25 hectares. Na prática, seu tamanho era ainda mais variado, tendo alguns lotes até 80 hectares. Mesmo assim, eram áreas pequenas se comparadas àquelas destinados aos imigrantes alemães e às extensas sesmarias do período colonial brasileiro. Valorizava-se, dessa forma, a formação da pequena propriedade rural, cuja principal força de trabalho era a familiar, destinada à produção de bens para subsistência e abastecimento do mercado interno. Os lotes eram pagos no prazo entre cinco e 15 anos.


Texto da página oficial da Prefeitura de Caxias do Sul

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A Chegada dos Imigrantes Italianos na Colônia Caxias

 

Vapor Garibaldi no Porto Guimarães no Rio Caí


O primeiro nome da Colônia Caxias, futura cidade de Caxias do Sul, foi Colônia Fundos de Nova Palmira, quando então esta era apenas uma grande fazenda cuja área que se ficava nos fundos dessa propriedade foi destinada, pela Comissão de Terras do Império, para instalar os imigrantes que ali começaram a chegar a partir do ano de 1875. 

A cidade de Caxias do Sul pertenceu a São Sebastião do Caí e dela se emancipou no ano de 1890, quando foi elevada à categoria de município.

Caxias do Sul teve início na localidade de Nova Palmira, pertencente ao distrito de Vila Cristina.

É por esta localidade que os imigrantes europeus atravessavam, percorrendo a Estrada Rio Branco, para chegarem à colônia.


Travessia do Rio Caí e chegada dos imigrantes no porto



Subindo pelos meandros do rio Caí desde a capital Porto Alegre, a bordo de pequenos barcos fluviais à vapor, após uma viagem que durava aproximadamente doze horas, desembarcavam no porto fluvial da cidade de São Sebastião do Caí, que na época era denominada de Porto Guimarães.



Vapor Lageado no Porto Guimarães no Rio Caí
 



Aqueles imigrantes cujo destino era a Colônia Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e Conde d'Eu (atual Garibaldi) desembarcavam um pouco antes, em Montenegro, após sete horas de viagem subindo pelo rio Caí.

Entre São Sebastião do Caí e Montenegro, no município de Pareci, havia uma barragem que permitia a navegabilidade do rio Caí naquele trecho durante o período das cheias. Essa barragem era dotada de comportas - foi a primeira eclusa da América do Sul, se assemelhando bastante, guardando as devidas proporções,  com aquela do canal do Panamá.

Após uma breve parada, geralmente, de um dia para descanso e organização dos seus pertences, os imigrantes iniciavam a difícil subida da serra à pé, em carroções ou em lombo de mulas,  abrindo a estrada com foice e facões, acompanhados por guias da comissão de terras. Esta viagem muitas vezes podia durar até três dias e três noites.

Após todo esse esforço chegavam então ao núcleo de colonização localizada no Campo dos Bugres, nos fundos de Nova Palmira.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS